Dia do diplomata
Rubens Barbosa *
Editorial da revista
Interesse Nacional, 18/04/2025
Comemoração ocorre em momento crítico para a diplomacia em diferentes partes do mundo, o que evidencia a confusão entre os interesses nacionais e os de grupos políticos que colocam a política externa sob pressão ideológica
No próximo dia 20, será celebrado o dia do diplomata. A comemoração ocorre em um momento difícil para a instituição, o que não é um problema isolado do Brasil, haja vista o que acontece, entre outros, no Departamento de Estado, nos EUA, e no Quai D’Orsay, na França.
Nos últimos 20 anos, a formulação e a execução da política externa têm passado por um processo disfuncional em que os interesses nacionais são confundidos com interesses setoriais e políticos. Gradualmente a política externa passou a sofrer interferências ideológicas e partidárias que a afastam dos interesses do Estado. Um recente ministro do exterior aceitou que o Brasil fosse considerado um pária internacional por defender posições políticas vigentes no governo.
O Itamaraty é o principal assessor do presidente da República para a formulação e execução da política externa e sempre foi o órgão que coordena a participação do Brasil no mundo, seja no âmbito bilateral, quanto nos organismos multilaterais.
As mudanças internas na política brasileira, acarretaram um continuado processo de esvaziamento do Itamaraty. Ao longo dos últimos anos, o Itamaraty perdeu espaço em temas como comércio exterior (mesmo no Mercosul), meio ambiente e mudança de clima, agenda de costumes, direitos humanos, entre outros.
‘O Itamaraty deve fazer valer sua competência e espírito público para enfrentar o desafio de recuperar o papel central de coordenação em temas que impactem a projeção do Brasil no mundo’
No governo atual, o Itamaraty começou perdendo a Apex e enfrentou, com limitado sucesso, o desafio de tentar coordenar as ações externas das pastas de Meio Ambiente, Direitos Humanos, Mulheres, Igualdade Racial e povos indígenas. O Itamaraty deve fazer valer sua competência e espírito público para enfrentar o desafio de recuperar o papel central de coordenação em temas que impactem a projeção do Brasil no mundo.
As questões relacionadas com o fluxo da carreira e com vencimentos naturalmente preocupam, sobretudo os que estão nas classes iniciais e intermediárias. “A reforma do Regime Jurídico do Serviço Exterior, em discussão desde 2024, é um passo crucial. A atual estrutura piramidal de carreiras, aliada a promoções lentas, quando não paralisadas, pautadas por mecanismos personalistas e pouco transparentes, precisa dar lugar a um modelo de carreira ágil, que valorize mérito, capacitação e experiências multidisciplinares e multiculturais. A proposta em negociação prevê carreiras mais fluidas, progressão justa e capacitação continuada”, como assinala o presidente do sindicato dos diplomatas.
As reivindicações justas dos jovens para aperfeiçoar a carreira diplomática têm de ser compatibilizadas com as prioridades do Ministério da Gestão e Inovação, que coordena a reforma, e da direção da chancelaria.
O Sindicato dos diplomatas – o único existente entre as carreiras de Estado – considera que “o fortalecimento institucional do Itamaraty passa necessariamente pelo diálogo social e pela participação ativa de suas servidoras e seus servidores. A negociação sindical, longe de ser um obstáculo, é parte essencial do processo democrático de modernização”. As negociações sindicais – cujos objetivos, em diversos casos, podem não ser aceitas por muitos – não podem deixar para um distante segundo plano as prioridades internas sobre os rumos da política externa e para a contribuição substantiva do Itamaraty.
O Ministério das Relações Exteriores se ressente da falta de liderança interna proativa já há alguns anos e da ausência de uma política externa com visão estratégica de médio e longo prazo sobre o lugar do Brasil no mundo, para responder com um trabalho mais eficiente e de resultados.
Ao celebrar o dia do diplomata, espera-se que a instituição possa superar o risco que corre hoje de perder ainda mais espaço e de deixar de ser vista como um exemplo de excelência dentro do serviço público brasileiro.
O Itamaraty, como instituição de Estado, não pode se transformar em mais um exemplo de burocracia que apenas defende os interesses pessoais imediatos de seus membros, como acontece, em geral, nos três poderes da Administração Pública. A reforma em discussão não pode resultar em prejuízo para o funcionamento da instituição, que, em consequência, venha a afetar o processo de formulação e de execução da política externa.
* Rubens Barbosa
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
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Responde o presidente do Sindicato dos Diplomatas:
Estimado Embaixador Rubens Barbosa,
Gostaria de parabenizá-lo pelo excelente artigo publicado no portal Interesse Nacional, especialmente pelos pontos que reforçam a necessidade de fortalecimento do Itamaraty. Concordo plenamente com sua premissa de que é imprescindível investir na valorização, na capacitação e na modernização da nossa diplomacia, para que o Brasil possa atuar de forma mais efetiva no cenário internacional. Sua análise aprofunda questões essenciais, como a importância de consolidar uma carreira diplomática robusta e preparada para os desafios contemporâneos.
As reflexões presentes em seu texto estão alinhadas à perspectiva de que o fortalecimento do Itamaraty é fundamental para reverter a tendência de perda de espaço do Ministério das Relações Exteriores na formulação e execução da política externa brasileira. É necessário criar condições para que o órgão recupere sua centralidade, por meio de uma modernização da estrutura, de uma atualização do regime jurídico e demais legislações que regem a carreira diplomática, e do investimento na formação e na valorização de nossos diplomatas.
Nesse sentido, destaco de seu texto dois outros aspectos complementares, mas não menos importantes, que merecem atenção: a formação de lideranças internas e o fortalecimento da atuação sindical. A capacitação contínua de quadros, com ênfase em habilidades técnicas e estratégicas, é crucial para garantir que o Itamaraty conte com profissionais aptos a enfrentar os complexos desafios da política internacional. Paralelamente, um sindicalismo propositivo e qualificado, como o que a ADB tem buscado construir, é peça-chave para defender os interesses da categoria e, ao mesmo tempo, contribuir para o aprimoramento institucional.
Concordo com o Sr. no sentido de que o Dia do Diplomata é uma efeméride mais que oportuna para trazer essa discussão à ribalta. Celebrar a data vai além do reconhecimento histórico; é uma chance de refletir sobre o futuro da carreira e as mudanças necessárias para que o Brasil tenha uma diplomacia à altura de suas ambições.
Nesse contexto, destaco uma iniciativa do nosso sindicato que busca contribuir para esse fortalecimento. A ADB Sindical iniciou a elaboração do livro “Competências Diplomáticas para o Brasil do Século XXI”. A obra tem o objetivo de criar um debate acadêmico consistente e formar massa crítica sobre os principais pilares da atuação brasileira no exterior. Acreditamos que esse esforço é fundamental para subsidiar as reformas necessárias e consolidar uma diplomacia mais alinhada às demandas do século XXI.
Ao agradecer mais uma vez pela sua valiosa contribuição a esse debate, coloco-me à disposição para colaborar na construção de uma política externa mais forte, moderna e autônoma.
Abraços cordiais,
Gustavo Buttes
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