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quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

IPRI, 30 anos, minha homenagem - Paulo Roberto de Almeida

Não poderia deixar encerrar o ano sem homenagear os primeiros 30 anos da existência da entidade da qual sou o atual Diretor (desde agosto de 2016), o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI, vinculado à Funag, e que cumpriu um programa de trabalho razoável no decurso deste ano, sobre o qual já informei neste mesmo espaço; ver aqui: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/atividades-do-ipri-em-2017-um-primeiro.html).


Transcrevo abaixo a nota que foi publicada nos Cadernos de Política Exterior (n. 6, segundo semestre de 2017, p. 469-474; link: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&path=85&product_id=935; série dos Cadernos de Política Exterior: http://www.funag.gov.br/ipri/index.php/cadernos-de-politica-exterior).
Paulo Roberto de Almeida 
21 de dezembro de 2017




Paulo Roberto de Almeida

Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag.



O Itamaraty é conhecido por constituir um serviço diplomático de excelência, desde as origens à atualidade, o que já foi confirmado por testemunhos de diplomatas estrangeiros, inclusive os vizinhos, portanto, insuspeitos. Ele é também conhecido por abrigar famosos homens de letras, acadêmicos de qualidade, grandes intelectuais, até de estatura internacional, o que é natural numa instituição voltada para a interface externa do país. Em sua interface interna, essa instituição conseguiu atrair, justamente, alguns dos mais legítimos representantes da cultura brasileira, o que também pode ser aferido pela lista de seus profissionais de carreira que se tornaram “imortais”, isto é, integrantes da Academia Brasileira de Letras (ABL). A ABL, desde o início, foi, possivelmente, a “ponte” mais evidente entre o Itamaraty e a sociedade brasileira, ainda que, consoante seu caráter relativamente elitista, essa ponte se fazia mais propriamente com a “república das letras”, um pequeno clube de promotores da alta cultura nacional.

A segunda “ponte”, esta bem mais democrática, foi o Instituto Rio Branco (IRBr), que, desde 1945, assegura uma seleção regular, e perfeitamente meritocrática, das melhores capacidades para servir ao Brasil no exterior e em todas as atividades internas relativas ao trabalho de representação diplomática. O Instituto Rio Branco começou por recrutar os melhores professores para capacitar ainda mais os integrantes do serviço exterior. O processo de qualificação do pessoal de carreira teve continuidade, mais adiante, pelos requerimentos funcionais à ascensão funcional, o Curso de Aperfeiçoamento, em nível de secretário, e o Curso de Altos Estudos, para os conselheiros, com exigência de tese defendida em banca. O IRBr tornou-se, assim, um formador contínuo de “mão de obra” altamente especializada, bem como um produtor de conhecimento, ainda que para a própria instituição, embora, também, com o concurso de representantes da academia.

Para justamente estabelecer a terceira “ponte” entre o ministério e a sociedade civil foi criada, em 1971, a Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG), que cumpriu, portanto, seus primeiros 45 anos de existência em 2016. A ela se deve uma imensa atividade de natureza cultural, mas também voltada para a promoção de estudos e pesquisas sobre todos os temas que compõem a agenda de trabalho do Itamaraty. A FUNAG acumulou, até aqui, um catálogo de centenas de títulos publicados, nas muitas coleções em que se divide a sua produção editorial, uma das maiores do Brasil, senão a maior de todas, em temas de relações internacionais, de política externa e de história diplomática, com a peculiaridade de que essas obras encontram-se livremente disponíveis em sua Biblioteca Digital. O acesso aos materiais disponíveis em seu site espelha praticamente a quase totalidade dos membros da ONU, em cifras milionárias, o que estabelece uma outra “ponte” com o público no exterior, brasileiros estudando fora do pais, ou estrangeiros buscando informação e materiais de estudo sobre a diplomacia brasileira e sobre todos os temas de economia e de política internacional trabalhados no e pelo Itamaraty. A FUNAG editou mais de mil livros nos últimos dez anos, a maior parte em português, mas agora também em inglês e espanhol, e já caminhando para outras línguas (como o mandarim e o árabe).

Muitos desses trabalhos publicados pertencem ao ramo historiográfico, e, para isso, a FUNAG dispõe do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD), sediado no Rio de Janeiro, criado em 2002, e que acaba de completar, portanto, seus primeiros 15 anos de existência. O CHDD possui um veículo para a divulgação regular do acervo histórico pertencente ao antigo Ministério dos Negócios Estrangeiros (sob o Império) e também ao atual Ministério das Relações Exteriores (MRE), renomeado a partir do regime republicano: trata-se dos Cadernos do CHDD, com materiais preciosos retirados dos arquivos do Itamaraty, desde a documentação trazida pela família real portuguesa em sua vinda ao Brasil, em 1808, até a transferência do MRE para Brasília, em 1970.

Entre a criação da FUNAG e a do CHDD, atualmente dirigido pelo embaixador Gelson Fonseca Junior, e possuindo o exato dobro da idade deste segundo órgão da FUNAG, situa-se o IPRI, o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, completando neste ano de 2017, seus primeiros 30 anos de vida, portanto. Criado em 1987, com base em propostas formuladas algum tempo antes por dois diplomatas vinculados aos meios acadêmicos, Ronaldo Sardenberg e Gelson Fonseca Júnior, o IPRI deve sua existência, em boa medida, à tese do Curso de Altos Estudos defendida por este último, justamente com o título de Diplomacia e Academia (publicado como livro do IPRI e recentemente em segunda edição pela FUNAG). O IPRI tem por missão produzir estudos e pesquisas sobre todos os temas pertinentes às atividades do Itamaraty, com ênfase no período contemporâneo, assim como aprofundar as relações com a comunidade acadêmica, reforçando os canais de diálogo com as instituições de pesquisa em temas correlatos.

Nessas primeiras três décadas de suas atividades, o IPRI teve dez diretores, entre eles duas vezes Carlos Henrique Cardim, que pode ser considerado um dos maiores editores de relações internacionais do Brasil, dada sua experiência anterior à frente da Editora UnB, onde já tinha publicado dezenas de grandes títulos das ciências sociais, políticas e de relações internacionais do Brasil, além de outras grandes obras do pensamento político internacional na qualidade de conselheiro editorial do Senado Federal e de outras editoras. O IPRI começou publicando textos elaborados no âmbito do Curso de Preparação à Carreira Diplomática, do IRBr, passou aos Cadernos do IPRI (19 números, entre 1989 e 1994), depois às primeiras teses do Curso de Altos Estudos (em sua fase inicial, que foram depois retomadas pela FUNAG), prosseguiu com uma cooperação editorial com a Editora UnB, da qual resultou a magnífica coleção Clássicos do IPRI– composta de grandes obras do pensamento universal sobre relações internacionais –, ademais de dezenas de outros títulos em diversas categorias de sua produção própria ou de autoria de diplomatas e pesquisadores acadêmicos.

