segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Qual o futuro da China? Ser um Hegemon universal? Provavelmente não! - Paulo Roberto de Almeida

 Qual o futuro da China? Ser um Hegemon universal? Provavelmente não!

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota especulativa sobre a segunda grande economia do planeta.

 

A República Popular da China pretende se estabelecer como um novo Hegemon mundial, firmar-se na supremacia econômica do mundo para dominar tudo e a todos, no lugar do centenário imperialismo americano, que manda no mundo de forma arrogante desde as primeiras décadas do século XX?

Eu diria que não!

Seus atuais dirigentes, os autocráticos lideres do partido bolchevique que dominam desde 1949 o antigo Império do Meio, degradado em República falimentar da China (1911), os mandatários da República Popular da China, que se desencaminhou sob o maoismo demencial até 1976-79, e que retomou as tradições do antigo despotismo oriental sob Deng Xiaoping, pretendem apenas evitar que esse antigo império, de riquíssimas tradições históricas e culturais, seja novamente dominado por seus próprios “demônios interiores”, quais sejam, o caos e a anarquia que sobrevêm a momentos de ruptura no comando central do Estado, por motivos diversos.

Um grande Império como aquele precisa, imperativamente, prover ao bem-estar e à satisfação de seus milhões de súditos, sob o risco de desmoronar para uma nova dinastia de dirigentes, caso não consiga manter unida e satisfeita a nação.

Sim, a massa de chineses ainda é constituída de súditos, mas já a caminho de se tornarem cidadãos conscientes e orgulhosos de que estão construindo: o Estado mais avançado do mundo, economicamente, materialmente, tecnologicamente, culturalmente, evitando, nesse caminho, de serem dominados e humilhados pelos imperialismos ocidentais, como já o foram desde as guerras do ópio e até a Segunda Guerra Mundial.

Para enfrentar aqueles demônios da anarquia interior e as ameaças exteriores, os dirigentes chineses, os “comunistas” atuais, herdeiros intelectuais e burocráticos dos antigos mandarins educados do velho Império do Meio, precisam crescer imperativamente para corresponder às necessidades e aspirações de uma população hoje majoritariamente consciente do que já representou como continuidade histórica e cultural de uma antiga civilização que já foi, durante muitos séculos, a mais avançada do mundo.

Ela, essa população, e seus dirigentes centralizadores, o novo imperador e sua corte de burocratas obedientes, conseguirão realizar esses objetivos grandiosos?

Parcialmente sim, materialmente certamente; politicamente não tenho certeza, pois que tensões vão provavelmente se acumular, como resultado de perturbações inevitáveis que surgem em economias de mercado — e a China já é a maior do mundo, sem algumas de suas anomias inevitáveis— e de fricções sociais que devem inevitavelmente surgir em sistemas ultracentralizados, como é hoje a RPC do único partido leninista bem sucedido do mundo (o soviético, o padrão original, descarrilhou por ambições imperialistas que não fazem parte da história político-diplomática da China).

A China não precisa, e não consegue, ser um Hegemon universal para realizar seus objetivos grandiosos de voltar a ser o Estado mais avançado do mundo como já foi durante séculos e séculos.

Ela precisa apenas extrair renda do resto mundo, para manter sua população satisfeita, mas isso pode ser feito pacificamente, via comércio, investimentos, tecnologia, padrões industriais dominantes no setor produtivo, serviços eficientes e baratos, com base em comunicações sofisticadas.

Nesse processo, algumas tensões se acumulam com os velhos imperialismos ocidentais, que dominaram o mundo pelos últimos 500 anos. O que se deve esperar é que essas tensões não degringolem em fricções politicas e disputas econômicas insolúveis, como nos anos 1930. Mas aquela época foi dominada por dirigentes fascistas, militaristas e expansionistas, o que não parece ser o caso atualmente.

O único êmulo de Hitler no poder em nossos dias é um neoczarista à frente de uma nação simplesmente extratora de recursos naturais, sem condições politicas, sociais e econômicas de se contrapor aos poderes ocidentais ainda dominantes.

A aliança efêmera e oportunista feita pelo “capitalismo de características chinesas” com esse arremedo de imperialismo militarista de pés de barro objetiva realizar os ganhos econômicos do novo Império do Meio, e não se imagina que este pretenda se opor belicosamente aos hegemonistas ocidentais (inclusive porque não precisa).

Ele pode realizar seus objetivos de modo inteiramente pacífico, pela primazia econômica. Ele não tem nenhum modelo político para exportar.

A democracia ocidental tem alguma coisa a ver com tudo isso? Sim: a ela cabe preservar suas tradições, sem tentar impô-las a quaisquer outros povos.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4744, 28 setembro 2024, 2 p.

Postado no blog Diplomatizzando (link: ).

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