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domingo, 23 de novembro de 2014

Sobre as ‘causas’ do golpe militar de 1964 - Paulo Roberto de Almeida


Sobre as ‘causas’ do golpe militar de 1964

Paulo Roberto de Almeida

Um historiador, já famoso por seus trabalhos de outra forma equilibrados e bastante conhecidos sobre o golpe “civil-militar” de 31 de março de 1964 – mais propriamente civil, como ele mesmo gosta de enfatizar – e de ensaios igualmente meritórios sobre o regime militar e de todo o período que se seguiu, termina um recente artigo sobre a questão de forma absolutamente surpreendente. Ele afirmou o seguinte:
 Quando um jornalista me perguntou qual era a causa, ‘em uma palavra’, do golpe de 1964, eu respondi: ‘o medo’. O autoritarismo que marcava e marca a sociedade brasileira expressou-se, naquela ocasião, no medo das elites e da classe média diante das possíveis conquistas sociais que as propostas de reforma de base representavam: mais vagas nas universidades, tabelamento dos aluguéis, reforma agrária etc. Essa talvez seja a principal atualidade do golpe de 1964.
(Carlos Fico, “50 anos do golpe: balanço”, blog Brasil Recente, 20/11/2014; link: http://www.brasilrecente.com/2014/11/50-anos-do-golpe-balanco.html?spref=fb)

