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sábado, 3 de outubro de 2015

Governo petista manda comida para aplacar fome em Cuba - Polibio Braga

Que coisa minha gente: esse socialismo anda mal das pernas...
Ou foi sempre assim?
Paulo Roberto de Almeida

Governo Dilma manda arroz gaúcho e feijão castarinense para aplacar a fome do povo de Cuba

Este é o socialismo de fome que há 50 anos subjuga o povo cubano, imposição da ditadura dinástica comunista dos irmãos Castro. E que precisa de comida doada pelo povo gaúcho e brasileiro, os que trabalham em liberdade, de modo competitivo e produtivo, palavras desconhecidas na ilha, tudo para não passar fome maior ainda. -

O povo de Cuba só come o que o sistema de racionamento de libretas permite. Isto já dura 50 anos. Dilma já ajuda os Castro com o Programa Mais Médicos, pagou o novo porto de Mariel e agora manda também comida. A ditadura comunista não conseguiu, em 50 anos, sequer produzir alimentos para seu próprio povo. - 

O editor examinou nesta sexta-feira o edital da Conab que colocou em leilão 625,4 mil toneladas de feijão para que a empresa vencedora ensaque e envie tudo já ensacado para Cuba.

O feijão é de Santa Catarina, que produz excedentes exportáveis, e sairá pelo porto de Navegantes, Itajaí.

É o segundo leilão que o governo Dilma executa em menos de uma semana, tudo para mandar comida para a população que vive há 50 anos sob o jugo da atrasada ditadura dinástica comunista dos irmãos Castro.

Esta semana, 1,3 mil toneladas de arroz gaúcho, que produz mais do que consome, também foi contratado pela Conab para ser embarcado devidamente ensacado para Cuba. A exportação sairá por Rio Grande.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Cuba: uma economia a beira do colapso (sem ajuda externa...)

Quem diz isso não sou eu, mas um economista cubano, vivendo em Cuba, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Havana, ex-funcionário do Banco Central -- não é mencionado porque saiu, já que se imagina que trabalhar no BC cubano deva ser algo mais próximo do objeto mais valorizado atualmente em Cuba, do que simplesmente ser professor universitário, com salário menor, provavelmente, do que um taxista -- e ele confirma o que já se sabia: sem os soviéticos, e sua generosa ajuda, a economia cubana entrou em colapso; aí, providencialmente, apareceu Chávez, o anjo enviado dos céus (com perdão dos crentes); ou seja, se Chávez desaparece, a economia cubana, que já está virtualmente em colapso, entrará definitivamente em colapso.
Bela obra esse socialismo de 50 anos, que ainda pretende continuar sob uma forma atenuada durante mais alguns anos, tentando entrar no capitalismo à la China ou Vietnã, ou seja, preservando o monopólio do Partido Comunista e toda a autocracia que vem junto.
O próprio economista confirma que se teria de fazer uma desvalorização cambial ainda maior, ou seja, deixar o povo cubano ainda mais pobre do que já é.
Será que é por isso que os companheiros estão tentando ajudar seus companheiros cubanos?
Certamente, mas eles poderiam pelo menos reconhecer o fracasso completo da experiência cubana, e renegar não só o modelo econômico como a ditadura que o sustenta.
Paulo Roberto de Almeida 



Entrevista da 2ª: Pavel Alejandro Vidal
Saída de Hugo Chávez provocaria um choque tremendo em Cuba
Economista diz que, sem a Venezuela, havana perde óleo barato e divisas com médicos, que rendem mais que turismo
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A HAVANA
Folha de S.Paulo, 2/04/2012  – pág. A18

Sem Hugo Chávez na Venezuela, Cuba mergulharia em uma crise social e política difícil de superar. Viveria um choque tremendo -mais um, duas décadas após perder sua aliada carnal URSS.
O vaticínio -quando o discípulo de Fidel Castro se trata de um câncer e enfrenta eleições em outubro- pode ser repetido por muitos analistas, mas, na boca de Pavel Alejandro Vidal, economista da Universidade de Havana, ele se traduz em números.
O impacto do fim da cooperação com a Venezuela seria duplo. Por um lado, Havana perderia facilidades financeiras para comprar petróleo, que representou metade das importações da ilha em 2010.
Mas há mais que petróleo em jogo: os mais de 30 mil profissionais de saúde trabalhando nos programas sociais de Chávez na Venezuela rendem para Havana ao menos duas vezes mais que o turismo na ilha.
Ao menos US$ 6 bilhões, estima Vidal, ante US$ 2 bilhões de divisas provenientes dos turistas em 2010. Pelos acordos assinados há dez anos, Chávez paga um salário aos médicos cubanos em seu país e outra parte diretamente ao Estado cubano.
"É muito difícil imaginar como lidar com uma crise desse tipo [ausência da cooperação com a Venezuela], dado o cansaço social que há, os baixos níveis de salários."
O economista de 36 anos, até 2006 funcionário do Banco Central de Cuba, faz parte do Centro de Estudos de Economia Cubana da Universidade de Havana, o mais importante do país e com considerável produção a respeito das reformas em curso.
Ele divulgará nas próximas semanas o resultado de sua mais recente pesquisa: um estudo sobre as reformas no Vietnã e o que da experiência pode ser aplicado em Cuba.
Leia trechos da entrevista.

Folha - O que o sr. encontrou nas reformas no Vietnã que pode ser útil para Cuba?
Pavel Alejandro Vidal - Fomos buscar no Vietnã qual foi a velocidade das reformas. Nos final dos anos 80, o país aplicou uma desvalorização da taxa de câmbio de dez vezes -Cuba, provavelmente, vai ter que desvalorizar mais do que isso. Lá houve reformas em duas velocidades. Apesar disso, embora as reformas nesse ponto monetário tenham sido um choque muito parecido ao que aconteceu no leste da Europa, os resultados foram distintos.
No Vietnã, foi um sucesso, e lá foi um desastre. Por que a diferença de resultados?
Tem a ver, especificamente no tema monetário, com a estrutura das economias.
No Leste Europeu, eram grandes empresas estatais, indústrias. Esse tipo de economia costuma reagir muito mal a um choque monetário. São empresas em que há muita burocracia, muita inércia e pouca flexibilidade.
Já no Vietnã, a economia estava baseada em empresas familiares, na agricultura, em pequenos negócios. A economia respondeu muito bem a desvalorização da moeda, acompanhada de um processo de liberalização.
Cuba tem um tipo de economia muito mais parecido com o do Leste Europeu que com o do Vietnã e, portanto, não poderia aplicar um choque monetário. Existe um modelo de fazer a desvalorização gradualmente, mas a questão é saber se Cuba, especialmente os líderes da revolução, tem esse tempo.
Essa é uma das contradições e por isso o tema da velocidade é tão importante.
O melhor seria uma reforma gradual, mas não há tempo para isso. Se Cuba tivesse começado a reforma ao mesmo tempo que o Vietnã, poderia ser aplicada a gradualidade, mas agora não.
A recomendação que faremos ao governo, à luz dessa experiência, é fazer as reformas em duas velocidades. Acelerar muito mais as mudanças em vários setores como a agricultura.
A abertura, a liberalização deveria ser muito mais rápida, com acesso à importação, acesso a capital externo, maior flexibilidade de comercialização. E passar de pequenas empresas para pequenas e médias.
Mas nas diretrizes há barreiras a empresas maiores, se prega contra a concentração de riquezas...
Vão ter de permitir pequenas e médias empresas porque em Cuba o principal ativo para enfrentar com otimismo o futuro econômico é o capital humano. Não se tira muito proveito do capital humano na microempresa. Para isso, é preciso empresas de maior tamanho, que utilizem conhecimento, tecnologia.
Esse é o nosso diferencial positivo ao Vietnã. Aqui o capital humano tem mais possibilidades. Foi nisso que o país investiu nos últimos 40 anos. E agora o que é necessário é uma política econômica que use isso eficientemente.
O que impede que as reformas sejam aceleradas? Falta consenso no governo?
Reformas precisam de consenso, de apoio popular. O interessante é que a falta de consenso não é só no governo, é também na população. Estamos há 50 anos num modelo econômico, isolados de tudo, dos meios de comunicação.
Há um consenso de que é preciso mudar, mas não sobre para onde ir. As novas gerações estão mais preparadas para as mudanças, claro.
Não sou sociólogo, mas tenho a ideia de que parte dos cubanos tem como ideal os anos 80. Querem que as mudanças nos levem para o sistema de subsídios que vigorava na época soviética. Uma economia socialista especializada, com mais recursos. Mas isso não é replicável.
E o governo, o que busca como ideal? Uma economia "socialista de mercado", como China, Vietnã?
O modelo está sendo buscado de forma pragmática, mas não há uma crítica profunda ao modelo soviético. O modelo econômico cubano ainda depende muito dele, e isso dificulta pensar em um novo. Essa é uma das debilidades: parte do sistema de direção macroeconômico está baseada na noção de uma economia planificada. E não vejo com clareza que queiram mudar isso. Está se tentando mesmo aperfeiçoar.
Isso pode ser o pior equívoco das reformas: tentar aperfeiçoar o esquema de planificação centralizado que nunca funcionou.
Vamos adivinhando o novo modelo, por meio do que vai acontecendo na política. Nem eles mesmos sabem para onde vai. O período das diretrizes é o ano de 2015, mas 2015 está aí.
O sr. diz que a idade dos dirigentes cubanos é uma pressão para que acelerem as reformas. Mas há também o fator Chávez. Ele está doente e há eleições na Venezuela em outubro. Como fica Havana sem Caracas?
A dependência não chega a ser igual a que havia com a URSS. Cuba tem comércio e investimento mais diversificados agora, mas uma mudança de situação na Venezuela que tivesse impacto nos acordos com Cuba provocaria uma crise que seria política e socialmente muito difícil de superar. Um choque tremendo.
É muito difícil imaginar como lidar com uma crise desse tipo, dado o cansaço social que há, os baixos níveis de salários.
Não há reservas para enfrentar uma crise dessa magnitude. Os acordos de médicos respondem por três vezes do que entra por conta do turismo. Estima-se que seja mais de US$ 6 bilhões.
Seria um choque duplo, então, por causa do petróleo...
Sim, teria os dois impactos. Cuba deixaria de ganhar por serviços médicos e teria de pagar mais por importações de petróleo sem facilidades financeiras existentes.
Há nervosismo no governo?
Há quem diga que quem quer que substitua Chávez não vai poder romper completamente os acordos, que a Venezuela também teria uma dependência de Cuba, o que matizaria um pouco as coisas. Mas o fato é que sem isso seria muitíssimo mais complicado. O cenário das reformas considera que Chávez continua e que não se descubra petróleo. Talvez uma coisa compense a outra.
Uma das variáveis para a velocidade das reformas é manter um ritmo que não comprometa o sistema político. O sr. concorda?
Sim, para manter a estabilidade é necessário priorizar a economia. Não obstante, as mudanças econômicas implicam mudanças políticas. Em 2015, como se diz nas diretrizes, espera-se que 30% ou 40% da população esteja empregada no setor não estatal. Isso implica uma mudança política importante. Será uma parte importante da população com uma relação com o governo de muito mais autonomia e independência, então a política terá de ser manejada de forma diferente.
Leia a íntegra da entrevista em
folha.com/no1070062

domingo, 27 de novembro de 2011

Socialismos do seculo XX: as mistificacoes (algumas continuam)

Como demonstra, sintética e magistralmente Leôncio Martins Rodrigues, todos os socialismos, sem exceção, TODOS, foram operações montadas por minorias, que engabelaram as massas e os próprios intelectuais que pretendiam apoiar causas nobres (justiça social, igualdade, etc...).
Todos eles, sem exceção, TODOS, foram ditaduras sanguinárias, que só se sustentaram durante tanto tempo na base da censura, da repressão, algumas vezes do terror.
Quando é que os socialistas sinceros (existem muitos, mais ainda os do gênero ingênuos) vão aprender que eles fazem parte de uma obra de mistificação?
Aqui também, usada para enriquecer alguns, os mafiosos, a custa dos muitos, em especial dos capitalistas...



