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domingo, 22 de dezembro de 2013

Capitalismo: um termo ideologicamente carregado, deve ser abandonado - Steven Horwitz

Capitalismo, como dizia o historiador Fernand Braudel, tornou-se um superlativo conceitual, a ponto de não querer dizer mais nada. Para ele, o capitalismo era apenas uma parte das economias de mercado, talvez a mais bem sucedida, mas ainda assim sujeita a muitas confusões, a maior parte provocada pelos inimigos do capitalismo, como ensina este libertário, Steven Horwitz.
Grato ao meu amigo Orlando Tambosi por ter me chamado a atenção pelo artigo, que pesquei em seu blog.
Paulo Roberto de Almeida

Orlando Tambosi

Excelente artigo do economista Steven Horwitz põe em dúvida o uso do termo "capitalismo", que gera contradições. De fato, depois de Marx o termo parece ter se tornado mero jargão: capitalistas são os exploradores, espoliadores, rapineiros, isto é, todos aqueles que se contrapõem ao estatismo e ao totalitarismo, defendendo ideias liberais e o mercado livre. Texto surrupiado do Ordem Livre:

Um dos mais interessantes desdobramentos na esteira da Grande Recessão é o uso e abuso da palavra "capitalismo". Você sabe que algo estranho está acontecendo quando é possível encontrar artigos e editoriais que culpam o "capitalismo" por toda a crise, ao lado de outros afirmando que o "capitalismo" não tem nada a ver com ela. Obviamente não podem ambos ser verdadeiros, então uma reação comum é dizer que um dos autores está errado sobre os fatos ou em sua interpretação dos fatos.

Mas deve-se considerar outra possibilidade: que ambos estejam usando a mesma palavra ("capitalism") para falar de coisas diferentes. A confusão gerada pela palavra é uma boa razão para os defensores da liberdade pensarem em abandoná-la, junto com sua contrapartida terminológica, "socialismo".

Há pelo menos três razões pelas quais os termos "capitalismo" e "socialismo" são problemáticos: (1) "capitalismo" foi cunhado por seus oponentes; (2) ambos são etimologicamente carregados de uma forma que predispõe contra o capitalismo; e (3) como nenhum sistema econômico existente corresponde a nenhum dos dois de forma coerente, o significado de ambos foi poluído por estar conectado a sistemas do mundo real que têm elementos não necessariamente característicos do ideal. Isso é particularmente verdadeiro sobre o capitalismo.

Os pontos (1) e (2) são interrelacionados. O uso moderno do termo "capitalismo" data de antes de Marx, mas foi Marx que o popularizou. Uma busca pela palavra "capitalismo" nas obras de grandes autores liberais do século XVIII ou da maior parte do XIX, como Adam Smith e outros escoceses, para descrever o sistema que favoreciam será vã. O uso do termo pelos proponentes do sistema é em grande parte um fenômeno do século XX.

Como o termo foi cunhado por oponentes, não é surpresa que seja etimologicamente carregado. Em geral o sufixo "ismo" se refere à "crença em" algo. No caso do capitalismo e do socialismo, podemos observar como, vistas dessa perspectiva, as palavras revelam o desequilíbrio. Os nomes sugerem que "capitalismo" é um sistema no qual o "capital" é a característica central e força motriz. Aqueles que apoiam tal sistema parecem "acreditar" no poder do capital, o que além disso sugere que os interesses do capital são os que são, e talvez os que devam ser, servidos pelo sistema.

Compare-se o termo com "socialismo", que coloca "sociedade" na mesma posição. Esse sistema presumivelmente envolver uma crença no poder da "sociedade" como um todo, e o termo sugere que os interesses da sociedade são os que são, e devem ser, servidos pelo sistema.

Se temos que escolher entre um sistema cujo nome sugere que serve os interesses de somente uma pequena fração dos já ricos e poderosos e outro cujo nome sugere que servirá os interesses da sociedade como um todo, qual acharemos mais atraente?

O problema aqui é que os nomes levam a uma série de questões de economia política ao parecerem sugerir quem se beneficia de cada sistema. As afirmaçãos implícitas de que o capitalismo (isto é, o livre mercado) serve primariamente aos interesses do capital e de que o socialismo serviria os interesses da sociedade como um todo não são fatos, mas proposições teóricas abertas a debate e, na minha opinião, ambas falsas. Usar esses termos tende a obscurecer as questões sobre se esses sistemas realmente funcionam da maneira como seus nomes sugerem. Nenhum dos dois é útil para se entender que tipo de instituição cada sistema de fato traz consigo.