No período recente, o IPRI tem elaborado o Repertório de Política Externa – uma compilação dos eventos mais relevantes da diplomacia corrente do Brasil – e o Banco de Teses e Dissertações, uma base de dados extremamente útil a todos os estudiosos e pesquisadores, composto a partir da produção acadêmica brasileira em seus cursos de pós-graduação em todas as áreas relacionadas às relações internacionais do Brasil, ou seja, esse mesmo campo, mas também História, Ciência Política, Direito, Economia e outras áreas afins. Sua atual produção institucional está representada pelos Cadernos de Política Exterior, uma revista que coleta artigos relevantes elaborados pelos diplomatas, mas também por acadêmicos convidados, cobrindo todos os campos da diplomacia corrente, e até alguns temas de maior escopo histórico. A maior parte de todas essas publicações impressas do IPRI – com exceção dos primeiros trabalhos – encontra-se disponível em sua página ou na Biblioteca Digital da FUNAG.

Outras iniciativas recentes do IPRI compreendem a série de entrevistas gravadas em vídeo, Relações Internacionais em Pauta, iniciadas por Alessandro Candeas, e as palestras efetuadas em cooperação e convite conjunto com o Instituto Rio Branco, Percursos Diplomáticos, iniciadas na presente direção, todas inseridas nos servidores da FUNAG, informadas no site do IPRI e também disponíveis na plataforma do YouTube. O mesmo site do IPRI apresenta ainda diversas ferramentas de consulta, informação e pesquisa, como relações de periódicos da área, de cursos de relações internacionais e centros de pesquisa, geralmente em caráter seletivo. O IPRI busca sempre aprofundar seu relacionamento e cooperação com outras entidades similares, ainda que seus recursos próprios sejam bem inferiores aos de grandes think tanks internacionais.

O papel primordial do IPRI, como uma espécie de think tank da diplomacia brasileira, é a de produzir conhecimento útil para os seus diplomatas, mas também levar a produção dos diplomatas ao conhecimento dos profissionais de relações internacionais e dos pesquisadores estrangeiros, e nessas tarefas vem sendo acessado por estudantes brasileiros e estrangeiros em diversas partes do mundo, e massivamente no Brasil. A despeito de contar com poucos pesquisadores em seu staff próprio – muito pequeno para o ambicioso programa que gostaria de empreender a cada ano –, o IPRI pode dispor da colaboração de praticamente todo o corpo diplomático da ativa, bem como de vários já aposentados, mas que ainda continuam a exercer atividades docentes de pesquisa e de produção de conhecimento de valor para a história e a agenda corrente da diplomacia.

Em 2017, por exemplo, o IPRI organizou e realizou quase meia centena de atividades próprias – não contando, portanto, os seminários sob a responsabilidade da FUNAG, a serviço do Itamaraty – sob a forma de palestras, conferências, mesas redondas, incluindo alguns encontros reservados – ou seja, não abertos ao público externo, que constituem a norma – para discutir alguns temas sensíveis da diplomacia brasileira. Todos esses eventos, de nenhuma forma restritos aos aqui descritos sumariamente, só puderam ser realizados com êxito graças ao trabalho incansável do coordenador de Estudos e Pesquisas do IPRI, conselheiro Marco Túlio Scarpelli Cabral, bem como do pequeno staff próprio do IPRI, liderados pela coordenadora Valeria Figueiredo Ramos.

Muitas, talvez mais da metade, dessas atividades contaram com convidados estrangeiros, a despeito da exiguidade de recursos disponíveis. Alguns desses eventos, que contaram com o indispensável apoio da FUNAG, foram realizados fora de sua sede, geralmente no Rio de Janeiro, seja no Palácio Itamaraty, seja em entidades como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. No terreno específico da “ponte” entre a diplomacia e academia, figuram as reuniões com os coordenadores de cursos de Relações Internacionais – em nível de pós ou de graduação –, realizadas anualmente no âmbito da Conferência sobre Relações Exteriores (CORE), organizada pela FUNAG. O diretor do IPRI também tem procurado atender a todos os convites que lhe chegam diretamente, ou por intermédio da FUNAG, para palestras ou participação em eventos acadêmicos em universidades ou centros de pesquisa do Brasil e do exterior. Foi o caso, em 2017, do prestigioso Estoril Political Forum, organizado anualmente pelo Instituto de Ciência Política da Universidade Católica de Portugal.

Sob iniciativa do IPRI, foi publicada em 2017 a primeira coletânea de escritos, discursos e entrevistas do grande chanceler Oswaldo Aranha, cobrindo praticamente tudo de relevante que o estadista gaúcho produziu no campo da diplomacia brasileira entre 1930 e 1960, a fase crucial da modernização econômica e da construção do moderno estado brasileiro. Outros trabalhos que se inscrevem na produção própria do IPRI foram publicados em livros ou revistas editadas por parceiros externos.

O IPRI pode legitimamente orgulhar-se, nos seus primeiros 30 anos, de ter acumulado uma produção considerável de obras impressas ou de eventos tópicos, no campo coberto pelo seu mandato institucional, ainda que muitas dessas atividades, mesmo quando inscritas em seu patrimônio histórico, não possuam um registro ou memória documental estável e permanente, em suporte físico ou digital, dada a pouca disponibilidade de ferramentas adequadas para a preservação dessa produção nos seus primeiros anos de existência. Um dos desafios para os próximos 30 anos, e mais além, é justamente o de assegurar que muitos desses eventos tópicos, como palestras feitas em oportunidades surgidas momentaneamente, possam também merecer o devido registro em suporte preservado e, idealmente, transmissível pelos meios de comunicação hoje disponíveis.

