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sábado, 14 de novembro de 2015

Nao existem falhas de mercado; se falhas existem, elas sao de governo - Paulo Roberto de Almeida


Não existem falhas de mercado; se falhas existem, elas são de governo

Paulo Roberto de Almeida
Com meus agradecimentos ao Arnaldo Barbosa Brandão

Adam Smith vai ao cerrado
Estou lendo um “romance” saboroso: Encaixotando Brasília, o segundo de uma trilogia do Arnaldo Barbosa Brandão (Brasília: Verbena, 2012), e chego ao capítulo V, “Uma certa Brasília”, que descreve, em tons literários, supostamente verdadeiros, mas com alguns traços de “macondianismo”, suas primeiras andanças e vivências na capital em construção:
“Foi em Brasília que vi, pela primeira vez, alguém comprando um produto insólito. A fila começava na W3 Sul na altura da 509... e ia até a 511, esticando-se por uns quinhentos metros, e o mais singular, só tinha homens. No princípio da fila notei um ajuntamento maior de pessoas e bem no centro um camelô, vendendo uns frasquinhos miúdos com algo dentro que não conseguia divisar de longe. Aproximei-me, curioso, tentando saber que produto precioso era aquele, que obrigava as pessoas interessadas a tanta espera e quando recebia saíam exultantes, correndo, dando pulinhos. Ouvi claramente o camelô gritar: “este é garantido!” Imaginei que fosse algum remédio popular feito de ervas, tinha uma cor amarronzada, acabei por perguntar a um dos compradores, que me olhou desconfiado e não respondeu, aguçando ainda mais minha curiosidade. Finalmente, a muito custo, cheguei ao bolo de gente e indaguei do dono do negócio, que me respondeu secamente:
– É fezes, mas é garantido, não tem qualquer tipo de lombriga, com nossa merda seu exame de fezes dá sempre negativo.
Aí entendi tudo! Os empregadores exigiam abreugrafia e exame de fezes..., se os candidatos ao emprego levassem suas próprias fezes certamente daria positivo para uma infinidade de lombrigas e eles perderiam a vaga.” (p. 63-64)

O que descreve Arnaldo Barbosa Brandão, o famoso a.b.b., em tom irônico, é a própria “mão invisível” de Adam Smith, em pleno e livre funcionamento no cerrado. Os microempresários do planalto central, consoante seu tino empreendedor, não estão fazendo nenhum favor aos sôfregos candidatos a um emprego qualquer na Brasília em construção: ao vender merda em frasco, eles estão apenas atendendo às demandas dos pretendentes que se confrontam a uma regra qualquer estabelecida pelo governo. Em face dessa “restrição indevida” das condições de mercado – laboral, neste caso – empresários atentos dão um jeito de contornar as obrigações oferecendo o produto desejado, merda engarrafada, confirmando assim, em toda a sua glória, a grande, talvez única, lei da economia, o encontro da demanda com a sua oferta.
Em outros termos, você não precisa enfrentar as 2.500 páginas escritas num inglês oitocentista do genial escocês fundador da economia política para entender como funciona a “mão invisível” de que falava Adam Smith: basta ler o saboroso romance de Arnaldo Barbosa Brandão, arquiteto de formação e homem de muitas outras artes e ofícios, para ter uma ideia exata de como funciona o mercado, o que também explica o título desta pequena crônica. O mercado está sempre aberto a todo e qualquer tipo de transação, mesmo as mais insólitas, como a descrita neste trecho do romance do a.b.b. São os governos que impõem determinas regras – restrições, seria a palavra exata – o que faz com que o mercado encontre, quase imediatamente, a “solução” para a falha criada por uma autoridade qualquer.
Meu objetivo aqui não é o de sugerir novas e imaginativas formas, sobretudo insólitas, como essa, para que empresários atentos contornem certas falhas de governo. Meu objetivo é justamente o de defender o argumento de que não existem falhas de mercado, como alegam, talvez, mais de 90% dos manuais de economia, sobretudo os de corte keynesiano, pois os mercados funcionam perfeitamente bem, sempre. Se falhas existem, elas são sempre de governo, como teremos oportunidade de mostrar em próxima crônica.
Salve a.b.b.! Vamos adiante no romance...

Brasília, 14 de novembro de 2015, 2 p.