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quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Ricardo Bergamini: taxas de crescimento anual médio, 1964 a 2019

 Ricardo Bergamini é implacável quanto aos números do declínio econômico do Brasil. "Gostemos, ou não, os números abaixo vão ficar nos anais da história econômica do Brasil."

Paulo Roberto de Almeida

Taxa Média/Ano de Crescimento Econômico Real Relativo
ao Período de 1964 a 2019 em Percentuais do PIB
Períodos - Taxa de Crescimento Anual Médio
1964/84 - 6,29
1985/89 - 4,38
1990/94 - 1,40
1995/02 - 2,37
2003/10 - 4,09
2011/18 - 0,71
2019 - 1,10
Fonte: IBGE.
1 – Nos 21 anos dos governos militares, o Brasil teve um crescimento econômico real médio de 6,29% ao ano.
2 – Nos 5 anos do governo Sarney, com moratória internacional e hiperinflação, o Brasil teve um crescimento econômico real médio de 4,38% ao ano.
3 – Nos 5 anos dos governos Collor/Itamar, o Brasil teve um crescimento econômico real médio de 1,40% ao ano.
4 – Nos 8 anos do governo FHC, o Brasil teve um crescimento econômico real médio de 2,37% ao ano.
5 – Nos 8 anos do governo Lula, o Brasil teve um crescimento econômico real médio de 4,09% ao ano.
6 – Nos 8 anos dos governos Dilma/Temer (2011/2018) o Brasil teve um crescimento econômico real médio de 0,71% ao ano.
7 – No primeiro ano do governo Bolsonaro o Brasil teve um crescimento econômico real de 1,10%.


domingo, 23 de novembro de 2014

Sobre as ‘causas’ do golpe militar de 1964 - Paulo Roberto de Almeida


Sobre as ‘causas’ do golpe militar de 1964

Paulo Roberto de Almeida

Um historiador, já famoso por seus trabalhos de outra forma equilibrados e bastante conhecidos sobre o golpe “civil-militar” de 31 de março de 1964 – mais propriamente civil, como ele mesmo gosta de enfatizar – e de ensaios igualmente meritórios sobre o regime militar e de todo o período que se seguiu, termina um recente artigo sobre a questão de forma absolutamente surpreendente. Ele afirmou o seguinte:
 Quando um jornalista me perguntou qual era a causa, ‘em uma palavra’, do golpe de 1964, eu respondi: ‘o medo’. O autoritarismo que marcava e marca a sociedade brasileira expressou-se, naquela ocasião, no medo das elites e da classe média diante das possíveis conquistas sociais que as propostas de reforma de base representavam: mais vagas nas universidades, tabelamento dos aluguéis, reforma agrária etc. Essa talvez seja a principal atualidade do golpe de 1964.
(Carlos Fico, “50 anos do golpe: balanço”, blog Brasil Recente, 20/11/2014; link: http://www.brasilrecente.com/2014/11/50-anos-do-golpe-balanco.html?spref=fb)