Já comentei esta surpreendente afirmação – que destoa de outros argumentos mais razoáveis nesse seu curto artigo – em uma postagem rápida de meu blog, escrita on spot, ou seja, apenas como reação inicial a uma questão que me parece importante no quadro dos debates que tivemos durante o ano, pela passagem dos 50 anos do golpe (ver o link: https://www.facebook.com/paulobooks/posts/838895436173908?pnref=story). Também já escrevi o suficiente sobre a farsa das “reformas de base” do governo Goulart – que ficaram como um slogan, apenas, pois nunca vi algum desses que se referem a elas se aprofundarem em seu exame – para não ter que voltar ao exame de cada uma nesta oportunidade. Quem quiser conhecer a análise que fiz, pode buscar este texto: “Deformações da História do Brasil: o governo Goulart, o mito das reformas de base e o maniqueísmo historiográfico em torno do movimento militar de 1964”, Revista do Clube Militar (Rio de Janeiro: ano LXXXVI, no 452, fevereiro-março-abril de 2014; edição especial: “31 de Março de 1964 – A Verdade”, p. 107-122; ISSN: 0101-6547; disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/9430621/2590_Deforma%C3%A7%C3%B5es_da_Hist%C3%B3ria_do_Brasil_o_governo_Goulart_o_mito_das_reformas_de_base_e_o_manique%C3%ADsmo_historiogr%C3%A1fico_em_torno_do_movimento_militar_de_1964_2014_).
Vou tratar aqui mais em detalhe da afirmação do professor, acima transcrita, e ater-me estritamente às suas palavras, no que julgo ser um saudável exercício de debate acadêmico, aberto a todas as pessoas que dispõem de argumentos substantivos sobre os conceitos emitidos e o sentido que se lhes pode atribuir no contexto daquele processo histórico, de tão profundas consequências para mais de uma geração de brasileiros.
As palavras-chaves de sua resposta ao jornalista, talvez formulada rapidamente, sem a necessária reflexão (mas ela foi transcrita, posteriormente, para artigo escrito e, como tal, publicado num blog, o que é evidência de reflexão e de aprovação pessoal do argumento desenvolvido), são as seguintes: (a) “causa” (em uma palavra); (b) “medo”; (c) “possíveis conquistas sociais”; (d) “reformas de base”; (e) “atualidade do golpe de 1964”. Se todos concordarem com isso, procedo agora ao exame de cada um desses conceitos, tentando ser fiel ao contexto da época e ao espírito do historiador que trabalha sobre temas tão graves, em suas consequências políticas, e de tal complexidade para justificar inclusive certa fratura historiográfica, o que também não deixei de registrar na abertura de meu artigo acima referido.
Em primeiro lugar, poucos historiadores, ou cientistas sociais, seriam capazes de realizar uma síntese tão arriscada quanto apontar “a causa, ‘em uma palavra’, do golpe de 1964”. Parece evidente que evento, ou episódio tão momentoso, não possui uma causa podendo ser expressa numa única palavra, e seria difícil encontrar um único conceito que pudesse resumir toda a complexidade de uma grave crise política que vinha se arrastando desde o segundo governo Vargas, pelo menos, e talvez durante toda a era Vargas. As crises políticas brasileiras, constantes e regulares durante toda a República de 1946, refletiam as divisões existentes igualmente em outras formações políticas da América Latina, que colocavam em confronto estatistas e “livre-mercadistas”, liberais e “desenvolvimentistas”, conservadores e “progressistas”, e várias combinações possíveis dessas classificações. O uso de aspas em vários desses conceitos se justificam em função de possíveis interpretações ambíguas sobre seu real significado.
Não existiu uma única causa para o golpe – ou o movimento civil-militar, como prefere o próprio professor – e se as causas pudessem ser resumidas sob algum conceito provavelmente este não seria o “medo” das elites e da classe média das “reformas de base” do presidente Goulart (e dos movimentos que o apoiavam). Vou estender-me sobre esse suposto medo mais abaixo, mas antes vou abordar um outro conceito usado como suposto real da sociedade brasileira naquele momento, que é incorporado ao discurso do professor como algo natural, ou esperado: o “autoritarismo”. Por que a sociedade brasileira seria autoritária, mesmo naquela época e naquele contexto? Haveria algum tendência política majoritária que impeliria a sociedade para o autoritarismo?
