Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
Civilizações progridem, regridem, fenecem, somem, como muito bem estudado por Toynbee desde os anos 1930 até os anos 1960. Em 1947, escrevendo sobre a trajetória dos EUA, ele já previa o começo do declínio americano, ou melhor, o atingimento do auge de sua ascensão fulgurante. Demorou mais um pouco, enquanto persistiu o desafio civilizatório do comunismo, hoje inexistente (mas o fascismo é um fenômeno mais resiliente, pois que mantendo a economia privada).
Mais recentemente, Robert Gordon, em The Rise and Fall of American Growth (2014), diagnosticou o declínio industrial e o esgotamento das possibilidades de ascensão. Acho que ele está errado, mas o declínio industrial é um fato.
Os EUA não correm o risco de desaparecer, mas estão fenecendo, por falta de energia do povo, embora o seu modo de “desenvolvimento” futuro (melhor falar de evolução) ainda não está totalmente definido.
Energia do povo é o que não faz falta (ainda) na China (mas já ocorreu no passado e pode ocorrer de novo). As perspectivas demográficas não são brilhantes, mas o Japão já enfrenta essa retração humana sem perder inovação e competitividade.
Rússia e Índia são casos diferentes dos demais, requerendo diferenciação interna a cada caso. A Rússia é uma assemblagem de povos diversos, mantida sob férreo absolutismo desde sua conformação na era moderna e contemporânea. Não sabemos ainda como evoluirá, se para o democratismo ocidental, se para o despotismo asiático. A Índia foi um caos pelos últimos 3 mil anos: o nacionalismo hindu a unificou, mas ela tem muitas contradições internas.
O Brasil é muito lento em todos os seus passos: manteve o escravismo cem anos além do padrão civilizatório esperado; e ainda continua sem educação de massa de qualidade. Vai evoluir positivamente, mas vai tomar muito mais tempo para que a melhoria dos padrões educacionais gerais diminua o patrimonialismo e a corrupção endêmica de seu sistema oligárquico, a única coisa persistente ao longo de vários ciclos de sua vida política e social.
Uma das principais fontes de instabilidade internacional são deslocamentos de poder. Um exemplo clássico disso são nações que se encontram em franca ascensão: confiantes, suas lideranças políticas muitas vezes buscam uma atuação internacional mais assertiva, investem em seu poder militar e acabam desafiando potências já estabelecidas. A ascensão dos EUA há cem anos e a da China ao longo das últimas décadas são exemplos clássicos de como a emergência de uma grande potência pode fragilizar o status quo. O atual caso da Rússia, porém, mostra que o declínio de um ator relevante também pode representar um risco, criando vácuos de poder em suas fronteiras ou deixando suas lideranças políticas mais agressivas para compensar os fracassos no âmbito doméstico. O atual declínio russo independe do desfecho da invasão russa à Ucrânia ou do destino político do presidente Vladimir Putin. Os problemas da nação de maior extensão do planeta são mais fundamentais e se refletem nos chocantes dados demográficos: por exemplo, um homem russo com 15 anos de idade hoje tem a mesma expectativa de vida de um homem no Haiti, país em estado de anarquia e há décadas o mais pobre das Américas. Trata-se de uma expectativa de vida mais baixa que a do Iêmen e a do Zimbábue, que figuram entre os países mais pobres do planeta. Na média, um homem russo morre 18 anos antes de um homem japonês. À primeira vista, poderia se presumir que o dado se deve ao elevado número de fatalidades de soldados russos na invasão à Ucrânia. Porém, trata-se de dados oficiais do governo russo, coletados antes do início da guerra. Desde a invasão russa à Ucrânia, a situação demográfica piorou ainda mais: estima-se que 120 mil soldados russos morreram nas batalhas, e aproximadamente 900 mil russos emigraram, muitos deles jovens, representando em torno de 1% da força laboral do país. De acordo com o ministério das Comunicações do governo russo, 10% de todos os profissionais da área de TI emigraram desde o início da guerra, verdadeira catástrofe econômica considerando a importância estratégica do setor. Uma consequência da baixa expectativa de vida dos homens, da guerra e da fuga ao exílio é o desequilíbrio de gênero. Hoje, na Rússia, há 10 milhões de mulheres a mais do que homens. Não se trata de um problema recente: entre 1993 e 2009, por exemplo, a população russa encolheu em quase seis milhões (dados oficiais mostram um aumento recente, que se deve à anexação da península ucraniana da Crimeia). Tudo isso é ainda mais notável porque a Rússia não é um país pobre. É urbanizado, possui indústrias altamente sofisticadas — sobretudo no setor bélico —, a maior quantidade de armas nucleares do mundo, uma produção cultural admirada mundo afora e uma taxa de alfabetização de quase 100%. Além disso, goza de grandes reservas de petróleo e gás, e é o maior exportador mundial de trigo — beneficiando-se, inclusive, das mudanças climáticas, que aumentam a quantidade de terras férteis. Vários outros países ao redor do mundo, sobretudo no Leste Asiático e na Europa, sofrem com crises demográficas. Nenhum deles, porém, sofre com uma