Um caminho diferente?
Leôncio Martins Rodrigues. 
O Estado de S.Paulo, 27 de novembro de 2011

Com a transferência do poder para o irmão mais moço, Raúl, Fidel Castro deu aparência de sobrevida ao socialismo cubano. Mas o que acontecerá quando o comandante supremo morrer? A resposta é fácil: desaparecerá, como aconteceu com todos os regimes socialistas que foram implantados no século 20 (a exceção está sendo a Coreia do Norte, talvez porque o herdeiro continue vivo).
Marx profetizara que regimes socialistas seriam resultado do próprio desenvolvimento das forças produtivas e da ação revolucionária da classe operária. O próprio jogo do mercado levaria à crise do capitalismo e à revolução proletária. Mas o socialismo nunca foi uma fatalidade econômica. Resultou sempre de um ato de vontade política de chefes, comandantes ou guias que visavam o poder total.
É claro - para reservar algum espaço para o materialismo histórico - que certas "condições objetivas e subjetivas" são necessárias para o êxito de ações revolucionárias. Uma delas é a hegemonia, na sociedade, de sistemas de valores que deixam pouco espaço para uma cultura cívica, para o individualismo, para o empreendimento e para a cidadania. Junto vêm a adoração do Estado e a crença de que as sociedades mudam por decreto.
Examinemos, a voo de pássaro, o aparecimento dos regimes socialistas mais importantes do século passado.
O primeiro, naturalmente, é o da Revolução de Outubro, na Rússia. A mistificação comunista transformou em revolução operária e camponesa o levante armado bolchevista de 1917. A decisão do assalto ao poder, com data marcada de antemão, foi decidida por dez pessoas na famosa reunião do Comitê Central de 10 de outubro (calendário russo). No dia 24, o Governo Provisório foi derrubado por um golpe militar dirigido pelo partido bolchevique. Não houve nenhuma participação popular, apenas uma gigantesca bebedeira em Petrogrado (então capital russa, atual São Petersburgo): a adega do czar caíra em poder dos soldados.
O segundo caso de socialismo que cumpre mencionar é o da China Popular. Também nesse caso a classe operária esteve ausente. Foi o exército revolucionário dirigido pelo Partido Comunista chinês que, em 1948, implantou o novo regime, sob a chefia do "grande timoneiro" Mao Tsé-tung.
No caso das democracias populares da Europa Oriental, o socialismo foi imposto de fora, pela União Soviética (URSS). A exceção foi a Iugoslávia. Mas não surgiu de uma revolução operária ou sublevação popular, mas da guerrilha liderada pelo general Josip Tito. No Vietnã o socialismo veio também pela via guerrilheira de Ho Chi Minh.
O caminho que levou ao socialismo cubano não diferiu essencialmente dos seus congêneres europeu e asiático. Em 1953, com apenas 113 combatentes, Fidel Castro organizou a sua primeira tentativa de chegar ao poder. O assalto aos quartéis de Moncada e Bayamo malogrou. Mas Fidel não desanimou. Em dezembro de 1956, com 81 homens, tentou novamente.
Explicitamente pelo menos, a meta castrista não era eliminar o capitalismo, mas derrubar a ditadura do ex-sargento Fulgencio Batista, que não era visto com simpatia pela elite cubana. Por isso os democratas cubanos, boa parte da classe alta (de onde provinha o próprio Fidel), e até mesmo a opinião pública dos Estados Unidos apoiaram a luta anti-Batista. O socialismo foi implantado pelas costas do povo. À noite, na residência de Che Guevara, um pequeno grupo preparou secretamente os decretos de estatização da economia e de transformação de Cuba num país socialista. Quando o trabalho terminou, todo o poder fora transferido para Fidel.
Deixando de lado a mistificação ideológica, o modo de implantação do socialismo é o mesmo em toda parte. Primeiro, sob a chefia de um líder supremo, um pequeno grupo de aventureiros (intelectuais revolucionários, na maioria) dirige o assalto do poder. Depois, constrói-se o socialismo. Nunca o novo regime resultou da chamada "ação das massas". Manifestações populares de apoio vêm posteriormente, sob a farsa da democracia direta.
A esquerda vê em mobilizações feitas de cima, depois da tomada do poder, a prova do apoio ao regime e de seu lado popular. Acontece que na época da política de massas, para dar alguma legitimidade a ditadores que se levantam contra as elites tradicionais, grandes mobilizações devem ser realizadas. Benito Mussolini foi um dos primeiros a usá-las. Getúlio Vargas e outros souberam imitá-lo. Naturalmente, certa distribuição paternalista de benefícios coletivos aos assalariados se deve seguir.
Sem dúvida, há diferenças entre o caso do socialismo cubano e os europeus e asiáticos. Na ilha, o Partido Comunista não teve nenhuma importância, os comandantes guerrilheiros sempre estiveram acima dos apparatchiks comunistas que não lutaram na Sierra Maestra. Na ausência dos intelectuais ou subintelectuais marxistas, as intermináveis discussões ideológicas, como as que existiram na URSS, não ocuparam o mesmo espaço na edificação do socialismo cubano. A mística da revolução substituiu a da classe operária. Por fim, a situação de subdesenvolvimento e a presença próxima dos Estados Unidos propiciavam sentimentos nacionalistas, que não foram fortes nos outros casos.
Trotsky declarou certa vez que sem Lenin não haveria Revolução Russa. Poderíamos dizer também, com muito menos possibilidade de errar, que sem Fidel não haveria socialismo em Cuba. Mas poderá haver após sua morte? Sem o comandante máximo, quanto tempo levará para chegar ao fim o regime que ele criou?
O retorno ao capitalismo, na verdade, começou depois do fim da URSS. Mas, como mostra o exemplo de outros países ex-socialistas, o retorno à democracia é bem mais complicado.

Da URSS a Russia: o fim da Uniao Sovietica - livros publicados na Franca

De uma lista de história contemporânea: 
20, Liste de diffusion en Histoire Politique du XXème siècle

URSS/Russie
Nous vous signalons diverses parutions concernant la chute de l'URSS (1982-1991): 

1 . Andrei Kozovoi, La Chute de l'Union Soviétique (1982-1991), Paris, Tallandier, 2011, 336p. 
2. Jean-Robert Raviot (sous la dir.), URSS : fin de parti(e)  - Les années Perestroïka, Paris,  Fage Editions, 2011, 126p.
3. Andrei Gratchev,Gorbatchev, Le pari perdu ? : De la perestroïka à l'implosion de l'URSS, Paris, Armand  Colin, 2011, 296p. 

Vous trouverez des informations complémentaires sur ces titres ci-dessous: 

1 . Andrei Kozovoi, La Chute de l'Union Soviétique (1982-1991), Paris, Tallandier, 2011, 336p. 
Présentation :
25 décembre 1991 : lorsque Gorbatchev annonce sa démission, l’URSS n’existe déjà plus. Après neuf années de perestroïkas, le dernier grand empire du vingtième siècle implose en quinze nouveaux États. Rares étaient ceux qui avaient osé prédire une chute aussi rapide. La mort de Brejnev, le 10 novembre 1982, avait pourtant mis à nu les nombreuses failles du système. Économie moribonde, vieillissement et maladies de ses leaders, turbulences dans les marges : l’URSS est alors plus que jamais en quête d’un second souffle. Mais d’Andropov à Gorbatchev, aucun des successeurs de Brejnev ne parviendra à redresser la situation.
S’appuyant sur de nombreux documents et témoignages, Andreï Kozovoï nous livre une histoire inédite de la fin de l’URSS, telle qu’elle fut vécue par les dirigeants, mais aussi par des apparatchiks de la base, voire par de simples Soviétiques. Il raconte comment un empire que d’aucuns pensaient inébranlable a fini par s’effondrer après une parodie de putsch, laissant derrière lui le spectre d’un totalitarisme qui n’en finit pas de hanter la Russie.

2. Jean-Robert Raviot (sous la dir.), URSS : fin de parti(e)  - Les années Perestroïka, Paris,  Fage Editions, 2011, 126p. 

3. Andrei Gratchev,Gorbatchev, Le pari perdu ? : De la perestroïka à l'implosion de l'URSS, Paris, Armand  Colin, 2011, 296p. 

Présentation de l'éditeur
La fin de la guerre froide marque une grande rupture dans l’histoire contemporaine. Victoire des États- Unis, piège de la coexistence pacifique… les grandes lignes sont tracées. Mais pour Andreï Gratchev, conseiller et dernier porte-parole de Mikhaïl Gorbatchev, les origines de ce bouleversement historique restent mal comprises. Les visions occidentalo-centrées ont tendance à minimiser ce qui s’est passé au sein du système soviétique : les fissures qui sont apparues dans le monolithe, la vision démocratique, moderne et sincère de Mikhaïl Gorbatchev qui a conçu cette rupture avec le soviétisme. 
En s’appuyant sur des témoignages exclusifs des principaux dirigeants de l’URSS, Andreï Gratchev reconstitue ce chaînon manquant. Il révèle ces débats internes, ces luttes ou ces décisions restées secrètes qui ont conduit au retrait des Soviétiques d’Afghanistan, à la chute du mur de Berlin, la fin du pacte du Varsovie et de l’URSS elle-même. 
De cette confession à plusieurs voix, sincère et documentée, se dégage une autre vision de l’implosion de l’URSS, qui nous permet aussi de mieux  comprendre la Russie post-soviétique, et de réfléchir à sa place dans la mondialisation. 

Gorbatchev, le pari perdu ?: De la perestroïka à l'implosion de l'URSS

domingo, 13 de novembro de 2011

Livro: Ascensão e Queda do Comunismo - Archie Brown

Eu já li o livro no original, e recomendo, vivamente.
Fiz um post sobre ele: 

A vida sob o comunismo (como devia ser insuportável...)



Como sempre, recomendo aos que desejarem adquirir esse livro que não o façam na edição brasileira, a menos que desejem perder dinheiro à toa. Por US$ 1 (sim, UM dólar), ou no máximo US$ 4 qualquer pessoa pode encomendar o livro no maior sebo eletrônico de livros do mundo:
www.abebooks.com
Provavelmente o frete vai custar entre 10 e 15 dólares, mas ainda assim vai sair mais barato (ainda que demore um pouco) do que os 60 ou 70 reais (talvez mais) do que vai custar o livro no Brasil.
Se ele estiver disponível em formato digital melhor ainda: chega em um minuto, mas aí pode custar um pouco mais (entre dez e 19 dólares, calculo) e pode ser mais incômodo ler um livro grande na telinha do Kindle ou do seu iPad (mas garanto que ficará mais leve...).
Leiam, eu recomendo vivamente.
Paulo Roberto de Almeida 
PS: Quem quiser ler mais um pouco do livro, suas primeiras páginas, por exemplo, pode fazê-lo na versão para Kindle, que a a Amazon disponibiliza em seu site, neste link.

Reinaldo Azevedo, 12/11/2011
A VEJA desta semana traz uma resenha de autoria deste escriba do livro “Ascensão e Queda do Comunismo”, de Archie Brown. Segue um trecho.

