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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O TNP e a posição do Brasil: Paulo Roberto de Almeida


O Tratado de Não proliferação Nuclear (TNP) e a posição do Brasil:
Algumas posições pessoais (Paulo Roberto de Almeida)

Entrevista concedida 
para trabalho acadêmico
(Brasília, 7/11/2011)

Perguntas: 

1) O que o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) representa, em sua opinião? Segundo a hipótese do meu trabalho, o TNP teria trazido mais pacifismo ao mundo, porém provei no decorrer dos estudos que esta afirmação não se sustenta. Esse tratado teria trazido mais paz aos EUA e Brasil na sua visão?

PRA: Não foi exatamente o TNP que trouxe mais paz ao mundo, e sim o seu objeto próprio, ou seja, as armas nucleares. Por mais contraditório que possa parecer, os vetores nucleares, e as ameaças terríveis que eles fazem pesar sobre o destino dos Estados e o próprio futuro das sociedades – assim como, visto numa perspectiva ainda mais catastrófica, a própria sobrevivência da humanidade – contribuíram, desde Hiroshima e Nagasaki e o término da Segunda Guerra Mundial para que nenhum outro conflito global de grandes proporções tenha ocorrido entre as grandes potências. Foi a ameaça do holocausto nuclear que conteve os ânimos belicosos das grandes potências e impediu-as de “subir aos extremos”, ou seja, deslanchar qualquer tipo de aventura guerreira contra uma outra, igualmente detentora de arma nuclear.
O TNP é apenas uma decorrência dessa terrível perspectiva potencial – a de um conflito entre grandes potências que implicasse o uso desse tipo de vetor – e tem a ver, mais exatamente, com o monopólio desse tipo de arma de destruição em massa por um número reduzido de grandes atores internacionais, basicamente os que já detinham a posse dessas armas no momento da negociação do TNP, em meados dos anos 1960. O TNP representa, assim, uma garantia – por certo não total, ou absoluta – de que essas armas permanecerão sob controle exclusivo de um pequeno grupo de países, considerados como nuclearmente responsáveis, já que sua disseminação por um número maior de entes estatais – ou até não estatais – poderia trazer enormes riscos para a segurança estratégica dessas grandes potências, para a paz mundial, e como dito, para a própria sobrevivência da espécie humana em nosso planeta.
O TNP não trouxe mais paz ao mundo, ele apenas garantiu que a paz ficasse dependente de certo equilíbrio nuclear, desde que esse equilíbrio pudesse ser assegurado por um entendimento tácito entre os patrocinadores desse instrumento discriminatório, iníquo, desigual e unilateral, imposto ao restante dos atores estatais pelos três negociadores originais. Ele pode ser visto como parte de uma arquitetura estratégica não exatamente de paz, mas de não-guerra, pelo menos não de guerra total, e sobretudo de uma guerra direta entre as potências nuclearmente armadas.
O Brasil não é um poder nuclear, e sequer é um ente estratégico significativo, mesmo nos vetores convencionais de guerra e de dissuasão; portanto, ele não pode ser visto como um ator relevante em qualquer questão que tenha a ver com uma discussão séria em torno do equilíbrio nuclear. O Brasil é apenas um dos Estados, dentre muitos outros, que ficou reduzido à condição de participante não nuclear do TNP, embora estivesse ao seu alcance, teoricamente pelo menos, recusar o TNP e qualificar-se nuclearmente por meios próprios, como fizeram outros países (Israel, Índia, Paquistão, Coreia do Norte, por exemplo). O fato de não fazê-lo, antes da vigência da Constituição de 1988 – que proibiu ao país dotar-se de armamentos nucleares – não tem a ver com alguma falta de vontade estratégica (já que ela existia, entre a maioria dos militares e entre muitos outros membros da elite, como os diplomatas), mas sobretudo com a falta de meios financeiros, tecnológicos científicos, para se capacitar nuclearmente, pelo menos no terreno especificamente militar.
O mundo dispõe, portanto, de um acordo que não é mundial, mas tão somente internacional, que regula parcialmente o problema, que é o TNP, o tratado de não-proliferação nuclear (Washington-Moscou-Londres, 1968). Esse tratado não é certamente universal e, sobretudo, não é multilateral, uma vez que apenas três países o negociaram e depois o “ofereceram” à comunidade internacional. Ele foi posteriormente “estendido” ao resto do mundo, na ausência – talvez na oposição – dos dois outros únicos países nucleares à época, que eram a França e a China (que a ele só aderiram no início dos anos 1990). Essa extensão se fez sob os olhos por vezes invejosos, outras vezes preocupados, de outros países, alguns deles interessados em desenvolver seus próprios artefatos nucleares, alguns outros temerosos de que a proliferação indevida dessas terríveis armas pudesse conduzir ao holocausto nuclear.

