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sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Resenha: Archie Brown: The Human Factor: Gorbachev, Reagan and Thatcher, and the End of the Cold War - Daniela Pereira Nunes (Nova-IPRI)

Resenha: 

RELAÇÕES INTERNACIONAIS JUNHO : 2020 66 [ pp. 149-153]

https://doi.org/10.23906/ri2020.66r02 

IPRI- Universidade Nova de Lisboa

ARCHIE BROWN

The Human Factor: Gorbachev, Reagan
and Thatcher, and the End
of the Cold War

Oxford,
Oxford University Press, 2020, 512 páginas
ISBN 9780198748700 

RECENSÃO

Como o fator humano contribuiu para o final da Guerra Fria

Daniela Pereira Nunes 

m 2019, os desentendimentos de Donald Trump e Vladimir Putin conduziram ao fim do primeiro tratado para a eliminação de uma completa categoria de armas nucleares – o Tratado inf, assinado em dezembro de 1987 por Mikhail Gorbatchov e Ronald Reagan. Em 2020, ironicamente, a mais recente obra da autoria de Archie Brown recorda‐nos do peso e importância históricos que carregam momentos como o da assinatura deste tratado para a eliminação das forças nucleares de alcance intermédio.

Autor de obras de referência como The Gorbachev Factor The Rise and Fall of Communism, vencedoras dos prémios Alec Nove e W. J. M. Mackenzie, ou Perestroika: Seven Years that Changed the World, Archie Brown é internacionalmente reconhecido como um dos mais conceituados especialistas na Guerra Fria, comunismo e pós‐comunismo, assuntos russos e soviéticos. Formado pela London School of Economics, depois pela Universidade de Glasgow e pela Universidade Estatal de Moscovo, o cientista político e historiador é atual‐ mente professor emérito de Politics na Universidade de Oxford e membro emérito do St. Antony’s College, onde lecionou por mais de trinta anos, passando ainda pelas universidades de Yale, Connecticut, Columbia, Texas e Notre Dame. São incontáveis as conferências em que participou, as palestras que proferiu e os artigos científicos que publicou sobre as suas áreas de investigação.

Comparativamente com outras obras como aquelas acima citadas, a novidade associada a The Human Factor reside fundamentalmente na lente interpretativa do autor, desta vez centrada no papel de três líderes políticos: Gorbatchov, Reagan e Thatcher. A obra, de 512 páginas, distingue‐se precisamente pela explicação brilhante e meticulosa que nos oferece sobre a influência da personalidade no desenrolar dos processos políticos e, em particular, sobre a influência destes três seres humanos para aquele que foi o saldo final da Guerra Fria. Na introdução, o autor esclarece desde logo que «este livro não oferece uma descrição detalhada do final da Guerra Fria. Também não fornece uma história abrangente das relações internacionais desses anos»1. Antes, trata‐se de um trabalho sobre liderança política, maioritariamente focado no significado relativo de três líderes políticos e nos seus esforços pela construção de um clima internacional cordial e inspirador na segunda metade da década de 1980. A obra parte de uma questão fundamental, à qual muitos especialistas tentam responder e de formas distintas: por que razão a Guerra Fria terminou quando terminou e da forma como terminou? Não ignorando outros fatores igualmente importantes, a análise de Archie Brown sugere que são incontornáveis as implicações do fator humano para dar resposta a estas questões. O que isto significa é que, certa‐ mente, tudo teria sido diferente se os protagonistas da história não tivessem sido Gorbatchov, Reagan e Thatcher. Não obstante, a importância do fator humano não se esgota nestes três líderes: ao fazer jus ao próprio título, The Human Factor é uma obra especialmente valiosa pela relevância que atribui a outras figuras políticas sem as quais a história também não teria sido a mesma. O autor destaca enfaticamente o papel dos conselheiros destes líderes, em particular os de Gorbatchov e Reagan, e a sua influência nas lideranças dos seus respetivos países – é o caso de Eduard Shevardnadze, ministro dos Negócios Estrangeiros da União Soviética entre 1985 e 1990, e de George Shultz, secretário de Estado dos Estados Unidos entre 1982 e 1989. A narrativa de Archie Brown constrói‐se em grande medida sobre uma rejeição constante da leitura simplista que alguns autores fazem ao subestimar pro‐ fundamente o valor das pessoas e das ideias nos últimos anos da Guerra Fria.

