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sexta-feira, 6 de agosto de 2021

ABL tem quatro vagas em processo de abertura a candidaturas: uma delas deverá caber a um diplomata

ABL declara vaga cadeira do diplomata Affonso Arinos de Mello Franco 

Academia fez nesta quinta-feira primeira Sessão da Saudade virtual

Publicado em 05/08/2021 - 20:21 Por Alana Gandra – Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro 

Pela pela primeira vez em sua história, a Academia Brasileira de Letras (ABL) realizou nesta quinta-feira (5), uma sessão da saudade em formato virtual. Por causa das medidas de isolamento social em vigor, tais sessões agora serão realizadas neste modelo para homenagear os acadêmicos que morreram durante a pandemia de covid-19.

O primeiro homenageado foi Affonso Arinos de Mello Franco Neto, sexto ocupante da Cadeira 17, eleito em 22 de julho de 1999, na sucessão do filólogo e crítico literário Antonio Houaiss, e recebido em 26 de novembro de 1999 pelo acadêmico José Sarney. O diplomata faleceu no dia 15 de março do ano passado.

Diplomata Affonso Arinos
Diplomata Affonso Arinos de Melo Franco Neto - 
Guilherme Gonçalves/Academia Brasileira de Letras/Divulgação

No próximo dia 12, a Sessão da Saudade fará homenagem a Murilo Melo Filho, sexto ocupante da Cadeira 20 da ABL. Foi eleito em 25 de março de 1999, na sucessão de Aurélio de Lyra Tavares, e recebido em 7 de junho de 1999 pelo acadêmico Arnaldo Niskier. O jornalista morreu no dia 27 de maio de 2020.

Para o dia 19 de agosto, está prevista a Sessão da Saudade referente a Alfredo Bosi, sétimo ocupante da Cadeira 12. Foi eleito em 20 de março de 2003, na sucessão de Dom Lucas Moreira Neves, e recebido em 30 de setembro de 2003 pelo acadêmico Eduardo Portella. O professor Bosi faleceu no dia 7 de abril de 2021.

No dia 26, o homenageado será Marco Maciel, oitavo ocupante da Cadeira 39, que foi eleito em 18 de dezembro de 2003, na sucessão de Roberto Marinho, e recebido em 3 de maio de 2004 pelo acadêmico Marcos Vinicios Vilaça. Ex-vice-presidente da República, Maciel faleceu no dia 12 de junho deste ano.

Ao fim de cada homenagem, o presidente da ABL, Marco Lucchesi, declara vaga a respectiva cadeira, abrindo a candidatura para um novo ocupante. Com isso, hoje foi declarada vaga a Cadeira 17, de Affonso Arinos.

Regimento

De acordo com o regimento da Academia Brasileira de Letras, ao ter notícia do falecimento de um acadêmico, o presidente comunica o óbito e declara aberta a vaga na Sessão de Saudade, dando início ao período de inscrições dos candidatos à sucessão. A partir daí, os interessados dispõem de 30 dias para a apresentação de suas candidaturas. Findo esse prazo, o presidente marca a eleição para a primeira sessão ordinária, após o transcurso de 60 dias.

A carta de apresentação do candidato, que pode ser enviada por e-mail, tem que ser assinada e acompanhada da relação das obras publicadas pelo candidato, que deverão ser encaminhadas para a ABL via correio.


sexta-feira, 9 de abril de 2021

Homenagem a Alfredo Bosi (1936-2021) - Lilia Moritz Schwarcz, Pedro Meira Monteiro (FSP)

 Crítico produziu interpretações originais e ácidas sobre a literatura 

Lilia Moritz Schwarcz

Pedro Meira Monteiro

Folha de S.Paulo, Ilustrada, 8 abr. 2021, p.B13

 

Com a pandemia se desenvolvendo de forma desenfreada e sem controle no Brasil, andamos perdendo vozes fundamentais na defesa da nossa tão combalida democracia. É o caso de Alfredo Bosi (1936-2021), que ocupou um lugar único na crítica literária brasileira.

