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quarta-feira, 4 de junho de 2014

Brasil-Bolivia: novela (?) bilateral interminavel, em longos e aborrecidos capitulos...

BRASIL – BOLÍVIA
Festival de covardia
Coluna / Rosângela Bittar
Valor Econômico, 4/06/2013

Ideologia, não é; integração regional, nem se fala; dependência econômica, longe disso; adulação comercial, ora, por quê? Política externa, então, passa ao longe e ao largo do que vem ocorrendo na relação Brasil-Bolívia, trincada por razões até agora tão inexplicáveis quanto incompreensíveis.
Descobriu-se, neste momento, em reportagem da "Folha de S. Paulo" sobre o que apurou comissão de sindicância do Itamaraty, que os laços diplomáticos entre Brasil e Bolívia não apenas não se recuperaram como estão mais desamarrados que nunca.
Em breve memória: em maio de 2012, o senador boliviano Roger Pinto Molina pediu asilo ao embaixador brasileiro na Bolívia, Marcel Biato, e passou a morar no escritório da embaixada enquanto aguardava o salvo conduto para se transferir para o território brasileiro. Nos dias 23 e 24 de agosto de 2013, 453 dias depois de ingressar na embaixada onde viveu em um escritório fechado a 4 mil metros de altitude, em condições precárias e doente, o senador foi levado em um carro oficial até Corumbá, no Mato Grosso do Sul, pelo ministro Eduardo Sabóia, encarregado de negócios e responsável pela embaixada na ausência temporária do embaixador, e de lá a Brasília, onde mora.
Abriu-se, então, uma crise diplomática, alimentada sobretudo pela condução que a presidente Dilma Rousseff deu ao caso. Aconselhada a telefonar ao presidente Evo Morales e liquidar o assunto numa explicação direta, objetiva e segura, informando que poderia ser feita a transferência com absoluta discrição, dada a tradição dos dois países em concessão de asilo, e que Morales poderia continuar dizendo que o senador era um preso comum, e não político, como exigia, a presidente não fez nada disso. Declarou que o diplomata Sabóia havia colocado em risco a vida de Pinto Molina, e passou a endurecer com os brasileiros e a fazer concessões a Evo Morales.
O Itamaraty abriu sindicância para apurar responsabilidades, mas a presidente já havia condenado por antecipação e as concessões surgiram em série.
O governo brasileiro rifou o embaixador Biato num momento de crise, com o senador asilado e uma torcida de corintianos presos em La Paz; demitiu o chanceler Antonio Patriota a pedido expresso de Morales; mandou para escanteio o ministro Eduardo Sabóia, enquanto responde à sindicância que, segundo informam autoridades, está pronta (duram 30 dias, essa já faz 10 meses) e engavetada; o senador Molina ainda aguarda o refúgio, em 2014, para um asilo pedido em 2012. Os brasileiros vão mal. Evo Morales vai muito bem, com uma pressão aqui, uma ameaça acolá, vai conseguindo o que quer. A presidente Dilma está alimentando o sentimento de onipotência do governo boliviano, é o que nota uma autoridade da Bolívia. Até o ex-chanceler Celso Amorim, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foram sabotados na sua tentativa de ajudar a resolver o caso. Morales mandou inspecionar o avião que levou Amorim, em retaliação, o governo brasileiro não reagiu e os ministros silenciaram.
Sobreveio o caso da prisão dos torcedores corintianos, que não tardaram a entrar na barganha, e a segunda leva desses prisioneiros ganhou a liberdade quando Morales quis levar uma notícia boa ao ex-presidente Lula, em encontro em São Paulo, em jogada de marketing com a vida alheia. Autoridades bolivianas se manifestaram surpresas com a reação frouxa do Brasil. Um ministro chegou a dizer a uma autoridade brasileira que, "se querem ajudar o Evo Morales, digam não, ele precisa ouvir um não".
A presidente já mostrou que não tem paciência para a diplomacia que exige negociação, trabalho, conversa, e casos como esse não se resolvem com o básico, como prefere.
O que há de mais novo, sobre ele, é a informação, colhida em relatos a que a Folha teve acesso, de que nos depoimentos secretos à sindicância o ex-chanceler Antonio Patriota confirmou que houve proposta do Brasil, um ano depois da entrada do senador na embaixada, para que ele abrisse mão do asilo, numa carta a ser escrita à presidente Dilma. Em compensação o Brasil o levaria a um terceiro país, que poderia ser a Venezuela. A ideia do terceiro país foi uma das mais estapafúrdias registradas entre tantos absurdos.
Os casos de asilo são recorrentes na história dos dois países, e ocorreram normalmente, em outros governos, inclusive no de Lula, de onde o governo Dilma se origina. Uma curiosidade: em julho de 2013, um mês antes da operação de transferência do senador Pinto Molina, a Bolívia ofereceu asilo a Edward Snowden. Também um mês antes da operação, a Unasul aprovou o direito universal a asilo e explicitou que nenhum país poderia impedir o asilado de transitar até o país que concedeu o asilo. O Brasil estava cercado de leis e razão para se conduzir com coragem, mas não o fez.
Outras evidências no comportamento de autoridades bolivianas não estimularam o Brasil a rever seus equívocos, entre elas, a declaração da ministra da Justiça boliviana ao ministro da Justiça brasileiro que se o Brasil tirasse o senador, fariam "vistas grossas".
Quem deixou engrossar foi o governo brasileiro. Em lugar de um simples e rápido telefonema ao colega boliviano para explicações de praxe, a presidente Dilma alimentou a crise e Evo Morales fez bom proveito.
O governo brasileiro está mostrando que não se tratava da política de afinidade ideológica, tal o grau da trapalhada em que se enroscou. Tampouco tinha o objetivo de preservar a balança comercial. Se o Brasil é dependente da cocaína, do crack e do gás da Bolívia, a Bolívia é dependente do dinheiro dos produtos que vende.
Dez meses depois, o relatório da sindicância permanece na gaveta, talvez para sair depois das eleições, como tudo. Poderá concluir pela absolvição, exoneração ou advertência ao diplomata Eduardo Sabóia. O seu advogado, ex-presidente da OAB, Ophir Cavalcante, não admite nem advertência. Irá recorrer.