OS TRÊS GIGANTES DA GUERRA FRIA
E A IMPORTÂNCIA DO SEU ENVOLVIMENTO
É fácil e quase intuitivo compreender os fundamentos do protagonismo de Gorbatchov e Reagan nesta obra: o primeiro, pelas reformas cruciais que implementou, quer na sua vertente doméstica, quer ao nível da política externa soviética e do seu impacto na política internacional; o segundo, pelo papel que desempenhou na aproximação à União Soviética de Gorbatchov e na melhoria das relações americano‐ ‐soviéticas a partir de 1985. Quanto a Thatcher, porém, podem surgir dúvidas: e François Mitterrand? Ou George Bush? Ou Helmut Kohl? O autor admite que as motivações que conduziram à escolha da Dama de Ferro não são tão óbvias quanto as anteriores. Mas elucida‐nos, interrogando: que outro primeiro‐ministro britânico, à exceção de Winston Churchill, revelou um envolvimento tão profundo em conversações com um líder soviético? 

Neste contexto, vale a pena sublinhar também a relevância da relação especial de Thatcher e Reagan e, mais tarde, a influência da conexão igualmente especial que viria a surgir com Gorbatchov. Como afirma Brown, «a história das suas interconexões é uma contribuição não apenas para uma explicação do fim da Guerra Fria, mas também para um debate muito mais antigo sobre o papel que um indivíduo pode desempenhar na construção da história»2.

A divisão da obra em três partes contribui para a distinção de três grandes momentos na linha argumentativa do autor. Principalmente dedicada ao fator personalidade, a primeira parte confronta‐nos com indicadores da maior relevância para compreender as metodologias e as escolhas de cada líder político: uma introdução às suas origens e contextos de ascensão política. É também na parte i que encontramos uma primeira análise das relações Reagan‐Thatcher (evidentemente mais antigas do que as relações Reagan‐Gorbatchov) e, mais tarde, Gorbatchov‐Thatcher. A primeira‐ministra conheceu Gorbatchov praticamente um ano antes de Reagan, ainda antes da sua eleição para o cargo de secretário‐geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Antes desse primeiro encontro, em Londres, em dezembro de 1984, foi o próprio Archie Brown quem falou à Dama de Ferro sobre o novo e simpático jovem em ascensão no Kremlin. Este timing concedeu a Thatcher um estatuto como que de intermediária entre Washington e Moscovo, pelo menos até que os líderes das duas superpotências se conhecessem. Brown sublinha o quão importante foi para o futuro das relações americano‐soviéticas que Gorbatchov tivesse deixado em Chequers a impressão de que se poderia negociar com ele – como afirmou a própria primeira‐ministra.

O segundo dos três grandes momentos da obra trata precisamente do caminho para o fim da Guerra Fria, focando‐se nos encontros de Gorbatchov e Reagan e no modo como os dois homens de origens humildes semelhantes conseguiram juntos transformar a relação Ocidente‐Leste. Desde a primeira reunião, escreveu Gorbatchov na Perestroika em 1987, «verificámos que tínhamos aquilo que eu considero um trampolim no sentido de trabalharmos para o melhoramento das relações soviético‐americanas»3. A parte ii é também a mais densa de toda a obra, ao interpretar não apenas a realidade internacional das negociações Estados Unidos‐União Soviética entre 1985 e 1991, mas também ao articulá‐la com a situação doméstica destes países durante esse período. No caso da União Soviética, este exercício é particularmente útil para compreender a indissociabilidade das vertentes interna e externa do plano reformista implementado por Gorbatchov, que começou com a Perestroika e a Glasnost, e terminou com a revolução europeia de 1989 e a implosão da União Soviética em 1991.

Mas, se não fosse Gorbatchov? Se não fossem Reagan e Thatcher? Uma das questões centrais em toda a obra de Archie Brown – «algum dos líderes realmente alternativos nos seus países na década de 1980 teria adotado as mesmas políticas, ou parecidas, conduzindo a resultados semelhantes?»4 – encontra resposta nas reflexões conclusivas da parte iii. Ao chamar a atenção para a importância do envolvimento dos Três Gigantes, o autor argumenta que não é pelas capacidades políticas destes líderes que a Guerra Fria acabou quando e como acabou – outros possíveis líderes estariam certamente aptos para alguma negociação –, mas antes pelo seu compromisso e pelo impacto humano invulgar que tiveram uns nos outros.