A afirmação é tanto mais surpreendente porque nenhuma sociedade, em seu conjunto, pode ser considerada autoritária, como se isto fosse uma emanação cultural, ou algum traço civilizatório que pudesse marcar estruturalmente sociedades modernas, que são sempre mais complexas do que simples comunidades agrícolas ou pastoris, divididas entre diferentes classes, com interesses e objetivos políticos muito diversos entre elas. Vamos ver alguns precedentes históricos em torno desta questão.
Ao examinar a evolução da sociedade moderna, poderíamos, por acaso, considerar a sociedade francesa do final do século XVIII e do decorrer do século XIX como autoritária, em primeiro lugar porque passou pelo Terror do período do Termidor, quando Robespierre deu início ao período mais autoritário da revolução francesa, um período aliás admirado por Lênin e alguns outros? Seria ela autoritária porque seguiu o primeiro cônsul Bonaparte no seu 18 Brumário, e depois ao criar o maior império centralizado que já conheceu aquele velho país de tradições libertárias? Ou ao apoiar, novamente, o sobrinho, em sua eleição presidencial pós-1848, e depois novamente quando este fez o seu próprio 18 Brumário e se proclamou imperador, como o tio?
Seria a sociedade japonesa pós-Meiji autoritária? E a da Prússia, antes e depois da formação do Império alemão, também? Seria elas autoritárias porque apoiaram as derivas militaristas de suas lideranças políticas e militares, nos dois processos que presidiram à ascensão dessas duas novas potências no quadro de conflitos interimperiais do início do século XX? Seria autoritária a sociedade italiana dessa mesma época, por ter sancionado e seguido a liderança fascista de Mussolini, até quase o final do mais desastroso experimento político da Itália contemporânea. E seria autoritária a sociedade brasileira, por ter apoiado, em sua ampla maioria, os militares que derrubaram Goulart e deram início a um regime que deveria ser de correção dos problemas do momento – inflação, grevismo político, quebra de hierarquia nas FFAA, ameaça comunista – e de renovação dos quadros dirigentes?
Parece difícil admitir que a sociedade brasileira fosse “autoritária”, sob qualquer critério, inclusive porque a maior parte dos historiadores “progressistas”, ou seja, os que se posicionam claramente contra o golpe, não deixam de mencionar o “amplo apoio das massas” às “reformas de base” e às demais medidas “progressistas” de Goulart. Muitos desses historiadores consideram que tais reformas foram interrompidas por uma minoria conservadora, ou mesmo reacionária, que, lamentavelmente, colocou a alta cúpula das Forças Armadas a serviço dos latifundiários e da alta burguesia, ambos aliados ao imperialismo, segundo as interpretações correntes. Pareceria contraditório, portanto, mencionar o caráter “popular” dessas reformas, e ao mesmo tempo alegar a natureza autoritária da sociedade como um todo.
Creio que se pode, assim, descartar essa característica, que não se fundamenta em alguma análise empiricamente embasada que pudesse sustentar tal argumento para o Brasil de meio século atrás. Sociedades, em geral, não são uniformemente autoritárias, mas lideranças políticas específicas podem conduzir a maioria da cidadania a adotar uma tal postura em função de peculiaridades que se desenvolvem ao longo de uma história política marcada por eventos e processos que favorecem o autoritarismo (crises internas, aumento da anomia, graves desafios externos, ruptura de padrões anteriores). Em resumo, não existem evidências quanto ao “autoritarismo” da sociedade brasileira ao início dos anos 1960: provavelmente ela apenas seria um pouco mais conservadora do que foi o caso no período subsequente, acompanhando tendências comportamentais já detectadas, aliás, outras sociedades em outros países.