Já comentei esta surpreendente afirmação – que destoa de outros argumentos mais razoáveis nesse seu curto artigo – em uma postagem rápida de meu blog, escrita on spot, ou seja, apenas como reação inicial a uma questão que me parece importante no quadro dos debates que tivemos durante o ano, pela passagem dos 50 anos do golpe (ver o link: https://www.facebook.com/paulobooks/posts/838895436173908?pnref=story). Também já escrevi o suficiente sobre a farsa das “reformas de base” do governo Goulart – que ficaram como um slogan, apenas, pois nunca vi algum desses que se referem a elas se aprofundarem em seu exame – para não ter que voltar ao exame de cada uma nesta oportunidade. Quem quiser conhecer a análise que fiz, pode buscar este texto: “Deformações da História do Brasil: o governo Goulart, o mito das reformas de base e o maniqueísmo historiográfico em torno do movimento militar de 1964”, Revista do Clube Militar (Rio de Janeiro: ano LXXXVI, no 452, fevereiro-março-abril de 2014; edição especial: “31 de Março de 1964 – A Verdade”, p. 107-122; ISSN: 0101-6547; disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/9430621/2590_Deforma%C3%A7%C3%B5es_da_Hist%C3%B3ria_do_Brasil_o_governo_Goulart_o_mito_das_reformas_de_base_e_o_manique%C3%ADsmo_historiogr%C3%A1fico_em_torno_do_movimento_militar_de_1964_2014_).
Vou tratar aqui mais em detalhe da afirmação do professor, acima transcrita, e ater-me estritamente às suas palavras, no que julgo ser um saudável exercício de debate acadêmico, aberto a todas as pessoas que dispõem de argumentos substantivos sobre os conceitos emitidos e o sentido que se lhes pode atribuir no contexto daquele processo histórico, de tão profundas consequências para mais de uma geração de brasileiros.
As palavras-chaves de sua resposta ao jornalista, talvez formulada rapidamente, sem a necessária reflexão (mas ela foi transcrita, posteriormente, para artigo escrito e, como tal, publicado num blog, o que é evidência de reflexão e de aprovação pessoal do argumento desenvolvido), são as seguintes: (a) “causa” (em uma palavra); (b) “medo”; (c) “possíveis conquistas sociais”; (d) “reformas de base”; (e) “atualidade do golpe de 1964”. Se todos concordarem com isso, procedo agora ao exame de cada um desses conceitos, tentando ser fiel ao contexto da época e ao espírito do historiador que trabalha sobre temas tão graves, em suas consequências políticas, e de tal complexidade para justificar inclusive certa fratura historiográfica, o que também não deixei de registrar na abertura de meu artigo acima referido.
Em primeiro lugar, poucos historiadores, ou cientistas sociais, seriam capazes de realizar uma síntese tão arriscada quanto apontar “a causa, ‘em uma palavra’, do golpe de 1964”. Parece evidente que evento, ou episódio tão momentoso, não possui uma causa podendo ser expressa numa única palavra, e seria difícil encontrar um único conceito que pudesse resumir toda a complexidade de uma grave crise política que vinha se arrastando desde o segundo governo Vargas, pelo menos, e talvez durante toda a era Vargas. As crises políticas brasileiras, constantes e regulares durante toda a República de 1946, refletiam as divisões existentes igualmente em outras formações políticas da América Latina, que colocavam em confronto estatistas e “livre-mercadistas”, liberais e “desenvolvimentistas”, conservadores e “progressistas”, e várias combinações possíveis dessas classificações. O uso de aspas em vários desses conceitos se justificam em função de possíveis interpretações ambíguas sobre seu real significado.
Não existiu uma única causa para o golpe – ou o movimento civil-militar, como prefere o próprio professor – e se as causas pudessem ser resumidas sob algum conceito provavelmente este não seria o “medo” das elites e da classe média das “reformas de base” do presidente Goulart (e dos movimentos que o apoiavam). Vou estender-me sobre esse suposto medo mais abaixo, mas antes vou abordar um outro conceito usado como suposto real da sociedade brasileira naquele momento, que é incorporado ao discurso do professor como algo natural, ou esperado: o “autoritarismo”. Por que a sociedade brasileira seria autoritária, mesmo naquela época e naquele contexto? Haveria algum tendência política majoritária que impeliria a sociedade para o autoritarismo?
A afirmação é tanto mais surpreendente porque nenhuma sociedade, em seu conjunto, pode ser considerada autoritária, como se isto fosse uma emanação cultural, ou algum traço civilizatório que pudesse marcar estruturalmente sociedades modernas, que são sempre mais complexas do que simples comunidades agrícolas ou pastoris, divididas entre diferentes classes, com interesses e objetivos políticos muito diversos entre elas. Vamos ver alguns precedentes históricos em torno desta questão.
Ao examinar a evolução da sociedade moderna, poderíamos, por acaso, considerar a sociedade francesa do final do século XVIII e do decorrer do século XIX como autoritária, em primeiro lugar porque passou pelo Terror do período do Termidor, quando Robespierre deu início ao período mais autoritário da revolução francesa, um período aliás admirado por Lênin e alguns outros? Seria ela autoritária porque seguiu o primeiro cônsul Bonaparte no seu 18 Brumário, e depois ao criar o maior império centralizado que já conheceu aquele velho país de tradições libertárias? Ou ao apoiar, novamente, o sobrinho, em sua eleição presidencial pós-1848, e depois novamente quando este fez o seu próprio 18 Brumário e se proclamou imperador, como o tio?
Seria a sociedade japonesa pós-Meiji autoritária? E a da Prússia, antes e depois da formação do Império alemão, também? Seria elas autoritárias porque apoiaram as derivas militaristas de suas lideranças políticas e militares, nos dois processos que presidiram à ascensão dessas duas novas potências no quadro de conflitos interimperiais do início do século XX? Seria autoritária a sociedade italiana dessa mesma época, por ter sancionado e seguido a liderança fascista de Mussolini, até quase o final do mais desastroso experimento político da Itália contemporânea. E seria autoritária a sociedade brasileira, por ter apoiado, em sua ampla maioria, os militares que derrubaram Goulart e deram início a um regime que deveria ser de correção dos problemas do momento – inflação, grevismo político, quebra de hierarquia nas FFAA, ameaça comunista – e de renovação dos quadros dirigentes?
Parece difícil admitir que a sociedade brasileira fosse “autoritária”, sob qualquer critério, inclusive porque a maior parte dos historiadores “progressistas”, ou seja, os que se posicionam claramente contra o golpe, não deixam de mencionar o “amplo apoio das massas” às “reformas de base” e às demais medidas “progressistas” de Goulart. Muitos desses historiadores consideram que tais reformas foram interrompidas por uma minoria conservadora, ou mesmo reacionária, que, lamentavelmente, colocou a alta cúpula das Forças Armadas a serviço dos latifundiários e da alta burguesia, ambos aliados ao imperialismo, segundo as interpretações correntes. Pareceria contraditório, portanto, mencionar o caráter “popular” dessas reformas, e ao mesmo tempo alegar a natureza autoritária da sociedade como um todo.
Creio que se pode, assim, descartar essa característica, que não se fundamenta em alguma análise empiricamente embasada que pudesse sustentar tal argumento para o Brasil de meio século atrás. Sociedades, em geral, não são uniformemente autoritárias, mas lideranças políticas específicas podem conduzir a maioria da cidadania a adotar uma tal postura em função de peculiaridades que se desenvolvem ao longo de uma história política marcada por eventos e processos que favorecem o autoritarismo (crises internas, aumento da anomia, graves desafios externos, ruptura de padrões anteriores). Em resumo, não existem evidências quanto ao “autoritarismo” da sociedade brasileira ao início dos anos 1960: provavelmente ela apenas seria um pouco mais conservadora do que foi o caso no período subsequente, acompanhando tendências comportamentais já detectadas, aliás, outras sociedades em outros países.