O FIM DA ERA DE GELO E DA IDEIA DE UM «IMPÉRIO DO MAL»

No contexto da melhoria gradual das relações americano‐soviéticas durante a segunda metade da década de 1980, a análise de Archie Brown sugere ainda que a condição‐chave para entender como foi possível «quebrar o gelo» é precisamente o fator humano. Esta interpretação está fundamentalmente ligada aos contributos (indispensáveis) de Gorbatchov e Reagan na desconstrução de um ambiente internacional hostil e da ameaça de um conflito nuclear, do qual ninguém poderia sair vencedor. No seu entendimento, a chegada de Gorbatchov ao poder em março de 1985 foi o primeiro grande estímulo para o fim daquela a que o próprio secretário‐geral do PCUS chamou «a era de gelo» entre as duas superpotências. Brown relembra que, para além de um otimista nato, Gorbatchov era um reformador. As reformas que implementou na URSS reorientaram a política externa soviética para um sentido completamente revigorado, agora assente num novo olhar sobre as relações internacionais e sobre o papel da União Soviética no mundo. Esta reorientação é crucial para compreender por que motivo foi possível quebrar o gelo. Foi possível, em primeiro lugar, porque a Política do Pensamento Novo contribuiu de forma determinante para provar que Moscovo e Washington não tinham necessariamente interesses opostos. Esta revisão doutrinal, em simultâneo com o processo gradual de democratização da sociedade e instituições soviéticas, criaram oportunidade para refutar a teoria estalinista de uma hostilidade obrigatória e inevitável entre «os dois mundos». Conforme sugere Carlos Gaspar n’O Pós- -Guerra Fria, «a União Soviética do “Novo Pensamento Político” desiste de ser a “vanguarda socialista”, para passar a ser um país “normal” – o leitmotiv dos reformadores – e um parceiro responsável na política internacional»5. Muito por conta desta reforma de nível sistémico, sobretudo a partir de 1987, Archie Brown conclui que, entre os Três Gigantes, Gorbatchov foi quem fez a maior das diferenças para as transformações ocorridas no mundo dos últimos sete anos da Guerra Fria. Esta é, aliás, a lógica por detrás de toda a narrativa do autor: não se pode considerar que os líderes políticos são a explicação para tudo o que acontece na política; muitos deles fazem apenas uma diferença marginal, outros nem sequer fazem diferença. Mas alguns líderes são a diferença que explica por que razão a História acontece de uma forma ou de outra, quer pelos seus feitos domésticos, quer pelos seus feitos internacionais. The Human Factor é a referência majestosa que nos ensina que não é possível interpretar o fim da Guerra Fria sem ter em conta o valor das pessoas, das suas ideias e dos seus princípios.
 

NOTAS

1 Brown, Archie – The Human Factor: Gorbachev, Reagan, and Thatcher, and the End of the Cold War. Oxford: Oxford Uni- versity Press, 2020. Tradução da autora.

2  Ibidem. Tradução da autora.

3  Gorbatchov, Mikhail – Perestroika: Anos de Transformação e de Esperança para o Meu País e para o Mundo. Mem-Martins: Publicações Europa-América, 1987, p. 251. Tradução da autora.

4 Brown, Archie – The Human Factor... . Tradução da autora.

5 Gaspar, Carlos – O Pós-Guerra Fria. Lisboa: Tinta da China, 2016.


BIBLIOGRAFIA

Brown, Archie – The Human Factor: Gorbachev, Reagan, and Thatcher, and the End of the Cold War. Oxford: Oxford University Press, 2020.

Gaspar, Carlos – O Pós-Guerra Fria. Lis- boa: Tinta da China, 2016.

Gorbatchov, Mikhail – Perestroika: Anos de Transformação e de Esperança para o Meu País e para o Mundo. Mem-Martins: Publicações Europa-América, 1987. 


