segunda-feira, 26 de junho de 2017

Para que serve o Brics? - Marcos Sawaya Jank

Para que serve o Brics?

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 24/06/2017

Marcos Sawaya Jank (*)

 

Não há benefício em ser membro do BRICS em termos de menores barreiras e facilitação de comércio e negócios.

 

O mundo se tornou muito mais globalizado após 1990, quando a revolução das tecnologias de informação e comunicação provocou uma drástica redução da assimetria entre países desenvolvidos e economias emergentes.

 

A incrível consolidação das cadeias globais de valor transferiu fábricas, renda, empregos e conhecimento para as economias emergentes. O PIB relativo dos países do G7 (EUA, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Canadá e Itália) caiu mais de 20 pontos percentuais em apenas duas décadas: de 66% para 43% do PIB mundial.

 

Esse é o indicador que melhor ilustra o sucesso da globalização, ao gerar convergência e maior equidade entre os países do planeta. De um lado, nos países ricos, o padrão de vida da próxima geração tende a ser inferior ao da atual, gerando frustação e sentimentos antiglobalização. Do outro, nos países em desenvolvimento, a próxima geração vai melhorar de vida. Surge uma nova e pujante "classe média" na China, na Índia e em algumas economias emergentes da Ásia, do Leste Europeu e da América Latina.

 

Essa "repaginação" do mundo está por trás da formação de novas coalizões de países que não seguem a lógica econômica, cultural e geográfica do passado, como aconteceu no G7 e na União Europeia.

 

O grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) é um desses casos. Anteriormente chamados de países-baleia, os Brics detêm 24% da área do planeta, 42% da população e 23% do PIB mundial —ante apenas 10% em 1990. 

 

O Brics é hoje um dos maiores engajamentos internacionais do Brasil, com grande atividade política e diplomática: diálogo estratégico, segurança internacional, cooperação no G20, o Novo Banco de Desenvolvimento do Brics e outros. Todavia, nas áreas que poderiam gerar oportunidades mais concretas de integração, como comércio e investimentos, o resultado do Brics ainda é irrelevante.

 

Um ótimo exemplo é caso do agronegócio. No 7º Encontro dos Ministros da Agricultura do Brics, que ocorreu na semana passada em Nanquim, na China, o ministro Blairo Maggi propôs a criação de um grupo de trabalho para monitorar e apresentar propostas concretas para ampliar os fluxos de comércio e investimento do agronegócio entre os cinco membros. 

 

O valor bruto da produção agropecuária dos Brics passou de 24% para 42% do total mundial desde 1960. Boa parte dos 200 milhões de pessoas que sairão do status de "insegurança alimentar" nos próximos anos reside nos países do Brics, particularmente na China e na Índia. Mas a relação entre importações e consumo de produtos agropecuários ainda é muito pequena, da ordem de 10%.

 

Maggi propôs ainda a criação de um Fórum Empresarial Agrícola do Brics, com o objetivo de apresentar soluções de parceria e investimentos cruzados entre as empresas. O ministro deu o seu recado de forma clara e precisa, mas a resistência dos demais membros em avançar no agronegócio é enorme.

 

Oito anos após o seu lançamento, não há benefício algum em ser membro do Brics em termos de menores barreiras e facilitação de comércio, negócios e investimentos. No caso do agro, uma maior integração dos países do Brics, mesmo que administrada pelos governos, traria imensos benefícios para todos em termos de segurança alimentar, desenvolvimento sustentável e cooperação tecnológica. A complementaridade entre os países é enorme e poderia ser mais bem explorada.

 

Na última década, o Brasil apostou boa parte do seu cacife diplomático no Brics e, sem dúvida, ganhou maior estatura geopolítica global, em linha com as mudanças que estão ocorrendo no poder econômico, político e cultural do mundo. Mas isso não basta. É preciso buscar um padrão de comércio e investimentos mais justo, aberto e complementar, com resultados que justifiquem as centenas de reuniões que o Brics já promoveu. 

 

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.