Pessoalmente, eu acho que o Brasil deveria se dedicar a construir um mercado de capitais não mais dependente do Estado, o que significa simplesmente que o BNDES deixaria de existir. Mas concendo que isso é impossível na conjuntura atual. Mas eu caminharia por um período de transição de no máximo dez anos, em direção ao encerramento das atividades do BNDES tal como existem hoje. Ele poderia continuar existindo, mas de forma muito mais enxuta, para auxiliar apenas pequenos negócios e pequenas prefeituras que não teriam condições de ir ao mercado buscar recursos.
Paulo Roberto de Almeida
Qual é o papel do BNDES?
Por Roberto Castello Branco
Valor Econômico, 5/07/2017
O BNDES ampliou formidavelmente o escopo e o tamanho de suas operações. Transformou-se num dos três maiores bancos nacionais de desenvolvimento do mundo, juntamente com o CDB e KfW, da China e Alemanha, respectivamente, países com economia e taxas de poupança doméstica bem maiores do que as do Brasil.
Pesquisas acadêmicas sérias revelaram os danos causados pela expansão do BNDES entre 2007 e 2015: contribuição significativa para o endividamento público e praticamente nenhuma para o aumento do investimento, preferência para emprestar para empresas maiores, mais antigas e de menor risco, aquelas com maior acesso ao mercado, redistribuição de renda da sociedade para acionistas dessas empresas, aumento de poder de mercado de grandes frigoríficos e bloqueio parcial de importante canal de transmissão da política monetária para a atividade econômica, a taxa de juros.
O anúncio de novas normas operacionais do BNDES e da substituição da discricionária e opaca TJLP pela TLP, que refletirá os custos de captação do Tesouro Nacional, despertaram fortes críticas e pressões de economistas "desenvolvimentistas" e dos capitalistas inimigos do capitalismo, liderados pela Fiesp. Ao preservar o velho costume de demandar favores do Estado à custa da sociedade, esses empresários minam as bases da economia de mercado, transformando-se num de seus maiores inimigos.
A redução artificial do custo do capital pelo crédito subsidiado incentiva seus beneficiários a executarem projetos com menores retornos, o que piora a produtividade agregada, que já é baixa no Brasil, afetando negativamente o crescimento econômico.
Ao priorizar o financiamento subsidiado a empresas de maior porte, o BNDES concorreu para aumentar a concentração de mercado e provavelmente para a ampliação da desigualdade de renda.
Na literatura econômica, a evidência empírica suporta a hipótese de que mercados financeiros mais desenvolvidos contribuem positivamente para o crescimento econômico no longo prazo.
A maciça oferta de crédito subsidiado tende a atrofiar e não a fortalecer o mercado de capitais. Confrontada com a alternativa de pagar preços de mercado com obrigação de prestar contas continuamente a milhares de investidores, é imbatível para uma empresa a opção pelo crédito subsidiado estatal.
Na defesa do status quo anterior há a crença de que existe almoço de graça.
Inexiste a percepção de que o BNDES trabalha com recursos públicos que foram drenados da iniciativa privada, via impostos, dívida pública e inflação, o que entre outras consequências restringe a oferta de fundos para o mercado de capitais. Tais recursos, uma vez sugados do mercado, possuem usos alternativos, como educação, saúde e segurança pública, que possuem elevados retornos sociais.
BNDES pode ser menor do que é e retornar recursos para o Tesouro Nacional, ajudando a reduzir a dívida pública
Ausente também está a compreensão de que quem paga o subsídio de crédito é a sociedade, por acaso em um país cuja economia se defronta com grave desequilíbrio fiscal. Muitos são obrigados a bancar o privilégio de poucos.
Quem escolhe "campeões nacionais" é o mercado e não burocratas estatais. É um erro sério usar dinheiro público no financiamento de internacionalização de empresas, pois o retorno social não supera o retorno privado.
Os críticos da TLP reclamam que as empresas de bom risco de crédito acabarão pagando taxas de juros superiores às suas operações de mercado. São muito raras as firmas que têm custo de captação inferior ao Tesouro Nacional, e para essas o BNDES não deveria mesmo emprestar nenhum real.
Outro argumento é que, com a TLP, o BNDES não poderá proteger a indústria das flutuações do mercado financeiro. Proteção contra volatilidade de juros deve ser comprada no mercado e não dada graciosamente por um banco público.
A visão equivocada de que o BNDES teria um papel anticíclico fica clara na frase do presidente da Fiesp: "O BNDES precisa fazer em 6 meses o que faria em 6 anos". A retomada do crescimento no curto prazo depende da estabilidade macroeconômica, para a qual contribui desfavoravelmente o ambiente de incertezas provocado pelas graves acusações de corrupção contra a Presidência da República. Mais crédito subsidiado só agrava a questão da sustentabilidade da dívida pública.
O papel de um banco de desenvolvimento, como o nome sugere, é ajudar a promover o desenvolvimento econômico, processo de longo prazo, e não a estabilidade macroeconômica no curto prazo.
É estranho também à função de um banco de desenvolvimento o apoio a empresas que quebraram por especulação com derivativos financeiros, como ocorreu em 2008, problema que o mercado de controle corporativo pode resolver sem intervenção estatal.
O problema com a carteira de ações da BndesPar não se resume à falta de giro, o pior está em sua composição. Ela é concentrada em nove grandes empresas - Vale, Petrobras, Eletrobras, Fibria, Suzano, JBS, Copel, CPFL Energia, AES Tietê - que representam 83% do valor total. São companhias com ações listadas em bolsas de valores no Brasil e EUA e que definitivamente prescindem de recursos da sociedade para se financiarem. Trata-se novamente de sério problema de má alocação.
