Acho que ele ele combina com texto em meu último (ops, mais recente) livro, Nunca Antes na Diplomacia..., que se chama, justamente: Uma diplomacia exótica (também bizarra...).
Enfim, eu e o Alberto Pfeifer devemos estar profundamente errados, pois essa mesma diplomacia, anômala, exótica, ou seja lá o que for, é admirada e exaltada por 90%, ou mais, dos membros da nossa academia, sem falar de outras esferas, onde a aceitação deve beirar 120%.
Enfim, já nao estou mais sozinho...
Paulo Roberto de Almeida
“Rodada de Avaliação sobre a Política Externa do
Governo Lula: Estratégias, Resultados e Perspectivas”.
GACINT/Universidade de São Paulo (USP),
JUNHO 2005
Alberto Pfeifer
Notas para exposição e discussão
Apontamentos preparados em junho de 2005 para
intervenção do autor em mesa-redonda no Gacint/USP. Publicação autorizada em 28 de julho de 2014
para registro histórico no blog “Diplomatizzando” de Paulo Roberto de
Almeida.
A política externa do governo Lula é
uma política externa anômala. É anômala
porque se afasta da política externa brasileira usual. É anômala porque constitui-se de um
conjunto de anomalias, atos percebidos como disparatados vis-à-vis os
movimentos tradicionais da atuação externa brasileira.
Qualificá-la de anômala não
significa uma pecha, ou exercer sobre a política externa um juízo de valor
positivo ou negativo. O balanço dos
resultados ainda estará por ser realizado, assim como a sua própria característica:
a anomalia permanecerá como tal, como fuga do useiro e vezeiro, ou
representará uma mudança tecnológica na política externa brasileira? Ou
governos futuros retornarão ao trilho da normalidade, e a anomalia será
percebida como uma efeméride passageira?
O caráter anômalo da nova
política externa deriva de atributos próprios do novo governo que tomou posse
em janeiro de 2003 e de mudanças no ambiente externo. A política externa é anômala no
nascedouro porque sua genética revela um hibridismo que talvez explique o vigor
de sua manifestação: pela primeira vez na história independente, o Brasil tem
uma política externa em que o alelismo homozigótico da política externa
itamaratiana é mesclada a um DNA partidário explícito, o do Partido dos
Trabalhadores. O vigor do híbrido explicaria o ativismo exacerbado.
A anomalia é reativa[1]
a outra anomalia externa, de ordem maior: a política externa dos EUA engendrada
após o 11 de setembro de 2001. Se é fato que havia um potencial e uma aspiração
a romper com alguns cânones da ação externa norte-americana na equipe de Bush,
tais gênios foram liberados da garrafa com o estopim do 911. Decorre toda uma
nova política de segurança nacional e internacional que passa de roldão por
sobre as instituições e até mesmo valores da governabilidade global, ensejando
a demonstração explícita, ostensiva e antecipada (por meio da doutrina da ação
preventiva) dos atributos hegemônicos.
Daí se possa explicar o porquê da
política externa de Lula buscar interferir na construção da multipolaridade
alternativa à unipolaridade.
A análise da política externa
revela-a anômala em abordagem da série temporal porque é um ponto fora da curva da evolução da
política externa brasileira desde 1822: nunca terá havido uma política externa
tão espetacular e variada em ações; em artífices e implementadores; nunca
tamanha abundância de prioridades e parcerias preferenciais, que resultam numa
falta de foco e difícil compreensão dos resultados efetivos. Também em uma
abordagem cross section, por duas razões: difere do pragmatismo dos
propalados parceiros Sul-Sul (Índia, China, etc.), que seguem fazendo da
orientação econômica aos países desenvolvidos a referência básica e ainda,
principalmente, seus os atos de política exterior não correspondem aos fatos internacionais
e nacionais, mas mais ao discurso doméstico.
A política externa é anômala porque
a seus propalados objetivos não corresponde uma estratégia, mas sim um conjunto
difuso e confuso de ações e discursos.