Não foi o então presidente americano, Ronald Reagan, que matou o comunismo. Também não foi o papa João Paulo II. Tampouco foram as fragilidades do modelo. O sistema cometeu suicídio quando resolveu experimentar um pouco de liberdade. É, ao menos, o que sustenta o cientista político e historiador escocês Archie Brown em Ascensão e Queda do Comunismo (tradução de Bruno Casotti; Record; 854 páginas; 89,90 reais). O ambiente era bem deprimente na União Soviética, como revela uma piada que circulava por lá em fevereiro de 1984, quando a primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, compareceu para o funeral de Yuri Andropov, que comandara a “pátria do socialismo” por modestos quinze meses. O escolhido para sucedê-lo foi Konstantin Chernenko, de 72 anos. A piada reproduzia um telefonema fictício de Thatcher para Reagan: “Você deveria ter vindo ao funeral, Ron. Eles fizeram tudo muito bem. Com certeza, vou voltar no ano que vem”. E voltou mesmo, treze meses depois, tempo de sobrevida de Chernenko. Em 68 anos de história, a União Soviética tivera quatro dirigentes máximos: Lênin, Stálin, Krushev e Brejnev. Ao chegar ao poder em 11 de março de 1985, Mikhail Gorbachev era o terceiro governante em vinte e oito meses. Havia algo de podre e muito velho no Império Vermelho.
A piada é narrada no grande (em qualquer sentido) livro de Brown. Ao longo de mais de 800 páginas, noventa delas com notas explicativas, ele detalha a trajetória do comunismo mundo afora, do Manifesto de Karl Marx (1848) à dissolução da URSS. Em 25 de dezembro de 1991, seis anos e nove meses depois de se tornar um dos homens mais poderosos da Terra, Gorbachev renunciava à Presidência de um país que já tinha acabado. O homem da “perestroika”, da reestruturação, fora engolido por sua ingenuidade e traído por sua ousadia. Todos os sinos dobraram pelo Natal; nenhum por quem restituíra a liberdade religiosa. Era execrado pelos destituídos do antigo regime e desprezado pelos beneficiários do novo.
Brown, professor de Oxford, é um profundo conhecedor do assunto. Levou dois anos para escrever o livro, publicado em 2009, mas reuniu informações colhidas ao longo de 45 anos e muitas viagens aos países comunistas, especialmente durante a Guerra Fria. E é com essa autoridade que ele afirma: “Na União Soviética, a reforma produziu a crise mais do que a crise forçou a reforma”. Para Brown, embora o modelo soviético estivesse corroído pela ineficiência, pela estagnação e pela incapacidade de entrar na economia da informação, não havia pressão social ou política que tornasse urgentes as mudanças. O modelo poderia ter durado por muito tempo, não fosse Gorbachev.
A relação de Brown com o líder que matou o comunismo é ambígua. Admira sua vocação democrática e suas escolhas políticas e éticas, mas o caracteriza como um político ingênuo, que fez uma aposta brutalmente errada. Qual foi o erro - e, pois, o grande acerto - de Gorbachev? Para responder a essa questão, é preciso citar aquelas que o historiador considera as “seis características definidoras” do comunismo - elas também explicam por que o autor sustenta que o comunismo acabou, ainda que China, Vietnã, Laos, Cuba e Coreia do Norte se digam comunistas: 1) o partido único detém o monopólio do poder; 2) a burocracia partidária tem plena autonomia para tomar qualquer decisão; é o centralismo democrático; 3) há a posse não-capitalista dos meios de produção; 4) a economia é de comando, definida pelo estado, não pelo mercado; 5) há a convicção de que o comunismo está em plena construção e ruma para a perfeição; 6) os comunistas articulam-se em um movimento internacional.
(…)

sábado, 20 de agosto de 2011

Um historiador da Guerra Fria e o fim do comunismo: Richard Pipes

O mais famoso historiador anticomunista conversa sobre os 20 anos da dissolução da União Soviética

THE WEEKEND INTERVIEW: Richard Pipes
A Cold Warrior at Peace
By NANCY DEWOLF SMITH
The Wall Street Journal, AUGUST 20, 2011
America's leading Russia scholar reflects on the 20th anniversary of communism's collapse, and the new threats to the world order today.

Twenty years ago, on Aug. 19, an attempted coup in Moscow accidentally started the countdown on what would be the final days of the Soviet Union. The August putsch began as an effort by Communist Party hard-liners to overthrow President Mikhail Gorbachev and stop his reforms, including efforts to give the Soviet republics more freedom from the center. Civilian resistance in Moscow and other cities, aided by military units who refused to move against the protesters, effectively foiled the plot and made a popular democratic hero of Russian Federation President Boris Yeltsin. By the time Mr, Gorbachev resigned on Christmas Day and Mr. Yeltsin took power over Russia, most of the republics had declared independence and Soviet Communism was dead.

On the anniversary of the coup, you might expect to find a celebration under way at the house of the man who taught generations of Harvard students the history of the world's most powerful totalitarian regime. Especially someone who helped inform America's response to the Soviet military threat and served on the National Security Council under Ronald Reagan. Surely, this particular professor—still demonized in certain circles as the archetypal Cold Warrior or, sin of sins, a fantasist about Soviet military might—surely he is cackling with delight at the thought of how we beat the Sovs?

The dissolution of the Soviet Union was one of "the most important events of the 20th century," says Richard Pipes. But he says this while serenely sitting on the porch overlooking the sunlit lake by his summer home. This is a Cold Warrior at peace.

No wonder. Surveying the post-Soviet universe, he sees no threats of the old magnitude on the horizon. When it comes to new foreign powers, he says, "China is the only successor, but the Chinese don't have such world-wide aggressive intentions. For the Russians, for them to triumph, the whole world had to be communist. I don't think that is true of Chinese Communism. They are perfectly content to be a rich and powerful country, to have influence in their region, but I don't think they have any intentions to take over Africa, or Latin America or anything like that."

Despite all he knows about Russia's sad history, he was upbeat even about that country for a time after 1991, after the last Communist czar, Mr. Gorbachev, stepped down. "I was rather optimistic" for the Russian people, Mr. Pipes says. "I thought all the chains which had held them had broken and they are free. But it didn't happen."

By 2000, ex-KGB strongman Vladimir Putin was in charge, and along with launching a war in Chechnya (and other grim misadventures in the near abroad of the former Soviet Socialist Republics) he began rolling back new freedoms in Russia, eliminating the election of governors, taking over television networks, and reinstating a culture in which free-speaking journalists get murdered. It may seem odd to us that, in the face of re-oppression, Mr. Putin's approval ratings soared. But Mr. Pipes is not surprised.

"Russians like strong leaders, autocratic leaders: Ivan the Terrible, Peter the Great, Stalin. They have contempt for weak leaders, leaders who don't impose their will but who listen to the people. Kerensky, who was prime minister of the provisional government in 1917, is held in contempt because he was a democratic leader."

How and why Russians missed the social and intellectual developments that infused the rest of Europe with ideas on the rights of man and civil society is the complex subject of Mr. Pipes's scholarship. In simplified form, he explains: "First of all, not only were the Russians peasants, which there were in Europe too, but they were serfs, which were not exactly slaves but close to it. They had no rights. They had no civil rights, no legal rights, no property rights. They were chattel. So that meant they did not develop any sense of belonging to a community."

This theory—received by many Russians as a Russophobic accusation that they have a slave mentality—has made enemies for Mr. Pipes, among them the late novelist and gulag survivor Aleksandr Solzhenitsyn. While both men saw the moral horrors and mass human sacrifice that constituted Soviet Communism, they explained its origins very differently. "He said it was because Marxism was a Western idea imported into Russia," Mr. Pipes says. "Whereas my argument is that it has deep roots in Russian history."

That drove the nationalist Solzhenitsyn up a wall, judging by his reaction after Mr. Pipes mailed a copy of his book, "Russia and the Old Regime," to Solzhenitsyn in Switzerland in the mid-1970s.

"I never heard from him until two years later," Mr. Pipes smiles, "when he attacked me . . . saying I was a 'pseudo scholar.'"

Some things do not change. Earlier this month Prime Minister Putin described the United States as "a parasitic" country. But name-calling may be about the worst that Russia can do anymore, at least to the West.

"They do pose a threat to their ex-republics," Mr. Pipes says. "They have no problem with Central Asia, because those [states] are rather docile. But they can't reconcile themselves to the loss of the three Baltic Republics [Estonia, Latvia and Lithuania] and Ukraine and Georgia. I feel fairly confident that if Georgia or the Ukraine were to join NATO, as they would like to, the Russians would invade and destroy their independence. But to us they don't pose a threat."

Even so, Mr. Pipes says, the rise of China has presented the U.S. with an opportunity to nudge Russia toward the fold of normal European countries. "I don't admire President Obama in general and I don't like his foreign policy. He doesn't have a clear course," Mr. Pipes says. "If you liked, as I did, Reagan's foreign policy, then you can't like Obama's."

But he gives the president good marks for his choice of an adviser on Russia, Michael McFaul, and he judges the administration's so-called "reset" policy with Russia as an apparent success. "There are no conflicts right now," he points out, although "how much this is a result of Obama's policy and how much is a result of [Moscow's] fear of China and the desire to move closer to Europe and the U.S., I don't know."

Mr. Pipes says Russia is "obsessed" with how its neighbor's growth and progress threaten to make Moscow seem irrelevant on the global stage. "China is becoming a great world power. And that bothers them terribly. They're willing to have America the second great power but they are worried about China being a great power."

Mr. Pipes notes that when foreigners visited Russia in the 17th century, Russians would boast—fairly accurately as it turns out—that their country was the same size as the visible surface of the moon. It still is, although an eclipse by China seems unstoppable. "What can they do about it? They cannot reduce Chinese exports to the United States, the Chinese accumulation of hard currency, the military buildup and so on."

That is why Mr. Pipes believes Moscow may be ready to move closer to the West, an outcome that would remove a major irritant. This assumes NATO issues don't get in the way.

"I am very critical of what the Russians do but you also have to allow for their sensitivities," he says. "The Russians are very sensitive about NATO. If you ask Russians who is the No. 1 enemy of Russia—I think NATO would probably come in first place, even now."

That's one reason that NATO may have outlived its usefulness. "We have NATO acting in Afghanistan and et cetera," Mr. Pipes allows. "But NATO was created specifically against the Russian threat. The Russian threat does not exist. . . . So I think the time has come to consider dissolving it."

Mr. Pipes thinks the main challenge for America today is militant Islam. "This is difficult to fight with because it is not a direct threat. A direct threat you can stand up to. It is also different because you are dealing with fanatics," he points out.

"The communists were not fanatics. They were vicious people, but you could reason with them . . . and when the going got tough, they retreated." For instance, he says, "You had the Cuban missile crisis: Castro wanted the Russians to actually launch a nuclear attack on the United States, and he said 'OK, Cuba will be destroyed but socialism will triumph in the world.' And Khrushchev said no, nothing doing."

The communists "were never suicidal," either, Mr. Pipes adds, "and the ordinary Russians . . . they wanted to live. So this is a different danger. It's not as bad as the communist danger was because they don't [control] the arsenals of power, of military power. But they are fanatical, and they are irrational. We have to stand up to them and not be frightened of them. But we may be in for decades of the Muslim threat."

Do we have the fortitude for that? At the end of the Cold War, some of the victors questioned whether the U.S. and the West could ever muster the will and stamina for another prolonged ideological struggle.

This question seems to amuse Mr. Pipes, who still speaks with an accent of his childhood in Poland, from which he and his family escaped when he was 16. "I came to the U.S. in 1940 and I went to a college in Ohio, and the war was already on. And I remember discussions of whether America was strong enough, or too soft to meet the Nazis." Mr. Pipes laughs. "The same discussions, and that was 70 years ago. So I don't worry, I think that America is great."

As for defeating the last known enemy of world peace, Mr. Pipes gives credit to America's policy of containment, which held communists back in most places until the Soviet Union began an inevitable decline. But it might have lingered for decades longer if not for a big push. "Ronald Reagan contributed mightily to the collapse of the Soviet Union," he says. "It would have happened eventually, but not as soon as it did. Because he understood what communism was and how unnatural it was."

Another lesson is "that you should not give in for practical reasons to evil, which we had done for many years under détente and so on. We gave in and we treated these people not as crooks and criminals but as worthy partners. And this was a mistake, they were not. And history has proved it. Not to everyone, of course."

Partly he's referring to scholars, in his own and related fields, with whom he sparred for decades about the nature of the enemy. "In general, the profession in this country, they were not pro-communist but they thought—and that is why I had quarrels with them always—that the [Soviet] system was popular and that it would be there forever. Ergo we have to get along with them, which means we have to make concessions and live with them, and not attack them the way I wanted to attack them, or Reagan wanted to attack them. I mean Reagan, whom they thought a dummy, said this: The Soviet Union is going to collapse. And they said ridiculous, he doesn't know what he is talking about—and he was right."