2)             Sobre a obtenção de armas nucleares por um grupo seleto de países, qual seria sua visão sobre a atitude desses países?

PRA: Não se define qual seria esse seleto grupo de países, uma equação que é altamente aleatória, pois os Estados dispõem, no universo de Westfália que ainda é o nosso, de soberania absoluta para decidir se querem, ou não, dotar-se de armamentos nucleares. É claro que, depois do TNP, aumentaram significativamente os custos – políticos, econômicos, estratégicos – para que esse passo seja dado, mas ele não é impossível, como o provam as trajetórias de países como Israel, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e, possivelmente, a África do Sul (o único país que renunciou à posse da arma atômica, depois de ter entrado no domínio dessas tecnologias, e de ter capacidade para se qualificar ainda mais, ou seja, desenvolver vetores de entrega).
De toda forma, trata-se de um arranjo de conveniência, no qual potências médias, ou países menores, renunciam a dotar-se de armas nucleares, contra a garantia, dada pelas potências nucleares de que não irão usar essas armas como ameaça, ou chantagem de uso, contra esses países que aderiram ao TNP no status de não detentor.
Resta saber como fica a situação de potências nucleares, mas militarmente médias, como Israel, Índia, Paquistão, Coreia do Norte, que não assinaram ou se retiraram do TNP e que não possuem um status muito bem definido. Existem também países que assinaram o TNP, que observam suas prescrições, mas que poderiam, se assim o desejassem, se dotar mais facilmente de vetores nucleares em prazo médio, ou até curto: seriam grandes ou médias potências econômicas, tipo Alemanha, Japão, Canadá, Espanha, algumas até em desenvolvimento (como Argentina, Brasil, México, Indonésia, e algumas outras) e talvez até países menores mas avançados, como a Suíça, a Suécia e outros.
Creio que são poucas as vantagens decorrentes do armamento atômico, pois ele traz uma série de consequências provavelmente prejudiciais ao país, como se observou – e se observa ainda – nos casos do Iraque, da Líbia e propriamente do Irã (um caso ainda não resolvido, junto com a Coreia do Norte). As sanções econômicas eventuais – o que a Índia e o Paquistão experimentaram apenas parcialmente – podem impedir a capacitação tecnológica em outras áreas. O Brasil, aliás, sofre até hoje de restrições ao acesso de materiais, tecnologias e equipamentos sensíveis por causa de seu histórico de rejeição ao TNP (até 1996) e de tentativas de capacitação nuclear no passado (ainda com alguns efeitos residuais na área de enriquecimento de urânio).

3) Sobre a tentativa de novos países obterem armas nucleares, como o Irã e Coréia do Norte, que retomou a fabricação de bombas atômicas recentemente, de que forma o Senhor explica a atitude desses países? Essa seria uma característica de um novo paradigma mundial, revelado pela nova conjuntura da globalização mundial?

PRA: A globalização não tem absolutamente nada a ver com a capacitação nuclear desses dois países, e sim a vontade de suas elites dirigentes, paranoicas ou calculistas, que estão se armando, seja para dissuadir o “império” americano, seja para intimidar possíveis contendores (no caso do Irã, o Iraque, anteriormente, possivelmente outros na região, e sobretudo Israel). Não existe tampouco nenhum paradigma mundial nesses dois casos, mas pode-se eventualmente falar do paradigma da dissuasão, que me parece, contudo, um elemento secundário, no cálculo estratégico que ambos fizeram. Certas lideranças são fascinadas, com razão, ou sem, pela perspectiva de serem consideradas potências nucleares, acreditando que isso fará com que seus países, ou seu próprio poder, seja mais respeitado e temido. São, de toda forma, países não confiáveis no plano estratégico – o que seria o caso com dois outros nucleares não reconhecidos mas de fato, como Israel e Índia – e portanto vão continuar a sofrer sanções da comunidade internacional. Cada país é um caso diferente, com capacitações diferentes, mas ambos entram naquela categoria que o maniqueísmo político americano já chamou de “Estados vilões”.