baixa tão grande da expectativa de vida ou uma fuga de elites qualificadas tão expressiva. Diferentemente da Rússia, a Europa atrai, a cada ano, milhões de migrantes jovens e motivados. A crise demográfica russa e a emigração de pessoas qualificadas — produto de problemas profundos no país — são elementos-chave para compreender a constante glorificação por Vladimir Putin do “russki mir” (mundo russo), a retórica nostálgica de um passado mistificado, a demonização do Ocidente e a política externa mais agressiva, envolvendo guerras contra vizinhos menores como a Georgia e, mais recentemente, a Ucrânia, que ajudam promover o nacionalismo e a sensação permanente de estar sob ameaça externa. Como ficou evidente no último 23 de agosto, quando o avião de Yevgeny Prigozhin, chefe do grupo Wagner, caiu perto de Moscou, um conflito militar de grandes dimensões ajuda não apenas a desviar a atenção pública de outros problemas, como também para promover expurgos e eliminar opositores com mais facilidade — presumindo que, como acreditam numerosos analistas, o governo russo tenha ligação com a morte do mercenário. Por fim, um líder sabidamente preocupado com seu legado nos livros de história, como Putin, também sabe que, apesar de ter ajudado a estabilizar o país na virada do século, seu saldo desde então é, predominantemente, negativo, e difícil de ser revertido — a não ser que seja lembrado por ter liderado a expansão territorial da Rússia. Não por acaso, em conversa com um oligarca russo no início da invasão à Ucrânia, o chanceler russo Lavrov — que não havia sido informado com antecedência sobre a decisão do presidente, disse: “(Putin) tem três conselheiros: Ivã IV, Pedro o Grande e Catarina II” — todos lembrados por suas conquistas territoriais.
Reproduzo abaixo uma postagem de meu amigo e colega diplomata Stelio Amarante sobre o processo de “self-depletion” da e na Argentina, destruída pelos seus próprios dirigentes, em especial Perón, mas também dirigentes de outras correntes.
“A causa principal do empobrecimento da Argentina foi a fuga de imensa parcela do capital que se havia acumulado durante as primeiras décadas do século passado.
O agrobusiness (trigo, carne e lã) havia naqueles tempos dourados elevado a renda Argentina a níveis estratosféricos. Teve início porém lá pelos anos 30 e 40 um encadeamento catastrófico. O país tinha população pequena e sem mercado interno que sustentasse processo industrial. Teve início a migração de capital argentino para os mercados financeiros da Europa e da América do Norte. Com os imigrantes chegaram também as conflitivas ideologias políticas europeias: comunismo, fascismo, anarquismo e nazismo, criando um ambiente que acentuou a fuga de capitais argentinos. A versão argentina do fascismo mussolínico, o Peronismo, foi porém a mais assustadora onda a induzir os detentores de capital a se protegerem, transferindo recursos para o exterior. Dizem que os capitais argentinos entranhados nos mercados financeiros internacionais há muito tempo superam as reservas oficiais do país.
A política econômica assistencialista iniciada com Perón gerou outro monstro, a inflação, devastadora de capital e rebaixador do padrão de vida das classes assalariadas.
Gradualmente, a perda de confiança na moeda argentina levou a uma dolarização dos meios de pagamento. Das cidades em que vivi, Buenos Aires foi a única em que não abri conta bancária. Apenas usava, como todos os amigos argentinos, cartão de crédito. Quando chegava o dia de pagar a conta mensal, trocava dólares.
Quem vá a Buenos Aires hoje em dia achará ainda deslumbrante o comercio da zona elegante da cidade. Pois ele é sustentado pelo consumo dos detentores de recursos aplicados no exterior, que trazem a conta-gotas para a Argentina os dividendos de seus investimentos fora.
íFuncionários e trabalhadores que sobrevivem nesta atmosfera pouco oxigenada trocam lucros e saldos salariais por dolares. Não há forma de governo, arcabouço fiscal, genialidade de economista de Chicago, Viena ou PUC Rio que consiga trazer para a Argentina parcela substancial do dinheiro aplicado fora.
Esperemos que fenômeno semelhante não nos faça perder capital em benefício de terceiros países. A Bolsa que detecta este medo, já desceu de 120 mil pontos para menos de 100 mil…”
Stelio Amarante
Comentário de Dalton Melo de Andrade:
“ Comentários pertinentes. Cheguei a comprar sapatos excelentes por um dólar! (1974,1975). Quando trabalhei na OEA, tinha um bom amigo argentino, Rodolfo Martinez, ex-Ministro de Frondizi, Professor de Ciências Políticas da Universidade de Buenos Aires, então Diretor Cultural da Organização. Perguntei-lhe, numa das nossas conversas, como ele explicava o problema de seu país; respondeu, com uma palavra, Peron.”
Resposta do Stelio:
“Dalton Melo de Andrade: Verdade. Perón foi o “Anjo exterminador” da Argentina. Nosso Getúlio Vargas, também adepto da escola fascista salazarista, era muito mais inteligente e soube modernizar o Brasil, sobretudo através do excelente DASP, que racionalizou os serviços públicos, contendo o chamado “empreguismo” que atualmente consome imensa parcela do PIB e nos oferece pífios serviços públicos.”