Chegamos agora ao suposto medo que teria, não a sociedade brasileira, mas especificamente as classes médias e as elites, de conquistas sociais que estariam embutidas – como se elas fossem uma certeza – nas reformas de base. Na verdade, o que havia, nos meses que precederam o golpe, era uma grande agitação em torno dessas reformas, mas jamais uma ação coerente para colocá-las em vigor, seja mediante medidas administrativas, as que não dependiam de processo legislativo – como a oferta de vagas nas universidades públicas, por exemplo –, seja pelo envio de projetos de lei que teriam de passar pela aprovação do Congresso para se converterem em realidade, como grande parte delas: reforma agrária em modalidades não previstas na Constituição (mas o governo poderia fazê-la sobre terras públicas, obviamente), voto do analfabeto e dos militares (com elegibilidade para ambos), ou diferentes medidas econômicas. Já tratei de cada uma delas no artigo citado acima, para retomar cada uma em detalhe.
O governo Goulart foi incapaz de desenvolver uma ação coordenada para levar adiante seu conjunto de reformas – que de toda forma não existiam como um programa coerente, tendo o conceito sido consolidado praticamente ex-post – e se contentou, às vésperas da crise final – que se desenvolveu de forma independente a qualquer ação em torno das reformas –, em assinar dois decretos: um previa a desapropriação de terras ao longo das grandes vias federais para fins de reforma agrária, e outro a fixação de um teto para os alugueis urbanos, cujo aumento contínuo era creditado à especulação imobiliária, não à inflação que, naquela altura já rodava ao ritmo de 90% ao ano. A classe média – e de fato todos os brasileiros – tinham mais medo da inflação do que de supostas conquistas sociais que seriam asseguradas por reformas diáfanas e vagas, raramente expressas em projetos legislativos.
Poucos historiadores (que são essencialmente políticos) se dão conta dos efeitos devastadores que uma inflação quase ultrapassando os três dígitos poderia ter sobre o poder de compra e os projetos de poupança (sempre remunerada a 6% ao ano) do conjunto dos brasileiros, que até então não tinham sido apresentados à fórmula mágica (e alimentadora da mesma inflação) da indexação, ou correção monetária (introduzida mais adiante sob o regime militar). Poucos desses historiadores se dão igualmente conta dos efeitos devastadores sobre os princípios militares da hierarquia e da disciplina que tiveram a revolta dos sargentos de setembro de 1963 (por motivos essencialmente políticos, diga-se de passagem) e a dos marinheiros, no início do ano seguinte. Mais grave ainda foi a sanção dada pelo poder político a esses atos de insubordinação e de desrespeito aos comandantes militares, o que indispôs a maior parte dos comandantes com o presidente da República e seus principais auxiliares, entre eles sindicalistas ligados ao Partido Comunista, considerado o inimigo principal da soberania do país desde a Intentona de 1935.
Havia, sim, na classe média, nas elites e principalmente nas Forças Armadas um sentimento de medo muito preciso, que não tinha nada a ver com as reformas de base, e sim com esse mesmo espantalho do comunismo, na verdade uma ameaça considerada real para os principais protagonistas do drama político que se desenvolvia no auge da Guerra Fria. Elementos indispensáveis desse clima algo paranoico eram os avanços do comunismo além das fronteiras da Europa oriental, com a revolução cubana, a crise dos misseis soviéticos em Cuba e várias bravatas dos líderes soviéticos sobre a possibilidade de o comunismo “enterrar o capitalismo”, como havia proclamado pouco antes Nikita Kruschov, o Secretário-Geral do PCUS. Ignorar que esse temor fosse uma preocupação legítima de amplos setores da sociedade brasileira seria considerar que a maior parte da população teria de assumir os pressupostos soi-disant progressistas e majoritariamente anti-imperialistas desses mesmos historiadores e analistas políticos da academia.
A verdade é que a maioria da sociedade brasileira estava – independentemente da mobilização dos grupos, partidos e movimentos de esquerda e direita – exasperada com o ambiente quase caótico vivido durante todos os confusos meses de lutas políticas vividos no período imediatamente anterior ao golpe. Esse ato de ruptura na legalidade democrática não estava exatamente planejado, nem obedecia a uma conspiração preparada pelas elites nacionais em conluio com o imperialismo, como tendem a proclamar os adeptos da historiografia de esquerda. Ele acabou se impondo por um conjunto desigual de circunstâncias, entre as quais se contam o ânimo oposicionista de governadores interessados na presidência e a impetuosidade de alguns chefes militares, todos eles observados de perto pelos observadores diplomáticos e agentes do setor de inteligência da embaixada dos Estados Unidos. O Big Brother hemisférico não estava obviamente disposto a deixar se instalar no continente um outro regime que poderia ser não uma nova Cuba, mas uma espécie de nova China, pela dimensão e importância do país. No ambiente exacerbado da Guerra Fria se tratava igualmente de uma preocupação legítima da maior potência capitalista e líder do chamado “mundo livre”.
Cabe considerar, finalmente, o que seria essa “atualidade do golpe de 1964”, que estaria contida na alegação de que foi o medo da classe média das “reformas de base” que precipitou o golpe militar, como se o mesmo processo pudesse se desenvolver nos dias que correm. Reformas são desenvolvidas todos os dias a todos os momentos dos processos políticos conhecidos em quase todas as democracia de mercado, e em alguns regimes menos democráticos também. Não são elas que precipitam a radicalização das forças sociais, se conduzidas pelos canais normais da democracia representativa. O que pode, sim, exacerbar paixões e precipitar rupturas não institucionais é a quebra de padrões e a ameaça de rebaixamento das condições de vida, que soem ocorrer em processos inflacionários virulentos, acoplados à quebra de confiança nas autoridades políticas. Foi isso, finalmente, que ocorreu no Brasil de 1963-64, e é isso que vem ocorrendo atualmente na Venezuela, e em menor escala na Argentina, por exemplo.
As condições “ideais” para a intervenção dos militares na arena política estão, no entanto, longe de se reproduzirem novamente, e pode-se inclusive dizer que o longo regime militar registrado de meados dos anos 1960 aos 80 pode ter imunizado o país de novas aventuras desse gênero. Nem o ambiente internacional, com a derrocada total, e aparentemente definitiva, do comunismo, suscitaria o mesmo clima de exacerbação dos espíritos como ocorria no auge da Guerra Fria. A menos que o mesmo caos político que caracterizou o governo Goulart se imponha novamente ao país, com forte descontrole inflacionário e quebra da legalidade em diferentes instâncias da vida política e social, não existe clima nem condições objetivos para qualquer “atualidade” de um golpe. Não se imagina tampouco qualquer temor da classe média ou das elites por reformas que promovam maior grau de igualdade distributiva e inclusão social, desde que conduzidas pelos canais admitidos do jogo político-partidário e dos mecanismos institucionais de representação política e de ação legislativa. A hipótese, portanto, simplesmente não existe, não cabendo, em consequência, qualquer argumento em favor da “atualidade” dessas “reformas de base”, um conjunto heteróclito e desordenado de propostas que adquiriu foros de mito, sem ter consistência empírica para tal.
Grande parte do trabalho do historiador consiste, entre outras tarefas de cunho interpretativo, em separar os discursos dos atores políticos – sempre tentados pela retórica fácil e muitas vezes demagógica – das ações efetivas tomadas no terreno dos processos em curso na arena das barganhas e negociações entre eles mesmos. Via de regra, sociedades avançam por meio de reformas progressivas, não mediante golpes ou revoluções, que de resto não são planejados, nem passíveis de uma coordenação efetiva entre seus supostos líderes. Tais rupturas são eminentemente acidentais na vida dos países, e se dão no quadro de deteriorações graves da vida social, política e econômica. Esse era o quadro do Brasil meio século atrás; não parece mais ser o caso atualmente, em que pese a permanência de alguns atores que parecem não ter aprendido quase nada com as infelizes experiências tentadas numa sociedade em crise.
As marcas dessa crise podem não ter desaparecido inteiramente no espírito de alguns atores e observadores do drama de meio século atrás. Certos eventos exigem a passagem de mais de uma geração de atores e espectadores para que um julgamento não passional possa ser feito por aqueles que se ocupam de interpretar o passado.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 23 de novembro de 2014.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Assembleia Geral da ONU, 50 anos atras (1964): quase nao acontece (NYT)