4) Como um estudioso de Relações Internacionais e tomando a posição brasileira, o Senhor concorda com a atitude brasileira de ser uma potência “pacífica” por apenas fabricar a energia nuclear para fins de pacifismo, ou acredita que seria importante o Brasil possuir armas nucleares para possuir mais poder de barganha no cenário internacional?

PRA: Não se trata de ser, ou não, potência “pacífica”, e sim de ser um país responsável, sobretudo no plano do direito internacional e dos esforços de todos os países confiáveis para assegurar a paz e a segurança internacionais. Não é a detenção da arma atômica que confere maior poder de barganha no plano internacional, se tanto isso se dá no terreno da dissuasão estrita (como fez a Índia, mais pensando na China, do que no Paquistão, que por sua vez se armou por causa da Índia, com a ajuda da China, por sinal). O que confere maior poder de barganha é ser respeitado pelas suas boas ações, e por certa capacidade militar convencional, a única que conta em certos teatros de guerra.
O Brasil não possui nenhum contenciosos estratégico com vizinhos ou países mais distantes, e não precisa, assim, exibir qualquer dissuasão nuclear, ou mesmo em vetores mais tradicionais. Ele tem, sim, de dispor de vetores convencionais para poder participar de missões de manutenção E DE imposição da paz sob coberta do CSNU. O Brasil precisar ser dotado militarmente de meios capazes de assegurar sua defesa e de eventualmente impor a paz a outros, mas jamais na posse de arma nucleares, que não resolve nenhum problema básico do país e cria dezenas de outros indesejáveis.

5) Em sua opinião, ainda sob a visão nuclear para fins não pacíficos, daqui a 50 anos teremos um mundo...

PRA: Dentro de meio século, o mundo não será muito diferente do que é hoje, ou seja, contraditório, inseguro, com focos de conflitos, mas com ainda menos potencial para conflitos nucleares, já que supostamente aumenta a consciência dos povos quanto aos efeitos nefastos da detenção de armas atômicas.
            Em todo caso, meio século é um prazo muito longo para tratar de questões estratégicas e militares, que podem mudar rapidamente com a ascensão de novos países, e a decadência ou crise de outros países. Observando-se a China, por exemplo, constata-se que ela saiu de uma miséria abjeta a uma pobreza aceitável em menos de 20 anos, tendo construído infraestrutura e capacidades tecnológicas inigualáveis no plano mundial. Mas, ela pode entrar em crise, também, e sofrer problemas ainda não de todo detectados na presente conjuntura.

6) Caso o Senhor deseje expor mais alguma opinião sobre este tema, por gentileza, fique a vontade para colocar suas ideias.