Russian President Vladimir Putin, from the Novo-Ogaryovo state residence outside Moscow, chairs a virtual meeting on economic issues on Tuesday. (Mikhail Klimentyev/Sputnik/Kremlin/Reuters)
As the global glitterati schmoozes in Davos, Switzerland, there is one country whose absence is notable, if not a surprise. Russian officials are effectively persona non grata at the World Economic Forum in the Swiss mountain town, while Ukrainian figures like first lady Olena Zelenska speak to packed houses.
The symbolism is clear. Russia’s invasion of Ukraine almost 11 months ago made President Vladimir Putin and his allies toxic to this global elite. Russia has been showered with sanctions and export controls that seek to cut them off from the global economy, using a kind of systematic might to hinder the Kremlin’s war efforts and punish Putin’s allies.
But in the real world, has it actually worked? Far away from the parties in Davos, Putin on Tuesday used new government data to paint a surprisingly rosy picture of Russia’s economy. “The actual dynamics of the economy turned out to be better than many expert forecasts,” he said, staring at the screen during a virtual meeting on the economy.
Citing data from the Ministry of Economic Development, Putin said that the gross domestic product of Russia had declined between January and November 2022 — but only by 2.1 percent. He noted that “some of our experts, not to mention foreign experts, predicted a decline of 10 percent, 15 percent and even 20 percent.”
Initial calculations suggested that Russia’s economy had shrunk by 2.5 percent over the entire 2022, the Russian president said — significantly better than the 33 percent contraction in Ukraine’s economy last year. “Our task is to support and consolidate this positive trend,” Putin added.
For many outside of Russia, these numbers are confounding. The scale of economic firepower directed at Russia since Feb. 24 has been unprecedented for a large country, with the country’s banks banned from the Belgium-based SWIFT messaging system used in international transactions and sanctions on its central bank.
But Russian data does seem to suggest that the scale of the impact was less severe than many expected. Though Putin may not be at Davos, Russia is not completely cut off from the world either. The country’s current account balance — effectively a record of its trade with the rest of the world — surged over the past year in a way that would have implied a boom year in any normal time.
It’s possible that Russian data is faulty, of course. But many living in Russia or visiting have pointed out that life has continued roughly as normal, even if the departed McDonald’s has been replaced with a local burger chain (“Tasty — and that’s it”) and Western luxury goods purchases require a network of foreign buyers.
“If this is a crisis for Russia — which it is — it’s nothing like the turmoil of the early 1990s when the state, society and economy were all collapsing at the same time,” Alexander Titov, a Russian emigre and lecturer at Queen’s University Belfast, wrote for the Conversation after a recent return home.
There was disruption, Titov wrote, but it was mild even compared to what was seen early in the pandemic. “There’s no shortages, even of western goods such as whisky – the supermarket shelves are fully stocked,” he wrote.
Does this mean that sanctions haven’t worked? The short answer is no — but it’s more complicated than that.
Most importantly, remember that Western sanctions and export controls aren’t primarily designed to keep bottles of Johnnie Walker off a St. Petersburg shelf (though perhaps that might be a welcome secondary effect): They are designed to hinder Russia’s war effort in Ukraine.
As The Post’s Catherine Belton and Robyn Dixon reported late last year, scratch the surface of Russia’s economy and you’ll find that sanctions and other measures were hitting Russia where it hurt, “exacerbating equipment shortages for its army and hampering its ability to launch any new ground offensive or build new missiles, economists and Russian business executives said.”
It’s true much of the brunt of sanctions has been cushioned by Russia’s still-enormous energy exports, hence the positive accounts balance. But as Putin tried to use these exports to pressure and punish Europe, their power has been blunted. A new price cap that will soon go into effect looks set to hinder Russian exports further.
“Russia is still an energy power but its role has dramatically changed,” Vladimir Milov, former Russian deputy energy minister now living abroad, recently told the Wall Street Journal. “Russia will have a smaller market share in oil and gas, it will make less profit and it has lost some of its geopolitical leverage as well.”
That means less income for the Russian state going forward, even as its expenditure surges due to the invasion of Ukraine. Moscow posted a budget deficit of roughly $47.3 billion in 2022, according to official announcements — at roughly 2.3 percent of GDP, that’s one of the worst financial years in the country’s history.
Yes, that’s a lower deficit than the United States. But Russia doesn’t have a globally sought currency like the U.S. dollar, so it can’t just print more money without consequences. As its own sanctions on U.S. citizens have shown, Russia doesn’t have a ton of leverage in the worldwide economy — other than the diminishing power afforded by oil and gas.
In the long view, things don’t look rosy for Russia’s economy. Putin is correct that many predicted things would be far worse in 2022 — some economists told Today’s WorldView in March that they feared Russia’s economy could collapse, causing misery to ordinary civilians far outside Kremlin walls and unknown global consequences.