Pode-se criticar Jérôme Valcke, o irritadiço secretário-geral da Fifa, por tudo, mas não se pode duvidar de sua perspicácia. Na entrevista que deu ao "Globo", no domingo, provou ter entendido direitinho em que lugar do planeta está. Disse que, para o Brasil, ganhar a Copa interessa mais do que ter sucesso na organização do Mundial. Compreensão perfeita.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Bolivia, Brasil e o narcotrafico: questoes para a diplomacia companheira

Uma novela que vai ter desdobramentos nos próximos dias...
O asilo político é uma instituição normalmente respeitada na América Latina, salvo em países ditatoriais, como aqueles apreciados por totalitários envergonhados.
O que um país normal faria em circunstâncias como essa? 
Aplicaria todo o peso de sua diplomacia, com suspensão de quaisquer outras transações, por exemplo, até que fossem respeitados os tratados e atos multilaterais em vigor. Seria o mínimo.
Por que isso não foi feito?
Bem, aí é o caso de perguntar para os que tomam as decisões.
Por que não tomaram?
Talvez por causa da diplomacia partidára...
Paulo Roberto de Almeida
Entrevista com o Encarregado de Negócios Eduardo Saboia:  http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/embaixador-eduardo-saboia-fala-sobre-decisao-de-trazer-senador-boliviano-para-o-brasil/2781411/
MUNDO

Senador denuncia relação do governo boliviano com o narcotráfico

O Globo
Depois de chegar ao Brasil com a ajuda da embaixada brasileira, o senador boliviano que estava asilado há um ano em La Paz, defendeu-se das denúncias de crimes de corrupção que pesam contra ele na Bolívia, e revelou que denunciou o envolvimento de líderes do governo de seu país com o narcotráfico.
Em entrevista à GloboNews, Roger Pinto Molina disse que se coloca à disposição do Brasil para ratificar denúncias. Mesmo sem ter salvo conduto do governo da Bolívia para deixar aquele país, o político da oposição viajou de carro por cerca de 1,6 mil quilômetros de carro até a cidade de Corumbá, Mato Grosso do Sul.

Diplomata brasileiro diz ter tomado decisão de trazer senador boliviano 

Ele afirma que tentou negociar saída; Itamaraty não comenta declarações.