Entre os meios e os fins, pode-se dizer que o IPRI, mesmo contando com poucos meios próprios – capital humano, recursos físicos ou financeiros –, foi capaz, em 2017, de realizar um número apreciável de atividades, para as quais contou com a cooperação diligente de seu pequeno grupo de colaboradores próprios: os pesquisadores e analistas Rogério de Souza Farias, Renata Nunes Duarte, Márcia Costa Ferreira, o administrador Marco Antonio Soares de Souza Maia e o revisor editorial Rafael de Souza Pavão, ademais das recepcionistas Patrícia Nogueira Teodoro, Kamilla Sousa Coelho, Bárbara Terezinha Nascimento Cunha e Guilherme Feierabend Engracia Garcia e do pesquisador associado Pedro Henrique Rodrigues Magalhães. Os estagiários seguintes foram de enorme ajuda em trabalhos de assessoria digital, informática e de organização: Danilo de Castro Barbriere, Bárbara Graça Schuina da Silva, Maria Luiza Rodrigues dos Anjos, Rafael da Gama Chaves e Sabrina Dutra da Silva. Todos esses colaboradores foram excepcionais num ano bastante prolífico em realizações, como se pode constatar pelo relatório de atividades do IPRI em 2017, disponível em sua página. A todos eles, o reconhecimento do atual diretor do IPRI e o de seu coordenador de Estudos e Pesquisas, e a promessa de continuar produzindo conhecimento útil à diplomacia brasileira com a mesma qualidade intelectual que sempre distinguiu o Itamaraty em toda a sua história.



Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 16 de dezembro de 2017; revisão: 21/12/2017.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

sexta-feira, 10 de junho de 2016

A producao brasileira em RI; notas e entrevista-video: Paulo Roberto de Almeida

Recebi hoje, 10/06/2016, de meu colega, amigo, diretor interino do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, do Funag-MRE, Ministro Alessandro Candeas, o link para a entrevista que gravamos em 29/04, e que finalmente está disponível, com diversas outras, no canal YouTube do IPRI, como registrado abaixo.
Ao mesmo tempo aproveito para repostar minhas notas que eu havia elaborado antes da entrevista, apenas para guiar meu pensamento e expressão de ideias quando da entrevista, e que obviamente não foram lidas, mas que oferecem um roteiro mais detalhado daquilo que eu falei, por vezes de forma desorganizada (o pensamento costuma ir mais rápido do que a expressão), e até com alguns equívocos por fruto da desatenção (como falar da Rodada Uruguai no final dos anos 1990, quando o correto seria, como é, final dos anos 1980). Mas creio que tanto a entrevista, quanto as notas transcritas novamente abaixo transmitem um pouco da minha experiência e conhecimento acumulado nessa área.
Disponham...
Paulo Roberto de Almeida



 

Paulo Roberto de Almeida
 [Notas para uma entrevista concedida a Alessandro Candeas, feita em 29/04/2016, no Anexo II do Itamaraty; para divulgação em arquivo de vídeo pelo IPRI-Funag.]


Tendo exercido, voluntária e episodicamente, desde o início dos anos 1990, atividades didáticas e de pesquisa em diversos campos das relações internacionais do Brasil, e tendo também elaborado alguns trabalhos de história diplomática do nosso país, o que igualmente incluiu resenhas críticas das mais importantes obras publicadas nesses campos, creio possuir alguma autoridade acadêmica, ou puramente pessoal, para pronunciar-me sobre essa produção intelectual desde a primeira publicação de um livro meu que traz exatamente esse título: “O Estudo das Relações Internacionais do Brasil” (Brasília: LGE Editora, 2006).
Cabe primeiramente esclarecer que o livro que leva esse título, tendo como subtítulo “um diálogo entre a diplomacia e a academia”, tinha sido publicado uma primeira vez em 1999, como resultado de aulas e palestras que eu havia ministrado no imediato seguimento de um outro livro meu, publicado em 1998, chamado, precisamente Relações internacionais e política externa do Brasil: dos descobrimentos à globalização (Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1998). Tendo continuado a exercer atividades didáticas e continuado a pesquisar nesses diferentes terrenos no período imediatamente subsequente publiquei, logo em seguida, o livro que pode ser considerado a primeira edição dessa obra, intitulada apenas O Estudo das Relações Internacionais do Brasil (São Paulo: Editora da Universidade São Marcos, 1999), justamente no seguimento de cursos que eu havia ministrado naquela instituição de São Paulo. Entre a primeira e a segunda edição, diversos capítulos foram revistos, atualizados, expandidos, alguns suprimidos, outros acrescentados. Nele já constava um capítulo sobre “A produção brasileira em relações internacionais: tendências e perspectivas”, que tratava justamente das obras mais relevantes no campo desde épocas pretéritas até os anos 1990.
Esse texto descritivo e analítico foi transposto para o livro de 2006, como primeiro capítulo, tendo recebido o conceito de “avaliação” no seu subtítulo, o que indicava justamente o esforço de exame qualitativo de cada uma das obras ali consideradas. Desde então, não voltei mais a atualizar esse trabalho, que certamente mereceria complemento analítico e descritivo, com base na produção acumulada nos últimos dez anos, mas a tarefa foi, de certa forma, coberta em outros trabalhos e livros publicados desde então. Por exemplo, em meu livro Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização (Rio de Janeiro: LTC, 2012), retomo um trabalho pioneiro que havia publicado pela primeira vez em 1992, na revista Contexto Internacional, num plano bem mais metodológico do que propriamente substantivo, inaugurando esse livro e intitulado “Introdução ao Estudo das Relações Internacionais do Brasil”, imediatamente seguido por um outro, chamado “Historiografia Brasileira de Relações Internacionais”, no qual percorro a longa lista de grandes autores e obras decisivas no campo puramente historiográfico – e menos em ciência política – desde Pandiá Calógeras até as contribuições mais recentes de diplomatas e acadêmicos, passando por Hélio Vianna, Delgado de Carvalho (cuja História Diplomática do Brasil, de 1959, fiz reeditar facsimilarmente pela Editora do Senado), o manual bastante conhecido de História da Política Exterior do Brasil, de Amado Cervo e Clodoaldo Bueno, e uma recuperação por Ricardo Seitenfus de aulas dadas no Instituto Rio Branco nos anos 1950 pelo historiador José Honório Rodrigues (até a gestão Rio Branco), que ele complementou até o ingresso do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Esse meu livro também comporta uma extensa bibliografia de todas as obras relevantes publicadas até 2012.
Não cabe mencionar aqui muitos outros artigos que publiquei em diversas revistas nessa mesma problemática, com destaque para a Revista Brasileira de Política Internacional, da qual sou editor-adjunto, e a já referida Contexto Internacional. Mas cabe, sim, mencionar que mantenho, desde 2004, a seção “Prata da Casa” na revista da ADB, Associação dos Diplomatas Brasileiros, na qual faço curtas notas sobre os livros (em todos os gêneros) de diplomatas, em sua grande maioria teses do Curso de Altos Estudos, e portanto publicados não exatamente pelos diplomatas em edições comerciais, mas pela Fundação Alexandre de Gusmão (o que não subtrai em nada sua qualidade). Essas muitas dezenas de “miniresenhas”, junto com diversas resenhas críticas, bem mais longas, de livros de diplomatas e não diplomatas, sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil, bem como sobre assuntos da política internacional e da economia mundial, foram por mim coletadas em livros digitais livremente disponíveis em plataformas de cooperação acadêmica, como Academia.edu ou Research Gate, com títulos sugestivos: Prata da Casa: os livros dos diplomatas (Edição de Autor; Versão de: 16/07/2014; completo), Polindo a Prata da Casa: mini-resenhas de livros de diplomatas (Amazon Digital Services: Kindle edition, 2014), Codex Diplomaticus Brasiliensis: livros de diplomatas brasileiros (Hartford, Edição de Autor, 2014) e uma compilação digital das resenhas de livro de não-diplomatas Rompendo Fronteiras: a Academia pensa a Diplomacia (Hartford, Edição de Autor, 2014).
Creio, assim, estar plenamente habilitado a discorrer sobre a produção de acadêmicos e diplomatas brasileiros nas diversas áreas setoriais das RRII do Brasil, muito embora eu não seja um pesquisador em tempo integral – tendo de dividir o meu tempo entre atividades profissionais e estudos voluntariamente conduzidos nas horas vagas – e não exercendo sequer uma atividade didática nessa área específica, uma vez que, desde mais de dez anos divido minhas atividades diplomáticas com a função de professor de Economia Política nos programas de mestrado e doutorado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Mas é a partir desse patrimônio de estudos e publicações acumuladas desde pouco mais de três décadas, coincidentes com minha carreira diplomática, que posso manifestar-me a respeito dessa temática, a partir do roteiro muito bem traçado de perguntas formuladas por meu colega e amigo Alessandro Warley Candeas, diretor do IPRI-Funag.