Aferir seus resultados é uma tarefa trabalhosa, porque a estratégia que
esta política externa desvela a posteriori é organizada por indução, e
não por dedução – contradiz o preceito da racionalidade explicitado na posse de
Samuel Pinheiro Guimarães – e a ela não se interligam táticas concatenadas e
calibradas.
Daí decorrem as anomalias pontuais;
os movimentos a esmo, embora propalados como partes de um todo; os gestuais
exagerados; a retórica altaneira e farta. São anomalias: a visita a Cuba, a
confraternização com Fidel; o giro ao Oriente Médio e a visita de gala a
ditadores, ignorando Israel; o deslumbramento com a China e o pouco caso com um
leal e tradicional parceiro, o Japão; a excêntrica Cúpula América do Sul/Países
Árabes; o sem-número de implicâncias e pequenas querelas e queixumes com os EUA
– cúmulo da proposta da eliminação mútua de vistos em Monterrey (janeiro de
2004); afagos a Chávez e o alheamento a Uribe;
CSAN/CASA e desleixo c/ Mercosul; Haiti; canto gregoriano do assento no
Conselho de Segurança da ONU; abstenção contumaz na comissão de Direitos
Humanos da ONU quanto a Cuba; taxa internacional da fome; tours à África; trancamento
e inanição da ALCA; sem-número dos fronts de negociação comercial (Marrocos, Egito,
SACU, Índia, CAN, Canadá); Seixas Correa na direção-geral da Organização
Mundial do Comércio (OMC); multiplicidade de operadores da política (Lula,
Marco Aurélio Garcia, Celso Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães, José Dirceu, Luiz
Fernando Furlan, Roberto Rodrigues etc.)
A Teses do Novo espaço econômico
brasileiro – nova geografia comercial
Mercosul só não foi uma sucessão de
anomalias porque não escaparam muito ao passado recente, ao ponto de hoje se
falar em esforço do Brasil para evitar a institucionalização do retrocesso,
evitando salvaguardas e outros impedimentos ao livre comércio e à permanente
exceção à Tarifa Externa Comum (TEC).
A avaliação das estratégias e dos
resultados de uma política externa pressupõe que haja metas definidas e um
plano de ação estabelecido. Estratégias
serão desenhadas a partir desse plano de ação.
Quais, então, os objetivos da política externa do governo Lula? Alguns
analistas (Guilhon Albuquerque) identificam que tais objetivos, incongruentes
por natureza, explicam a falta de foco e a ação desordenada: crescimento com
estabilidade + projeção internacional de Lula + delineamento de uma nova ordem
global, calcada no aumento do poder relativo de alianças Sul-Sul.
Amado Cervo menciona, dentre os
objetivos da política externa, os seguintes: (a) reduzir a vulnerabilidade
externa (contabilizada no déficit de transações correntes) -- comercial,
econômica, tecnológica, financeira; (b) universalismo da ação, derivado da
visão da construção do mundo multipolar – daí a busca do assento no Conselho de
Segurança das Nações Unidas, a construção do Sul-Sul, a aproximação com África
e Oriente Médio; (c) a América do Sul como “espaço natural de afirmação dos
interesses brasileiros”, expandido até a África Atlântica: plataforma econômica
e política movida pelo motor do Mercosul, com autonomia política decisória e
organização autônoma da segurança – América do Sul centrada no Brasil – e daí ainda
prioridade explícita na integração sul-americana, a organização pró-ativa da
América do Sul centrada na visão brasileira para o continente.
O
Brasil de Lula molda sua política exterior pelo paradigma do Estado logístico.
Cita-se também um atributo, ou valor
norteador, tido como objetivo no que enceta de ações, e que se coaduna com a
figura presidencial, sua trajetória e sua proposta basilar: o Programa “Fome
Zero”, nacional e em escala global. Trata-se da dimensão humanista da política exterior:
a ação externa calcada no sentimento da solidariedade, da caridade, a exaltação
da cordialidade sergiobuarquiana e da bonomia brasileira à até a campanha pelo Papa brasileiro passa a fazer sentido!