Pois é: eram um tempo em que os russos (ops, os soviéticos) bloqueavam tudo. Hoje eles estão mais cooperativos, não é?
Ainda bem que somos aliados deles, não é?
Paulo Roberto de Almeida 


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The United Nations General Assembly convened in New York starting this week. Fifty years ago, the Assembly almost didn’t meet at all.
A dispute over the Soviet Union’s failure to pay its $52.6 million share of bills for peacekeeping operations in the Congo and the Middle East delayed the start of the 1964 session until December, after the United States threatened to invoke a U.N. rule barring countries whose payments were more than two years in arrears from voting in the Assembly.
The dispute dragged on for months, with the Assembly convening to hear speeches but not taking any votes at all. It wasn’t until the next summer that the Soviets agreed to make “voluntary contributions”and the other big powers agreed to let normal voting procedures resume.
Other countries were rushing to pay their U.N. bills, including Taiwan, which hoped that its $3.6 million check would preserve not only its voting rights but also its very membership in the organization, which was under attack from supporters of the Communist-governed mainland. (Taiwan succeeded, but only until 1971, when the Assembly voted to expel it and admit the country known today simply as China.)
Other issues before the Assembly included civil war in the Congo (today’s Democratic Republic of Congo), ethnic tension inCyprus and the admission of Malawi, Malta and Zambia to the United Nations. The addition of those three, all former British colonies, brought the membership of the United Nations to 115 countries; today there are 193. There was also a busy schedule of diplomatic parties and receptions; those given by Pakistan were said to be among the most enjoyable.
If President Johnson attended any part of the regular Assembly session of 1964, it was not recorded in The Times, although the president did speak at a ceremony in San Francisco the next spring marking the 20th anniversary of the United Nations. The United States delegation was led by the ambassador Adlai Stevenson, while the Soviet Union was represented by its foreign minister, Andrei Gromyko.
There was at least one delegate with star power: Ernesto Guevara, known as Che, the Cuban Minister of Industry, who gave a speech charging that the United States was planning to attack Cuba. As he spoke, anti-Castro rebels fired a bazooka shell at the U.N. from across the East River in Queens; it fell into the water and did no damage.
Photo
Che Guevara, cigar in hand, listened to a speech by the United States ambassador to the United Nations, Adlai Stevenson, on Dec. 14, 1964. CreditHarry Harris/Associated Press

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Relacoes Brasil-Cuba: em direcao de um futuro calote? - Russia cancela divida bilateral com Cuba

Em meio a um longo artigo sobre as loucuras argentinas, uma noticia que não seria surpreendente se não nos tocasse também, no plano dos compromissos financeiros.
Destaco este trecho e comento:

El viernes pasado, Moscú canceló a Cuba una deuda color sepia con la Unión Soviética: US$ 35.000 millones, impagables.

Comento: o Brasil seria a Rússia de amanhã?
Muito provavelmente, pois Cuba não vai pagar os empréstimos -- SECRETOS, não custa lembrar -- fez à ditadura comunista, e que servem de alento ao moribundo regime da ilha-prisão, em estado pré-falimentar.
35 bilhões de dólares não é pouca coisa, mas é o resultado de anos e anos de subsídios soviéticos a um regime condenado à bancarrota. Quanto o Brasil já comprometeu no mesmo circuito de calotes anunciados?
Por acaso, sabe-se que o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que sempre esteve no círculo de "influências" do MST, liberou mais 58 milhões de dólares para financiar compra de equipamentos para subsidiar a agricultura familiar cubana. Ou seja, além de subsidiar nossos próprios agricultores familiares, o MDA do MST financia os cubanos. E o ministro vai a Cuba ainda este ano. Como se vê, o Brasil continua generoso com uma ilha falida...
Paulo Roberto de Almeida

Alianzas ingenuas en la guerra contra EE.UU.
Por Carlos Pagni
La Nación (Argentina), 6/07/2014