1) Como evoluiu a produção do conhecimento na área de RRII no Brasil nas últimas 2 décadas?

Ela acompanhou, de certa forma, a expansão dos cursos de RRII em nível de graduação, bem como o surgimento de diversos programas de mestrado em universidades públicas já possuindo uma graduação nesse campo (as faculdades particulares, mais numerosas na oferta de cursos de graduação, não se lançam, em sua grande maioria, nos estudos pós-graduados stricto senso, embora possam fazê-lo no tipo lato senso ou cursos de extensão mais genéricos ou focados em áreas mais operacionais, tipo administração de negócios ou comércio exterior). Não tenho certeza de que se possa falar concretamente de “produção de conhecimento”, pois isso implicaria que a pesquisa nessa campo tenha avançado tanto quanto a multiplicação de cursos em nível de graduação, nos quais a transpiração costuma ser bem maior do que a inspiração.
Em todo caso, os professores desses cursos tentam se posicionar numa escala mais favorável nos indicadores de produtividade – bem mais quantitativos do que propriamente qualitativos – que lhes possam permitir um belo currículo Lattes, ou a conhecida distinção entre os pares. O grande elemento propulsor, aqui, foi a constituição da ABRI, em 2005, e seu desenvolvimento satisfatório desde então, muito embora, antes de sua aparição, a realização dos encontros anuais da ENERI ou FENERI tenha oferecido uma boa plataforma para a apresentação de trabalhos, contatos com palestrantes brasileiros e conferencistas estrangeiros. Cabe reconhecer o papel da ABRI no aperfeiçoamento dos padrões de qualidade na pesquisa e interação entre os atores da área, professores, alunos, alguns diplomatas ou personalidades da vida civil com alguma atuação prática no campo das RRII do Brasil.
As “semanas de RRII” nas faculdades, em número bem mais restrito do que o volume de cursos, também ofereceram espaço para o aprofundamento de alguns temas desse campo, congregando o público interno e alguns estudiosos externos, servindo também, tanto quanto os encontros da ABRI, para a divulgação de obras produzidas pelos pesquisadores brasileiros ou edições brasileiras das obras estrangeiras mais conhecidas e já utilizadas. Os cursos de RRII, por sua vez, ascenderam quase exponencialmente no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, para bater no teto do mercado, em meados dessa data, para começar a diminuir lentamente a partir daí, mas se trata de um fenômeno típico de oferta e demanda em função das oportunidades ainda relativamente modestas de emprego nessa área (lembrando que a profissão não se encontra regulada em formato de reserva de mercado para “internacionalistas” e não parece haver chance de a hipótese se concretize).
Editoras universitárias ou comerciais passaram a lançar maior volume de livros didáticos de RRII, ou obras gerais dentro do campo, mas o fenômeno editorial mais relevante, com grande intensidade nos últimos dez anos, foi a ascensão da Funag como a maior editora e distribuidora (gratuitamente nas versões digitais) de um alto volume de obras a cada ano. Esse fenômeno é provavelmente tão importante quanto a expansão da diplomacia – no plano funcional corporativo – e da política externa brasileira nos anos aparentemente gloriosos dos governos lulopetistas no Brasil, a partir de 2003. O grande ativismo – alguns diriam a pirotecnia diplomática – conduzido pelo próprio Lula e por seu chanceler foi um grande elemento de propulsão do interesse pela carreira e pelos estudos de RRII nesse período, inclusive porque grande parte da produção acadêmica nesse terreno se dedica mesmo às etapas contemporâneas da diplomacia brasileira.
Em resumo, a produção de conhecimento na área de RRII se densificou, se consolidou, e ao mesmo tempo se diversificou (o que parece óbvio e natural), com a multiplicação de revistas, de seminários, de encontros de pesquisa e de debates, com o aumento da oferta de livros e outros recursos livremente disponíveis, mas não existem ainda condições para se fazer um mapeamento metodológico muito preciso de todas as tendências observadas nos últimos vinte anos, que foram certamente ricas, mas precisam ser avaliadas nas suas diversas categorias analíticas e metodológicas. Talvez o IPRI pudesse promover um encontro de discussão sobre a questão.

2) Quais os principais eixos analíticos e temas?