Para a implementação da política
externa – para a definição de sua estratégia – é preciso contabilizar os recursos
de poder disponíveis. A um país que
se postula a membro permanente do CS da ONU e artífice da construção da nova
ordem mundial, o exame dos recursos de poder do Brasil não resulta muito
alentador: militarmente restritos e ultrapassados; economicamente modestos;
politicamente contidos. O “novo espaço econômico brasileiro”, ou a “nova
geografia comercial”, constituiria a tentativa de alargamento do poder relativo
econômico.
Quem não tem cão, caça com gato;
quem não tem gato, vai de matraca, ensinaram os constitucionalistas de 32 – daí a
metralhadora verbal atirando a todo lado, dentro e fora, para o bem e
para o mal, não só de Lula, como dos altos escalões (Celso Amorim X Argentina)
Economia da política externa: questão
de microeconomia – maximização dos benefícios dada a escassez de recursos – tratada
como macroeconomia – a política externa como variável dependente do crescimento
com estabilidade.
Por fim, está por ser escrita a
verdadeira história da quase consensual grande obra da política exterior de
Lula até junho de 2005: a formação e liderança do G20 agrícola na ministerial
de Cancún da OMC em 2003. Tida como
êxito mor do Itamaraty, lembremo-nos que surgiu mais por reação a um texto
acordado entre União Europeia e Estados Unidos, referendado pelo presidente do
Conselho Geral, o uruguaio Carlos Pérez de Castillo e pelo ministro do Comércio
mexicano Luís Ernesto Derbez, e que não expressava compromissos assumidos no
campo agrícola, previamente acertados, decorrentes da Rodada Uruguai. Além disso, apontava a temas sensíveis a
outros Países em Desenvolvimento que não haviam sido combinados, em
investimentos e proteção à propriedade intelectual.
Tem-se exaltado o G20 como proeza do
MRE. É questionável. Muito se deveu à
orquestração das equipes de duas outras pastas, Ministério da Agricultura (MAPA)
e do Desenvolvimento e Comércio Exterior (MDIC), muito em função de seus
respectivos titulares.
Avaliação do ponto-de-vista
empresarial: para o empresariado brasileiro, agrada a agressividade governamental
– solidarizam-se com o atributo típico do empresário – mas surpreende a falta
de coordenação interna e externa e os parcos resultados da política externa
econômica. Aliás, o grande resultado
percebido é muito negativo: reconhecimento da China como economia de mercado e
a reticência a contrapor-se aos interesses chineses. Sabe-se lá por quais razões, há uma
predileção política pela China, que talvez tenha a ver com a postulação ao assento
permanente no CS/ONU e à conquista dos elementos tecnológico-estratégicos
necessários para validar de modo insofismável tal pleito.
Já de parte dos empresários
latino-americanos, percebe-se profundo ceticismo quanto à eficácia real da
política exterior lulista.
Em suma: para utilizar metáforas caras ao presidente,
o objetivo do nosso time é ganhar o campeonato, vamos jogar no ataque sempre e
portanto marcar muitos gols e ganhar todos os jogos por goleada. Faltou contudo, como diria Manoel dos
Santos, combinar com os russos, os argentinos, os americanos, os chineses, os
indianos, os mexicanos etc. etc. etc.
A política externa só não é anômala
consigo mesma: seguirá a ser, conforme anunciado na posse do governo, seqüência
de atos altivos e altaneiros, audaciosos e até arriscados. Manter-se-á errática, perambulante, às vezes
beirando a petulância – que mais se afastaria do legado do Barão, que mais
anômalo?
São Paulo, junho de 2005; revisão de formato e
vernáculo em julho de 2014.
[1] “Diante das ameaças à soberania
nacional, ... a sociedade brasileira escolheu mudar e me elegeu” Presidente da República Lula
discurso posse 2003
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