PRA: Acredito que o recurso à guerra total já não é mais possível na era nuclear, com a crescente interpenetração dos “impérios” regionais. Isto não quer dizer que o direito internacional – e suas manifestações institucionais, como a ONU e outras agências intergovernamentais – venha a prevalecer sobre a vontade dos Estados-nacionais e, sobretudo, acima desses impérios: a ameaça do uso da força deve permanecer como a ultima ratio da política internacional durante um bom tempo ainda, enquanto, pelo menos, a lógica westfaliana continuar a prevalecer (e isto pode durar mais um século e meio, aproximadamente).
            Em todo caso, na equação estratégica contemporânea, a detenção de artefatos nucleares continua a ser o elemento dominante, em ultima ratio, do jogo do poder. Existem, obviamente, outros vetores de poder, em especial o tecnológico e o econômico, este constituindo, em última instância – segundo o modelo analítico marxista, que neste particular conserva plena validade –, o elemento crucial de afirmação de supremacia, de modo continuado. Não se compreende, aliás, o desenvolvimento e a posse de artefatos nucleares senão ao cabo de certo grau de avanço científico e tecnológico, que costuma estar ligado ao nível de desenvolvimento econômico do país.
Certamente que países economicamente poderosos estão em condições de assegurar um modo de vida satisfatório aos seus cidadãos, podendo influenciar decisivamente a agenda política e econômica mundial e contribuir, no mundo contemporâneo, para o desenvolvimento econômico e social de outros povos e países. Isso é plenamente verdade. Mas, se formos decidir, em determinados momentos, sobre a paz e a guerra, e definir quem, no momento decisivo, é capaz de impor sua vontade – ou de impedir que outros imponham a sua própria vontade –, então, a posse de armas nucleares torna-se o diferencial absoluto de poder, independentemente do poder econômico relativo de cada um dos contendores.
A questão nuclear, no seu sentido amplo, estratégico, apresenta três aspectos que não estão necessariamente conectados entre si de modo estrutural, mas que foram conceitualmente reunidos pelo próprio instrumento que “regula” a questão no plano internacional: (a) a não-proliferação, que é obviamente o aspecto principal subjacente às intenções dos proponentes do TNP; (b) a cooperação nuclear para fins civis, ou pacíficos, que representa uma promessa e uma garantia das potências nuclearmente armadas em direção de todas as outras; (c) o desarmamento, que é uma hipótese fantasiosa inventada pelos proponentes do TNP para atrair – enganar seria o termo mais exato – os demais países a esse instrumento discriminatório e desigual. Em relação a esta terceira dimensão da questão nuclear, se poderia repetir o velho argumento tantas vezes utilizado em outras circunstâncias: em relação ao desarmamento, as potências nuclearmente armadas fingem que pretendem desarmar, um dia, e todos os demais fingem que acreditam nessa hipocrisia. De fato, parece difícil reverter a situação ao status quo ante: uma vez que o “gênio” nuclear saiu da sua lâmpada militar, é praticamente impossível fazê-lo retornar à sua “inexistência” anterior.
Para todos os efeitos práticos, o que vale, para as potências do TNP é a garantia de não-proliferação, com alguma cooperação na dimensão da cooperação – sob o olhar vigilante da AIEA – e a total desconsideração da dimensão desarmamento. Para todos os “nucleares”, portanto, essa questão apresenta dois aspectos: o da projeção da força e o da dissuasão. O primeiro aspecto, depois de Hiroshima e Nagasaki, não mais voltou ao cenário internacional (a despeito de alguns “ensaios”, como em Cuba, em 1962). A arma nuclear não mais voltou a ser usada como arma de terreno para abreviar o final de uma guerra, ainda que ela tenha sido cogitada em alguns cenários ou teatros possíveis de operação (como a sugestão do general MacArthur, em face da ofensiva chinesa durante a guerra da Coréia). Mesmo no caso de Cuba (1962), quando os dois grandes contendores da fase pré-TNP parecem ter chegado ao limite do abismo nuclear, não estavam reunidas todas as condições para que o jogo de pôquer, naquelas circunstâncias, chegasse a uma “solução final”.