Existem duas grandes áreas de trabalho, ou seja, de pesquisa e de produção de contribuições significativas nas RRII: a história e a ciência política, ou de ciências sociais, num sentido mais amplo (compreendendo, digamos, sociologia política ou relações econômicas internacionais, esta aqui bem menos explorada na pesquisa ou nas publicações especializadas. Em ambas as dimensões mais relevantes, existem estudos monográficos, de amplo escopo analítico (ou de síntese), trabalhos diacrônicos (ou seja, históricos), e em cada uma delas, o Brasil, sua diplomacia e suas relações exteriores, também chamada de política externa, constituem naturalmente os objetos centrais dos trabalhos de pesquisa e de elaboração na academia brasileira. Mais raros, embora também existam, são os trabalhos na perspectiva comparativa, seja com vizinhos que de fato possuem elementos comparáveis, como a Argentina, por exemplo, seja com grupos ou blocos artificialmente reunidos, como pode ser o Brics, uma assemblagem bizarra de cinco países totalmente díspares em suas características próprias, mas unidos num mesmo foro apenas por iniciativa diplomática de duvidosa racionalidade.
Os temas geralmente tangenciam a grande agenda da diplomacia brasileira: as relações bilaterais (especialmente com grandes atores mundiais), a integração regional (com destaque para o Mercosul), o multilateralismo político (com ênfase na ONU e seu Conselho de Segurança), os novos temas da cooperação internacional (como energia ou meio ambiente, por exemplo) e os das negociações comerciais multilaterais ou mesmo “minilaterais” (bilaterais ou regionais).

3) Quais as principais orientações teórico-metodológicas?

Não existe muita unidade teórico-metodológica nos trabalhos de RRII produzidos no Brasil, pelo menos numa avaliação superficial da literatura publicada, em formato de artigos ou de livros. Manuais à parte – e eles são poucos, inexistindo aqui o modelo dos textbooks muito usados nas academias dos EUA ou da Europa – os textos singulares publicados evidenciam grande diversidade nos métodos de abordagem e nos chamados “marcos teóricos” utilizados, por vezes mais para responder a uma demanda expressa de algum orientador do que a decisões voluntárias daqueles que trabalham nessas áreas. Em situações “normais” de ensino e pesquisa, e em condições normais de exercício da atividade diplomática, a academia brasileira formulou suas próprias orientações em matéria de metodologia dos trabalhos publicados, havido preferência, durante certo momento, pelos estudos em torno da “diplomacia do desenvolvimento”, juntos ou separados com trabalhos sobre as relações com os principais atores nessa equação, os Estados Unidos ou países europeus.
Mas ocorreu, também, a importação de modelos estrangeiros, seja no terreno da história – onde o conceito de “forças profundas”, recolhido em Renouvin, fez sucesso a partir da sua disseminação por um professor renomado como Amado Cervo – ou no da ciência política – como o de Soft Power, aparentemente uma compensação teórica, no nosso caso, por ser um país sem maior dotação de poder material. Aparentemente, no Brasil já fizemos a nossa “substituição de importações” nos estudos de RRII, o que não garante, no entanto, que os novos conceitos e orientações sejam metodologicamente fundamentados e logicamente consistentes. Um dos grandes fantasmas não só dos estudos, em si, mas da própria atividade diplomática e até da postura internacional do Brasil, é a famosa “busca pela autonomia”, talvez uma espécie de compensação psicológica justamente em virtude da pouca autonomia do Brasil na dotação real de fatores de poder, o que se chama de “capacidades”, ou capabilities.
É provavelmente devido a essa obsessão com a autonomia da política nacional, externa ou na área econômica, que o conceito de soberania também é extremamente valorizado na ideologia diplomática nacional. A construção da autonomia, ou da afirmação soberana do país no cenário internacional, emerge naturalmente com o nacionalismo econômico no decurso do século 20, até chegar à sua versão algo caricatural na chamada diplomacia altiva, aquela que se afirmaria de forma autônoma, ou seja, sem a tutela do imperialismo, esse tigre de papel de todos os esquerdistas que se acreditam defensores da soberania nacional, quando na maior parte das vezes estão contribuindo para a introversão econômica e o provincianismo diplomático.

4) Quais autores e obras de maior impacto?