Chegamos agora ao suposto medo que teria, não a sociedade brasileira, mas especificamente as classes médias e as elites, de conquistas sociais que estariam embutidas – como se elas fossem uma certeza – nas reformas de base. Na verdade, o que havia, nos meses que precederam o golpe, era uma grande agitação em torno dessas reformas, mas jamais uma ação coerente para colocá-las em vigor, seja mediante medidas administrativas, as que não dependiam de processo legislativo – como a oferta de vagas nas universidades públicas, por exemplo –, seja pelo envio de projetos de lei que teriam de passar pela aprovação do Congresso para se converterem em realidade, como grande parte delas: reforma agrária em modalidades não previstas na Constituição (mas o governo poderia fazê-la sobre terras públicas, obviamente), voto do analfabeto e dos militares (com elegibilidade para ambos), ou diferentes medidas econômicas. Já tratei de cada uma delas no artigo citado acima, para retomar cada uma em detalhe.
O governo Goulart foi incapaz de desenvolver uma ação coordenada para levar adiante seu conjunto de reformas – que de toda forma não existiam como um programa coerente, tendo o conceito sido consolidado praticamente ex-post – e se contentou, às vésperas da crise final – que se desenvolveu de forma independente a qualquer ação em torno das reformas –, em assinar dois decretos: um previa a desapropriação de terras ao longo das grandes vias federais para fins de reforma agrária, e outro a fixação de um teto para os alugueis urbanos, cujo aumento contínuo era creditado à especulação imobiliária, não à inflação que, naquela altura já rodava ao ritmo de 90% ao ano. A classe média – e de fato todos os brasileiros – tinham mais medo da inflação do que de supostas conquistas sociais que seriam asseguradas por reformas diáfanas e vagas, raramente expressas em projetos legislativos.
Poucos historiadores (que são essencialmente políticos) se dão conta dos efeitos devastadores que uma inflação quase ultrapassando os três dígitos poderia ter sobre o poder de compra e os projetos de poupança (sempre remunerada a 6% ao ano) do conjunto dos brasileiros, que até então não tinham sido apresentados à fórmula mágica (e alimentadora da mesma inflação) da indexação, ou correção monetária (introduzida mais adiante sob o regime militar). Poucos desses historiadores se dão igualmente conta dos efeitos devastadores sobre os princípios militares da hierarquia e da disciplina que tiveram a revolta dos sargentos de setembro de 1963 (por motivos essencialmente políticos, diga-se de passagem) e a dos marinheiros, no início do ano seguinte. Mais grave ainda foi a sanção dada pelo poder político a esses atos de insubordinação e de desrespeito aos comandantes militares, o que indispôs a maior parte dos comandantes com o presidente da República e seus principais auxiliares, entre eles sindicalistas ligados ao Partido Comunista, considerado o inimigo principal da soberania do país desde a Intentona de 1935.
Havia, sim, na classe média, nas elites e principalmente nas Forças Armadas um sentimento de medo muito preciso, que não tinha nada a ver com as reformas de base, e sim com esse mesmo espantalho do comunismo, na verdade uma ameaça considerada real para os principais protagonistas do drama político que se desenvolvia no auge da Guerra Fria. Elementos indispensáveis desse clima algo paranoico eram os avanços do comunismo além das fronteiras da Europa oriental, com a revolução cubana, a crise dos misseis soviéticos em Cuba e várias bravatas dos líderes soviéticos sobre a possibilidade de o comunismo “enterrar o capitalismo”, como havia proclamado pouco antes Nikita Kruschov, o Secretário-Geral do PCUS. Ignorar que esse temor fosse uma preocupação legítima de amplos setores da sociedade brasileira seria considerar que a maior parte da população teria de assumir os pressupostos soi-disant progressistas e majoritariamente anti-imperialistas desses mesmos historiadores e analistas políticos da academia.
A verdade é que a maioria da sociedade brasileira estava – independentemente da mobilização dos grupos, partidos e movimentos de esquerda e direita – exasperada com o ambiente quase caótico vivido durante todos os confusos meses de lutas políticas vividos no período imediatamente anterior ao golpe. Esse ato de ruptura na legalidade democrática não estava exatamente planejado, nem obedecia a uma conspiração preparada pelas elites nacionais em conluio com o imperialismo, como tendem a proclamar os adeptos da historiografia de esquerda. Ele acabou se impondo por um conjunto desigual de circunstâncias, entre as quais se contam o ânimo oposicionista de governadores interessados na presidência e a impetuosidade de alguns chefes militares, todos eles observados de perto pelos observadores diplomáticos e agentes do setor de inteligência da embaixada dos Estados Unidos. O Big Brother hemisférico não estava obviamente disposto a deixar se instalar no continente um outro regime que poderia ser não uma nova Cuba, mas uma espécie de nova China, pela dimensão e importância do país. No ambiente exacerbado da Guerra Fria se tratava igualmente de uma preocupação legítima da maior potência capitalista e líder do chamado “mundo livre”.