Lo único que falta es que Nicolás Maduro denuncie a la faringolaringitis como la última enfermedad que el imperialismo inocula en la América bolivariana para frustrar su liberación. Por culpa de esa afección, Cristina Kirchner tuvo que suspender la celebración de la Independencia, prevista para pasado mañana en Tucumán.
El silencio político, única respuesta al escándalo Boudou, se transformó en silencio clínico. Una frustración para Maduro, Evo Morales, Rafael Correa y José Mujica, que visitarían el país para apoyar a la Presidenta en su campaña contra los holdouts.
Ella aplicó al problema de la deuda en default el protocolo del reclamo por Malvinas. Donde siempre dice "Reino Unido", ahora dice "buitres". El sábado, la Presidenta debería estar repuesta. Ese día llegará Vladimir Putin. Y el 19, Xi Jinping, el presidente de China. La búsqueda de esos respaldos hace juego con la creciente politización del pleito con los holdouts.
Primero se denunció la voracidad desalmada de los "buitres"; después, la "extorsión" de Thomas Griesa; ahora, la contradicción es con Washington. El objetivo es que la Argentina integre un bloque contra los Estados Unidos, en una nueva pero dudosa Guerra Fría.
Esta estrategia, si se la puede llamar así, tiene algunas deficiencias inquietantes. La primera es que supone que Daniel Pollack, el special master designado por Griesa, es sensible a la presión de la diplomacia. Pollack recibirá hoy en Nueva York a una comitiva de funcionarios argentinos: el ministro de Economía, Axel Kicillof; el secretario de Finanzas, Pablo López; el secretario legal del Ministerio de Economía, Federico Thea, y el subprocurador del Tesoro, Javier Pargament. Es improbable que hablen de los pronunciamientos del G-77 o de las recomendaciones de la OEA sobre las reestructuraciones de deuda. Pollack ni siquiera ejerce una mediación: es el mero ejecutor de la sentencia de Griesa.
La otra falla de la campaña oficial es que llegó fuera de hora. En el supuesto de que el Poder Judicial de los Estados Unidos sea receptivo de alguna sugerencia política, la del kirchnerismo es extemporánea. Las presentaciones internacionales de Kicillofy Héctor Timerman, igual que las advertencias de economistas extranjeros sobre el riesgo en que ha puesto Griesa a las finanzas globales, hubieran sido oportunas antes de que la Corte de los Estados Unidos rechazara la apelación argentina. La Presidenta tuvo más de diez años para realizar ese ejercicio. Pero recién se despabiló al advertir que sería ella, y no su sucesor, la responsable de pagar. Entonces ordenó saldar contra reloj todas las deudas -Ciadi, Club de París, Repsol-, y creyó que con eso alcanzaría para que los jueces norteamericanos no pusieran al país al borde del default. No funcionó. Ahora el esfuerzo diplomático es muy tardío. De nada sirve despotricar contra una sentencia firme.
El kirchnerismo puso en funcionamiento sus creencias más atávicas. Primero, no hay decisión jurídica ni económica que no pueda ser doblegada por la política. Segundo, la independencia de los magistrados es tan ilusoria en los Estados Unidos como en la Argentina o Venezuela. Hay un tercer axioma, que se activará en los próximos días: el poder de Washington se sentirá menoscabado si en Buenos Aires deciden "irse con otro". Néstor Kirchner giró hacia el chavismo en 2005, cuando advirtió que George Bush no sería su abogado frente al Fondo Monetario Internacional. Cristina Kirchner firmó su acuerdo con Irán, que hasta hoy no puede explicar, al convencerse de que, a pesar de su posición contra el terrorismo islámico, Barack Obama seguiría aplicándole sanciones comerciales. La indiferencia de la justicia neoyorquina pondrá a la Argentina en brazos de Putin y de Xi, que llegarán a Buenos Aires aprovechando que van a Brasil para la cumbre de los Brics.
Contexto Cambiado
El idilio con el presidente ruso comenzó con la anexión de Crimea. La representante argentina en la ONU, que votó en contra en el Consejo de Seguridad, se abstuvo diez días después en el plenario. "No cambiamos nosotros, sino el contexto", bromeó Timerman. Putin llega a Buenos Aires envuelto en la bandera antinorteamericana. El viernes pasado, Moscú canceló a Cuba una deuda color sepia con la Unión Soviética: US$ 35.000 millones, impagables. Además, desde que Estados Unidos y Europa la sancionaron, Rusia invita a sus socios a comerciar en monedas distintas del dólar.
En la Casa Rosada confían en que esa fobia terminará dando un beneficio. ¿Habrá un aporte ruso al alicaído Banco Central? Cristina Kirchner quiere que, antes de que llegue Putin, el Senado trate un proyecto que otorga inmunidad a las reservas monetarias que otros Estados depositen en el país. Esa protección ya fue dada por la ley 24.488, de 1995. Aunque el nuevo proyecto agrega un resguardo contra "cualquier medida coercitiva" -¿el embargo de un tercero?- y menciona entre los depositantes a "otras entidades monetarias".
Putin volará desde Buenos Aires hacia Fortaleza, donde el lunes 14 comienza la cumbre de los Brics: Brasil, Rusia, la India, China y Sudáfrica. La innovación que esos países realizarán en el tablero internacional enfervorizará a la Presidenta: crearán un banco que cada uno capitalizará con US$ 10.000 millones. También formarán un fondo de reserva de US$ 100.000 millones, de los cuales China aportará 41.000 millones; Rusia, la India y Brasil, 18.000 millones cada uno, y Sudáfrica, 5000 millones. Los Brics ensayan una institucionalidad paralela a la del Fondo Monetario Internacional y el Banco Mundial. Este nuevo régimen, alternativo al fundado en Bretton Woods, está diseñado, sobre todo, por los chinos, que no consiguen traducir su capacidad económica en poder en los organismos dominados por Europa y los Estados Unidos. ¿Será una de estas nuevas organizaciones la "otra entidad monetaria" a la que se refiere el proyecto que la Presidenta envió al Congreso?
La reunión de Fortaleza se prolongará en Brasilia, adonde los presidentes de los Brics invitaron a sus colegas de la Unasur. Si supera la faringolaringitis, la señora de Kirchner se verá allí con Xi, que el 19 visitará Buenos Aires. El presidente chino anunciará el desembolso de US$ 10.000 millones para las obras del Belgrano Cargas y las faraónicas represas Néstor Kirchner y Jorge Cepernic. Esas centrales serán construidas por la china Gezhouba, asociada con Electroingeniería, de Gerardo Luis Ferreyra, un íntimo de Carlos Zannini.
Los contratos se terminaron de iniciar el 13 de junio pasado. Es decir, 72 horas antes del rechazo de la Corte norteamericana. Los funcionarios argentinos leyeron esa anticipación como un respaldo. Para ellos todos los fenómenos están vinculados entre sí. Salvo las represas santacruceñas con el sistema eléctrico. Conectarlas costará varios miles de millones de dólares. Es un detalle.
A los chinos les resulta simpático que se interprete su incursión en Sudamérica como una avanzada contra Washington. ¿Washington no viene sellando acuerdos militares con Japón, Vietnam y Filipinas? Pero el paradigma de la Guerra Fría es engañoso para interpretar la actualidad. Para China, el grupo preferido es el que integra con los Estados Unidos: el G-2. Ambas potencias coinciden en la agenda de largo plazo: terrorismo, energía, alimentación y medio ambiente. Se volverá a notar pasado mañana, cuando comience en Pekín la sexta ronda de diálogo estratégico y económico de los dos países.
La ensoñación de construir un nuevo orden bipolar releva al kirchnerismo de explicitar una solución para un conflicto que, a diferencia del de Malvinas, tiene vencimiento el próximo 31. Los funcionarios que hoy visitan Nueva York esperan que Griesa despeje la muy discutible amenaza de la cláusula Rufo y de los "buitres" holgazanes, que no iniciaron juicio. Kicillof está atrapado por el dilema de Protágoras: pagando o dejando de pagar, siempre pierde. Así como los holdouts, que se cubrieron del default comprando credit default swaps, cobrando o dejando de cobrar, siempre ganan.
Tal vez sea contraproducente insultar al magistrado. Pero la señora de Kirchner ve en Griesa al emergente de una gran conspiración. El miércoles pasado terminó de corroborarlo. Ariel Lijo fue el invitado más visible en la celebración nacional de la embajada de los Estados Unidos. Para el oficialismo hay una armonía tranquilizadora: a Griesa y Lijo los mueve el mismo titiritero. Además, en la fiesta también estuvo Héctor Magnetto. Todo cierra.

