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domingo, 29 de setembro de 2024

A Venezuela e os efeitos da polarização - Theodore Kahn (Americas Quarterly, OESP)

A Venezuela e os efeitos da polarização

Theodore Kahn
Americas Quarterly
Diretor de análise de riscos para a Região Andina da Control Risks

O Estado de S. Paulo | Internacional
29 de setembro de 2024

Venezuela voltou ao centro das atenções da diplomacia global esta semana na Assembleia Geral da ONU. Poucos dias antes, uma missão de investigadores das Nações Unidas denunciou a ditadura de Nicolás Maduro por repressão e crimes contra a humanidade após a eleição de 28 de julho.

Muitos chefes de Estado latino-americanos denunciaram o regime chavista em seus discursos na Assembleia-Geral, enquanto outros adotaram uma abordagem mais conciliatória. As opiniões drasticamente divididas são apenas a mais recente evidência de que a crise política na Venezuela está prestes a se tornar um poderoso ponto de conflito no próximo ciclo de eleições na América Latina.

Em seu discurso, Gabriel Boric, do Chile, renovou sua denúncia de fraude e violações dos direitos humanos na Venezuela, chamando o regime de "ditadura que tenta roubar a eleição, que persegue oponentes e é indiferente ao exílio de milhares de seus cidadãos". Após um tribunal na Argentina ordenar a prisão de Maduro e de seu ministro do Interior, Diosdado Cabello, por crimes contra a humanidade, o presidente argentino, Javier Milei, caracterizou o chavismo como uma "ditadura sangrenta".

O guatemalteco Bernardo Arévalo rejeitou a repressão venezuelana às aspirações por liberdades e justiça e o dominicano Luis Abinader reafirmou seu chamado para que Maduro mostre as atas de votação.

BRASIL. O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, não mencionou a Venezuela ou seu papel como mediador na crise em seu discurso, mas à margem do evento da ONU se encontrou com o francês, Emmanuel Macron, para discutir a situação. Gustavo Petro, da Colômbia, pareceu elogiar o país em uma crítica à desigualdade global.

"Esse 1% mais rico da humanidade, a poderosa oligarquia global, é quem permite bloqueios econômicos contra países rebeldes que não se encaixam em seu controle, como Cuba ou Venezuela". No entanto, em entrevista à CNN, Petro pediu uma "solução política" para a crise, enquanto Maduro se prepara para a posse, em janeiro.

Embora as divisões sobre a Venezuela não sejam novas, o chavismo tem sido um ponto de controvérsia desde seu surgimento, nos anos 1990. O impasse sobre a eleição de 28 de julho, provavelmente, fará o debate se tornar cada vez mais contencioso. Além da retórica, a crise política criará desafios muito concretos para os líderes regionais.

A imigração é o efeito imediato da brutal onda de repressão de Maduro. O número de venezuelanos vivendo no exterior, estimado em quase 8 milhões, aumentará nos próximos meses, à medida que mais pessoas fujam da perseguição. Governos latino-americanos estão ansiosos para evitar as implicações sociais, humanitárias e políticas de uma nova onda de migrantes venezuelanos - mas eles podem não ser capazes.

CRIME. A crise também fortalecerá grupos armados organizados, à medida que Maduro procura transferir o ônus da repressão das Forças Armadas para atores não estatais, como os coletivos (gangues pró-governo) e o Exército de Libertação Nacional (ELN), guerrilha colombiana com ligações de longa data com o chavismo.

No restante da região, países que recebem venezuelanos enfrentarão crescentes riscos de segurança ligados à imigração, à medida que gangues se aproveitem das rotas para entrar em novos mercados. Esses fatores apenas intensificarão a retórica anti-imigração na política, assim como as propostas repressivas para lidar com ela.

Enquanto isso, o isolamento internacional e uma escalada das sanções provavelmente levarão Maduro a uma união mais estreita com China, Rússia e Irã. Nos últimos meses, a Venezuela tomou medidas para reforçar os laços com esses governos para atenuar o impacto de uma possível escalada das sanções dos EUA.

Para os EUA e seus aliados, esse cenário significa não apenas o redirecionamento dos fluxos de petróleo para rivais geopolíticos, mas também a crescente influência militar e de inteligência chinesa e russa na América Latina.

Essas considerações criam incentivos para EUA, Brasil e Colômbia serem pragmáticos. Esses principais atores regionais buscam evitar um colapso econômico e conter a repressão da ditadura de Maduro, dois fatores que contribuiriam
para um aumento da migração.

Isso ajuda a explicar por que o governo de Joe Biden adotou cautela em relação a novas sanções e a estratégia de Lula e Petro, que prioriza manter as relações com Maduro para garantir futuramente cooperação em migração e segurança.

Divergências até agora dificultaram uma resposta regional à crise. No entanto, ainda há tempo para corrigir o curso. A Assembleia-Geral da ONU seria uma oportunidade para a região falar com uma só voz e estabelecer uma estratégia coerente e pragmática para lidar com os efeitos da crise.

EVOLUÇÃO. Isso poderia conter os piores instintos de Maduro, proteger a oposição e ajudar a mitigar a repressão, motor da migração. Independentemente de como a crise evolua, a cooperação regional será essencial para defender os direitos humanos, dentro e fora da Venezuela, e responder aos desafios da migração. Os governos têm a chance de tomar medidas práticas para facilitar o compartilhamento de informações, a operabilidade dos sistemas de documentação de migrantes e a coordenação da aplicação da lei.

Nenhum ator externo pode provocar uma transição democrática na Venezuela. Mas a região ainda pode tomar medidas para defender a democracia - ainda que simbolicamente e com uma visão de longo prazo -, enquanto trabalha para mitigar os efeitos externos e internos. @
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A América Latina pode tomar medidas para defender a democracia na Venezuela