A arma nuclear é usada, portanto, para fins essencialmente dissuasórios, e é como tal que Israel a concebe, em face de uma coalizão agressiva de Estados árabes que gostariam de varrê-lo do mapa. Existem, certamente, militares, que concebem alguma utilização tática da arma nuclear; mas os estadistas responsáveis e planejadores sensatos dos países nuclearmente “capazes” – e não apenas daqueles nuclearmente armados – assim imaginam sua equação nuclear nacional. De fato, repassando a lista dos nucleares, veremos que eles sempre tiveram em mente algum perigo estratégico, para o qual se buscou a solução de última instância.
Com a possível exceção da França – que estava exercendo uma opção de “orgulho nacional”, depois de tantas humilhações sofridas desde o século 19 – e, possivelmente, da África do Sul – que se sentia acuada pelos demais países africanos no momento do Apartheid –, todos os demais países tinham algum contendor em mente no desenvolvimento do seu programa nuclear. A China se armou contra os EUA e contra a própria URSS; a Índia o fez contra a China, menos do que contra o Paquistão; o Paquistão contra a Índia (com a ajuda da China); Israel contra os países árabes, e eles são muitos; a Coréia do Norte contra os EUA (possivelmente o Irã, também, mais do que contra o Iraque). As aventuras nucleares de Saddam Hussein (ditador do Iraque até sua derrubada pelos EUA em março de 2003) e as do coronel Kadhafy, da Líbia (estas, finalizadas depois de duras sanções contra o país), entram nesta equação a título de bizarrice, embora o ditador do Iraque tivesse o inimigo iraniano no seu planejamento militar. De todos esses países, o único que desarmou voluntariamente foi a África do Sul; mas ela o fez no momento da transição para o regime de maioria negra, e esse elemento pode ter entrado no cálculo estratégico da liderança branca que assim decidiu no início dos anos 1990. Quanto à Coréia do Norte, a supor que ela desarme, efetivamente, tal fato pode ser atribuído à dupla pressão da China e dos EUA, nessa ordem.
Parece haver uma teoria das relações internacionais contemporâneas – mas não testada na prática – que afirma que os Estados que se tornam nuclearmente armados passam a se comportar de modo mais responsável e condizente com suas novas responsabilidades no plano internacional. Este foi certamente o caso da China, de Israel, da Índia, embora haja desconfianças em relação ao que possam algum dia fazer o Paquistão, a Coréia do Norte e, eventualmente, o Irã. Mesmo com relação à China, se questiona se seu papel foi responsável, uma vez que ela pode ter sido decisiva na capacitação nuclear do Paquistão, que por sua vez foi, em parte, negligente com o seu programa: um físico desse país está na origem de uma das mais importantes redes de disseminação de tecnologia e materiais nucleares, num contexto de “proliferação” por empreendimento individual, um pouco como faziam os piratas de antigamente, que também podiam servir de corsários para seus Estados respectivos. Alguns cenários podem ser preocupantes, nessa hipótese de uma proliferação não controlada pelos atores responsáveis, o que poderia ser o caso do Paquistão, da Coréia do Norte e do Irã, precisamente.
Mesmo quando um país nuclearmente “capaz” não parece ameaçar a paz mundial, cenários de conflito são sempre imprevisíveis, pois as fontes podem emergir não da situação objetiva de um país determinado, em seu contexto geopolítico próprio, mas como resultado da paixão dos homens, falíveis por definição. Imaginemos, por um instante, uma ocupação das Malvinas por tropas argentinas respaldadas por um artefato nuclear que teria sido previamente desenvolvido pela ditadura militar. A história poderia ter sido bastante diferente.
O TNP vem se “universalizando” nos últimos anos, em que pese sua notória falta de legitimidade intrínseca. Por outro lado, mais países estão se tornando nuclearmente capazes, quando não nuclearmente armados. A Índia já criou uma situação nova e vem sendo aceita como uma potência nuclear de fato, ainda que não o venha a ser de direito. O grande responsável por essa transformação foi, a rigor, a potência garantidora, por excelência, do TNP e aquela teoricamente mais engajada na não-proliferação: os EUA. A dissuasão e o cálculo estratégico estão aqui bem presentes. As boas relações entre Índia e EUA, nesse terreno, têm a ver com a China, embora equivocadamente considerada como a fonte possível de desafios estratégicos para os EUA. O acordo nuclear entre EUA e Índia vale estritamente para fins civis, e não tem o poder de qualificá-la para o clube formal das potências nucleares, o que de toda forma exigiria reforma do TNP, algo praticamente impossível de ocorrer nessas bases.