Igual hay un problema: así como la militancia internacional no resuelve la encerrona de los holdouts, la existencia ostensible de un complot no libera al kirchnerismo del lastre en que se ha convertido Amado Boudou. Sobre todo si, como afirman algunas versiones de las últimas horas, aparecen conexiones entre la causa Ciccone y los fondos administrados por el santacruceño Ernesto Clarence, a quien Elisa Carrió denomina "el cajero de los Kirchner". La Casa Rosada debería conseguir la licencia de Boudou. O la Presidenta tendrá más temas de los que no hablar.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Regime militar nao foi exclusivamente militar - Daniel Aarao Reis(Ciencia Hoje)

A ditadura faz 50 anos

Em ensaio na CH deste mês, o historiador Daniel Aarão Reis defende que memória e história devem atuar juntas na compreensão das origens do regime implantado em 1964.
Por: Daniel Aarão Reis
Revista Ciência Hoje, 01/05/2014 
A ditadura faz 50 anos
Entidades como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) saudaram o golpe. Só mais tarde, migraram para o campo das oposições. (ilustração: Lula)
Para os jovens, 50 anos é um considerável período de tempo. Aos velhos, que já viveram mais de meio século, parece um ponto no passado. Para a disciplina de história, uma data redonda, suscitando reflexões, debates e a possibilidade de encontrar hipóteses e ângulos de análise inovadores e construtivos.
Considerando os limites deste artigo, escolhi um tema a respeito do qual tem havido muitas controvérsias. Refiro-me ao caráter da ditadura.
Desde a vitória do golpe de 1964, as forças políticas de esquerda, derrotadas, não hesitaram em caracterizar a ditadura como militar
Desde a vitória do golpe de 1964, as forças políticas de esquerda, derrotadas, não hesitaram em caracterizar a ditadura como militar. Tratava-se de isolar os mais importantes protagonistas, os chefes militares, ridicularizados como truculentos, pouco inteligentes. Não passavam de ‘gorilas’, como se dizia. Era um recurso – legítimo – da luta política, quando se pretende menos compreender o que se passa do que isolar e derrotar os adversários ou os inimigos.
Ditadura militar. A expressão consolidou-se entre as várias correntes que se opunham ao regime. Consagrou-se como verdade indiscutível à medida que as oposições cresciam, reforçando-se inclusive com adeptos da ditadura que dela se afastavam e não queriam pensar ou falar de suas cumplicidades com a mesma. Houve um momento, em meados dos anos 1980, em que a imensa maioria da sociedade brasileira professava um horror sagrado à ditadura.

Memória e história

Uma operação de memória. Mas memória não é história. Esta se constrói com evidências, obtidas em fontes disponíveis, compartilhadas pelos pesquisadores.
Essas evidências mostram que diferentes – e amplos – segmentos civis participaram ativamente da preparação do golpe, de sua sustentação e do apoio aos governos ditatoriais. Não foi algo limitado às elites empresariais e eclesiásticas, como René Dreifuss mostrou pioneiramente nos anos 1980. 
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O golpe de 1964 não foi um movimento exclusivamente militar. Diversos setores civis participaram de sua preparação e de sua sustentação. (ilustração: Lula)
O processo teve caráter social, popular: milhões de pessoas participaram das Marchas da Família com Deus pela Liberdade, que, iniciadas em 19 de março, prolongaram-se festivamente até setembro de 1964. Em todas as capitais dos estados e em muitas cidades médias e pequenas, pessoas marcharam saudando e se congratulando com a vitória do golpe, segundo trabalho de Aline Presot até hoje não publicado.
A participação civil também envolveu instituições políticas, econômicas e culturais. Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional, a Arena, partido da ditadura, mostrou suas extensas ramificações em todo o território nacional: em 1978, quando já era imenso o desgaste do regime, esse partido teve ainda cerca de 40% dos votos. Outros estudos revelaram o que pouca gente sabe: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), tidas com justiça como atores importantes das lutas democráticas, saudaram o golpe. Só mais tarde, migraram para o campo das oposições, denunciando os abusos de um regime que tinha a tortura como política de Estado.
Outras pesquisas, envolvendo o futebol, a música sertaneja, a multiplicação dos sindicatos e outros temas, vêm acumulando evidências quanto à participação civil, direta ou indireta, na construção da ditadura e das complexas relações que se estabeleceram entre diferentes setores da sociedade e os governos ditatoriais.
French soldiers during the battle for Dien Bien PhuNunca houve unanimidade em favor da ditadura. Sempre houve oposições, moderadas e radicais, que adotavam diferentes formas de luta
Cabe enfatizar que nunca houve unanimidade em favor da ditadura. Sempre houve oposições, moderadas e radicais, que adotavam diferentes formas de luta. Entretanto, só a partir de 1974 as oposições moderadas, cada vez mais reforçadas por ex-apoiadores do regime, conseguiram maior audiência social.
Por outro lado, no campo contraditório e heterogêneo dos que apoiavam a ditadura, o processo não foi simples nem linear. Houve idas e vindas, deserções, mudanças de lado, sem contar as expectativas frustradas de lideranças civis de direita como Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Adhemar de Barros, e mesmo de políticos centristas, como Juscelino Kubitschek e Ulysses Guimarães: apoiaram o golpe, esperando uma intervenção brutal, mas rápida, cujos resultados os beneficiariam. Não foi o caso. Muitos acabaram marginalizados, condenados a papéis secundários, ou foram cassados, expulsos da vida política, como Lacerda, Ademar e JK.
Também não é possível esquecer que muita gente ficou em cima do muro, ou subiu nele quando julgou conveniente. Outros tantos, por alegado medo, cruzavam os braços, ou nem cogitavam a existência do regime político. Queriam trabalhar, constituir família, ter sucesso. Alguns lamentavam os ‘excessos’ dos agentes da ordem pública, mas aquilo lhes parecia uma contingência quase inevitável. Mais importante é que o país crescia, progredia – quem não gostasse que se retirasse.
French soldiers during the battle for Dien Bien PhuToda essa história precisa ser conhecida, estudada. Não para crucificar os apoiadores da ditadura, algo inviável e inútil, mas para compreender melhor as bases sociais e históricas de um regime ditatorial que se instaurou quase sem resistência e se retirou em boa ordem, sem levar nenhuma pedrada. O mesmo já acontecera com o Estado Novo, entre 1937 e 1945, coberto pelo manto da memória conciliadora. 
Fazer dos ‘milicos’ bodes expiatórios pode ser uma operação simples e fácil: um outro manto. Economiza pesquisa e reflexão, mas não prepara a sociedade brasileira para lidar, no futuro, com novos surtos de autoritarismo.