But Putin is wrong if he assumes a “positive trend” can easily be continued in the year ahead. The trajectory is more likely headed the other way. It’s very possible that sanctions will bite harder, revenue from oil and gas will decline further, the deficit will go deeper, and Russia’s battlefield resources will be stretched to breaking point.
How quickly that happens will depend on persistence in the West, where lax enforcement and deliberate evasion have helped Russia over the past year. That’s perhaps why Ukrainian officials and their supporters are at the World Economic Forum in Davos, where they are pushing against fatigue and apathy among allies. The Russian economy’s fate may not be decided in Putin’s embattled Moscow, nor even on the battlefield in Donbas, but over canapés and cocktails in Davos.
Nós brasileiros, ainda não percebemos que o Brasil, seu sistema político, sua economia, sua ética (se existe), seu sentido de progresso, de moralidade, de respeito pela natureza, tudo isso já tinha entrado em colapso junto com o início do século e do milênio e tudo atravessa agora um declínio irresistível que promete durar algumas décadas para ser superado. Ele será ainda mais difícil de ser ultrapassado pois não existe sequer consciência de que já estamos nele há muito tempo, e os principais sinais de que esse mal existe e é profundo são revelados pela continuidade do assalto ao Estado, e ao futuro dos mais pobres, pelo estamento político e pelas corporações do próprio Estado, velhos e novos sanguessugas que paralisam qualquer esforço de progresso. Outra revelação é a saída voluntária do país, não mais de pobres desempregados, mas de quadros qualificados, que não veem mais sentido nele permanecer, para si próprios e para seus filhos. Quando o capital humano se despede do país é quando a nação perdeu o seu sentido de existência.
Uma das coisas mais difíceis de serem percebidas, por um povo, é o momento em que ele deixou, justamente, de se perceber como nação. No ano do bicentenário da nação independente, o Brasil deixou de ser uma nação, para ser um Estado espoliado pelos seus próprios filhos.
O atual dirigente máximo promete aprofundar o grau de insanidades políticas e econômicas por puro desvario eleitoral.
A situação é deveras preocupante, mas o fato é que Bozo não vai ser reeleito.
O problema é que continuaremos a ser governados pelo mesmo estamento político oligárquico, plutocrático e cleptocrata que conduz a nação para a ruína, qualquer que seja o presidente eleito, pois terá de governar com base no parlamentarismo “branco” que, na prática, desgoverna o país.
O Brasil se arrasta lentamente para uma situação de crise terminal, que pode nos obrigar, numa hipótese mais otimista, a restaurar a sanidade geral da nação ou, no cenário pessimista, nos levar irremediavelmente a uma espiral de declínio irreversível por várias décadas.
Outras nações já passaram por isso, ou ainda passam. O caminho da reconstrução é lento e doloroso.
Nações não desaparecem, a não ser que sejam conquistadas por outras: a Polônia existiu e “desapareceu” ao longo da história: salvaram-na a língua e a cultura, inclusive a religiosa.
O Brasil não sofre tal ameaça: apenas pode repetir certos declínios espetaculares, como o da China do final do Império Qing e da República, da primeira metade do século XX, e o da Argentina, nos últimos 90 anos. Aparentemente estamos ainda livres desse risco, mas talvez estejamos perigosamente perto.
Mini reflexão sobre a visível deterioração da vida no Brasil
Paulo Roberto de Almeida
O fato é o seguinte: a despeito do continuum difuso na escala social — contrariamente a essas visões simplistas, ancoradas no passado, sobre a luta de classes como “motor da História” —, existe um fosso, enorme no Brasil, entre aqueles, como eu e a maioria dos que me leem neste momento, privilegiados que somos, e uma grande maioria de brasileiros que precisam lutar diariamente pela sua existência, pela sua simples sobrevivência. Nós, os happy fews, não conhecemos verdadeiramente o que é fome e miséria, não temos a ameaça, o cuidado e o perigo de saber o que dar de comer aos nossos dependentes. Não estamos ameaçados em nossas casas e na geladeira, no conforto e na segurança, a despeito de termos eventualmente reduzido nossas expectativas de ganhos constantes: ainda conseguimos nos manter. Mas, e os milhões dos que foram lançados na rua da amargura, ao flagelo da fome e das doenças?
Por que, como, em quais condições chegamos a isto que vemos todos os dias nas ruas e nos semáforos: pobres reduzidos à condição degradante de ter de pedir alguns tostões para simplesmente sobreviver?
E o que fazemos?
Continuamos impotentes, debatendo esses problemas, e outros mais triviais, nas redes sociais? Sem qualquer consequência prática ou solução para os problemas apontados?
Quando foi que nos degradamos a esse ponto? Onde foi, quando foi que o Brasil se perdeu? Creio que desde sempre, desde a origem da nação independente.
Repito Mario de Andrade: “progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade”.
Mas, como foi, quando foi que começamos a regredir?
Como vocês repararam, neste final de ano estou no modo angustiado com a nossa situação como nação.