Efetuar uma seleção de obras ou de autores é extremamente arriscado, pois sempre se corre o risco de cometer alguma injustiça com autores consagrados, ou até com autores menos conhecidos que ofereceram trabalhos de alta qualidade, mas que se tornaram menos divulgados por razões diversas. Entre os diplomatas, alguns nomes se tornaram ícones da produção com pretensões a servir de referência nos estudos de área. Pode-se mencionar, por exemplo, Gelson Fonseca, na área da ciência política, ou das relações internacionais sentido estrito. Entre os não diplomatas, o cientista político e ex-chanceler Celso Lafer também produziu uma obra relevante, feita de estudos teóricos, de reflexões sobre os grandes temas de negociações internacionais de que participou (e dos quais foi, muitas vezes, formulador) e de incontáveis artigos de imprensa sobre os mais diversos temas da agenda internacional do Brasil e da realidade política mundial.
Entre os diplomatas, existem incontáveis trabalhos preparados no âmbito do Curso de Altos Estudos do IRBr, e uma seleção certamente implicaria certa dose de arbítrio na indicação dos melhores (que de toda forma foram publicados pela Funag e registrados em minha seção Prata da Casa da revista da ADB e compilados em meus livros digitais de resenhas de livros de diplomatas. Obras produzidas paralelamente a esse âmbito ou fora do ambiente funcional, mas ainda assim atinentes ao universo da diplomacia brasileira podem ser destacadas nos exemplos a seguir: Luis Cláudio Villafañe Gomes Santos tem produzido trabalhos muito consistentes no terreno da história diplomática brasileira, em especial no período imperial e primeira República. Fernando Mello Barreto produziu uma sequência de três grandes obras, resumindo a atuação diplomática de todos os chanceleres da República a partir de Rio Branco até a atualidade, na gestão Celso Amorim, que aliás ofereceu diversas contribuições tanto no terreno memorialístico, como de reflexão sobre sua atividade em diversas grandes temas da política exterior brasileira, tendo tido uma longevidade como chanceler (em duas administrações) que ultrapassou a até então a mais longeva, a do Barão do Rio Branco. Eugênio Vargas Garcia, historiador, trabalhou com grande competência a história (e a pré-história) do multilateralismo brasileiro, em trabalhos de pesquisa sobre a Liga das Nações, sobre a política externa brasileira no entre-guerras e sobre a participação do Brasil na criação da ONU, ademais de ter editado compêndios de documentos históricos e uma cronologia das relações internacionais do Brasil.
Caberia incluir nesse cômputo minha própria contribuição, sob a forma de diversos livros de relações econômicas internacionais, em especial o livro de pesquisa histórica, Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (em duas edições pela Editora Senac- São Paulo, 2001 e 2005). Ainda no terreno da história, não se pode descurar alguns dos livros do diplomata historiador pernambucano Evaldo Cabral de Melo, em especial O Negócio do Brasil, que trata da “recompra” do Nordeste por Portugal aos Países Baixos. Os embaixadores Rubens Ricupero, Luiz Felipe Seixas Correa, Samuel Pinheiro Guimarães e Rubens Barbosa também produziram trabalhos dignos de registro em qualquer compilação de obras de diplomatas, assim como o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, tanto no terreno das memórias como no da análise de questões da atualidade diplomática (atividade também reproduzida em veículos digitais e artigos de jornais).
Entre os não diplomatas, destacam-se, obviamente, as diversas edições do livro de Amado Cervo e Clodoaldo Bueno sobre a História da Política Exterior do Brasil, bem como diversos trabalhos organizados ou escritos por Henrique Altemani e Antonio Carlos Lessa, entre eles a obra de referência organizada por ambos, Relações internacionais do Brasil, ademais de coleções editadas no âmbito do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (que edita a Revista Brasileira de Política Internacional), do próprio IRel-UnB, ou com editoras comerciais. Registre-se igualmente o ativismo de acadêmicos como Paulo Vizentini, Demetrio Magnoli, Moniz Bandeira, Francisco Doratioto, Ricardo Seitenfus, Tullo Vigevani ou ainda o eminente jurista Antonio Augusto Cançado Trindade, autor de imponente obra no campo do direito internacional e juiz da Corte da Haia.
Cabe aqui uma digressão pessoal quanto ao que me parecem ser as orientações da produção brasileira em RRII segundo a afiliação institucional de seus “produtores”, e se pode aqui distinguir essa comunidade razoavelmente heteróclita – pois que feita de profissionais e de “amadores” da diplomacia – como constituída, grosso modo, de agentes da diplomacia real, que também se dedicam às artes da escrita independente, e de analistas externos, ou seja, todos os acadêmicos e jornalistas, ou quaisquer outros observadores não profissionais da diplomacia, que também se ocupam de descrever, analisar, interpretar os aspectos mais relevantes da política externa do Brasil ou as características da política internacional, incluindo aqui os arqueólogos das relações internacionais, ou seja, historiadores da diplomacia brasileira de eras passadas ou da política mundial ou regional segundo escolhas pessoais.
As orientações da diplomacia profissional, tal como reveladas num exame mesmo perfunctório dos trabalhos por ela publicados (textos resultantes dos Cursos de Altos Estudos em sua vasta maioria), são obviamente quase que um espelho fiel das orientações conjunturais dessa diplomacia, ou seja, da política externa do governo em vigor. Não poderia ser de outro modo: diplomatas são, na grande maioria dos casos, seres perfeitamente imbuídos de princípios e valores da diplomacia tradicional, que por vezes se deixam arrastar por inclinações temporárias ou opções políticas momentâneas, e se guiam, salvo em poucos casos “libertários” (por sua própria conta e risco) pelas duas características sempre repetidas como fazendo parte do padrão comportamental da corporação (tanto quanto para os militares e membros da Igreja Católica): hierarquia e disciplina. Não se pode esperar, assim, que as análises e propostas de políticas feitas por esses profissionais se afastem muito do cânon do momento, ou do governo.
Quanto à academia e ao jornalismo especializado em RRII seria de se esperar uma maior diversidade de opiniões, de metodologias, de orientações políticas e de posturas quanto às políticas concretas que caberia adotar na frente externa das políticas públicas, o que de certo modo ocorria até algumas décadas atrás. Desde o início do milênio, porém, não por acaso coincidente com o governo do PT no Brasil, amplamente bem acolhido, saudado e elogiado por vastos setores da comunidade acadêmica, não foi o que ocorreu e o que se observou nestes anos todos, com uma ampla aceitação, até entusiástica, por parte da academia brasileira, sobretudo (e isso é óbvio) por parte dos professores das faculdades de humanidades em geral, com destaque até para os da área específica de RRII. A falta de senso crítico quanto aos aspectos nefastos, histriônicos e até danosos ou criminosos da diplomacia lulopetista em relação sobretudo a “aliados” regionais, inclusive as piores ditaduras do continente e de outras regiões. Que isso se tenha tornado tão evidente, aos olhos de todos – com os empréstimos ditos “secretos” a algumas dessas ditaduras, por exemplo, em total desrespeito ao Senado Federal e à Constituição – e que isso não tenha despertado o espírito crítico dos acadêmicos, é uma realidade que fere a consciência não só da cidadania organizada, como deveria chamar a atenção de qualquer acadêmico dotado apenas de senso de equilíbrio e espírito crítico.
Estas observações são importantes porque elas revelam uma característica que se tornou marca registrada de grande parte da produção acadêmica durante os anos do lulopetismo diplomático: a adesão acrítica – e até imoral no caso das ditaduras – à tal de diplomacia ativa e altiva que possui aspectos obscuros que não foram e talvez não sejam jamais revelados em todos os seus matizes e fundamentação documental. O que é ainda mais surpreendente é que esses acadêmicos tenham baseado seus argumentos apenas nas declarações do próprio governo, sem o cuidado – que deveria ser uma condição essencial do trabalho acadêmico – de ir buscar fontes independentes, ou de aferir quanto ao resultado dessas políticas no mundo real, ou seja, distante das declarações oficiais e sem embasamento num volume adequado de dados empíricos quanto aos resultados e efeitos concretos dessas políticas – do tipo Sul-Sul, politização do Mercosul, aliança com certos parceiros escolhidos apenas por suas posturas antiocidentais – e sua própria adequação aos objetivos iniciais (reforço do Mercosul, ingresso no Conselho de Segurança, conclusão de negociações comerciais, por exemplo, todos frustrados).

5) Em termos comparativos com os Estados Unidos e a Europa, como a produção brasileira recente se situa? É possível falar em uma contribuição nacional específica para o avanço nessa disciplina?

Difícil fazer uma comparação nessa área, pois a nossa produção ainda é muito incipiente quando confrontada à diversidade e quantidade dos trabalhos de todos os tipos produzidos nos grandes centros acadêmicos, think tanks e mesmo de governos nas duas grandes massas democráticas e de conhecimento avançado do Atlântico norte. Os autores ali são prolíficos, sofisticados e atuantes em determinadas agendas diplomáticas, em função de uma osmose bem mais frequente e mais intensa com os serviços nacionais da área diplomática, de planejamento político e de inteligência, o que praticamente inexiste no Brasil, onde esses órgãos estatais são excessivamente introvertidos e pouco abertos à colaboração acadêmica na agenda efetiva das relações exteriores.