Do G1, com informações do Fantástico

O diplomata brasileiro Eduardo Saboia disse em entrevista ao Fantástico, neste domingo (25), que foi dele a decisão de trazer o senador boliviano Roger Pinto ao Brasil. "Tomei a decisão de conduzir essa operação pois havia o risco iminente à vida e à dignidade do senador", disse. (Veja a entrevista no vídeo ao lado)
Pinto desembarcou na madrugada deste domingo (25) em Brasília após deixar La Paz com um carro da Embaixada brasileira até Corumbá (MS). O senador estava asilado na Embaixada brasileira na Bolívia havia mais de um ano, alegando perseguição política do governo Evo Morales.
"Havia uma violação constante, crônica de direitos humanos, porque não havia perspectiva de saída, não havia negociação em curso e havia um problema de depressão que estava se agravando. Tivemos que chamar um médico e ele começou a falar de suicídio, ele dizia constantemente que queria que nós o tirássemos de lá e advogados dele também dizendo isso", afirmou o diplomata brasileiro.
Cronologia_senador_boliviano VALE ESSA (25/08) (Foto: Editoria de Arte/G1)
Saboia disse que percebeu que o quadro do político podia degenerar porque Pinto "passou 452 dias em um cubículo" ao lado de sua sala. "Eu me sentia como se tivesse o DOI-Codi [orgão de repressão da ditadura militar] ao lado da minha sala de trabalho. Um confinamento prolongado e sem perspectivas."
O diplomata disse que tentou negociar a vinda do senador ao Brasil sem sucesso e falou que faltou "empenho" para solucionar o caso. "Eu estive em Brasília duas vezes, dizendo que a situação estava ruim. Pedi para sair de La Paz, porque disse que não ia compactuar com uma situação que atenta à dignidade da pessoa humana e à honra do meu país", afirmou. "Eu não preciso de instruções específicas para situações de urgência."
Saboia disse que houve um pedido do Itamaraty para que ele não desse declarações logo que chegou ao Brasil com o político boliviano, mas afirmou que mudou de ideia após o órgão soltar uma nota mencionando o seu nome.
O Itamaraty não quis comentar as declarações do diplomata.
Roger Pinto saiu da Embaixada brasileira em La Paz às 15h da sexta-feira (23). Foram usados dois carros da representação brasileira. O da frente, com fuzileiros navais, fazia a segurança do outro veículo, que trazia o senador boliviano ao lado do diplomata brasileiro Eduardo Saboia, encarregado de negócios da representação. Foram percorridos 1.600 km em direção a Corumbá (MS). A viagem até a fronteira durou 22 horas.
Pareceres contrários
Em junho deste ano, a Advocacia-Geral da União (AGU), a Procuradoria Geral da República (PGR) e o Itamaraty se posicionaram contra a ajuda ao senador boliviano Roger Pinto, que queria deixar a Bolívia rumo ao Brasil. As informações prestadas pelo secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Eduardo dos Santos, estão inclusas nos pareceres e balizaram posicionamentos da AGU e da PGR encaminhados ao Supremo Tribunal Federal (STF) em uma ação apresentada pelo político boliviano.
No processo protocolado no dia 16 de maio no STF, a defesa do senador questionou a atuação do governo brasileiro na resolução de seu caso e pediu um carro para deixar a Bolívia. O advogado Tibúrcio Peña afirmou que o senador teve direito de circulação restrito e que não podia ter contatos externos por determinação do governo brasileiro. O documento cita ainda que o Itamaraty, órgão do governo que negocia a situação do senador, agia com "inércia", contrariando tratados internacionais.
Acionadas pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello, relator do habeas corpus pedido pela defesa de Pinto, a AGU e a PGR se manifestaram contra possibilidade de governo brasileiro conceder carro diplomático ao senador com base em informações do Itamaraty. Marco Aurélio informou ao G1 neste domingo (25) que vai arquivar o processo porque houve "perda de objeto".
"Com a vinda do senador para o Brasil, o objeto está prejudicado, já que o habeas corpus pedia a saída da Bolívia", disse.
O secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Eduardo dos Santos, informou à AGU que a vinda de Roger Pinto sem o salvo-conduto poderia “anular o efeito prático do asilo”.
“Uma decisão que determine a saída do senador Roger Pinto Molina da Embaixada sem a concessão de salvo-conduto e de garantias de segurança pelas autoridades bolivianas, por sua vez, impossibilitaria o Brasil de conceder qualquer forma de proteção jurídica ao senador, tornando sem qualquer efeito prático o asilo diplomático concedido, que desapareceria ipso facto”, diz no parecer da AGU.
Neste domingo, o Ministério das Relações Exteriores informou, por meio de nota, queabrirá inquérito para apurar as circunstâncias da transferência para o Brasil do senador senador boliviano Roger Pinto Molina, asilado havia mais de um ano na embaixada brasileira em La Paz.
Segundo a AGU,  o governo brasileiro não podia conceder carro diplomático, uma vez que há decisões da Justiça boliviana restringindo a possibilidade de o senador deixar o país.
"Os pedidos formulados pelo impetrante não são juridicamente possíveis, isto é, se o governo brasileiro propiciar ao paciente o veículo requerido para que possa sair da Bolívia, estaríamos violando a ordem internacional, descumprindo decisões judiciais de tribunais bolivianos, que já decidiram que o paciente não pode deixar o país."
Conforme a AGU, para que o senador deixe o país seria necessário um salvo-conduto por parte do governo boliviano, documento que o Brasil não pode obrigar a ser concedido por ser prerrogativa daquele país.
"O Brasil deu início a intensas negociações, com o objetivo de obter o salvo-conduto, sem o qual o paciente não consegue deixar a Bolívia", argumentou a AGU.
Para o então procurador-geral Roberto Gurgel, contrário ao habeas corpus, como Pinto Molina foi beneficiário do asilo diplomático, “não se pode concluir que houve violência ou coação em sua liberdade de locomoção”.