Cabe considerar, finalmente, o que seria essa “atualidade do golpe de 1964”, que estaria contida na alegação de que foi o medo da classe média das “reformas de base” que precipitou o golpe militar, como se o mesmo processo pudesse se desenvolver nos dias que correm. Reformas são desenvolvidas todos os dias a todos os momentos dos processos políticos conhecidos em quase todas as democracia de mercado, e em alguns regimes menos democráticos também. Não são elas que precipitam a radicalização das forças sociais, se conduzidas pelos canais normais da democracia representativa. O que pode, sim, exacerbar paixões e precipitar rupturas não institucionais é a quebra de padrões e a ameaça de rebaixamento das condições de vida, que soem ocorrer em processos inflacionários virulentos, acoplados à quebra de confiança nas autoridades políticas. Foi isso, finalmente, que ocorreu no Brasil de 1963-64, e é isso que vem ocorrendo atualmente na Venezuela, e em menor escala na Argentina, por exemplo.
As condições “ideais” para a intervenção dos militares na arena política estão, no entanto, longe de se reproduzirem novamente, e pode-se inclusive dizer que o longo regime militar registrado de meados dos anos 1960 aos 80 pode ter imunizado o país de novas aventuras desse gênero. Nem o ambiente internacional, com a derrocada total, e aparentemente definitiva, do comunismo, suscitaria o mesmo clima de exacerbação dos espíritos como ocorria no auge da Guerra Fria. A menos que o mesmo caos político que caracterizou o governo Goulart se imponha novamente ao país, com forte descontrole inflacionário e quebra da legalidade em diferentes instâncias da vida política e social, não existe clima nem condições objetivos para qualquer “atualidade” de um golpe. Não se imagina tampouco qualquer temor da classe média ou das elites por reformas que promovam maior grau de igualdade distributiva e inclusão social, desde que conduzidas pelos canais admitidos do jogo político-partidário e dos mecanismos institucionais de representação política e de ação legislativa. A hipótese, portanto, simplesmente não existe, não cabendo, em consequência, qualquer argumento em favor da “atualidade” dessas “reformas de base”, um conjunto heteróclito e desordenado de propostas que adquiriu foros de mito, sem ter consistência empírica para tal.
Grande parte do trabalho do historiador consiste, entre outras tarefas de cunho interpretativo, em separar os discursos dos atores políticos – sempre tentados pela retórica fácil e muitas vezes demagógica – das ações efetivas tomadas no terreno dos processos em curso na arena das barganhas e negociações entre eles mesmos. Via de regra, sociedades avançam por meio de reformas progressivas, não mediante golpes ou revoluções, que de resto não são planejados, nem passíveis de uma coordenação efetiva entre seus supostos líderes. Tais rupturas são eminentemente acidentais na vida dos países, e se dão no quadro de deteriorações graves da vida social, política e econômica. Esse era o quadro do Brasil meio século atrás; não parece mais ser o caso atualmente, em que pese a permanência de alguns atores que parecem não ter aprendido quase nada com as infelizes experiências tentadas numa sociedade em crise.
As marcas dessa crise podem não ter desaparecido inteiramente no espírito de alguns atores e observadores do drama de meio século atrás. Certos eventos exigem a passagem de mais de uma geração de atores e espectadores para que um julgamento não passional possa ser feito por aqueles que se ocupam de interpretar o passado.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 23 de novembro de 2014.