E por fim, a palavra "capitalismo" veio a significar uma série de coisas, em grande parte por causa da forma como o termo como o "capital" sob os holofotes. (Note-se que foi preciso esclarecer que estou usando a palavra "capitalismo" para me referir ao "livre mercado".) Com frequência demais, os oponentes do capitalismo usam o termo para se referir a qualquer tipo de sistema no qual os interesses do capital vêm primeiro.

Então quando governos oferecem favores a empresas privadas, ou quando as empresas procuram ativamente tais favores, permitindo que controle mercados em detrimento de todos nós como consumidores, nos dizem que isso é "capitalismo". Quando defensores do livre-mercado os questionam sobre a diferença entre "capitalismo" e "livre mercado", os mesmo críticos simplesmente dizem: "São vocês que dizem que temos uma economia capitalista. Por que objetam ao uso do termo para descrever o status quo?"
E essa é uma resposta justa, que ilustra bem os problemas que surgem quando usamos uma palavra para significar uma coisa ("capitalismo" para "livre mercado") mas tantas outras pessoas usam-na para significar outra coisa ("capitalismo" para "qualquer coisa que beneficie o capital"). Também explica as análises contrastantes da recessão que notei no início.
O que devem fazer, então, os defensores da liberdade?
Para dar um exemplo, poderíamos usar "mercados" e "planejamento" para substituir "capitalismo" e "socialismo". Se acreditamos que o arranjo institucional fundamental para o capitalismo é o mercado, e para o socialismo, alguma forma de planejamento do governo, então essas duas palavras descrevem mais precisamente a configuração institucional de cada sistema. Esses termos são puramente descritivos e não predispõem a nenhuma preferência. Um julgamento normativo requereria argumentação adicional.
Usar "mercados" em vez de capitalismo tem uma vantagem e uma grande desvantagem. A vantagem é que o termo parece resolver a preocupação expressa pelo filósofo da Universidade Auburn, Roderick Long, e outros libertários de esquerda, de que o termo "capitalismo", ou mesmo "propriedade privada dos meios de produção" implica que o capital deve ser de alguém que não os próprios trabalhadores. Essa é frequentemente uma fonte de objeção dos socialistas ao capitalismo. No entanto, o termo "mercado" não carrega tais implicações. Afinal, pode-se conceber uma economia em que a maior parte ou mesmo todas as empresas são propriedade dos próprios trabalhadores, e no entanto as relações das empresas com outras empresas e com os consumidores se conduzem inteiramente pelo livre mercado.
A desvantagem do termo é que "mercado" apenas não distingue entre mercados livres e aqueles nos quais o estado, ou por sua própria vontade ou a mando de agentes privados, desempenha um papel significativo, em detrimento do público. Na atual economia americana, os mercados predominam, mas não são exatamente irrestritos. O uso de "mercados", portanto, parece um avanço do sentido de especificar o principal processo institucional do sistema favorecido, mas pode precisar de mais uma qualificação para distinguir o ideal irrestrito da realidade restrita. Long e outros sugeriram os termos "mercados liberados" para designar o ideal, o que tem a vantagem de deixar claro que não temos mercados livres atualmente.
Substituir "socialismo" por "planejamento", no entanto, levanta outros problemas. Embora, no século XIX e no início do século XX, muitos vissem o planejamento como a essência do socialismo, essa crença não era universal e desapareceu em grande medida nas últimas décadas. Para muitos, hoje, o socialismo se refere mais à melhoria de condições de trabalho do que à substituição dos mercados pelo planejamento. Por exemplo, Ted Burczak, em seu Socialism After Hayek [Socialismo depois de Hayek], daria aos mercados grande latitude entre empresas e entre estas e os consumidores, mas proibiria contratos de trabalho assalariado, forçando todas as empresas a terem donos e proprietários trabalhadores. Historicamente, essa ênfase na propriedade do trabalhador foi vista como uma característica essencial do socialismo. Conforme observado, não é incompatível com os mercados liberados, contanto que não seja forçada através de coerção. Assim sendo, libertários de esquerda podem legitimamente dizer que apoiam "mercados libertados" e "socialismo", se com este querem dizer simplesmente a propriedade dos meios de produção pelos trabalhadores.