O TNP precisa, sim, de reformas, mas elas teriam de ser bem mais radicais do que poderiam admitir os cinco privilegiados da atualidade. Nem eles poderiam admitir o seu desarmamento, o que obviamente não ocorrerá, nem eles vão querer estimular em demasia o desenvolvimento nuclear – ainda que para fins eminentemente pacíficos – dos demais países. Assim, parecem existir poucas chances de progresso institucional na questão nuclear, com base nos instrumentos atualmente disponíveis, em primeiro lugar o TNP. Haverá, portanto, muita hipocrisia e muito more of the same nesta agenda.
Não se concebe, com efeito, as potências nuclearmente armadas favorecendo o ingresso de países “candidatos” no clube nuclear. Eles precisariam “forçar a porta” e garantir o seu ingresso, mas sempre serão passageiros incômodos, por não disporem do bilhete desde a partida. Em outros termos, não haverá nenhum levantamento de restrições à transferência de tecnologia. Mas os próprios países que aspiram ingressar no grande jogo estratégico terão de buscar sua equiparação progressiva – embora rudimentar – com os cinco grandes, com base em sua própria capacitação. Esta dependerá em grande medida do aprendizado próprio – ou seja, ciência e indústria, com base em tecnologia endógena ou copiada –, da política dirigida ao comércio de materiais sensíveis, alguma cooperação bilateral e um pouco de espionagem.
Quanto ao problema da reforma da Carta das Nações Unidas e a ampliação do seu Conselho de Segurança, esse processo não tem a ver, diretamente, com a posse de algum artefato nuclear. O Japão – potencialmente capaz de desenvolver a arma, mas que prefere, por enquanto, viver castrado nessa dimensão – e a Índia são, teoricamente, os dois únicos países que estariam na lista dos EUA para ingresso no CSNU, mas não por algum cálculo de natureza estratégica que envolva a posse de armas nucleares. De toda forma, o alegado desejo dos países membros e dos candidatos em promover uma “democratização” das estruturas de poder internacional não passa de uma hipótese pouco credível para quem acompanha a realidade das relações internacionais. Os cinco permanentes atuais não desejam a reforma e não pretendem diluir o seu poder com novos candidatos. O status quo lhes convém e assim será mantido até que novos dados da realidade alterem substancialmente a equação estratégica do cenário internacional contemporâneo. Uma coisa é certa: o “gênio” nuclear continuará fora da garrafa.
E o Brasil, como se situa ele, neste cenário de unilateralismo arrogante, de arranjos oligárquicos e de pressões sobre os países “desviantes”? Ele mesmo poderia ser incluído nessa categoria, ao persistir sua recusa do Protocolo adicional ao TNP, mesmo depois de aceitar relutantemente esse instrumento discriminatório em 1996. É certo que, na origem, isto é, nos anos 1950, o Brasil mantinha concepções otimistas – talvez ingênuas – sobre a utilização do poder nuclear, tanto sob a forma de energia, como em aplicações médicas e mesmo em obras de engenharia civil. Depois ele alimentou o sonho de aceder à tecnologia de processamento e de sua eventual utilização militar, ao empreender, entre outros programas, a cooperação nuclear com a Alemanha (que, junto com o Brasil, foi objeto de intensas pressões dos EUA). Sua capacitação interna foi prejudicada por insuficiência de recursos e de vontade política, independentemente do eventual sucesso tecnológico do acordo com a Alemanha, que não foi conduzida a termo. Foi, provavelmente, melhor assim, pois o espectro de uma corrida nuclear com a Argentina foi afastado e ambos os países terminaram não apenas acedendo ao TNP, como também desenvolveram um programa exemplar de cooperação em salvaguardas nucleares que pode servir de modelo para outras situações do gênero (provavelmente no sul da Ásia, com o impasse indo-paquistanês ainda pendente).
Continuam pendentes, portanto, o problema da recusa brasileira ao Protocolo adicional ao TNP – que parece ter a ver com uma hipotética “tecnologia original” utilizada na fábrica de processamento de Resende – e a questão da postura em relação à nova “doutrina nuclear” dos EUA, que envolve o controle das atividades civis, em todos os seus aspectos (comerciais, tecnológicos, produtivos). Tendo em vista o nacionalismo e o soberanismo brasileiros, não haverá progresso sensível no futuro imediato, mas essa questão não é crucial no plano da segurança estratégica para a ordem política mundial: afinal de contas, o Brasil não é um elemento desestabilizador da ordem internacional e o mundo pode facilmente conviver com esse tipo de nacionalismo “nuclear”.

Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 7/11/2011)

sábado, 19 de março de 2011

Matriz energetica brasileira: discutindo seriamente...

Raramente concordo integralmente com o que escreve esse jornalista, que encontro ecologicamente correto, o que para mim é quase sinônimo de fundamentalismo ambiental.
Mas ele toca nos pontos corretos -- não disse seus argumentos -- neste artigo que conclama à discussão ampla sobre nossas opções energéticas.
Paulo Roberto de Almeida

Energia - a chance de discutir sem soberba
Washington Novaes
O Estado de S.Paulo, 18 de março de 2011

É impressionante a atitude de soberba olímpica - para não falar em descaso ou desprezo - com que o Ministério de Minas e Energia (MME) encara as dúvidas da comunidade científica e da nossa sociedade a respeito da política energética nacional. Uma postura que se torna mais evidente e incompreensível no momento em que o mundo se interroga a respeito dos desdobramentos da série de acidentes nucleares no Japão, após o terremoto e o tsunami. O ministro Edison Lobão, por exemplo, questionado (Agência Estado, 15/3) sobre a possibilidade de estar em questão a segurança das usinas nucleares brasileiras - já que se debate a segurança nuclear no mundo todo -, "descartou a possibilidade de qualquer mudança". E o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear disse apenas temer "danos ao programa nuclear brasileiro", que prevê, além de Angra 3, em construção, mais quatro usinas nucleares até 2030.

Dá a impressão de que estamos fora - ou acima - do mundo, no momento em que a Alemanha suspende a decisão que tomara de prorrogar por 12 anos a vida de usinas que seriam fechadas até 2021 e decide desativar várias usinas antigas; a Suíça suspende o licenciamento de novas usinas; a Áustria pede à União Europeia que teste a segurança de todos os reatores em atividade em 14 dos seus 27 países; o Partido Verde da França (país que mais depende de energia nuclear) exige um referendo sobre o modelo; Bélgica e Polônia anunciam que reavaliarão seus caminhos nessa matéria; o governo da Grã-Bretanha pede reavaliação imediata de 11 usinas projetadas; nos EUA, senadores que defendiam a proposta do presidente Barack Obama de destinar US$ 36 bilhões para 20 usinas nucleares novas agora recomendam prudência (The New York Times, 13/5), já que 31 das atuais 104 usinas nucleares norte-americanas têm tecnologia japonesa, com 23 reatores iguais aos da usina de Fukushima.

Não é só. A secretária da Convenção do Clima, Christiana Figueres, não duvida de que "vai mudar o cenário mundial", tal como dizem especialistas em energia em vários países, inclusive no Brasil. "O acidente vai fazer todo o mundo repensar o uso de usinas nucleares", afirma o professor Aquilino Senra Martinez, da UFRJ, lembrando que o projeto de Fukushima é da década de 60 (Folha de S.Paulo, 13/5). "O desastre serve de alerta para o Brasil", acentua o ex-ministro José Goldemberg, lembrando que o risco na área nuclear é grande e "há melhores opções", que "o Brasil deveria discutir" (O Popular, 13/5). Tudo na mesma linha de editorial deste jornal (15/3, A3), lembrando que o desastre de Fukushima levanta dúvidas sobre a segurança e "deve estimular o debate internacional".

De fato, a tragédia no Japão ressaltou mais uma vez as grandes questões que há décadas permeiam a área nuclear:

Passado e presente evidenciam a alta dose de insegurança de operação de usinas nucleares e os riscos de desastres, quase invariavelmente de consequências dramáticas;

a energia nuclear é muito mais cara que outras formas de energia;

nenhum país conseguiu até hoje equacionar o problema da destinação dos altamente perigosos resíduos de reatores nucleares, que em geral se acumulam nas próprias usinas (como em Angra 1 e 2; em Angra 3, o então ministro Carlos Minc, que sempre criticara as duas primeiras usinas, condicionou o licenciamento da terceira a uma solução "definitiva" para os resíduos - o que não foi feito, mas não impediu o início das obras).

A própria Tepco, empresa que opera a usina acidentada no Japão, já fora multada anteriormente por falhas na segurança de suas usinas. Outras 11 usinas já apresentaram problemas (Estado, 15/3). Ainda assim, o país - que já teve acidentes graves antes - mantém 55 reatores nucleares, que fornecem pouco mais de 30% da energia consumida. Mas é também considerado desde 1990 exemplar em matéria de técnicas de construção resistente a terremotos. Em Fukushima, a usina resistiu ao tremor, mas não ao tsunami; a sequência interrompeu o funcionamento dos geradores de emergência e o resfriamento dos reatores. E é uma usina projetada para resistir a vibrações nas estruturas dez vezes mais intensas que as suportadas por Angra 1 e 2 (Veja, 16/3).