Descendente de italianos do Vêneto, Bosi começou sua carreira acadêmica dando aulas de literatura italiana na USP, para onde levou seu amor pela poesia de Leopardi e pelos personagens angustiados de Pirandello. Bosi também fazia mágica ao misturar um autor como Croce, com sua ideia do sopro vital movimentando a literatura, e Gramsci, com sua atenção às contradições da sociedade capitalista incrustadas na cultura, mas também à ideia de resistência. Desse caldo improvável, bem como de uma cultura literária e filosófica extraordinária, vasta e profunda, assim como de uma militância constante contra a ditadura, nasceram algumas das interpretações mais agudas e originais da literatura brasileira e universal: Vieira, Machado de Assis, Rosalía de Castro, Cecília Meireles, Antonil, Nabuco, Graciliano, Lima Barreto—a lista é interminável.

Interessava a Bosi entender como a liberdade era escavada na escrita, algumas vezes de forma aberta, outras vezes de forma contida e recôndita como se os compromissos e a situação social e política fossem uma força operando dentro do sujeito, ao mesmo tempo contra e a favor dele. O mestre também não opunha a estética à política e aos aspectos sociais. Ao contrário, era essa a sua “dialética”. Essa contradição fundamental foi explorada em aulas na USP, já como professor de literatura brasileira, ao longo das décadas de 70 e 80, bem como no Instituto de Estados Avançados, da mesma universidade.

O resultado dessa militância do espírito, alerta dentro e fora da sala de aula, foi um livro que se tornaria um dos grandes clássicos da historiografia literária brasileira: a Dialética da Colonização, publicado pela primeira vez em 1992. Ali podem ser sentidas as principais linhas de força de sua interpretação, que estão também em outros livros, anteriores e posteriores, como O ser e o tempo da poesia (1977, com nova edição em 2000), Literatura e resistência (2002) e Ideologia e contraideologia (2010). Neles, a resistência não é vista necessariamente como ato heroico e por vezes isolado, mas como uma forma complexa de insurgência, muitas vezes torturada, sentida como contradição. As forças presentes no interior da pessoa, presas, mas capazes de atravessar a fresta de sua máscara social, o emocionavam muito.

Talvez a figura de Eugênia, nas Memórias póstumas de Brás Cubas, seja uma das que mais o fascinavam: “triste como os enterros pobres, solitária, calada, laboriosa”, até que viesse “para esta outra margem”, escreve o defunto autor. Aí estava um pensamento dialético, combinado a uma sensibilidade fina e um profundo saber histórico que superava, de longe, dicotomias fáceis como pessimismo resistente ou otimismo falastrão; negatividade diante do passado ou confiança cega no progesso. Bosi, tal qual equilibrista, era avesso à mística das ideologias, mas guardava seu afeto pelos projetos de literatos, pelas palavras deles, também entendidos como agentes sociais.

O professor viveu essa forma de resistência e de empatia irrestrita pelos pobres. Uma simplicidade franciscana o unia, em amor completo, a sua querida Ecléa, falecida em 2017, leitora profunda da poesia que ambos amavam, e ela mesma poeta cujo trabalho Alfredo Bosi recentemente recuperou e tornou público. Já o mestre buscou pelo “ser da poesia”—a imagem que “busca aprisionar a alteridade estranha das coisas e dos homens”. O casal era alimentado pela docência e pelo bom conhecimento. Ecléa era professora do Departamento de Psicologia, Bosi do Departamento de Letras, ambos da USP. Os dois lidavam, cada um à sua maneira mas em conjunto, com as tantas memórias que este Brasil costuma esquecer e deixar passar.

Um detalhe engraçado: em 2008, quando foi lançado seu primeiro livro em inglês, Alfredo Bosi fez sua única viagem aos Estados Unidos, mas apenas depois de certificar-se que George W. Bush deixara a Casa Branca. Entrando em Nova Iorque pela ponte do Brooklyn, ao entardecer, seus olhos se iluminaram: “essa paisagem mágica que conhecemos do cinema”, disse ele. Encontrou tempo para passear, comprar um presente para Ecléa, e refletir sobre aquela sociedade que via com tanta suspeita, mas cuja complexidade ele também reconhecia. Em Princeton, conheceu Ricardo Piglia e Arcadio Díaz-Quiñones, com quem descobriu afinidades profundas.

Na chácara em que moraram por muito tempo, em Cotia, Ecléa plantou uma giesta—a flor que, num poema de Leopardi, sobrevive à beira do Vesúvio, “amante de lugares do mundo abandonados, e de infelizes fados companheira”. Bosi lembrou o fato quando recebeu o título de professor emérito na USP, em 2012. A imagem da giesta atravessa sua obra e seu espírito, clara e potente, como se nela se contivesse a força insuspeitada da resistência que foi tema e prática na vida de Alfredo Bosi.