Os mercados financeiros se globalizaram e se sofisticaram, com o desenvolvimento de novos instrumentos e instituições, como os investidores especialistas em lidar com riscos de empresas de menor porte, os fundos seed, venture capital e privateequity. O Brasil não ficou à margem, e no século XXI o BNDES se torna muito menos necessário do que era há 30 anos.
Seu desempenho não deve ser medido pelo tamanho dos ativos, mas pela qualidade de suas operações, focadas em casos em que os retornos para a sociedade excedem os retornos privados.
Para o benefício do desenvolvimento econômico, o BNDES pode ser bem menor do que é atualmente e retornar recursos para o Tesouro Nacional, ajudando a reduzir a dívida pública. Da mesma forma, a reestruturação do setor público requer a fusão de instituições como BNB, Basa e Finep no BNDES, acompanhadas pela obrigatória economia de custos.
Roberto Castello Branco é pesquisador do Centro de Estudos FGV Crescimento e Desenvolvimento.
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Papel do BNDES ainda contrapõe opiniões de economistas
Por Camilla Veras Mota | De São Paulo
Para
Gomes de Almeida, há espaço para reduzir custo e estimular investimento
A decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) da semana
passada de manter em 7% a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) usada nos
financiamentos do BNDES tende a frustrar parte do setor produtivo, que esperava
que, sob nova gestão, o BNDES pudesse lançar mão de maiores estímulos. No
entanto, muitos economistas ainda defendem que a instituição deve se manter
firme no propósito de não voltar a aumentar a fatia de subsídios no mercado de
crédito mesmo diante da demanda ainda muito fraca por novos empréstimos e da
retração dos investimentos.
A reunião do CMN foi a primeira depois que Paulo Rabello de
Castro, até então à frente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), assumiu a instituição no lugar de Maria Silvia Bastos Marques, que
vinha sendo criticada por empresários por dificultar o acesso a financiamentos
do banco.
Para estimular investimento, o BNDES precisaria oferecer
crédito mais barato, defende o diretor do Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial (Iedi) Julio Gomes de Almeida. O economista
argumenta que, diante da desaceleração expressiva da inflação desde o início do
ano, as taxas reais de juros praticadas pelo banco cresceram e se encontram
hoje muito acima daquelas praticadas por outros bancos de desenvolvimento.
Em linhas como Finame, por exemplo, voltada para a compra
de bens de capital e que pode ser financiada completamente por TJLP, o BNDES
pratica spread de cerca de dois pontos percentuais e os bancos repassadores,
outros quatro pontos. "Essa soma dá 13%, com a taxa real a 9,5%", ele
destaca. Em sua avaliação, há espaço para que a TJLP seja reduzida em até 2
pontos percentuais, ainda que de forma bastante gradual. "Se quiser
desafogar o crédito, o BNDES é o instrumento para isso."
O movimento, ele ressalva, estaria ainda muito distante da
época em que o banco praticava juros negativos através do Programa de
Sustentação do Investimento (PSI), instrumento hoje bastante criticado.
"Nem tanto ao céu, nem tanto à terra", ilustra o ex-secretário de
Política Econômica do Ministério da Fazenda.
O banco também deveria mexer em suas regras operacionais,
ele acrescenta, como a diferenciação do limite máximo para participação de TJLP
nos financiamentos a depender do segmento. Os projetos para expansão de
capacidade instalada, por exemplo, podem receber crédito no banco com no máximo
30% de taxa subsidiada.
Além de focar em medidas de desburocratização, procurando
formas, por exemplo, de melhorar a distribuição de seus produtos na rede de
bancos privados, o BNDES também deveria focar mais no curto prazo, diz José
Ricardo Roriz, diretor de competitividade da Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (Fiesp), com linhas como Progeren, já que as empresas têm hoje
grande problema com capital de giro. "Ele é fundamental para que as
empresas voltem a ter fôlego e possam investir", afirma.
Recentemente, na cerimônia de comemoração dos 65 anos do
BNDES, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, defendeu que sejam retomadas as
operações de crédito do banco e afirmou que a instituição deveria "fazer
em seis meses o que faria em seis anos". "O Brasil está tentando sair
da maior crise de sua história, e é completamente descabido pensar, neste
momento, em qualquer mudança que leve ao aumento do custo dos financiamentos
pelo BNDES", disse ao Valor.
Para o economista-chefe do banco Safra, Carlos Kawall, não
há espaço fiscal para que se aumente o crédito subsidiado. "É o contrário
do que a política fiscal precisa", ele destaca. Em sua avaliação, o país
precisa manter a agenda de reformas e os projetos de privatizações e concessões
na área de infraestrutura enquanto, em paralelo, o ciclo de afrouxamento
monetário levará a taxa básica de juros mais próxima daquelas praticadas pelo
banco, barateando o custo dos investimentos. "A solução é uma Selic mais
baixa", destaca ele, que já foi diretor do BNDES e secretário do Tesouro
Nacional.
O BNDES deveria não apenas se manter firme na mudança de
política que iniciou no ano passado, focada na redução do crédito subsidiado,
mas montar um cronograma para reduzir o montante devido ao Tesouro, ação que
poderia ter impacto benigno sobre a dívida pública. No ano passado, foram
devolvidos R$ 100 bilhões. "Não adianta agora ter recaída no vício que a
gente estava largando".
O professor da Fundação Getulio Vargas e do Instituto de
Matemática Pura e Aplicada Aloisio Araújo faz avaliação semelhante. "Tem
que diminuir subsídio, crédito direcionado, devolver o dinheiro ao
Tesouro", afirma. Ele também considera positiva a convergência gradual das
taxas do banco às de mercado, política iniciada na gestão de Maria Silvia, com
o lançamento da Taxa de Longo Prazo (TLP), que substituirá a TJLP.
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