Então mesmo que usássemos "mercados" e "planejamento" para "capitalismo" e "socialismo", ainda assim precisaríamos de adjetivos adicionais. A pergunta é se os circunlóquios um tanto mais tediosos que poderiam substituir "capitalismo" valem a pena. Dada a confusão que descrevi, estou cada vez mais convencido de que sim. Mesmo libertários como eu, que não acredito que propriedade e gerência de trabalhadores sobre os meios de produção sejam essenciais para nosso ideal, os problemas com a palavra "capitalismo" se tornaram tão importantes que é hora de pensarmos seriamente sobre abandoná-la como nome da alternativa ao status quo que favorecemos.

Um comentário:

Unknown disse...

Olá Prof,

Há tempos gostaria de lhe enviar o conteúdo de um diálogo que mantenho com meus amigos sobre o que é o capitalismo, capitalista e o livre mercado. Como sou o único economista do grupo, por vezes recaem sobre mim algumas indagações. Eu tenho tido algum “sucesso” com esta explicação e gostaria de compartilhar com o senhor. Claro, ele tem um viés didático e não acadêmico, vamos à ele.

Conceito
Começo conceituando o que é capitalismo. O capitalismo nada mais é do que um modo de produção, cujo objetivo e produzir mais por menos. Todo capitalista age desta maneira. (Isso sempre causa um desconforto, mais a explicação vem mais abaixo)
Outro conceito importante é explicar o que é um capitalista. Todos nós somos capitalistas, ou seja, se você tem algum dinheiro para comprar alguma mercadoria, você é um capitalista, pois o seu objetivo será comprar a maior quantidade possível de mercadorias com o seu dinheiro, portanto procura-se maximizá-lo, tal qual como um grande capitalista procura maximizar o seu capital investido na sua produção de bens.
O livre mercado é reconhecido pela liberdade que os investidores, ou como quiserem capitalistas, tem de investir o seu capital em vários setores, com a interferência mínima do governo, ou até mesmo sem nenhuma.

Exemplos práticos destes conceitos
O modo de produção capitalista se encaixa perfeitamente, tanto em países cuja a liberdade econômica seja alta, (Hong Kong e Austrália citando apenas alguns exemplos) ou em países onde o sistema político e econômico seja controlado e regulamentado pelo Estado (o caso chinês é o melhor exemplo). Portanto o capitalismo não necessita necessariamente de se desenvolver em um ambiente de liberdade para negócios, ou seja, de um livre mercado.
O capitalista, ou melhor o grande capitalista, não se simpatiza com as regras do livre mercado. Para ele um bom acordo com um governo, cujo os princípios não se coadunam com o livre mercado, é muito mais interessante do que ter de enfrentar concorrentes o tempo todo. Por isso da famosa frase de Anthony Sutton, “O melhor amigo de um capitalista e um governo socialista.”
Desta maneira teremos graves distorções, tanto na parte salarial quanto dos preços, pois sem concorrentes a altura, devido as próprias restrições impostas pelo governo, os salários sempre serão o mesmo, pois os empregados não tem a possibilidade de serem contratados por outras empresas por um salário maior, e os preços sempre será o máximo que o comsumidor está disponível dispender para o consumo do mesmo, nunca ao contrário.
Sempre quando ocorrem crises, o cenário estabelecido é sempre este, um governo regulamentador e umas poucas empresas servindo aos seus caprichos.
Quando uma empresa quebra e o governo não está envolvido, nada ocorre com o mercado, vide o exemplo da Varig no Brasil. Num primeiro momento, gera-se obviamente um mal estar,mas o mercado reacomodou literalmente todos os passageiros e os funcionários da extinta Varig ( eu sou um ex-funcionário da aérea).
No livre mercado, um mero apertador de parafusos, poderá ser disputado pelas empresas, pois, pelo princípio do modo de produção capitalista, devemos sempre produzir mais por menos. O capitalista, dentro deste livre mercado, não se incomodaria de pagar um salário maior se o retorno valer a pena. Aí teremos uma relação mais justa entre os preços oferecidos e os salários dentro desta economia.
Portanto a relação incestuosa entre o capital e o governo é que gera graves distorções em todos os setores da economia, seja no preço ou no mercado de trabalho.