Daniela Pereira Nunes Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (IEP-UCP). Atualmente, é mestranda em Ciência Política e Relações Internacionais no IEP-UCP, estando a elaborar uma dissertação sobre a liderança de Gorbatchov e o colapso da União Soviética. Principais áreas de interesse: Guerra Fria, liderança política, história da União Soviética. IEP-UCP | Palma de Cima, 1649‐023 Lisboa | daniela_pn12@hotmail.com 


Amazon presentation: 

In this penetrating analysis of the role of political leadership in the Cold War's ending, Archie Brown shows why the popular view that Western economic and military strength left the Soviet Union with no alternative but to admit defeat is wrong. To understand the significance of the parts
played by Mikhail Gorbachev, Ronald Reagan and Margaret Thatcher in East-West relations in the second half of the 1980s, Brown addresses several specific questions: What were the values and assumptions of these leaders, and how did their perceptions evolve? What were the major influences on them? To
what extent were they reflecting the views of their own political establishment or challenging them? How important for ending the East-West standoff were their interrelations? Would any of the realistically alternative leaders of their countries at that time have pursued approximately the same
policies?
The Cold War got colder in the early 1980s and the relationship between the two military superpowers, the USA and the Soviet Union, each of whom had the capacity to annihilate the other, was tense. By the end of the decade, East-West relations had been utterly transformed, with most of the dividing
lines - including the division of Europe - removed. Engagement between Gorbachev and Reagan was a crucial part of that process of change. More surprising was Thatcher's role. Regarded by Reagan as his ideological and political soulmate, she formed also a strong and supportive relationship with
Gorbachev (beginning three months before he came to power). Promoting Gorbachev in Washington as "a man to do business with", she became, in the words of her foreign policy adviser Sir Percy Cradock, "an agent of influence in both directions".

domingo, 13 de novembro de 2011

Livro: Ascensão e Queda do Comunismo - Archie Brown

Eu já li o livro no original, e recomendo, vivamente.
Fiz um post sobre ele: 

A vida sob o comunismo (como devia ser insuportável...)



Como sempre, recomendo aos que desejarem adquirir esse livro que não o façam na edição brasileira, a menos que desejem perder dinheiro à toa. Por US$ 1 (sim, UM dólar), ou no máximo US$ 4 qualquer pessoa pode encomendar o livro no maior sebo eletrônico de livros do mundo:
www.abebooks.com
Provavelmente o frete vai custar entre 10 e 15 dólares, mas ainda assim vai sair mais barato (ainda que demore um pouco) do que os 60 ou 70 reais (talvez mais) do que vai custar o livro no Brasil.
Se ele estiver disponível em formato digital melhor ainda: chega em um minuto, mas aí pode custar um pouco mais (entre dez e 19 dólares, calculo) e pode ser mais incômodo ler um livro grande na telinha do Kindle ou do seu iPad (mas garanto que ficará mais leve...).
Leiam, eu recomendo vivamente.
Paulo Roberto de Almeida 
PS: Quem quiser ler mais um pouco do livro, suas primeiras páginas, por exemplo, pode fazê-lo na versão para Kindle, que a a Amazon disponibiliza em seu site, neste link.

Reinaldo Azevedo, 12/11/2011
A VEJA desta semana traz uma resenha de autoria deste escriba do livro “Ascensão e Queda do Comunismo”, de Archie Brown. Segue um trecho.