Daniel Aarão Reis
Departamento de História
Universidade Federal Fluminense

Texto originalmente publicado na CH 313 (abril de 2014). Clique aqui
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quinta-feira, 17 de abril de 2014

1964: Editorial do Correio da Manha, de 31 de marco: Basta!

Muita gente, especialmente entre os mais jovens, pensa que o "golpe militar" de 31 de março de 1964 foi dado por um bando de perversos militares de direita, mancomunados e a serviço do imperialismo americano. Trata-se de tese simplista, simplória, totalmente equivocada, mas ainda presente num recente documentário sobre "O Dia que Durou 21 Anos", no qual a única coisa correta é a transcrição dos telegramas do embaixador americano Lincoln Gordon, que diga-se de passagem correspondia às preocupações paranoicas do governo americano quanto à possibilidade de uma tomada de poder pelos comunistas no Brasil. Não era possível, mas parecia [plausível a partir da movimentação dos comunistas naqueles dias. Não é possível compreender o golpe militar sem a intentona de 1935, sem a conversão de Cuba ao marxismo-leninismo em 1961 e sem o episódio dos mísseis soviéticos em Cuba em 1962.Tampouco é possível entender as torturas e a repressão no Brasil, cuja intensidade se situa no período 1969-1973, sem levar em consideração os atentados esparsos e depois as ações de guerrilha mais coordenadas empreendidas por brasileiros sob estímulo e com suporte total dos comunistas cubanos.Quem não compreender esse contexto, estará pronunciando palavras vazias sobre 1964 e o regime militar.Uma coisa é certa: mesmo sem "conspiração americana", os militares teriam feito algo, pois a sociedade pedia um basta ao clima que se vivia em 1964. Basta ler o editorial abaixo.Paulo Roberto de Almeida
Editorial do jornal Correio da Manhã, edição de 31 de março de 1964

BASTA!

Até que ponto o Presidente da República abusará da paciência da Nação? Até que ponto pretende tomar para si por meio de decretos-leis, a função do Poder Legislativo? Até que ponto contribuirá para preservar o clima de intranquilidade e insegurança que se verifica presentemente na classe produtora? Até quando deseja levar ao desespero, por meio da inflação e do aumento do custo de vida, a classe média e a classe operária? Até que ponto quer desagregar as forças armadas por meio da indisciplina que se torna cada vez mais incontrolável?

Não é possível continuar neste caos em todos os sentidos e em todos os setores. Tanto no lado administrativo como no lado econômico e financeiro. Basta de farsa. Basta da guerra psicológica que o próprio Governo desencadeou com o objetivo de convulsionar o país e levar avante a sua política continuísta. Basta de demagogia para que, realmente, se possam fazer as reformas de base.

Quase todas as medidas tomadas pelo Sr. João Goulart, nestes últimos tempos, com grande estardalhaço, mas inexeqüíveis, não têm outra finalidade senão a de enganar a boa-fé do povo, que, aliás, não se enganará. Não é tolerável esta situação calamitosa provocada artificialmente pelo Governo que estabeleceu a desordem generalizada, desordem esta que cresce em ritmo acelerado e ameaça sufocar todas as forças vivas do país. Não contente de intranqüilizar o campo, com o decreto da SUPRA, agitando igualmente os proprietários e os camponeses, de disvirtuar a finalidade dos sindicatos, cuja missão é a das reivindicações de classe, agora estende a sua ação deformadora às forças armadas, destruindo de cima a baixo a hierarquia e a disciplina, o que põe em perigo o regime e a segurança nacional. A opinião pública recusa uma política de natureza equívoca que se volta contra as instituições, cuja guarda deveria caber ao próprio Governo Federal.

Queremos o respeito à Constituição. Queremos as reformas de base voltadas pelo Congresso. Queremos a intocabilidade das liberdades democráticas. Queremos a realização das eleições em 1965. Se o Sr. João Goulart não tem a capacidade para exercer a Presidência da República e resolver os problemas da Nação dentro da legalidade constitucional não lhe resta outra saída senão entregar o Governo ao seu legítimo sucessor. É admissível que o Sr. João Goulart termine o seu mandato de acordo com a Constituição. Este grande sacrifício de tolerá-lo até 1966 seria compensador para a democracia. Mas para isto, o Sr. João Goulart terá de desistir de sua política atual que está perturbando uma nação em desenvolvimento, e ameaçando de levá-la à guerra civil.