6) Quais são as tendências e perspectivas em RRII no Brasil e no mundo?

Esta é uma questão que exigiria uma elaboração bem mais cuidada e cuidadosa, do que a permitida neste espaço. Melhor deixar a questão para uma discussão mais elaborada em oportunidade futura. Entendo que uma aposta genérica possa se referir ao crescimento tanto organizacional quanto substantivo dessa área, tanto no plano puramente acadêmico, quanto sua crescente interação, talvez osmose futura, com os profissionais da diplomacia e outros agentes das posturas externas do Brasil (como os encarregados do comércio internacional, por exemplo, ou das finanças internacionais).
Ocorrerá, provavelmente, uma crescente diversificação das abordagens e dos objetos de trabalho, até num sentido ridiculamente adepto de vertentes analíticas baseadas no politicamente correto, como questão de gênero ou de minorias sociais na diplomacia, e várias outras metafísicas metodológicas. Mas uma análise consistente dessas possíveis tendências e perspectivas das RRII no Brasil depende de um balanço adequado do que foi efetuado até aqui e de alguns prognósticos que possam ser feitos, provavelmente de modo colaborativo, com base nesse balanço qualitativo dos últimos vinte anos. Pretendo dedicar-me a isto num futuro não muito distante, mas apenas e exclusivamente em relação ao Brasil, pois não tenho a pretensão de tentar abarcar os mesmos aspectos em relação às RRII no mundo.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 29 de abril de 2016