Não foi o então presidente americano, Ronald Reagan, que matou o comunismo. Também não foi o papa João Paulo II. Tampouco foram as fragilidades do modelo. O sistema cometeu suicídio quando resolveu experimentar um pouco de liberdade. É, ao menos, o que sustenta o cientista político e historiador escocês Archie Brown em Ascensão e Queda do Comunismo (tradução de Bruno Casotti; Record; 854 páginas; 89,90 reais). O ambiente era bem deprimente na União Soviética, como revela uma piada que circulava por lá em fevereiro de 1984, quando a primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, compareceu para o funeral de Yuri Andropov, que comandara a “pátria do socialismo” por modestos quinze meses. O escolhido para sucedê-lo foi Konstantin Chernenko, de 72 anos. A piada reproduzia um telefonema fictício de Thatcher para Reagan: “Você deveria ter vindo ao funeral, Ron. Eles fizeram tudo muito bem. Com certeza, vou voltar no ano que vem”. E voltou mesmo, treze meses depois, tempo de sobrevida de Chernenko. Em 68 anos de história, a União Soviética tivera quatro dirigentes máximos: Lênin, Stálin, Krushev e Brejnev. Ao chegar ao poder em 11 de março de 1985, Mikhail Gorbachev era o terceiro governante em vinte e oito meses. Havia algo de podre e muito velho no Império Vermelho.
A piada é narrada no grande (em qualquer sentido) livro de Brown. Ao longo de mais de 800 páginas, noventa delas com notas explicativas, ele detalha a trajetória do comunismo mundo afora, do Manifesto de Karl Marx (1848) à dissolução da URSS. Em 25 de dezembro de 1991, seis anos e nove meses depois de se tornar um dos homens mais poderosos da Terra, Gorbachev renunciava à Presidência de um país que já tinha acabado. O homem da “perestroika”, da reestruturação, fora engolido por sua ingenuidade e traído por sua ousadia. Todos os sinos dobraram pelo Natal; nenhum por quem restituíra a liberdade religiosa. Era execrado pelos destituídos do antigo regime e desprezado pelos beneficiários do novo.
Brown, professor de Oxford, é um profundo conhecedor do assunto. Levou dois anos para escrever o livro, publicado em 2009, mas reuniu informações colhidas ao longo de 45 anos e muitas viagens aos países comunistas, especialmente durante a Guerra Fria. E é com essa autoridade que ele afirma: “Na União Soviética, a reforma produziu a crise mais do que a crise forçou a reforma”. Para Brown, embora o modelo soviético estivesse corroído pela ineficiência, pela estagnação e pela incapacidade de entrar na economia da informação, não havia pressão social ou política que tornasse urgentes as mudanças. O modelo poderia ter durado por muito tempo, não fosse Gorbachev.
A relação de Brown com o líder que matou o comunismo é ambígua. Admira sua vocação democrática e suas escolhas políticas e éticas, mas o caracteriza como um político ingênuo, que fez uma aposta brutalmente errada. Qual foi o erro - e, pois, o grande acerto - de Gorbachev? Para responder a essa questão, é preciso citar aquelas que o historiador considera as “seis características definidoras” do comunismo - elas também explicam por que o autor sustenta que o comunismo acabou, ainda que China, Vietnã, Laos, Cuba e Coreia do Norte se digam comunistas: 1) o partido único detém o monopólio do poder; 2) a burocracia partidária tem plena autonomia para tomar qualquer decisão; é o centralismo democrático; 3) há a posse não-capitalista dos meios de produção; 4) a economia é de comando, definida pelo estado, não pelo mercado; 5) há a convicção de que o comunismo está em plena construção e ruma para a perfeição; 6) os comunistas articulam-se em um movimento internacional.
(…)

sábado, 13 de fevereiro de 2010

1339) A vida sob o comunismo (como devia ser insuportável...)


Estou lendo este livro:

The Rise and Fall of Communism
by Archie Brown
London: Bodley Head, 2009, 736pp, £25

Mais abaixo uma das muitas resenhas publicadas na imprensa inglesa. Li a introdução e o capítulo sobre o começo do comunismo (o que eu já conhecia).
Agora que o comunismo acabou, em larga medida, os jovens de hoje não tem uma ideia clara sobre o que representou o comunismo -- e o socialismo de maneira geral -- para as gerações precedentes. Mas ele sobrevive apenas em dois pequenos Estados: Cuba (irracionalmente apoiada por "inteliquituais" brasileiros) e Coréia do Norte. O caso da China é diferente: se trata de um país capitalista com um Estado comunista (deu para entender?; eu posso desenhar, ou explicar melhor...).

Estou lendo agora o capítulo 28, "Why Did Communism Last So long?".
Claro, no caso dos países da Europa central e oriental, foi por causa da ocupação soviética, do contrário as sociedades teriam rejeitado o sistema. Bem que tentaram, na DDR, em 1953, na Hungria, em 1956, na Tchecoslováquia, em 1968, mas os tanques soviéticos estavam ali para garantir a sobrevivência de regimes altamente impopulares.
No caso da própria URSS, foi pela eficiência repressora dos mecanismos de controle social do sistema, baseados no terror, nos tempos de Lênin e Stalin, e nos constrangimentos policialescos, na censura extensiva, e no uso da "repressão econômica", ou seja, deixar o dissidente sem trabalho e sem remuneração, o que simplesmente tornaria a sua vida impossível.

Refletindo sobre esse aspecto, isso também ocorre em certos países capitalistas, digamos assim. Por exemplo: deixar um funcionáario do Estado -- e no comunismo TODOS eram funcionários do Estado -- sem função específica e sem remuneração adequada durante muito tempo. Como sob o comunismo, isso atua como um forte desincentivo à contestação e à dissidência individual. Não sei se funciona sempre, mas deve funcionar para a maioria. No meu caso, não funcionou... (de que é exemplo este blog).
Acredito que quem pratica esse tipo de repressão econômica tem uma alma de ditador soviético. Aliás, tem muita gente por aí com alma de ditador soviético...
Paulo Roberto de Almeida (13.02.2010)
PS: leiam a introdução, as primeiras páginas, nesta versão eletrônica para Kindle, no site da Amazon, neste link.