So Mr. Pipes has been vindicated too? "Yes, of course. But they don't admit it," he laughs. "They have done no self-analysis asking: Where did we go wrong? And they just merrily go on."

More than once, Mr. Pipes refers to a woman he met in Russia in the 1960s, when he was visiting Leningrad and she was assigned as his driver. She had lost her husband in the war, felt utterly alone and "looked worn out." He tried to comfort her, he says, with words like, "'Don't give up. You are young, you will find a husband, you will find a family.' And I'll never forget her answer," he recalls with what looks like a shudder: "What do you know? You live in paradise."

Mr. Pipes seems a happy man today. Even the faltering U.S economy—whose former vigor played such a role in the Cold War victory—hasn't got him down. "I have been through these recessions before. If you're my age and you've been through Hitler and Stalin, nothing frightens you. . . . Who's going to frighten me, [Hugo] Chávez?"

Ms. Smith is a member of the Journal's editorial board.

domingo, 7 de novembro de 2010

1917 et ses suites: a longa historia do comunismo

Transcrevo abaixo, na imediata sequencia do post anterior, sobre o putsch bolchevique de Petrogrado, em 1917, a resenha artigo que fiz do livro de François Furet sobre a trajetória do comunismo no século 20.


A Parábola do Comunismo no Século XX: A propósito do livro de François Furet: Le Passé d’une Illusion

Paulo Roberto Almeida
Revista Brasileira de Política Internacional
(Brasília: vol. 38, n° 1, janeiro-junho 1995, pp. 125-145)

Resenha do livro de François Furet:
 Le Passé d’une Illusion; essai sur l’idée communiste au XXXe siècle
(Paris: Robert Laffont/Calmann-Lévy, 1995, 580 p.)

Resumo:
A marcha do comunismo no século XX descreve, tanto do ponto de vista literal como matemático, o itinerário de uma parábola. Com efeito, esse importante movimento político, econômico e social contemporâneo, inspirado filosoficamente no marxismo e estruturado organicamente pelo leninismo, emerge no contexto das grandes alterações provocadas pela Primeira Guerra Mundial, alcança seu ápice no seguimento da Segunda, como resultado da vitória sobre o nazi-fascismo, e desaparece numa crise final entre 1989 e 1991, vitimado por sua própria incapacidade estrutural em superar sua inoperância econômica e sua falta de legitimidade política. O artigo discute alguns dos pontos de sustentação dessa parábola, com base no livro do historiador francês François Furet, Le Passé d’une Illusion (Paris: Laffont/Calmann-Lévy, 1995), conhecido especialista da Revolução francesa, que retraça as razões da bom desempenho da idéia comunista neste século: segundo ele, uma ilusão bem sucedida. Apesar de relativamente franco-cêntrico e essencialmente político, seu ensaio de história das idéias é extremamente consistente, da mesma forma que sua pertinente (e historicamente bem apoiada) comparação entre o comunismo e o fascismo. Menos satisfatória, em contrapartida, é a ausência explicativa das razões econômicas do sucesso da idéia comunista, assim como da própria crise final do sistema.

Abstract:
Both in its geometric and literal sense, the path of communism in this century describes a parabolic curve, constituting, as in the case of a parable, a short moral story. Indeed, this important political, economic and social contemporary movement, philosophically inspired in the marxism and organically structured by leninism, arises in the context of the great changes brought by First World War, reaches its apex in the aftermath of the Second, as a result of the victory over nazi-fascism, and vanishes in its final crisis between 1989 and 1991, victimized by its own structural disability to overcome its economic inefficiency and the lack of political legitimacy. This article discusses some of the fixation points of this parabola, centering on the recent book of the French “revisionist” historian François Furet, Le Passé d’une Illusion (Paris: Laffont/Calmann-Lévy, 1995), a well-known scholar of the French Revolution, which delineates the reasons of the good performance of the communist idea in this century: according to him, it was a successful illusion. Despite its essentially political approach and the fact of being relatively franco-centric, his essay on intellectual history is highly consistent, as well as its appropriate (and historically sound) comparison between communism and fascism. Less satisfying, at the other side, is the explanatory lack of the economic reasons for the success of the communist idea, besides the final crisis of the system itself.

A Parábola do Comunismo no Século XX
A propósito do livro de François Furet: Le Passé d’une Illusion
Paulo Roberto de Almeida
A parábola, em sua versão eclesiástica, é uma narração alegórica dos livros santos, possuindo um claro fundo moral ou pretendendo registrar um ensinamento. Mas, em sua acepção matemática, o conceito pode também significar uma linha curva, com um lado arredondado e uma base truncada, na qual todos os pontos se situam a igual distância do centro. Tomando como base tais parâmetros, a marcha do comunismo no século XX, tanto em seu sentido religioso como no geométrico, pode ser efetivamente comparada ao itinerário de uma parábola. Esta é pelo menos é a conclusão a que chegaria o observador imparcial que, num fin-de siècle decididamente pós-comunista, se decidisse por um balanço do estado atual desse movimento político (mas também social e econômico) que marcou indelevelmente, junto com o fascismo, esta “época dos extremos”, como Hobsbawm caracterizou de forma pertinente nosso “breve século XX”. [i]
Com efeito, como no caso da alegoria religiosa, o comunismo também pretendia realizar, com base nas “santas escrituras” de Marx e Lênin, um objetivo moralmente elevado – o ideal do socialismo perfeito – que representaria o acabamento da verdadeira democracia prometida pelas revoluções de 1905 e de 1917. E, como em seu equivalente geométrico, o itinerário do comunismo reproduziu o dessa curva oblonga que segue para o alto e para baixo a partir de uma base plana e na qual os pontos estão sempre à mesma distância de um ponto fixo ou de uma diretriz – o marxismo –, este servindo de álibi e de justificativa ideológica durante os setenta anos que durou a experiência. Tendo alcançando o ápice de seu processo de desenvolvimento durante o período áureo do estalinismo triunfante (no imediato pós-segunda guerra), o comunismo veio a declinar progressivamente enquanto guia moral, para conhecer, no final dos anos 80 e princípios dos 90, uma brusca interrupção de seu movimento real, desfazendo-se então em suas contradições insuperáveis na outra ponta da parábola, quando ele já não tinha nada mais a ensinar. [ii]
Como interpretar esse final surpreendente para um movimento que, nos últimos dois séculos dispôs, aparentemente, de sólidas raízes sociais nos movimentos sindicais e político-partidários de inúmeros países e que apelava fortemente para os ideais de igualdade e de justiça social presentes no imaginário popular ? Para o historiador francês François Furet, a cuja obra mais recente é dedicada a análise conduzida neste artigo, essa ruptura histórica foi causada por iniciativas do próprio partido que ocupava o poder na “pátria do socialismo”, tendo o universo comunista se “desfeito por suas próprias mãos”. [iii]
A Obra e seu Mestre
Quando do festejado lançamento do livro na França, essa obra mais recente de Furet [iv] foi apresentada como “a primeira grande síntese histórica sobre o comunismo no século XX” (a contracapa é da responsabilidade dos Editores), o que evidentemente constitui um certo exagero. O próprio Furet reconhece que ele não pretendeu fazer uma história política do comunismo neste século: o autor afirma ter desejado tão somente escrever um ensaio sobre a permanência da idéia comunista – a grande ilusão – nos países em que ela viscejou material ou intelectualmente. Por outro lado, seu magnífico ensaio de história intelectual trata, antes de mais nada, das “idéias” francesas sobre o desenvolvimento do marxismo e do comunismo e das diversas polêmicas por eles suscitados na França e na Europa nos últimos setenta anos, reconstituindo assim, em grande medida, a dialética das paixões revolucionárias francesas neste século.
Na verdade, independentemente do inegável valor que possui sua reconstrução conceitual do movimento comunista (e sua confrontação com a experiência fascista) neste “breve século XX”, a discussão intelectual conduzida no ensaio de Furet é – Révolution de 1789 oblige – fortemente franco-cêntrica, como costuma acontecer com uma certa frequência nos debates entre intelectuais gauleses. [v] Nesse sentido, a questão central numa análise dessa obra não está tanto na avaliação de seu trabalho como historiador do processo histórico concreto de desenvolvimento do comunismo realmente existente – empresa largamente realizada anteriormente sob a condução do próprio Hobsbawm [vi] – como na apreciação crítica de seu desempenho em explicar verdadeiramente as razões de décadas de sucesso da idéia comunista em largas frações da opinião pública e da intelectualidade ocidental. [vii] O argumento central do ensaio de Furet é que a experiência soviética representou uma “illusion fondamentale”, ilusão que foi constitutiva de sua própria história. Estando basicamente de acordo com essa concepção global, inclusive no que se refere ao paralelismo histórico – o que não quer dizer funcional – traçado com o fascismo, discutiremos entretanto a insuficiência da interpretação essencialmente política que ele desenvolve sobre a ilusão comunista, assim como no que se refere à natureza da crise final e da derrocada do comunismo de tipo soviético.
Um dos problemas mais importantes tocados por Furet nesse ensaio é o da comparabilidade entre os sistemas comunista e fascista, comparação geralmente rejeitada por gerações de intelectuais instintivamente movidos por um “anti-fascismo” visceral (em vista do horror genocidário que sua versão nazista representou), quando não posicionados no “anti-comunismo” de direita. [viii] De fato, grande parte da obra de Furet trata dessa oposição-atração entre duas ideologias que tinham na democracia pluralista seu inimigo comum e no anticapitalismo um apelo igualmente estimulado pelos movimentos políticos que as sustentavam. Para sermos mais precisos, apenas o comunismo rejeitava de forma absoluta o capitalismo enquanto forma de organização econômica e social, mas também o fascismo tinha alimentado sua penetração nas camadas proletárias da sociedade com esse ódio ao “ burguês capitalista” que é sua marca distintiva nos primeiros anos de ascensão ao poder.
A estrutura da obra é relativamente linear e apresentaremos aqui apenas um sumário dos capítulos. Depois de uma introdução geral ao problema da “paixão revolucionária” (capítulo 1), na qual são discutidos os principais elementos da mitologia política que asseguraram o sucesso (curto, no primeiro caso) do fascismo e do comunismo neste século, Furet mergulha nas entranhas do imenso cataclisma militar, político, econômico e social que explicam a emergência respectiva desses sistemas antinômicos, mas bastante próximos um do outro (capítulo 2: A Primeira Guerra mundial). Não se deve, com efeito, esquecer o papel crucial da Primeira Guerra para o surgimento, no contexto político europeu, dos dois grandes movimentos antiliberais que mais marcaram o século XX. Assim, o comunismo de tipo soviético pode ser virtualmente visto como o resultado prático de um pequeno, mas fecundo, “acidente” histórico, [ix] desencadeado involuntariamente por um dos beligerantes durante a Primeira Guerra Mundial: o retorno à Russia de um punhado de bolcheviques exilados, quase desanimados pela ausência de perspectivas revolucionárias. O voluntarismo oportunista da diplomacia do Kaiser, que buscava apenas provocar um pequeno “tremor” político na frente oriental, podendo servir a interesses militares imediatos, transformou-se porém em “cataclisma” histórico de proporções inimagináveis, dando origem aliás a parte dos desenvolvimentos subsequentes que viriam a minar o próprio império alemão e justificar, mais adiante, a tomada do poder por Hitler.
No capítulo seguinte (O charme universal de Outubro), Furet demonstra como Lênin conseguiu “inventar”, num país atrasado como a Rússia czarista, um regime social e político que passou a servir de exemplo à Europa e a todo o mundo, na continuidade da história ocidental. O capítulo 4 (Os crentes e os desencantados) apresenta retratos de alguns dos grandes pioneiros do combate bolchevique e de seus primeiros “renegados” (Pierre Pascal, Boris Souvarine, Gyorg Lukacs). A revolução se congela em seguida, no “socialismo em um único país” (capítulo 5), quando Stalin consegue consolidar-se no poder e apimentar seu leninismo com algumas pitadas de nacionalismo e grandes doses de brutalidade. Os três capítulos seguintes (Comunismo e fascismo, Comunismo e antifascismo e A cultura antifascista) tratam basicamente da política européia nos anos 20 e 30, com as diferentes manobras de uma e outra corrente para manter-se no poder, ou barrar o caminho à outra, da política de “frente popular” e da formidável recusa dos intelectuais de esquerda em aceitar a realidade dos crimes stalinistas. Eles constituem, por assim dizer, o cerne da obra, onde são analisadas verdadeiramente as idéias políticas que marcaram nosso século, ou pelo menos os principais elementos da mitologia política do comunismo de tipo soviético.
A Segunda Guerra mundial, objeto do capítulo 9, encontrava-se em germe praticamente desde o final da Primeira, mas seu deslanchar foi paradoxalmente permitido por um acordo sórdido entre Hitler e Stalin sobre a partilha da Polônia e a incorporação de novos territórios ao renascido império russo. A reintegração da URSS ao antifascismo e a aliança com as potências ocidentais, depois do traiçoeiro ataque de Hitler em junho de 1941, e a vitória na guerra consolidarão a imagem e o prestígio de uma ditadura comunista chegada ao supra-sumo do totalitarismo: é o “stalinismo, etapa suprema do comunismo” (capítulo 10). O “comunismo da guerra fria” ocupa o capítulo seguinte, no qual Furet analisa as primeira fissuras no edifício (Tito) e continua a discutir a obra de alguns dissidentes da idéia comunista (Koestler, Silone, por exemplo), de intelectuais independentes, como a já citada Arendt, ou “liberais”, como Nolte.
Comparados às seções que examinaram o surgimento do socialismo soviético ou traçaram sua aproximação com o fascismo, os capítulos finais deixam algo a desejar, em termos de profundidade de análise ou de inovação conceitual. O “começo do fim” do comunismo (capítulo 12) se abre com a morte de Stalin, período marcado aliás pelas surpreendentes revelações de Krushev durante o 20°  congresso do PCUS: seu relatório representa para a história do comunismo, segundo Furet, “o texto mais importante que foi escrito no século XX”. A crise do sistema monolítico se amplia (dissidências chinesa e albanesa, o fenômeno cubano, distanciamento dos partidos europeus, surgimento dos primeiros dissidentes, como Vassili Grossman) e a análise de Furet se faz aqui mais rápida, menos abrangente (trinta ou quarenta páginas, no máximo, para esse longo enterro do comunismo). O “Epílogo”, finalmente, tanto continua a apresentação do novo clima de contestação interna dos princípios sacrossantos do comunismo (Pasternak, Solzenitsin), como tenta um pequeno balanço sobre as razões da queda. Gorbatchev, para Furet, epitomiza a morte de todos os comunismos alternativos (maoismo, castrismo) que possam ter surgido e se desenvolvido no pós-guerra. O comunismo poderia ter perdido a guerra fria e sobrevivido como regime ou dado lugar a Estados rivais, sem desaparecer como princípio; mas, não: ele desaparece “corps et biens” no tribunal da História (p. 571).
Esta é, basicamente, a estrutura da obra, escrita em linguagem agradável e leve, sem deixar de ser densa (mesmo se as referências documentais e bibliográficas foram reduzidas ao mínimo). O essencial dos argumentos de Furet, como dissemos, está centrado numa apresentação e discussão das “idéias” que explicaram ou sustentaram o comunismo neste século, com uma ênfase especial nos intelectuais que se distinguiram nesse debate. Mas, dois grandes problemas podem ser identificados em maior detalhe para esta apreciação crítica, não desprovida de uma certa “deformação” sociológica. O primeiro deles é a já referida questão da comparabilidade (e identidade) entre comunismo e fascismo. O segundo seria o das condições da crise final e desaparecimento do comunismo, algo não abordado diretamente ou extensamente por Furet em seu livro, mas que ele considera como um processo ainda em grande medida misterioso (“A maneira pela qual se decompôs a União Soviética, e em seguida seu Império, permanece misterioso”, p. 567).