A Nação não admite nem golpe nem contragolpe. Quer consolidar o processo democrático para a concretização das reformas essenciais de sua estrutura econômica. Mas não admite que seja o próprio Executivo, por interesses inconfessáveis, quem desencadeie a luta contra o Congresso, censure o rádio, ameace a imprensa e, com ela, todos os meios de manifestações do pensamento, abrindo o caminho à ditadura. Os Poderes Legislativo e Judiciário, as Classes Armadas, as forças democráticas devem estar alertas e vigilantes e prontos para combater todos aqueles que atentarem contra o regime.

O Brasil já sofreu demasiado com o Governo atual. Agora, basta!

quarta-feira, 9 de abril de 2014

1964: o caos do governo Goulart e os novos-velhos democratas da guerrilha - Marco Antonio Villa

Marco Antonio Villa

Os gigolôs da memória

Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964

A lembrança dos 50 anos da queda de João Goulart ocupou amplo espaço na imprensa. Nenhum outro acontecimento da história do Brasil foi tão debatido meio século depois do ocorrido. Para um otimista, isto poderia representar um bom sinal. Afinal, o nosso país tem uma estranha característica de esquecer o que ocorreu ontem. Porém, a reflexão e o debate sobre 1964 e o regime militar acabaram sendo dominados justamente por aqueles que conduziram o país à crise da república populista e que negaram os valores democráticos nos anos 1960-1970.
A tendência à hagiografia mais uma vez esteve presente. João Goulart foi transformado em um presidente reformista, defensor dos valores democráticos e administrador capaz. Curiosamente, quando esta narrativa é cotejada com relatos de assessores, como o ministro Celso Furtado, ou de um amigo, como o jornalista Samuel Wainer, cai por terra. Furtado, em entrevista à revista “Playboy” (abril, 1999) disse que Jango “era um primitivo, um pobre de caráter”. Wainer relatou que “uma vez por mês, ou a cada dois meses, eu visitava os empreiteiros e recolhia suas doações, juntando montes de cédulas que encaminhava às mãos de João Goulart. (…) Eu poderia ter ficado multimilionário entre 1962 e 1964. Não fiquei.” (“Minha razão de viver”, p. 238).
Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964. A quebra da hierarquia militar incentivada pelo presidente da República é sabidamente conhecida. A gravidade da crise econômica e a inépcia governamental em encontrar um caminho que retomasse o crescimento eram mais que evidentes. O desinteresse de Jango de buscar uma solução negociada para o impasse não pode ser contestado: é fato. O apego às vazias palavras de ordem como um meio de ocultar a incompetência político-administrativa era conhecido. Conta o senador Amaral Peixoto, presidente do Partido Social Democrático, que em conversa com Doutel de Andrade, um janguista de carteirinha, este, quando perguntado sobre o projeto de reforma agrária, riu e respondeu: “Mas o senhor acredita na reforma agrária do Jango? No dia em que ele fizer a reforma agrária, o que vai fazer depois?” (“Artes da política”, p.455)
Também causa estranheza a mea culpa de alguns órgãos de imprensa sobre a posição tomada em 1964. A queda de Jango deve ser entendida como mais um momento na história de um país com tradição (infeliz) de intervenções militares para solucionar crises políticas. Nos 40 anos anteriores, o Brasil tinha passado por diversas movimentações e golpes civis-militares. Basta recordar 1922, 1924, Coluna Prestes, 1930, 1932, 1935, 1937, 1938, 1945, 1954, 1955 — tivemos três presidentes da República e dois golpes no mês de novembro – e 1961.
Jogar a cartada militar fazia parte da política. E nunca tinha ocorrido uma intervenção militar de longa duração. Esperava-se um governo de transição que garantisse as eleições de 3 de outubro de 1965 e a posse do eleito em 31 de janeiro de 1966. Esta leitura foi feita por JK — e também por Carlos Lacerda. Os dois principais antagonistas da eleição que não houve imaginavam que Castello Branco cumpriria o compromisso assumido quando de sua posse: terminar o mandato presidencial iniciado a 31 de janeiro de 1961.
JK imaginou que Castello Branco era o marechal Lott e que 1964 era a repetição — um pouco mais agudizada — da crise de 1955. Errou feio. Mas não foi o único. Daí a necessidade de separar 1964 do restante do regime militar. Muitos que foram favoráveis à substituição de Jango logo se afastaram quando ficou patente a violação do acordado com a cúpula militar. Associar o apoio ao que se imaginava como um breve interregno militar com os desmandos do regime que durou duas décadas é pura hipocrisia.
Ainda no terreno das falácias, a rememoração da luta armada como instrumento de combate e vitória contra o regime foi patética. Nada mais falso. Nenhum daqueles grupos — alguns com duas dúzias de militantes — defendeu em momento algum o regime democrático. Todos — sem exceção — eram adeptos da ditadura do proletariado. A única divergência é se o Brasil seguiria o modelo cubano ou chinês. Não há qualquer referência às liberdades democráticas — isto, evidentemente, não justifica o terrorismo de Estado.
A ação destes grupos os aproximaram dos militares. Ambos entendiam a política como guerra — portanto, não era política. O convencimento, o respeito à diversidade, a alternância no governo eram considerados meras bijuterias. O poder era produto do fuzil e não das urnas. O que valia era a ação, a força, a violência, e não o discurso, o debate. Garrastazu Médici era, politicamente falando, irmão xifópago de Carlos Marighella. Os extremos tinham o mesmo desprezo pelo voto popular. Quando ouviam falar em democracia, tinham vontade de sacar os revólveres ou acionar os aparelhos de tortura.
Em mais de um mês não li ou ouvi qualquer pedido de desculpas públicas por parte de ex-militantes da luta armada. Pelo contrário, se autoproclamaram os responsáveis pelo fim do regime militar. Ou seja, foram derrotados e acabaram vencedores. Os policiais da verdade querem a todo custo apagar o papel heroico da resistência democrática. Ignoraram os valorosos parlamentares do MDB. Alguém falou em Lysâneas Maciel? Foi ao menos citado o senador Paulo Brossard? E a Igreja Católica? E os intelectuais, jornalistas e artistas? E o movimento estudantil? E os sindicatos?
Em um país com uma terrível herança autoritária, perdemos mais uma vez a oportunidade de discutir a importância dos valores democráticos.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/os-gigolos-da-memoria-12121516#ixzz2yMyTxzud 
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