The Rise and Fall of Communism by Archie Brown: review
Simon Heffer praises a book by Archie Brown that strips away the romance of communism
By Simon Heffer
Daily Telegraph, 30 May 2009

As an academic historian, Archie Brown has become possibly Britain’s leading expert on communism. Of an age to have travelled widely behind the Iron Curtain when the Cold War was still raging, he brings to his study of the subject not merely decades of immersion in archives and books, but also first-hand observation and experience. All these qualities inform this superb book, which in just over 700 pages gives not only the history of communism, but also the background to it and the reasons for its decline.

Although the doctrine still prevails in one enormously significant country – China – and in four smaller ones (North Korea, which is becoming a bigger problem by the day, Vietnam, Laos and Cuba), Brown’s work is largely in the nature of a retrospective. He traces the philosophical beginnings of the creed through to its implementation in what became the Soviet Union after the 1917 revolution: and it is the Soviet Union that is the bedrock of his book from then on. It is not simply, of course, that the USSR was first: it was that it had the manpower, the resources, the firepower and (until Gorbachev) the ruthlessness to impose its will and its system on its satraps and imitators.

The key figure in this was Stalin, whose doctrines (if not his methods of enforcing them) prevailed right up until the mid Eighties. During the Terror Stalin created a rule that was truly totalitarian, and which Brown distinguishes to an extent from communism. He is correct to do so, though he is equally correct to point out that communism, because of its anti-freedom ideology, can only be imposed with varying degrees of coercion. He says communist regimes imposed as a result of indigenous revolution turn out to be more durable than those enforced from outside. The history of what used to be called the Soviet bloc bears that out exactly.

Brown’s relatively concise but also precise exposition of Stalin’s regime is a masterpiece, laced with flashes of dark humour but never understating the sheer monstrousness of a man who goes down in history as a mass murderer on a scale that puts even Hitler in the shade. The brutality that he inflicted on those whom he conquered – such as the unfortunate Latvians, Lithuanians and Estonians – becomes more comprehensible when one reads of the arbitrary viciousness he used on people who were supposed to be his adherents, supporters and colleagues.

Although Nikita Khrushchev famously denounced Stalin and his crimes at the 1956 party congress, three years after the tyrant’s death, the ethos did not crack. The Hungarian uprising later that year was put down with typical brutality, for the Soviets then knew no other way. At home, dissidents were no longer shot in the back of the head for having a difference of opinion, and the Gulag became considerably less populated: but Khrushchev himself was happy, in defence of Russian hegemony, to push the world to the brink of war during the Cuban missile crisis in 1962.

When Leonid Brezhnev succeeded him in 1964 the tone became even more Stalinist: Brezhnev was conscious of having to protect what was effectively Stalin’s inheritance, and did not hesitate to do so. It may have been a time of stability for the USSR, but it also remained one of repression. Just as in Hungary 12 years earlier, Soviet troops put down an attempt by Czechoslovakia to reform after the Prague Spring. As late as 1981, a tame Polish leader, General Wojciech Jaruzelski, was prevailed on to squash dissidence in that country, contingent on the rise of the Solidarity movement. Communism could not be allowed to be diluted in the Soviet bloc, for it would challenge the Marxist-Leninist doctrines that underpinned the Soviet Union: so the old Stalinist methods of compliance by coercion were brought back whenever necessary.

Brown has crammed an amazing amount of information and analysis into a hugely readable book. He gives the most comprehensible breakdown of how Chinese communism developed, and how the apparent capitalist society the country now has is still, in fact, communist. But his greatest achievement is to strip away, without any partisanship, what some have held to be the romance of communism. He details how corrupt the regime was in Cuba before Castro overthrew it, and he talks of the wonders done in Cuba in the field of health care, in particular. But he equally leaves us in no doubt that Cuba remains a repressive and impoverished place thanks to communism. There are constant reminders of the basic liberties denied to those in communist countries in order to maintain the doctrine; and reminders too of how painfully aware so many of those people were of the freedoms and luxuries of the West.

If this book has any deficiency it is that I should have liked to read more about the systems of repression in places like the Baltic states, where museums exist to catalogue Soviet barbarism against the Baltic peoples. It is most amazing of all that this was so widespread just 20 years ago. Brown’s book is, above all, a monument to the triumph of liberty.