A Grande Ilusão do Comunismo
Deve-se, em primeiro lugar, fazer uma referência, ainda que breve, ao tema-título da obra, apontando para o “passado” da ilusão entretida pela idéia comunista. Por que o “passado” e não o “final” de uma ilusão, já que uma das conclusões do livro é de que o comunismo se termina no “néant” (p. 13), “como se se acabasse de fechar a maior via jamais oferecida à imaginação em matéria de felicidade social” (p. 571) ? Furet argumenta em defesa do conceito de “passado”, explicando que a ilusão propriamente dita preserva ainda, sob uma outra forma, um certo futuro, simbolizado na esperança em uma sociedade vindoura que poderá continuar a alimentar os debates. O que morreu, na idéia comunista, foi não só o papel messiânico da classe operária como também sua projeção “territorial”, tal como expressa no ex-império soviético. [x]
No que se refere, de um modo geral, à “grande ilusão” do comunismo, dificilmente se poderia discordar dos argumentos de Furet quanto à “cegueira” literal que abateu-se sobre levas sucessivas de intelectuais e militantes na Europa e no resto do mundo durante décadas inteiras. A fascinação do projeto comunista só pode explicar-se, à esquerda, pela força da filosofia marxista, que prometia um mundo novo, liberado das misérias do real e mais conforme à “razão da História”. Mesmo à direita, ainda que recusando os princípios da organização soviética, não se podia deixar de reconhecer que a Revolução de Outubro possuía uma certa filiação com as grandes revoluções do passado europeu, a Revolução francesa em primeira lugar. A aparente imobilidade e rigidez da sociedade socialista então criada tampouco deixou de surpreender os sociólogos: mesmo para alguns analistas esclarecidos, parecia inconcebível que o mais perfeito modelo de ditadura burocrática – uma verdadeira “gaiola de ferro” weberiana – pudesse desmembrar-se como um castelo de cartas.
Daí a impressão de uma certa permanência e mesmo resiliência do poder socialista, a despeito mesmo de sua evidente degenerescência política e de sua manifesta incapacidade em assegurar o correto funcionamento do aparelho econômico da sociedade. Ainda que alguns espíritos mais argutos tenham atencipado o final do comunismo, a queda brutal da URSS foi uma surpresa para muitos, para Furet como para o autor destas linhas. [xi] A razão da preservação da ilusão comunista (como, de certo modo, do fascismo, durante e após sua vigência efetiva) pode estar, sob o risco de parecer óbvio, na própria força das ideologias políticas, geralmente consideradas, no seguimento da crítica arrasadora de Marx, como um simples disfarce do real, a serviço de interesses das classes dominantes ou de grupos organizados.
Numa época em que alguns representantes modernos dos ideólogos – que são os sociólogos – identificam sinais de “fim das ideologias” (Daniel Bell) e mesmo de “fim da História” (Francis Fukuyama), perde-se por vezes a visão de como o elemento ideológico influenciou a construção do mundo contemporâneo. Caberia com efeito recordar que a Europa e o mundo em geral nos últimos setenta anos estiveram sob o signo e conviveram com a “promessa” ou a “ameaça” (segundo a posição do interessado) de uma ou de ambas as ideologias colocadas em paralelo por Furet. O historiador alemão Karl Bracher, que sintomaticamente caracterizou nossa época como a “idade das ideologias”, indicou com razão: “O século XIX foi dominado pelo desenvolvimento das nações e pelas reivindicações dos Estados nacionais; o século XX, pelo confronto entre os nacionalismos e as ideologias, entre a independência dos Estados individuais e os novos universalismos”. [xii] A Primeira guerra, objeto de um brilhante capítulo na obra de Furet, não foi certamente provocada pelo choque entre ideologias conflitantes, mas foi ela que permitiu as racionalizações (ou mistificações) a partir das quais iriam emergir as duas grandes ideologias de nosso século.
O fascismo, como se sabe, pereceu nos escombros das catástrofes que ele mesmo provocou. Quanto ao comunismo, essa hantise ideológica de burgueses e proletários, ele também terminou por encaminhar-se ao museu das antiguidades, ao lado do machado de bronze e da roca de fiar (onde Engels havia também previsto um lugar para o Estado). Antes, contudo, ele seria legitimado e revivificado pela vitória contra o primeiro, ganharia um certo atestado de racionalidade econômica no seguimento das políticas intervencionistas conduzidas pelos Estados ocidentais no pós-guerra e circularia ainda enquanto movimento de “liberação nacional” durante várias décadas pelos mais variantes quadrantes do globo.
A análise de Furet quanto ao poder de sedução da idéia comunista em nosso século é propriamente impecável e podemos dizer que aí se situa o ponto forte de sua obra. Terminada a ilusão, nós somos condenados “à vivre dans le monde où nous vivons” (p. 572), um mundo povoado de contradições e de questões sociais não resolvidas. A velha democracia é chamada uma vez mais à frente dos problemas.
Comunismo = Fascismo ?
Um dos problemas mais importantes abordados por Furet em seu livro, é, como dissemos, é o da possibilidade conceitual (e empírica) de se comparar e de traçar uma identidade funcional entre os sistemas comunista e fascista, que entram, como ele diz, “presque ensemble sur le théâtre de l’Histoire” (p. 38). Mesmo se ele não elabora essa comparação do ponto de vista da ciência política, isto é, segundo uma abordagem teórico-formalista, mas enquanto historiador, Furet isola e disseca os elementos materiais e ideológicos de cada um dos sistemas (o partido-Estado, a ideocracia, o controle total da informação, o sistema dos campos de concentração, por exemplo). O comunismo e o fascismo são, para Furet, “ennemis complices”, o que não quer dizer que eles possam ser considerados idênticos.
A analise de Furet sobre os dois sistemas é, também neste caso, pertinente: ele releva os pontos discordantes, mas não deixa de sublinhar o que os aproxima. O comunismo, ou melhor, o marxismo é um universalismo a pretensões democráticas, que sempre cultivou a ambição de emancipar o conjunto da humanidade, enquanto que o fascismo é uma ideologia particularista (raça, povo) abertamente antidemocrática. Mas, eles partilharam o mesmo desprezo pelo direito, o mesmo culto da violência, a perseguição religiosa e a adoração do partido e do chefe; eles também mobilizaram as paixões revolucionárias, o ódio do individualismo burguês, a angústia pela salvação através da história, a religião da unidade do povo e a intolerância fanática. Sobretudo, relembra Furet, eles têm no liberalismo ou na democracia burguesa seu inimigo comum. [xiii] Ele também demonstra a interação dos dois sistemas nos palcos da história: “bolchevismo e fascismo se seguem, se engendram, se imitam e se combatem, mas antes eles nascem do mesmo solo, a guerra; eles são os filhos da mesma história” (p. 197), inaugurados pelo mesmo movimento de massas no final da Primeira Guerra mundial.
Pode-se efetivamente considerar como importante, historicamente, o impacto da Revolução bolchevique na emergência dos fascismos europeus: grande parte das reações da direita, que levaram ou sustentaram os regimes fascistas na Europa dos anos 20 e 30, se deve ao medo do contágio soviético, assim como a “ameaça” comunista e o exemplo da Revolução cubana alimentariam os golpes militares de direita na América Latina dos anos 60. [xiv] A mesma filosofia antiliberal ou conservadora, segundo os casos (misturada à ideologia da “segurança nacional” em nosso continente), estão presentes num e noutro lado do Atlântico, numa versão atualizada da “grande peur” que havia estudado Lucien Febvre na segunda fase da Revolução francesa (a propósito dos camponeses, nesse caso).
Entretanto, importância histórica não quer necessariamente dizer relevância causal. Cabe assim legitimamente perguntar se os fascismos italiano e alemão, entre outros menos conhecidos, não teriam de toda forma ascendido ao poder mesmo na ausência de vitória da Revolução bolchevique ou de uma menor “agressividade” do movimento comunista no continente, inclusive na própria Alemanha e na Hungria (“república dos sovietes” na Baviera e em Budapeste). A História teria sido certamente outra, sobretudo a da Segunda Guerra Mundial, que tanto como o hitlerismo se alimenta e emerge das frustrações alemãs com o armistício da Primeira Guerra e as “consequências econômicas” do Tratado de Versalhes (para retomar o título da conhecida obra de Keynes [xv]). Mas, os movimentos mussolinista e hitlerista possuem suas lógicas próprias e suas respectivas dinâmicas históricas, buscando raízes em crises econômicas, políticas e até mesmo morais propriamente nacionais. A revolução bolchevique não explica, por exemplo, a inflação alemã de 1923 ou a crise de 1929, que muito fizeram para ajudar a ascensão de Hitler.
Assim, é provável que os fascismos teriam de toda forma modificado a tipologia dos regimes políticos no século XX, numa forma não idealizada por Weber. O mussolinismo e o hitlerismo teriam, em todo caso, desfrutado de maiores oportunidades de expansão e de afirmação, numa escala inimaginável retrospectivamente, com muito maiores perigos reais para as poucas democracias existentes. Mas, mesmo divertida, a História dos “ifs” é de certa forma impossível: se os alemães não tivessem embarcado Lênin no “trem blindado” em 1917; se, em 1938, as democracias tivessem resistido a Hitler em Munique; se Ribbentrop e Molotov não tivesse confirmado o Pacto de agosto de 1939 que permitiu a invasão e a liquidação da Polônia e, de fato, o início da Segunda guerra; se, dois anos depois, Hitler não tivesse decidido atacar a URSS, se... : a lista dos imponderáveis históricos parece interminável. Em todo caso, voltando ao problema da eventual vinculação da Revolução bolchevique com suas congêneres fascistas, caberia lembrar que as situações históricas são sempre únicas e originais e o mesmo evento ou processo não deveria necessariamente poder repetir-se, na presença de outras circunstâncias.
Que a presença de Lênin tenha precipitado o “putsch” bolchevique parece uma verdade indiscutível; mas que, em sua ausência, toda conjuntura revolucionária, com chances para uma ascensão dos comunistas ao poder, teria sido impossível, é uma conclusão que não podemos tirar da situação então prevalecente. Algumas das vinculações causais que poderiam ser extraídas de um exercício de aproximação entre comunismo e fascismo, tal como o conduzido por Furet, devem assim ser consideradas com extrema cautela. Ele, em geral, prefere não se dedicar a essas especulações do espírito que, em larga medida, estão fora de sua agenda de trabalho.
Alguns poderiam discordar da análise conduzida por Furet nesta parte (capítulo 6: Comunismo e fascismo), como eventualmente eivada por uma tendência a “personalizar” em demasia o movimento histórico que conduziu à emergência e consolidação do sistema soviético por Lênin e Stalin, num caso, e à “invenção” do Estado fascista por Mussolini e construção do nazista por Hitler, no outro. [xvi] Mas, uma simples constatação de ordem prática reverteria a confirmar o papel excepcional desses homens no destino histórico de seus sistemas respectivos: “un trait apparente encore les trois grandes dictatures de l’époque: leur destin est suspendu à la volonté d’un seul homme” (p. 199). [xvii]