Mini reflexão sobre certos itinerários erráticos na vida da nação
Paulo Roberto de Almeida
A degradação moral, o descalabro cultural a que se chegou nos altos escalões da república é algo jamais visto em 521 anos de história. Não existem precedentes e espera-se que não tenha “sucedentes”.
Obra de mentecaptos apoiados por aproveitadores da “coisa pública”, isto é, da República (ou que deveria ser), na verdade de regimes oligárquicos ou plutocráticos, como parece ser o caso do Brasil (independente do fato de se ter fonte em banqueiros e altos capitalistas ou em sindicatos de trabalhadores).
A regeneração vai durar e vai custar muito a ser feita.
Temos exemplos aqui ao lado. Pode levar décadas, e nem é certo que ocorra.
Toynbee era meio mecanicista, mas vamos conceder-lhe alguns pontos: ele já achava que o império americano estava em declínio desde o imediato pós-IIGM.
E certas decadências são reversíveis, nem sempre pelos caminhos mais racionais.
Mas não acredito em ciclos, nem no eterno retorno ou em itinerários fatais.
O Brasil teve muita gente comprometida com a criação de uma sociedade próspera e mais justa, como demonstrarei em meu próximo livro, em revisão: “Projetos para o Brasil: os construtores da nação”.
O problema é que as elites do pensamento nem sempre se coadunam com as elites do poder político ou econômico.
Platão já sabia disso, mas esse é um dilema eterno das sociedades humanas.
E certos “conselheiros de príncipes” costumam provocar mais destruição do que o próprio príncipe, como já havia reparado Maquiavel. Intelectuais podem ser um desastre, como argumentou Paul Johnson. Aliás, tanto Orwell quanto Sowell já escreveram que só eles conseguem acreditar nos piores absurdos.
Mas, o temos atualmente no Brasil não é exatamente um desgoverno orientado por intelectuais, e sim um Mentecapto apoiado por uma horda de novos bárbaros. Também não adianta trocar por um Perón de botequim.
Não precisa ser nenhum estadista churchilliano; basta ser um executivo razoável, apoiado por gente de bom senso e algum conhecimento técnico.
Salvadores da pátria costumam dar muito errado, como sempre…
Em um novo livro. Bob Woodward faz novas revelações surpreendentes sobre os últimos meses de Donald Trump na Casa Branca. Como uma sociedade pode ainda suportar um sujeito desses eu não entendo. Mas, os EUA também estão doentes por uma série de outros problemas, entre eles o racismo, o armamentismo e a violência, assim como a incompreensão de certas questões mundiais pelos seus mais altos governantes. O declínio já começou, pelo alto e por baixo, nas mentes sobretudo...
You’d think it impossible to be shocked anymore by Donald Trump. But Bob Woodward, the Washington Post legend, with a new sidekick, Robert Costa, has done it again.
In the new book “Peril,” the duo lift the lid on the final days of the Trump White House amid the trauma of the Capitol insurrection. The book, obtained ahead of publication by CNN’s Jamie Gangel, is packed with staggering revelations — and also digs in to the first few months of the Biden administration, including the decision to withdraw from Afghanistan.
Among the juiciest bits:
— Gen. Mark Milley, the top US military officer, inserted himself into the nuclear chain of command, ordering that subordinates consult him before accepting any strike orders. This appears to be a stunning subversion of the US’s sacred civilian control of the military – committed, Milley says, to protect the world from an unstable President.
— Milley and House Speaker Nancy Pelosi had a blunt phone call in which the chairman of the Joint Chiefs of Staff tried to assure her that US nuclear weapons were secure. “You know he’s crazy. He’s been crazy for a long time,” Pelosi said, referring to Trump, according to a call transcript. “Madam Speaker, I agree with you on everything,” Milley replied.
— Then-CIA chief Gina Haspel worried the US was on the verge of a right-wing coup in November 2020, telling Milley, “[Trump] is acting out like a six-year-old with a tantrum." Haspel also worried that Trump might try to attack Iran.
— Milley assured his Chinese counterpart in several phone calls that the US would not strike Beijing, after intelligence reports suggested that China believed Trump might target it to divert from the embarrassment of his election loss.
— According to Woodward and Costa, Trump screamed at Mike Pence after the vice president told him repeatedly that he had no power to change the election results. "You don't understand, Mike. You can do this. I don't want to be your friend anymore if you don't do this,” Trump reportedly yelled.
Estamos à beira de mais um colapso de civilizações?
Luke Kemp
*Especial para a BBC Future
Grandes civilizações não são exterminadas, mas acabam com a própria existência.
Essa é a conclusão do historiador britânico Arnold Toynbee em sua principal obra, Um Estudo da História, dividida em 12 volumes. Ele explorou a ascensão e a queda de 28 civilizações diferentes.
O historiador estava certo em alguns aspectos: as civilizações são frequentemente responsáveis por seu próprio declínio. Sua autodestruição, no entanto, geralmente tem alguma "ajuda" externa.
O Império Romano, por exemplo, foi vítima de diversos problemas graves, incluindo superexpansão, mudanças climáticas, degradação ambiental e más lideranças. Um episódio marcante nesse processo de decadência foi a invasão e saque de Roma pelos visigodos no ano de 410 e pelos vândalos em 455.