domingo, 12 de agosto de 2012

O Brasil recua (3): a critica ao produtivismo academico - Carlos Fico

Geralmente, aqueles que mais protestam e se insurgem contra a cobrança de resultados na atividade acadêmica são os medíocres, aqueles que não conseguem produzir um único artigo decente, que seja aceito por revistas sérias (ou seja, aquelas com blind peer review), e que só publicam nas suas revistinhas de compadrio, no toma-lá-dá-cá (eu te publico, tu me publicas), os que dão aulas vagabundas, quando dão, e ficam embromando os alunos com aquela velha conversinha da mercantilização do ensino, as diretrizes do Banco Mundial contra a educação livre e crítica, e outras bobagens do gênero.
Infelizmente, os medíocres são os que politizam as demandas universitárias, e como não dão aulas, têm tempo para fazer política nas associações mafiosas que são os sindicatos, e prostituem o meio universitário com questões absolutamente alheias ao ensino.
Abaixo um artigo de um historiador justificando, acertamente, a cobrança de resultados na produção acadêmica.

Brasil Recente, 13 DE JULHO DE 2012

Avaliação da pós-graduação: produtivismo?

Carlos Fico
Torna-se cada vez mais frequente a crítica à avaliação dos cursos de pós-graduação feita pela Capes em termos de que haveria um parâmetro excessivamente "produtivista", isto é, baseado em um número supostamente demasiado de publicações que seria exigido dos professores.
Recentemente, quatro colegas do Programa de Pós-graduação em História da UFPB solicitaram seu desligamento alegando que haveria uma "busca desenfreada de metas quantitativas".
Como Coordenador da Área de História junto à Capes, parece-me conveniente buscar esclarecer certos aspectos.
A avaliação da pós-graduação em nossa área adota critérios eminentemente qualitativos baseados em um princípio que poderíamos chamar de "processo social do conhecimento", isto é, a avaliação feita pelos pares. Os periódicos nos quais publicamos são assim avaliados e recebem uma nota que varia de A1 a B5. Os critérios de avaliação dos periódicos são públicos e bastante referendados pela comunidade científica.
Os livros integrais e capítulos que publicamos também são avaliados segundo critérios públicos através de uma comissão de historiadores que atribui notas que variam de L4 a L1.
As avaliações da pós-graduação brasileira são feitas trienalmente. Assim, considera-se a produção intelectual de um professor ao longo de três anos.
Parte-se da realidade, isto é, da quantidade de artigos, capítulos e livros publicados no triênio em questão. Não há uma exigência numérica a priori. Isso permite à Capes detectar a média da produção dos programas.
Por exemplo, os programas de pós-graduação em História nota 3, no último triênio, tiveram uma média de produção próxima de 1 (um) item (artigo, capítulo ou livro). Ou seja, um professor de um programa nota 3 que, ao longo de três anos, publicou um único artigo em periódico qualificado ou um único capítulo ou um único livro avaliado entre os conceitos L4 e L1 terá atingido a média. Esta, certamente, não é uma exigência descabida.
No caso dos programas nota 4, 5, 6 ou 7 as médias sobem. Por exemplo, a média da produção de um professor de um programa nota 5 ou 6 oscila entre 3 e 4 itens (ou seja, 3 ou 4 artigos e/ou capítulos etc.) ao longo de três anos. Isso não significa que o professor desse programa tenha de publicar no triênio 3 ou 4 artigos seminais que revolucionem a historiografia brasileira. O perfil usual consiste na publicação de um artigo, capítulo ou livro mais denso e de mais algumas publicações decorrentes, por exemplo, da costumeira participação em seminários ou congressos que, frequentemente, produzem anais com nossas intervenções.
É preciso destacar que os programas avaliados como "muito bom" (nota 5) ou que integram o "grupo de excelência" (notas 6 e 7) recebem da Capes recursos financeiros públicos não desprezíveis que podem usar com grande autonomia. É natural que se cobre uma contrapartida.
A produção em outras áreas é numericamente maior. No caso da História, há um ritmo necessário à maturação do conhecimento que impede a produção desenfreada de publicações. As especificidades de cada área têm sido respeitadas pela Capes. Por exemplo, depois de muitos anos de demandas, a Capes adotou a avaliação de livros.
A Capes também tem investido bastante na eliminação das assimetrias regionais. O apoio às iniciativas dos programas situados nas regiões Norte e Nordeste é bastante conhecido.
Quando é feita a avaliação de uma proposta de evento acadêmico (seminários, congressos etc.), analisa-se seu alcance tendo em vista o público abrangido (local, regional, nacional ou internacional). Não é correto supor que a definição do alcance de um evento acadêmico nesses termos impeça ou hierarquize a destinação dos recursos: frequentemente, os recursos são aprovados porque se trata, precisamente, de uma boa proposta de evento acadêmico com alcance regional, por exemplo. Note-se, a bem da verdade, que a avaliação da pós-graduação não exige que os professores apresentem propostas de realização de eventos acadêmicos.
A avaliação da pós-graduação feita pela Capes é um caso de sucesso reconhecido internacionalmente. Isso não significa que não tenha problemas. Um deles é de escala: como avaliar a grande quantidade de programas de pós-graduação existente tendo em vista tantos aspectos (produção intelectual, ensino, formação de recursos humanos etc.)? Isso certamente precisa mudar. Algumas propostas de mudança estão em estudo. Caberia, por exemplo, avaliar os programas consolidados quinquenalmente? Isso permitiria um acompanhamento mais cuidadoso dos programas recém-criados?
Um dos problemas reais da avaliação da pós-graduação brasileira que muito atinge a área de História é a "especialização precoce": o aluno de graduação, por vezes beneficiado com uma bolsa de iniciação científica, decide ingressar imediatamente no curso de mestrado, geralmente desenvolvendo o mesmo tema e, em seguida, após dois anos, prossegue trabalhando o mesmo assunto no doutorado, motivado, quem sabe, pela bolsa que continuará recebendo. Com isso, é cada vez mais frequente a titulação de doutores com pouca experiência profissional (no ensino ou em qualquer outra atividade) e que praticamente só conhecem a temática de sua especialização.
Outro problema significativo - em parte já superado pelo longo trabalho da Área de História nas últimas décadas - foi chamado, por coordenadores que me antecederam nessa posição, de "taylorização" e decorria da exiguidade dos prazos que se impunham para a conclusão dos cursos, sobretudo o do mestrado: 24 meses. Hoje, o tempo médio de titulação considerado "Muito Bom" para o mestrado é de 36 meses.
Espera-se que um professor de um programa de pós-graduação chancelado e financiado pela Capes produza conhecimento qualificado. As médias acima mencionadas não são de modo algum exageradas. Trabalhar com essas médias - opção que a Área de História tem feito nos últimos triênios - talvez transpareça uma "tradução numérica" com a qual a comunidade apenas aos poucos se acostuma. Mas isso não pode ser visto como "produtivismo".