Deve-se contudo observar que, chez Furet, o aspecto contingencial do processo histórico é quase que levado ao extremo: “Suprimamos a personagem de Lênin da história e não há mais Outubro de 1917. Retiremos Mussolini e a Itália do pós-guerra seguiria um outro curso. Quanto a Hitler, se é verdade que, como Mussolini aliás, ele toma o poder em parte graças ao consentimento resignado da direita alemã, ele não perde por outro lado sua desastrosa autonomia: ele vai fazer funcionar o programa de Mein Kampf, que pertence a ele tão somente” (p. 200). Pode-se concordar com esse tipo de colocação, [xviii] sem descurar porém a probabilidade de que, na ausência de personalidades magnéticas como as dessas três figuras históricas, os movimentos comunistas e fascistas já presentes em diversos países europeus teriam oportunamente produzido líderes e circunstâncias favoráveis à ascensão dessas correntes ao poder, com consequências eventualmente menos catastróficas em termos de custos humanos, mas igualmente densas de significado político e social.
A Economia Política da Ilusão Comunista
O livro de Furet pretende, e consegue amplamente, explicar as razões do sucesso da idéia comunista – e do prestígio da Revolução bolchevique, estendido à URSS – em largas frações da opinião pública e da intelectualidade ocidental, especialmente francesa, durante os setenta anos que durou a aventura soviética. Sua análise sobre as condições de ascensão ao poder do bolchevismo (e do fascismo) no seguimento da Primeira Guerra mundial permanecerá certamente como uma das realizações mais convincentes da historiografia recente do comunismo; não sem um certo exagero – ligado ao prestígio do autor como historiador “revisionista” da Revolução francesa – seu livro já é aliás considerado um “clássico” nessa área de estudos.
Brilhante ensaio sobre a ilusão comunista, enquanto a URSS lhe emprestou consistência e vida, ele é no entanto muito menos convincente sobre as condições materiais – em especial as econômicas – que cercaram o colapso desse sistema no seguimento da queda do muro de Berlim. Furet confessa que, como muitos outros observadores, não esperava que as tentativas de reforma gorbatcheviana fossem conduzir ao impasse e, finalmente, à derrocada de todo o edifício comunista. Lembre-se a propósito que nem mesmo o “profeta” do “fim da História”, Francis Fukuyama, previu a falência da estrutura soviética: ao contrário, ele estava convencido de que a URSS seria preservada, mesmo com o abandono completo dos dogmas econômicos do socialismo. [xix]
A explicação de Furet para a formidável ruptura histórica que o mundo viveu entre 1989 e 1991 é, como vimos, que, embora ainda largamente misteriosa em seus detalhes, ela foi causada sobretudo por iniciativas do próprio partido no poder: “Mesmo os inimigos do socialismo não imaginavam que o regime soviético pudesse desaparecer, e que a Revolução de Outubro pudesse ser ‘apagada’; menos ainda que essa ruptura pudesse ter por origem iniciativas do partido único no poder” (p. 11). Em grande medida, a interpretação de Furet guarda uma certa relação com a análise tocquevilliana sobre os perigos da reforma política num sistema caracterizado pela rigidez das relações sociais. A concepção “liberal” de Tocqueville sobre as origens da Revolução francesa tende a descartar, como se sabe, os elementos de crise econômica privilegiados na análise marxista tradicional – a famosa contradição entre forças produtivas “capitalistas” emergentes e relações de produção ainda “feudais” –, preferindo em seu lugar o choque político provocado ou precipitado por um confronto entre elites sociais já próximas do poder, num contexto de tentativa monárquica de reforma moderada.
Mesmo acreditando que o universo comunista se desfez nas “próprias mãos do Partido hegemônico” e sobretudo por razões políticas (incapacidade de gerir o processo de reformas), Furet não deixa contudo de mencionar alguns elementos materiais que contribuiram, ainda durante a fase do “brejnevismo triunfante” (a expressão não é dele), para apressar a decadência e queda do poder soviético. Ele cita, por exemplo, o trabalho de um demógrafo francês que, já em 1976, indicava a deterioração do sistema como refletida na alta da taxa de mortalidade infantil. [xx] Ele também não deixa de referir-se, em sua introdução e conclusão, à incapacidade do poder socialista em atender os mínimos requisitos da população em termos de conforto material, bem como à impossibilidade para o sistema de seguir a potência americana na corrida aos armamentos mais sofisticados (programa “guerra nas estrelas” de Reagan).
Sua reconstituição histórica sobre os setenta anos de ilusão comunista permanece, entretanto, basicamente política, consistindo essencialmente numa “história das idéias” (ou das mitologias políticas) do século XX. Não se poderia, portanto, acusar Furet de não levar em conta o peso dos “fatores econômicos”, tanto no sucesso como na derrocada do sistema soviético, já que não era esse o objetivo primordial de seu trabalho de pesquisa e de interpretação. O problema, ainda assim, é que idéias políticas também têm fundamentos econômicos e que, no caso específico do comunismo, sua mitologia política – sua “ilusão fundamental”, diria Furet – foi alimentada não só por sua promessa de igualdade e de justiça, no plano social, mas sobretudo e principalmente pela concepção marxista de que um sistema regulado democraticamente pelo conjunto dos trabalhadores seria mais suscetível do que a “anarquia da produção capitalista” de afastar crises periódicas e escassez, de aportar abundância material, bem-estar individual e progresso tecnológico. A premissa básica da mensagem marxiana quanto ao “fim da história”, dos primeiros escritos da juventude até o Capital, refere-se, antes de mais nada, à apropriação coletiva dos meios de produção, por iniciativa e sob o comando da classe operária, transformada em redentora universal: de fato, a abolição da propriedade privada, “mãe de todas as injustiças”, sempre apresentou um formidável poder de atração para as massas de deserdados de todo o mundo e mesmo para milhões de proletários de países desenvolvidos.
Não se poderia igualmente esquecer que grande parte das mensagens simpáticas ao socialismo enquanto sistema de organização social – não apenas soviético, mas também chinês e “terceiro-mundista”, onde foi o caso – tinha como fundamento a idéia (falsa, mas isso não importa aqui) de que ele trazia o final das crises capitalistas de produção e emprego, introduzia um nível de subsistência mínimo para o conjunto da população e permitiria, progressivamente, liberar excedentes que o fariam alcançar e em última instância ultrapassar os sistemas capitalistas “realmente existentes”. As idéias econômicas marxistas sobre uma futura “idade da abundância”, sobre a racionalidade superior do sistema socialista e em especial as profecias engelsianas sobre o futuro da sociedade dos trabalhadores (“de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”) alimentaram, em muito, a ilusão comunista neste século. [xxi]
Essas idéias econômicas, é dispensável dizê-lo, estão escassamente refletidas no ensaio de Furet e elas não comparecem em nada na explicação funcional do “sucesso” da idéia comunista neste século. Ora, desde o final do século XIX, pelo menos, que o debate em torno das idéias marxistas e socialistas prolongava-se no terreno econômico, chegando até mesmo a influenciar o curso da economia política “burguesa”. Sem referir-se às primeiras críticas pertinentes (e não respondidas) formuladas por John Stuart Mill ao próprio Marx, caberia lembrar que Vilfredo Pareto dedicou dois alentados volumes ao estudo dos sistemas socialistas, que Hobson antecipa a análise leninista sobre a natureza econômica do imperialismo contemporâneo, que Hilferding e Rosa Luxemburgo terçaram armas em torno do capital financeiro e da acumulação capitalista, que toda uma “teoria das crises cíclicas” frequentou a produção acadêmica na economia (de Schumpeter a Keynes, de Robinson e Sraffa a Kindleberg) e que, ainda no começo dos anos 60, economistas respeitados como John Kenneth Galbraith ou sociólogos atentos como Raymond Aron podiam prever uma certa convergência entre o capitalismo e o socialismo com base no fato de terem ambos os sistemas chegados a uma etapa industrial avançada.
De maneira ainda mais relevante, as primeiras experiências de planificação sob a República de Weimar, a própria organização econômica “fascista”, os projetos de “welfare state” nos países escandinavos e anglo-saxões, bem como as nacionalizações e o acentuado intervencionismo (com agências estatais dedicadas ao planejamento indicativo) conduzidos no segundo-pós guerra nos principais paÍses capitalistas europeus, podem ser considerados como o resultado direto do impacto exercido pelas idéias econômicas “comunistas” nas sociedades do Ocidente desenvolvido. Da mesma forma, a industrialização da URSS, a “solução” do problema da fome na China (contra sua suposta manutenção na Índia “capitalista”), o desenvolvimento “acelerado” dos países atrasados do Terceiro Mundo, todos esses elementos, reais ou imaginários, da “grande transformação” da segunda metade do século XX foram, com ou sem razão, creditados à alavancagem ideológica das idéias econômicas socialistas, ou pelo menos vinculados à aceitação da inevitabilidade (ou mesmo desejabilidade) de uma maior intervenção do Estado na economia, em contraposição ao menor poder transformador ou modernizador das estruturas “capitalistas” de mercado.
Em outras palavras, a legitimação ideológica do comunismo se deu tanto pela via da economia como da política, em que pese o balanço francamente desfavorável na confrontação com o capitalismo (mas, explicável em termos de guerra civil, de destruições “imperialistas”, de espoliação “colonial” etc), que tanto a URSS como a China ou outros países menores (Cuba, Vietnã) nunca deixaram de apresentar, mesmo em comparação com países capitalistas “subdesenvolvidos”. Os partidos comunistas dos países capitalistas europeus – em especial na Itália e na França – conseguiram reter uma certa audiência popular mesmo durante os anos de descrédito político do socialismo real com base na antiga crença de que uma “economia planificada” ou pelo menos controlada pelo Estado conseguiria refrear a “exploração capitalista” e introduzir um pouco mais de igualdade na repartição funcional capital-trabalho. Finalmente, em nosso próprio continente, a única justificativa – aceita de certo modo pela própria “direita” – para a ausência completa de liberdades democráticas e até mesmo de certos direitos humanos na Cuba “socialista” era o suposto avanço no plano dos indicadores sociais (saúde, educação, nutrição), continuamente agitados em face das desigualdades e mazelas sociais existentes nos demais países da região.
Esse tipo de ilusão foi tão, ou mais, importante do que aquela derivada da “paixão revolucionária” que analisou Furet em seu livro: a afirmação da vontade na História, a invenção do homem por ele mesmo, o ódio ao burguês (alimentado não tanto por proletários verdadeiros, como por artistas e intelectuais “burgueses”), a promessa de um novo mundo de justiça social construído pela própria coletividade redimida pela classe operária, a recusa do individualismo em favor da liberação de toda humanidade e não apenas de uma raça ou um povo particulares como no fascismo, tudo aquilo, enfim, que fazia o “charme universal de Outubro” e que o grande historiador francês analisa sobretudo – era talvez inevitável, no seu caso – como uma herança e como uma realização da Revolução francesa de 1789. De certo modo, talvez a grande ilusão econômica do socialismo seja a única a sobreviver à derrocada do regime político baseado no partido único e na “democracia real” (isto é, não burguesa, formal), este definitivamente enterrado pela superioridade filosófica, moral e empírica da idéia democrática. Se as idéias movem o mundo, as idéias econômicas com muito maior razão podem ter a pretensão de continuar a determinar o curso de nossos destinos individuais e de nossas realizações coletivas. A essa título, a ilusão econômica socialista (pelo menos aquela que se baseia no papel regulador e distribuidor do Estado) não está perto de extinguir-se, mesmo depois de ter sido bastante maltratada por várias décadas de planejamento centralizado e de “socialismo real”.