O exemplo romano mostra que tamanho não necessariamente blinda civilizações do colapso. O Império chegou a abranger cerca de 4,4 milhões de quilômetros quadrados (equivalente a pouco mais da metade do território brasileiro), mas em poucos séculos viu suas dimensões encolherem praticamente a zero.
Pesquisa
Nosso passado é marcado por fracassos recorrentes. Como parte da minha pesquisa no Centro para o Estudo do Risco Existencial, da Universidade de Cambridge, estou tentando descobrir, por meio de uma "autópsia histórica", por que colapsos ocorrem.
O que a ascensão e a queda das civilizações históricas nos dizem sobre a nossa? Quais são as forças que precipitam ou retardam um colapso? Conseguimos ver padrões semelhantes hoje em dia?
A primeira forma de observar civilizações passadas é comparar sua longevidade. Mas isso pode ser difícil, já que não há uma definição absoluta de civilização, nem um banco de dados abrangente dos nascimentos e mortes das populações.
Eu comparei o tempo de vida de várias civilizações, que defino como uma sociedade com agricultura, várias cidades, domínio militar em sua região geográfica e uma estrutura política abrangente. Dada essa definição, todos os impérios são civilizações, mas nem todas as civilizações são impérios.
Um colapso pode ser definido como um processo de perda de população, identidade e complexidade socioeconômica. Há desmantelamento de serviços públicos e a desordem cresce à medida que o governo perde o controle de seu monopólio sobre a violência.
Praticamente todas as civilizações passadas encararam esse destino.
Algumas se recuperaram ou se transformaram, como os chineses e os egípcios. Outros colapsos foram permanentes, como foi o caso da Ilha de Páscoa. Às vezes, as cidades no epicentro do colapso são recuperadas, como foi o caso de Roma. Em outros casos, como as ruínas maias, elas são abandonadas como mausoléu para futuros turistas e pesquisadores.
Lições
O que isso pode nos dizer sobre o futuro da civilização moderna global? As lições de impérios baseados na agricultura se aplicam ao nosso período pós-século 18 de capitalismo industrial?
Eu diria que sim. As sociedades do passado e do presente são apenas sistemas complexos compostos por pessoas e tecnologia. A teoria dos "acidentes normais" sugere que sistemas tecnológicos complexos frequentemente permitem que falhas ocorram. Dessa forma, colapsos podem ser fenômenos normais para as civilizações, independentemente de seu tamanho e estágio.
As civilizações atuais podem estar mais avançadas tecnologicamente, mas isso nos dá pouco fundamento para acreditar que somos imunes às ameaças que dizimaram nossos ancestrais. As nossas novas habilidades tecnológicas trazem novos desafios sem precedentes.
E enquanto nossa escala pode agora ser global, o colapso parece acontecer tanto em vastos impérios quanto em reinos jovens. Não há razão para acreditar que um tamanho maior seja armadura contra a dissolução social. Nosso sistema econômico globalizado, fortemente conectado, é até mais propenso a propagar crises.
Se o destino das civilizações anteriores pode ser um roteiro para o nosso futuro, o que ele diz?
Uma forma de analisá-lo é examinar as tendências que precederam colapsos históricos e observam os acontecimentos de hoje.
Embora não exista uma teoria única aceita sobre o porquê da decadência de civilizações, historiadores, antropólogos e outros especialistas propuseram várias explicações, incluindo:
Mudança climática: Quando a estabilidade climática muda, os resultados podem ser desastrosos, resultando em quebra de safra, fome e desertificação. O colapso dos anasazis, da civilização de Tiwanaku, dos acadianos, dos maias, do Império Romano e de muitos outros coincidiu com mudanças climáticas abruptas, geralmente secas.
Degradação ambiental: Colapsos podem ocorrer quando as sociedades sobrecarregam seu ambiente. Essa teoria do colapso ecológico aponta para o desmatamento excessivo, a poluição da água, a degradação do solo e a perda da biodiversidade como causas principais.
Desigualdade e oligarquias: A riqueza e a desigualdade política podem ser fatores centrais da desintegração social, assim como a oligarquia e a centralização de poder entre líderes. Isso não só causa desconforto social, mas prejudica a capacidade de uma sociedade responder a problemas ambientais, sociais e econômicos.
O campo da cliodinâmica (ciência que tenta explicar eventos históricos a partir da interação de diversos fatores) analisa de que modo aspectos como igualdade e demografia se correlacionam com a violência política.
A análise estatística de sociedades anteriores sugere que isso acontece em ciclos. À medida que a população aumenta, a oferta de mão de obra supera a demanda, os trabalhadores tornam-se "baratos" e a sociedade se torna mais disfuncional. Essa desigualdade enfraquece a solidariedade coletiva e alimenta turbulências políticas.
Complexidade: O historiador Joseph Tainter afirma que as sociedades acabam entrando em colapso sob o peso de sua própria complexidade e burocracia acumuladas. Sociedades são coletivos de solução de problemas que crescem em complexidade para superar novos problemas. No entanto, o crescimento dessa complexidade acaba alcançando um limite. Depois desse ponto, o declínio acabará acontecendo.
