Não existem falhas de mercado; se falhas existem, elas
são de governo
Paulo Roberto de Almeida
Com meus agradecimentos ao Arnaldo Barbosa Brandão
Adam Smith vai ao cerrado
Estou lendo um “romance”
saboroso: Encaixotando Brasília, o
segundo de uma trilogia do Arnaldo Barbosa Brandão (Brasília: Verbena, 2012), e
chego ao capítulo V, “Uma certa Brasília”, que descreve, em tons literários,
supostamente verdadeiros, mas com alguns traços de “macondianismo”, suas
primeiras andanças e vivências na capital em construção:
“Foi em Brasília que vi,
pela primeira vez, alguém comprando um produto insólito. A fila começava na W3
Sul na altura da 509... e ia até a 511, esticando-se por uns quinhentos metros,
e o mais singular, só tinha homens. No princípio da fila notei um ajuntamento
maior de pessoas e bem no centro um camelô, vendendo uns frasquinhos miúdos com
algo dentro que não conseguia divisar de longe. Aproximei-me, curioso, tentando
saber que produto precioso era aquele, que obrigava as pessoas interessadas a
tanta espera e quando recebia saíam exultantes, correndo, dando pulinhos. Ouvi
claramente o camelô gritar: “este é garantido!” Imaginei que fosse algum remédio
popular feito de ervas, tinha uma cor amarronzada, acabei por perguntar a um
dos compradores, que me olhou desconfiado e não respondeu, aguçando ainda mais
minha curiosidade. Finalmente, a muito custo, cheguei ao bolo de gente e
indaguei do dono do negócio, que me respondeu secamente:
– É fezes, mas é
garantido, não tem qualquer tipo de lombriga, com nossa merda seu exame de
fezes dá sempre negativo.
Aí entendi tudo! Os
empregadores exigiam abreugrafia e exame de fezes..., se os candidatos ao
emprego levassem suas próprias fezes certamente daria positivo para uma
infinidade de lombrigas e eles perderiam a vaga.” (p. 63-64)
O que descreve Arnaldo
Barbosa Brandão, o famoso a.b.b., em tom irônico, é a própria “mão invisível” de
Adam Smith, em pleno e livre funcionamento no cerrado. Os microempresários do
planalto central, consoante seu tino empreendedor, não estão fazendo nenhum
favor aos sôfregos candidatos a um emprego qualquer na Brasília em construção:
ao vender merda em frasco, eles estão apenas atendendo às demandas dos
pretendentes que se confrontam a uma regra qualquer estabelecida pelo governo.
Em face dessa “restrição indevida” das condições de mercado – laboral, neste
caso – empresários atentos dão um jeito de contornar as obrigações oferecendo o
produto desejado, merda engarrafada, confirmando assim, em toda a sua glória, a grande,
talvez única, lei da economia, o encontro da demanda com a sua oferta.
Em outros termos, você não
precisa enfrentar as 2.500 páginas escritas num inglês oitocentista do genial
escocês fundador da economia política para entender como funciona a “mão invisível”
de que falava Adam Smith: basta ler o saboroso romance de Arnaldo Barbosa Brandão,
arquiteto de formação e homem de muitas outras artes e ofícios, para ter uma
ideia exata de como funciona o mercado, o que também explica o título desta
pequena crônica. O mercado está sempre aberto a todo e qualquer tipo de transação,
mesmo as mais insólitas, como a descrita neste trecho do romance do a.b.b. São os
governos que impõem determinas regras – restrições, seria a palavra exata – o que
faz com que o mercado encontre, quase imediatamente, a “solução” para a falha
criada por uma autoridade qualquer.
Meu objetivo aqui não é o
de sugerir novas e imaginativas formas, sobretudo insólitas, como essa, para
que empresários atentos contornem certas falhas de governo. Meu objetivo é
justamente o de defender o argumento de que não existem falhas de mercado, como
alegam, talvez, mais de 90% dos manuais de economia, sobretudo os de corte
keynesiano, pois os mercados funcionam perfeitamente bem, sempre. Se falhas
existem, elas são sempre de governo, como teremos oportunidade de mostrar em próxima
crônica.
Salve a.b.b.! Vamos adiante
no romance...
Brasília, 14 de novembro de 2015, 2 p.