Julgado com base nesses parâmetros – ressalve-se que tal não era a intenção do historiador francês –, o ensaio de Furet deixa muito a desejar, mesmo numa perspectiva puramente historiográfica ou do ponto de vista de uma história política ou das idéias. Finalmente, o grande objetivo do projeto comunista não era tanto eliminar o burguês enquanto agente social – objetivo julgado relativamente fácil pelos protagonistas de Outubro e seus êmulos em outras partes – como construir um sistema socialista de organização social da produção em tudo oposto ao execrado regime capitalista, que se devia eliminar da face da terra. [xxii] O jacobinismo bolchevique se dirigia, obviamente, contra o “Estado burguês”, mas a coletivização total dos meios de produção era o elemento essencial da construção da nova ordem socialista. Era essa a promessa contida no Manifesto Comunista, reafirmada no programa leninista e ainda confirmada em pleno revisionismo krusheviano. [xxiii] Até o final de sua administração, quando ele já tinha consentido em introduzir elementos de mercado no funcionamento econômico do socialismo, Gorbatchev também preservou sua confiança num futuro comunista, isto é, não capitalista, para a URSS.
Um historiador “marxista” como Hobsbawm não deixa de considerar, praticamente em igualdade de condições, os elementos econômicos e políticos do mundo do “socialismo realmente existente”. A primeira coisa a ser observada a respeito da região socialista do globo, diz ele em seu citado capítulo, “é que durante a maior parte de sua existência ela formou um subuniverso separado e largamente auto-suficiente tanto economicamente como politicamente. Suas relações com o resto da economia mundial, capitalista ou dominada pelo capitalismo dos países desenvolvidos, eram surpreendentemente reduzidas. Mesmo durante a fase alta do grande boom do comércio internacional nos Anos Dourados, apenas algo em torno de 4% das exportações das economias desenvolvidas de mercado iam para as ‘economias centralmente planificadas’ e, em torno dos anos 80, a parte das exportações do Terceiro Mundo dirigidas a elas não era muito maior”. [xxiv] Hobsbawm reconhece que a razão fundamental da separação entre os dois campos era, sem dúvida alguma política, mas ele desenvolve em seguida uma brilhante análise da “economia política” do socialismo real, ainda que ele tenda a acreditar, mesmo retrospectivamente, nas estatísticas do socialismo estalinista, que “evidenciariam” um crescimento superior ao das economias capitalistas nos anos 30 (“acumulação primitiva socialista”) e durante uma certa fase do pós-guerra. Igualmente, ele dedica toda a primeira parte de seu capítulo sobre o “fim do socialismo” a uma análise do “subdesenvolvimento econômico” (a expressão não é dele, tampouco) desse regime, mesmo se, mais adiante, ele reconhece, acertadamente, que é a “política, tanto a grande como a pequena, [que] deveria acarretar o colapso Euro-soviético de 1989-1991”. [xxv]
O que importa sublinhar aqui não é tanto o desempenho econômico efetivo dos socialismos realmente existentes – que poderia ser objeto de uma história econômica do socialismo – mas, na perspectiva da história intelectual, o “peso” das idéias econômicas na formação e manutenção da “ilusão comunista”, algo completamente descurado por Furet. Sua análise – embora sumária – da crise prolongada do socialismo deixa ao largo os elementos relativamente “objetivos” da estagnação econômica, para concentrar-se nas idéias dos dissidentes e no crescente descrédito político do regime. Apesar de que seu ensaio, como sublinhado, pretendesse abordar apenas e tão somente a história das “idéias”, deve-se ressaltar que, ainda assim e especificamente neste caso, as idéias econômicas deveriam ser consideradas como parte integrante da “ilusão comunista”, como elemento indissociável da mitologia política do socialismo de tipo soviético.
A transição marxista do socialismo ao capitalismo
Sem pretender fazer ironias com a História, caberia observar que a crise e a débâcle do comunismo soviético podem ser interpretadas inteiramente em termos das idéias marxistas, a fortiori para um antigo adepto da religião como Furet. Com efeito, ninguém melhor do que Marx – de cujos escritos sobre a Revolução francesa Furet já tinha tratado em profundidade – sabia colocar com clareza, ainda que de forma profética, o inexorável desenrolar do processo histórico e social. Como ele escreveu no Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política (1859), “numa certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas de uma sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que é apenas sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se tinham desenvolvidos até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, essas relações [de produção] se tornam seus próprios entraves. Abre-se então uma época de revolução social. A transformação na base econômica altera mais ou menos rapidamente toda a enorme superestrutura”. [xxvi]
Essa época de revolução social abriu-se para o socialismo de tipo soviético a partir do final dos anos 70, muito embora suas sementes existissem desde muito tempo antes. As razões dessa transformação, que pode ser inteiramente explicada em termos “marxistas”, foram as mesmas que, no passado, levaram ao declínio do feudalismo como “modo de produção”: as relações “socialistas” de produção se tinham inegavelmente convertido num formidável entrave ao desenvolvimento das forças produtivas e ao avanço das condições econômicas de produção. Qualquer marxista não comprometido com os esquemas de poder existentes na área soviética poderia reconhecer que a forma “socialista” da propriedade representava, em nível estrutural, um enorme obstáculo ao avanço contínuo do processo de produção social. [xxvii]
De fato, as relações socialistas de produção sempre foram uma forma contraditória de organização social da produção, uma vez que, segundo a própria teleologia marxista, a sociedade burguesa não poderia desaparecer – e assim dar lugar ao socialismo sem que ela pudesse antes desenvolver todas as suas potencialidades intrínsecas em termos de forças produtivas. Mas, uma vez implementadas essas relações socialistas de produção – de maneira mais ou menos improvisada no seguimento da revolução bolchevista –, elas sempre representaram (no vocabulário do próprio Marx) “uma forma antagônica do processo de produção social, não no sentido de um antagonismo individual, mas de um antagonismo que nasce das condições sociais de existência dos indivíduos”.
Segundo os próprios termos da análise histórica marxista seria portanto inevitável esperar o deslanchar de uma etapa revolucionária no desenvolvimento do socialismo, uma vez que a deterioração da base econômica do sistema, já visível desde o final da estagnação “brejnevista”, estava conduzindo a um impasse, ele mesmo anunciador de uma mudança radical em toda a superestrutura jurídica e política da sociedade socialista. É assim muito provável que, ao iniciar seu período de “reformismo esclarecido”, Gorbachov tenha chegado à conclusão que a base técnica do sistema socialista, enquanto forma de organização social da produção, fosse essencialmente conservadora, uma vez que, ao contrário do sistema capitalista, não possuia em si mesma os impulsos para uma contínua transformação das condições de produção.
Gorbachov, aparentemente em bom marxista, admitiu-o abertamente: antes mesmo de assumir a liderança do PCUS, em dezembro de 1984, ele advertia que a injustificada preservação de “elementos obsoletos nas relações de produção pode ocasionar uma deterioração da situação econômica e social”. Em junho de 1985, já como Secretário-Geral do PCUS, ele declarava que “a aceleração do progresso científico e técnico requeria insistentemente uma profunda reorganização do sistema de planejamento e de administração do mecanismo econômico em sua totalidade”. [xxviii] O que Gorbachov pretendia implementar era uma espécie de NEP da era eletrônica, algo bem mais complicado, deve-se reconhecer, que as banalidades conceituais em torno do modelo leninista de comunismo, descrito como sendo o “socialismo mais a eletricidade”.
Não havia, contudo, fórmula milagrosa capaz de fazer aquele socialismo tomar o ”carro da História” a partir das relações de produção existentes: não só a “base técnica” do socialismo estatal, nos termos de Marx, era essenciamente conservadora, como também sua base social e política era profundamente reacionária. A União Soviética parecia representar para Gorbachov o que a Alemanha guilhermina representava para Marx no século passado: um país atrasado e dividido que tinha necessariamente de passar por uma revolução política radical para quebrar os grilhões que impediam sua modernização econômica e social.
Fazendo uma grosseira analogia histórica, poder-se-ia dizer que as relações socialistas de produção e a classe burocrática associada ao Partido Comunista representavam, na maior parte dos países da área soviética, o mesmo papel que o sistema corporativo e a classe aristocrática desempenhavam no ancien régime de tipo feudal: um obstáculo intransponível ao desenvolvimento das forças produtivas materiais e um entrave formidável ao progresso político da sociedade. Como afirmaram Marx e Engels no Manifesto Comunista: “numa certa etapa do desenvolvimento dos meios de produção e de troca... as relações feudais de propriedade deixaram de corresponder às forças produtivas em pleno crescimento. Elas entravavam a produção em lugar de fazê-la avançar. Elas se transformaram em grilhões. Esses grilhões tinham de ser quebrados: eles foram quebrados”. [xxix]
No que concerne as relações socialistas de propriedade, esses grilhões foram efetivamente rompidos nos países da antiga área soviética, muito embora o processo de construção da nova ordem esteja ainda a meio caminho. Em suas manifestações e desenvolvimento, o processo de ruptura com o ancien régime foi, evidentemente, político, e não poderia deixar de ser exclusivamente político, como observaram Furet e Hobsbawm. [xxx] O ponto de não retorno, diz ironicamente Hobsbawm, foi atingido na segunda metade de 1989, bicentenário do deslanchar da Revolução francesa, “cuja não existência ou irrelevância para a política do século XX, os historiadores franceses ‘revisionistas’ estavam ocupados em tentar demonstrar naquele momento. A ruptura política seguiu-se (como na França do século XVIII) à convocação de novas assembléias democráticas, ou passavelmente democráticas, no verão daquele ano. A ruptura econômica tornou-se irreversível no decorrer de alguns poucos meses cruciais entre outubro de 1989 e maio de 1990”. [xxxi]
Assim, se a crise política é evidente, em meu julgamento foram razões estruturais de natureza essencialmente, senão inteiramente, econômica que levaram à crise fundamental, à sua fratura irremediável e à queda final do sistema. Um pouco de materialismo histórico, por uma vez, não pode fazer mal à causa do socialismo, ou pelo menos à da análise histórica de sua derrocada final.
A base econômica explica, ainda desta vez, a transição de um modo de produção a um outro. Para chegar a um verdadeiro sistema econômico de mercado, na antiga zona soviética, só falta agora atravessar o que Marx chamava de purgatório capitalista. O comunismo chegou efetivamente ao final de sua parábola no século XX: ele terá constituído, finalmente, uma longa etapa de transição que levou do capitalismo ao... capitalismo.
[Paris, 08.05.95]
Relação de Trabalhos n° 479; Publicados n. 179
NOTAS:


[i] Ver Eric Hobsbawm, Age of Extremes: the short twentieth century, 1914-1991 (Londres: Michael Joseph, 1994); ver em especial os capítulos 13, “Real Socialism”, e 16, “End of Socialism”, pp. 372-400 e 461-499.
[ii] Este artigo já estava largamente redigido quanto o Autor tomou conhecimento do pequeno estudo histórico de Massimo L. Salvadori, La parabola del comunismo (Bari: Laterza, 1995), que traça um rápido panorama da história do comunismo, de suas origens à queda do império soviético. Seu título, assim, não deve nenhum “copyright” a esse grande especialista italiano da história do socialismo, podendo no máximo reconhecer seus “moral rights” quanto à precedência no uso do conceito.
[iii] François Furet, Le passé d’une illusion: essai sur l’idée communiste au XXe siècle (Paris: Robert Laffont/Calmann-Lévy, 1995, 580 p.), ver pp. 11-14.
[iv] Dentre os demais trabalhos do conhecido especialista da Revolução francesa podem ser citados La Révolution française (com Denis Richet, 1965); Penser la Révolution française (1978); L’Atelier de l’Histoire (1982); Marx et la Révolution française (1986) e, com Mona Ozouff, Dictionnaire critique de la révolution française (1988).
[v] Isso a despeito de um bom conhecimento da bibliografia anglo-saxã sobre ambos os problemas, fruto certamente de seus últimos anos passados na Universidade de Chicago.
[vi] Remeto à monumental coleção dirigida por Eric J. Hobsbawm Georges Haupt, Franz Marek, Ernesto Ragionieri, Vittorio Strada e Corrado Vivanti, Storia del Marxismo (Torino: Giulio Einaudi, 1979-1983; 4 vols), que, a despeito do nome, trata igualmente da história do comunismo soviético e das sociedades do socialismo real; ver em especial os tomos 2 e 3 do terceiro volume: “Il marxismo nell’età della Terza Internazionale”, respectivamente “Dalla crisi del ‘29 al XX Congresso” e “Il marxismo oggi” (1981 e 1983), nos quais se retraça efetivamente a história do comunismo e das idéias marxistas neste século. A série foi editada no Brasil pela Paz e Terra.
[vii] De certa forma, essa reconstituição do “sucesso” da idéia comunista no século XX representa para Furet uma espécie de balanço intelectual e de “acerto de contas” pessoal com sua “tribo” de origem, na medida em que ele não esconde sua militância partidária no PCF, entre 1949 e 1956. O mesmo poderia ser dito, em pura honestidade intelectual, do autor destas linhas que, apesar de jamais ter pertencido a qualquer partido socialista ou comunista no Brasil ou no exterior, não recusa, ainda hoje, uma antiga filiação teórica marxista: a crítica aqui desenvolvida é, assim, uma espécie de auto-crítica intelectual da “grande ilusão” que também frequentou seus anos de juventude.
[viii] Essa comparação entre os dois sistemas totalitários não foi contudo desprezada por uma intelectual como Hannah Arendt, como se encarrega de lembrar o próprio Furet numa das passagens de seu livro.
[ix] Esta digressão sobre a origem “acidental” do poder bolchevique não se encontra no livro de Furet, sendo de minha própria responsabilidade.
[x] Entrevista concedida por François Furet a Bernard Lecomte, “S’il n’y avait pas eu Lénine...”, L‘Express (Paris, 19 janeiro 1995), pp. 76-78.
[xi] Tentei fazer, numa série de artigos interligados, uma análise evolutiva sobre o fenô meno da “transição do socialismo ao capitalismo” nos países do socialismo real: “Retorno ao Futuro: A Ordem Internacional no Horizonte 2000”, “Retorno ao Futuro, Parte II” e “Retorno ao Futuro, Parte III: Agonia e Queda do Socialismo Real”, todos publicados na Revista Brasileira de Política Internacional (Rio de Janeiro, Ano XXXI, 1988/2, nº s 123-124, pp. 63-75; Ano XXXIII, nº s 131-132, 1990/2, pp. 57-60 e ano XXXV, nº s 137-138, 1992/1, pp. 51-71).
[xii] Cf Karl Dietrich Bracher, Zeit der Ideologien (Stuttgart: Deutsche Verlags, 1982), livro consultado em sua edição italiana: Il Novecento: secolo delle ideologie (Bari: Laterza, 1984), p. 206. Furet cita em sua obra vários trabalhos deste historiador alemão, tendo entretanto consultado este livro específico em sua edição norte-americana: The Age of Ideologies: a history of political thought in the XXth century (New York: St Martin’s Press, 1984).
[xiii] Cf. “Nazisme et communisme: la comparaison interdite” (entrevista com François Furet), L’Histoire (Paris, n° 186, março de 1995, pp. 18-20).
[xiv] Ver, para cada um dos casos, Charles S. Maier, Recasting Bourgeois Europe: stabilization in France, Germany and in Italy in the decade after World War I (Princeton: Princeton University Press, 1975) e Albert Hirschman, “The turn to authoritarianism in Latin America and the search for its economic determinants” in David Collier (ed), The New Authoritarianism in Latin America (Princeton: Princeton University Press, 1975, pp. 61-98).
[xv] Cf. John Maynard Keynes, The Economic Consequences of the Peace (London: MacMillan, 1919).
[xvi] É o caso, por exemplo, da crítica de Rudolf Augstein, diretor do Der Spiegel, de Hamburgo, em artigo republicado, sob o título “François Furet, c’est de la vieille histoire”, em Courrier International (Paris, n° 230, 30 março-5 abril 1995, p. 6).
[xvii] Furet critica com razão as inclinações “massistas” de uma certa historiografia: “Obcecada por uma história abstrata de classes, nossa época fez tudo para obscurecer essa verdade elementar” (pp. 199-200).
[xviii] Como diria o próprio Marx, “os homens fazem sua própria história...”, o que supostamente compreende também as grandes personalidades individuais.
[xix] Cf. Francis Fukuyama, “The End of History ?”, The National Interest (n° 16, Summer 1989, pp. 3-18), onde ele afirma, por exemplo: “A questão real do futuro é o grau pelo qual as elites soviéticas lograram adequar-se à consciência do Estado homogêneo universal [conceito que Fukuyama retira da leitura feita por Alexandre Kojève da obra de Hegel] que é a Europa depois de Hitler. (...) Ainda que possam restar alguns verdadeiros crentes isolados em lugares como Manágua, Pyongyang ou Cambridge (Massachusetts), o fato de que não exista um único grande Estado no qual [o marxismo-leninismo] represente a idéia-chave elimina completamente sua pretensão de ser a vanguarda da história humana”, pp. 17-18. Esse artigo foi ulteriormente incorporado ao livro The End of History and the Last Man (New York: Free Press, 1992).
[xx] Furet cita o trabalho de Emmanuel Todd, La Chute Finale: essai sur la décomposition de la sphère soviétique (Paris: Robert Laffont, 1976; cf. p. 567.
[xxi] Não é o caso de lembrar aqui que a própria sobrevivência do comunismo, enquanto sistema viável de organização social da produção, pode apenas ser assegurada, na difícil conjuntura dos anos 1920-21, por um retorno estratégico às práticas capitalistas de mercado e de apropriação – consagrado na NEP –, retorno que Bukarin (e alguns outros) gostaria de ver consolidado como a única forma possível de socialismo real.
[xxii] Caberia também observar que tampouco o fato do comunismo ter vencido apenas em países atrasados do ponto de vista capitalista retem a atenção de Furet em sua análise do “sucesso” desse regime.
[xxiii] Em 1961, por exemplo, no 22º Congresso do PCUS, Krushev prometia ultrapassar a produção “per capita” dos Estados Unidos por volta de 1970 e construir uma “sociedade comunista acabada” perto de 1980.
[xxiv] Cf Hobsbawm, Age of Extremes, op. cit, p. 374.
[xxv] Idem, p. 475.
[xxvi] Tradução livre a partir da edição francesa; vide Karl Marx, Contribution à la Critique de l’Économie Politique (Paris: Editions Sociales, 1957).
[xxvii] Este artigo já estava praticamente redigido, como dissemos, quando tomamos conhecimento da obra de Massimo Salvadori sobre a história do comunismo. É curioso, assim, observar que ele faz o mesmo tipo de análise “marxista” sobre a contradição fundamental do comunismo soviético: “Aplicando ao caso soviético as categorias marxianas, se pode dizer que na União Soviética, a superestrutura sufocava dali em diante [anos 80] as condições de desenvolvimento da sociedade, criando uma situação de crise orgânica do sistema. Tornava-se mais e mais evidente, de fato, que a rigidez planificadora burocrático-centralista, que tinha podido obter substanciais sucessos no âmbito da modernização tardia baseada na indústria pesada, na cadeia de montagem, no contrô le autoritário da mão-de-obra, na compressão do consumo em proveito dos investimentos nos setores considerados estratégicos, em primeiro lugar militares, não estava estruturalmente em condições de realizar o salto qualitativo indispensável para conduzir o sistema à era da telemática disseminada e de produções sujeitas à rápida obsolescência e, portanto, adaptá-lo à necessidade de rápidas reconversões, implementadas por uma pluralidade de centros de decisão sensíveis às exigências da inovação permanente”: cf. La Parabola del Comunismo, op. cit., p. 56.
[xxviii] Citado por Francis Fukuyama, “Gorbachev and the Third World”, Foreign Affairs (vol. 64, n° 4, Spring 1986, pp. 715-731).
[xxix] Tradução livre a partir da edição da Pléiade; vide Karl Marx, Oeuvres I: Économie (Paris: Gallimard, 1968).
[xxx] Hobsbawm, por sua parte, combina elementos políticos e econô micos em sua análise sobre a queda final do comunismo: “O que levou a União Soviética em marcha acelerada em direção ao precipício foi a combinação da glasnost, que significava a desintegração da autoridade, com a perestroika, que resultou na destruição dos velhos mecanismos que faziam a economia funcionar, sem prever nenhuma alternativa; e consequentemente o colapso crescentemente dramático do padrão de vida dos cidadãos”; “A desintegração econô mica ajudou o progresso da desintegração política e foi alimentada por ela”; op. cit., pp. 483 e 485.
[xxxi] Hobsbawm, op. cit., p. 486. Salvadori também faz uma análise similar: “O sistema [já sob a direção de Grobachov] demonstrou não ser renovável por causa de sua rigidez; e o movimento de reforma, que investiu a economia e as instituições políticas, teve efeitos destabilizadores, de tal forma a romper a máquina existente e provocar um verdadeiro processo de ‘descolamento’. O primeiro resultado foi o precipitar da crise econô mica, que em 1990 assume o caráter de catástrofe”. “O sistema... desagregou-se sob o peso de dois elementos fundamentais, um ligado ao outro. O primeiro foi a incapacidade estrutural de um sistema centralístico-burocrático-totalitário (...) em responder aos desafios colocados pela economia complexa do mundo capitalista entrado na era pós-industrial. O segundo foi a incapacidade final do sistema de poder comunista em controlar, seja pelo consenso, seja pela coerção, a sociedade, colocada sob um domínio brutal...”; cf. La Parabola del Comunismo, op. cit., pp. 57 e 91.