Outra medida de crescente complexidade é chamada de Energia Retornada Sobre Energia Investida (EROI, na sigla em inglês). Isso se refere à razão entre a quantidade de energia produzida por um recurso em relação à energia necessária para obtê-lo. Em seu livro The Upside of Down(atualmente sem edição no Brasil), o cientista político Thomas Homer-Dixon observou que a degradação ambiental em todo o Império Romano levou à queda da EROI de sua fonte de energia básica: as culturas de trigo e alfafa.
O império caiu junto com seu EROI. Tainter também considera a queda do indicador uma das principais responsáveis pelos colapsos, inclusive dos maias.
Choque externo: Em outras palavras, os "quatro cavaleiros do apocalipse": guerra, desastres naturais, fome e pragas. O Império Asteca, por exemplo, foi extinto pelos invasores espanhóis.
A maioria dos primeiros Estados agrários desapareceu devido a epidemias mortais. A concentração de seres humanos e gado em assentamentos murados e com higiene precária tornou os surtos de doenças inevitáveis e catastróficos.
Às vezes esses desastres acontecem combinados a fatores como, por exemplo, a introdução da salmonela (bactéria causadora de diversas doenças) nas Américas por meio dos conquistadores espanhóis.
Acaso/má sorte: Análises estatísticas sobre os impérios sugerem que o declínio é aleatório e independente de longevidade.
A bióloga evolucionista e cientista de dados Indre Zliobaite e seus colegas observaram um padrão semelhante no registro evolutivo das espécies. Uma explicação comum para essa aparente aleatoriedade é a "Hipótese da Rainha Vermelha": se as espécies estão em luta constante pela sobrevivência em um ambiente em transformação com inúmeros concorrentes, a extinção é uma possibilidade real.
Apesar da abundância de livros e artigos, não temos uma explicação conclusiva sobre o porquê de as civilizações entrarem em decadência. O que sabemos é o seguinte: todos os fatores destacados acima podem contribuir.
O colapso é um fenômeno que acontece quando fatores de tensão ultrapassam a capacidade de tolerância da sociedade.
Podemos examinar esses indicadores para ver se o risco, no caso das civilizações atuais, está caindo ou aumentando. Quatro desses possíveis indicadores que deveriam ser considerados são mudanças climáticas, impacto ambiental, desigualdade e complexidade.
A temperatura é um claro indicador de mudança climática, o PIB é um parâmetro de complexidade e a pegada ecológica é um indicador de degradação ambiental. Cada um desses indicadores tem seguido uma tendência de alta acentuada.
A desigualdade é mais difícil de calcular. A medição típica do Coeficiente de Gini (instrumento estatístico para medir condições de renda das populações) sugere que a desigualdade diminuiu um pouco globalmente (embora esteja aumentando dentro de determinados países).
No entanto, o Coeficiente de Gini pode ser equivocado, pois mede apenas as mudanças relativas à renda. Em outras palavras, se um indivíduo que ganha US$ 1 e outro que ganha US$ 100 mil dobrassem sua renda, o Gini não mostraria mudança alguma. Mas a lacuna entre os dois teria saltado de US$ 99.999 para US$ 198.998.
Por causa disso, eu também olhei para a renda dos 1% mais ricos do mundo.
Esse 1% aumentou sua participação na receita global de aproximadamente 16% em 1980 para mais de 20% hoje. É importante ressaltar que a desigualdade de riqueza é ainda pior.
A parcela da riqueza global desse 1% aumentou de 25-30% na década de 1980 para aproximadamente 40% em 2016. É provável que a realidade seja mais acentuada, pois esses números não consideram riqueza e renda desviadas para paraísos fiscais no exterior.
Estudos sinalizam que o EROI para combustíveis fósseis vem diminuindo ao longo do tempo, à medida que as reservas mais fáceis de alcançar e as mais ricas estão se esgotando. Infelizmente, a maioria das fontes renováveis, como a solar, tem um EROI consideravelmente menor, principalmente devido à densidade de energia, metais raros e processo de fabricação necessários para produzi-los.
Isso levou grande parte dos pesquisadores a discutir a possibilidade de um "abismo energético", à medida que o EROI diminui a um ponto em que os atuais níveis sociais de riqueza não podem mais ser mantidos.
Esse "abismo energético" não precisa ser definitivo se as tecnologias renováveis continuarem a melhorar e as medidas de eficiência energética forem rapidamente implementadas.
Medidas de recuperação
Uma notícia mais tranquilizadora é que os indicadores de colapso não são definitivos. A recuperação social pode atrasar ou até mesmo impedir o colapso.
Por exemplo, globalmente, a "diversidade econômica" - uma medida da diversidade e sofisticação das exportações dos países - é maior hoje do que era nas décadas de 1960 e 1970, segundo medições pelo Índice de Complexidade Econômico (ECI, na sigla em inglês).