Atualizado em 29/04/2016

33) Going Global: Brazil and Latin America in International Context (em preparação, 2016).
32) Do passado para o presente: clássicos revisitados na perspectiva da modernidade (em preparação, 2016).
31) Nunca Antes na Diplomacia…: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Editora Appris, e-book, 2016; link: https://editoraappris.lojasdot.com.br/produto/e-book-nunca-antes-na-diplomacia-a-politica-externa-brasileira-em-tempos-nao-convencionais).
30) Révolutions bourgeoises et modernisation capitaliste: Démocratie et autoritarisme au Brésil (Sarrebruck: Éditions Universitaires Européennes, 2015, 496 p.; ISBN: 978-3-8416-7391-6). divulgado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/10/avant-propos-revolutions-bourgeoises-et.html). Relação de Originais n. 2863.
29) Die brasilianische Diplomatie aus historischer Sicht: Essays über die Auslandsbeziehungen und Außenpolitik Brasiliens (Saarbrücken: Akademiker Verlag, 2015, 204 p.; Übersetzung aus dem Portugiesischen ins Deutsche: Ulrich Dressel; ISBN: 978-3-639-86648-3).
28) O Panorama visto em Mundorama: Ensaios Irreverentes e Não Autorizados (Hartford: 2a. edição do autor, 2015, 294 p.; DOI: 10.13140/RG.2.1.4406.7682), available: Academia.edu; link: http://www.academia.edu/12038814/29_O_Panorama_Visto_em_Mundorama_2015_2a._edicao_).
27) Paralelos com o Meridiano 47: Ensaios Longitudinais e de Ampla Latitude (Hartford: edição do autor, 2015, 380 p.; DOI: 10.13140/RG.2.1.1916.4006; available: Academia.edu; link: https://www.academia.edu/11981135/28_Paralelos_com_o_Meridiano_47_ensaios_2015_).
26) Volta ao Mundo em 25 Ensaios: Relações Internacionais e Economia Mundial, Hartford, 5 novembro 2014, 110 p. Livro montado com base nos textos preparados para o site Ordem Livre em dezembro de 2009 e janeiro de 2010, e divulgados ao longo de 2010, e esporadicamente e aleatoriamente ulteriormente. Publicado como Kindle book (file size: 809 KB; ASIN: B00P9XAJA4; link: http://www.amazon.com/dp/B00P9XAJA4). Inserido na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/9126863/26_Volta_ao_Mundo_em_25_Ensaios_Rela%C3%A7%C3%B5es_Internacionais_e_Economia_Mundial_2014_). Researchgate.net (DOI: 10.13140/2.1.3057.5683). Divulgado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/11/volta-ao-mundo-em-25-ensaios-relacoes.html). Relação de Originais n. 2712. Relação de Publicados n. 1149.
25) Rompendo Fronteiras: a Academia pensa a Diplomacia, Hartford, 4 novembro 2014, 414 p. Livro de resenhas de não-diplomatas, completando os dois anteriores na série de três derivados do Prata da Casa. Editado em formato Kindle (1202 KB, ASIN: B00P8JHT8Y; link: http://www.amazon.com/dp/B00P8JHT8Y). Researchgate.net (DOI: 10.13140/2.1.4106.1447). Disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/9108147/25_Rompendo_Fronteiras_a_academia_pensa_a_diplomacia_2014_). Informado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/11/rompendo-fronteiras-academia-pensa.html). Relação de Originais n. 2710. Relação de Publicados n. 1148.
24) Codex Diplomaticus Brasiliensis: livros de diplomatas brasileiros, Hartford, Edição de Autor, 2014, 326 p. Livro digital, plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/9084111/24_Codex_Diplomaticus_Brasiliensis_livros_de_diplomatas_brasileiros_2014_). Kindle Edition (1117 KB; ASIN: B00P6261X2; link: http://www.amazon.com/dp/B00P6261X2). Researchgate.net (DOI: 10.13140/2.1.2008.9927). Relação de Originais n. 2707. Relação de Publicados n. 1147.
23) Polindo a Prata da Casa: mini-resenhas de livros de diplomatas (Amazon Digital Services: Kindle edition, 2014, 151 p. 484 KB; ASIN: B00OL05KYG; DOI: 10.13140/2.1.4630.4325; disponível na Amazon; link: http://www.amazon.com/dp/B00OL05KYG; e na plataforma Academia.edu; link: https://www.academia.edu/8815100/23_Polindo_a_Prata_da_Casa_mini-resenhas_de_livros_de_diplomatas_2014_). Prefácio e Sumário disponíveis no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/10/mini-resenhas-de-livros-de-diplomatas.html). Relação de Originais n. 2693. Relação de Publicados n. 1145.
22) Prata da Casa: os livros dos diplomatas (book reviews; Edição de Autor; Versão de: 16/07/2014, 663 p.; disponível nos links: Academia.edu: página do livro: https://www.academia.edu/5763121/Prata_da_Casa_os_livros_dos_diplomatas_Edicao_de_Autor_2014_; link direto para download do arquivo em pdf: https://www.academia.edu/attachments/34209509/download_file?s=work_strip&ct=MTQwNzAwODExOCwxNDA3MDExMjI5LDc4NTEwNjY; divulgado neste link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/07/prata-da-casa-os-livros-dos-diplomatas.html; disponível em Researchgate.net: https://www.researchgate.net/publication/269701236_Prata_da_Casa_os_livros_dos_diplomatas?ev=prf_pub; DOI: 10.13140/2.1.4908.9601). Relação de Originais n. 2533. Relação de Publicados n. 1136.
21) Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Editora Appris, 2014, 289 p.; ISBN: 978-85-8192-429-8); Hartford, 30 março 2104, 312 p. (Academia.edu, link: https://www.academia.edu/6999273/21_Nunca_Antes_na_Diplomacia_a_politica_externa_brasileira_em_tempos_nao_convencionais). Relação de Originais n. 2596. Relação de Publicados n. 1133.
20) O Príncipe, revisitado: Maquiavel para os contemporâneos (Hartford, 8 Setembro 2013, 226 p. Revisão atualizada do livro de 2010) Publicado em formato Kindle (disponível: http://www.amazon.com/dp/B00F2AC146). (Academia.edu, link: https://www.academia.edu/5547603/20_O_Principe_revisitado_Maquiavel_para_os_contemporaneos_2013_Kindle_edition). Relação de Originais n. 2512; Relação de Publicados n. 1111.
19) Integração Regional: uma introdução (São Paulo: Saraiva, 2013, 174 p.; ISBN: 978-85-02-19963-7; site da Editora: http://www.saraivauni.com.br/Obra.aspx?isbn=9788502199637). Relação de Originais ns. 2996, 2998, 2300, 2303, 2304, 2313, 2316, 2317, 2373, 2383, 2431, 2438 e 2449. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/04/integracao-regional-novo-livro-enfim.html). (Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32644653/download_file). Relação de Publicados n. 1093.
16) O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado) (versão impressa: edições do Senado Federal volume 147: Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2010, 195 p.; ISBN: 978-85-7018-343-9; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/95MaquiavelRevisitado.html). (Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642375/download_file). Relação de Originais n. 1804. Relação de Publicados n. 1014.
15) O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, edição eletrônica, 2009, 191 p.; ISBN: 978-85-99960-99-8; R$ 12,00; disponível para aquisição no seguinte link: http://freitasbas.lojatemporaria.com/o-moderno-principe.html). Anunciado no site pessoal (link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/95maquiavelrevisitado.html) e no blog Diplomatizzando (21.12.2009; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2009/12/1591-novo-livro-pra-o-moderno-principe.html), com livre disponibilidade do Prefácio, da Dedicatória, da carta a Maquiavel e das Recomendações de Leitura. (Academia.edu, link: https://www.academia.edu/5546980/15_O_Moderno_Principe_Maquiavel_revisitado_2009_e-pub). Relação de Originais n. 1804. Relação de Publicados n. 940.
14) O Estudo das Relações internacionais do Brasil: um diálogo entre a diplomacia e a academia (Brasília: LGE Editora, 2006, 385 p.; ISBN: 85-7238-271-2; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/93EstudoRelaIntBr2006.html). (Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642184/download_file).
12) Relações internacionais e política externa do Brasil: história e sociologia da diplomacia brasileira (2ª ed.: revista, ampliada e atualizada; Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004, 440 p.; coleção Relações internacionais e integração nº 1; ISBN: 85-7025-738-4; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/74UFRGS2004.html). (Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642325/download_file).
11) A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil (São Paulo: Editora Códex, 2003, 200 p.; ISBN: 85-7594-005-8; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/58GrdeMudanca.html). (Academia.edu, link: https://www.academia.edu/5546940/11_A_Grande_Mudanca_consequencias_economicas_da_transicao_politica_no_Brasil_2003_).
10) Une histoire du Brésil: pour comprendre le Brésil contemporain (avec Katia de Queiroz Mattoso; Paris: Editions L’Harmattan, 2002, 142 p.; ISBN: 2-7475-1453-6; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/48HistoireBresil2002.html). (Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642309/download_file).  
09) Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas (São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002, 286 p.; ISBN: 85-219-0435-5; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/45SeculoXXI2002.html). (Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642303/download_file).
8) Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (São Paulo: Editora Senac, 2001, 680 pp., ISBN: 85-7359-210-9; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/44FDESenac2001.html). (Academia.edu, link: http://www.academia.edu/attachments/32642297/download_file).
7) Le Mercosud: un marché commun pour l’Amérique du Sud, Paris: L’Harmattan, 2000, 160 p.; ISBN: 2-7384-9350-5; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/40Mercosud2000.html). (Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642281/download_file).
6) O estudo das relações internacionais do Brasil (São Paulo: Editora da Universidade São Marcos, 1999, 300 p.; ISBN: 85-86022-23-3; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/31EstudoRelaIntBr1999.html). (Academia.edu, link: https://www.academia.edu/5546888/06_O_estudo_das_relacoes_internacionais_do_Brasil_1999_).
5) O Brasil e o multilateralismo econômico (Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, na coleção “Direito e Comércio Internacional”, 1999, 328 p.; ISBN: 85-7348-093-9; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/30Multilateralismo1999.html). (Academia.edu, link: http://www.academia.edu/attachments/32642262/download_file).
4) Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, 96 p.; ISBN: 85-7441-022-5; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/29Manifestos1999.html). (Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642256/download_file).
3) Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: Editora LTr, 1998, 160 p.; ISBN: 85-7322-548-3; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/26MercosulLTr1998.html). (Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32642244/download_file).
2) Relações internacionais e política externa do Brasil: dos descobrimentos à globalização (Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1998, 360 p.; ISBN: 85-7025-455-5); link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/25RelaIntPExtUFRGS1998.html). (Academia.edu: https://www.academia.edu/attachments/32642231/download_file ).


Disponibilizado no blog Diplomatizzando (30/04/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/04/o-estudo-das-relacoes-internacionais-do.html); disseminado no Facebook (https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1143656715697777). Entrevista divulgada em 10/06/2016, link: https://www.youtube.com/watch?v=As78ES-kFSk).