As nações são, em média, menos dependentes de tipos únicos de exportação do que eram antes. Por exemplo, uma nação que conseguisse diversificar suas exportações para além de produtos agrícolas estaria mais propensa a enfrentar a degradação ecológica ou a perda de parceiros comerciais.
O ECI também mede a intensidade do conhecimento das exportações. Populações mais qualificadas podem ter maior capacidade de lidar com crises à medida em que elas surgem.
Da mesma forma, a inovação - medida por pedidos de patente per capita - também está aumentando. Em teoria, uma civilização pode ser menos vulnerável ao colapso se novas tecnologias puderem amenizar pressões como as mudanças climáticas.
Também é possível que o declínio possa acontecer sem uma catástrofe violenta. Como Rachel Nuwer escreveu para o BBC Future em 2017, "em alguns casos, as civilizações simplesmente desaparecem - tornando-se material para a História sem um grande estrondo, mas apenas com um gemido".
Ainda assim, quando olhamos todos esses indicadores de colapso e recuperação como um todo, a mensagem é clara: não devemos ser complacentes.
Existem algumas razões para sermos otimistas, graças à nossa capacidade de inovar e diversificar longe do desastre. No entanto, o mundo está piorando em áreas que contribuíram para o colapso das sociedades anteriores.
O clima está mudando, a distância entre ricos e pobres está aumentando, o mundo está se tornando cada vez mais complexo e nossa pressão sobre o meio ambiente está sobrecarregando o planeta.
A escada sem degraus
Isso não é tudo. O mundo está agora profundamente interligado e interdependente.
No passado, o colapso acontecia em nível regional - era um retrocesso temporário, e as pessoas podiam facilmente retornar a estilos de vida agrários ou caçadores-coletores.
Para muitos, o colapso funcionou como um alívio da opressão dos primeiros Estados. Além disso, as armas disponíveis durante as rebeliões sociais eram rudimentares: espadas, flechas e ocasionalmente armas de fogo.
Hoje, o declínio social é uma perspectiva mais traiçoeira. As armas disponíveis para um Estado e, às vezes, até para grupos, agora variam de agentes biológicos a armas nucleares. Novos instrumentos de violência, como armas autônomas letais, podem estar disponíveis num futuro próximo.
As pessoas estão cada vez mais especializadas e desconectadas da produção de alimentos e bens básicos. E as mudanças climáticas podem prejudicar irremediavelmente nossa capacidade de retornar a práticas agrícolas simples.
Pense na civilização como uma escada mal construída. Conforme você sobe, cada degrau que você usou desmorona. Uma queda de uma altura de apenas alguns degraus não é tão perigosa. No entanto, quanto mais alto você sobe, maior a queda. Inevitavelmente, uma vez que você alcance uma altura maior, qualquer queda da escada é fatal.
Com a proliferação de armas nucleares, podemos já ter atingido este ponto de limite civilizacional. Qualquer colapso - qualquer queda da escada - corre o risco de ser permanente. Uma guerra nuclear em si poderia resultar em um risco existencial: a extinção de nossa espécie ou uma catapulta permanente de volta à Idade da Pedra.
Enquanto estamos nos tornando economicamente mais poderosos e resistentes, nossas capacidades tecnológicas também apresentam ameaças sem precedentes que nenhuma civilização teve que enfrentar. Por exemplo, as mudanças climáticas que estamos encarando são de natureza diferente daquelas que os maias ou anazasi enfrentaram. Elas são globais, influenciadas pelas ações dos seres humanos, mais rápidas e mais severas.
A ajuda para nossa ruína auto-imposta não virá de vizinhos hostis, mas das nossas próprias capacidades tecnológicas. O colapso, no nosso caso, seria uma armadilha do progresso.
O colapso da nossa civilização não é inevitável. A História sugere que ele é provável, mas temos a vantagem única de poder aprender com as ruínas das sociedades do passado.
Nós sabemos o que precisa ser feito: as emissões podem ser reduzidas, as desigualdades, niveladas, a degradação ambiental, revertida, a inovação, desencadeada e as economias, diversificadas.
As propostas políticas estão aí. O que falta é a vontade política. Nós também podemos investir em recuperação. Evitar a criação de tecnologias perigosas e amplamente acessíveis também é fundamental. Tais medidas diminuirão a chance de um colapso futuro se tornar irreversível.
Nós só entraremos em declínio se avançarmos cegamente. Estaremos condenados apenas se não estivermos dispostos a ouvir o passado.
*Luke Kemp é especialista em colapsos de civilizações.
Este artigo faz parte de uma nova série da BBC Future chamada "Deep Civilisation" (Civilização Profunda, em tradução livre), sobre uma visão de longo prazo da humanidade, que visa se afastar do ciclo de notícias diárias e ampliar o olhar sobre nosso lugar atual no tempo. A sociedade moderna está sofrendo de "exaustão temporal", disse a socióloga Elise Boulding. "Se alguém está o tempo inteiro mentalmente sem fôlego, por lidar com o presente, não resta energia para imaginar o futuro", escreveu ela. É por isso que essa série de reportagens vai explorar o que realmente importa no arco mais amplo da História humana e o que isso significa para nós e nossos descendentes.