No nosso caso, é preciso lembrar ainda que Angra 1, 2 e 3 estão numa região sujeita a eventos climáticos extremos, que já provocaram no município deslizamentos e desastres. Não bastasse, num programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, o professor Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e hoje uma das principais figuras da área de ciência no governo federal, disse que o projeto de Angra 3 "deveria ser revisto", diante das informações de vários cientistas de que o nível do mar já está se elevando no litoral fluminense, acompanhando o que acontece em praticamente todo o mundo.

São muitas, portanto, as razões que deveriam levar a direção da nossa política de energia a discutir os rumos dessa área. Ouvir a comunidade científica, que, como já foi mencionado neste espaço mais de uma vez, tem dito que o Brasil pode tranquilamente viver com metade da energia que consome hoje - economizando 30% com projetos de conservação e eficiência (como conseguiu economizar no apagão de 2001); ganhando mais 10% com a redução das perdas nas linhas de transmissão, hoje em 17%; e outros 10% com repotenciação de geradores antigos, a custos menores que os de implantação de novas usinas. É o que diz há muito tempo, por exemplo, estudo da Unicamp e do WWF, de 2006. Mas fala ao vento.

Não faz sentido apregoar - como já pregam alguns - que sem a energia nuclear não haverá caminho senão o das mega-hidrelétricas na Amazônia, muito questionadas. Ou a ampliação das termoelétricas - que, na verdade, já está ocorrendo. O que faz sentido é, numa hora dramática como esta, convocar a comunidade científica e, diante da sociedade, debater livremente nosso modelo energético.

JORNALISTA
E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Politica Nuclear do Iran (6): Uma ducha fria em certas pessoas

Quando foi comemorado, da forma mais estrepitosa possível, o imenso sucesso diplomático alcançado em Teheran, pela dupla turco-brasileira, alguns leitores e comentaristas mais afoitos não se privaram de me escrever -- inclusive equivocadamente, em outro post que não tinha nada a ver com o assunto -- para, numa espécie de provocação, incitar-me a comentar o assunto.
Teve um até que me tratou por "tio" (sic), disparando algo do gênero: "E aí, tio, não vai comentar a vitória histórica da diplomacia brasileira?" (passons...)
O tempo voa, e no dia seguinte já tinha uma ducha fria no entusiasmo dos neófitos, com o anúncio de uma resolução sobre sanções.
Eu, obviamente, não "torço" para nenhum lado, apenas para o da verdade, o da paz e o da segurança mundial. Sob esses poucos critérios, muito simples deduzir como estaria o mundo -- mais próximo ou mais distante desses objetivos -- se uma ou outra solução prevalecer. Desde o primeiro post desta série, eu advertia que não tinha a menor ideia de como este assunto vai terminar, mas antecipava que o final não seria muito feliz. Talvez eu nem suspeitasse que ele faria infeliz a mais gente do que os suspeitos de sempre (como diria aquele personagem de Casablanca).
Abaixo, um artigo para alimentar o debate...
Destaco apenas um trecho, que tem a ver com as pretensões a "pacificador" do Brasil:
Mas por que o Brasil não tenta mediar o conflito entre Venezuela e Colômbia em torno das Farc? Ou a disputa prolongada entre Argentina e Uruguai em torno de uma fábrica de celulose na fronteira entre os países? Ou a disputa territorial entre Chile e Peru? Ou o conflito entre Equador e Colômbia suscitado pelo ataque de 2008 contra uma base da guerrilha colombiana no Equador?
São boas perguntas, para começar. Se alguém tiver respostas sérias, que não sejam ofensivas, nem transponham o limite da pertinência, pode comentar, que eu publico; que estejam na linha e no espírito do que vem sendo publicado aqui, pelo menos...
Paulo Roberto de Almeida

O tropeço do Brasil no Irã
Andrés Oppenheimer
Folha de S.Paulo, 21.05.2010

A autoproclamada vitória diplomática do Brasil no Irã no início da semana levou comentaristas a afirmar que o país teria se convertido num novo protagonista da diplomacia mundial. Mas é provável que tenham se enganado, ou, no mínimo, falado antes da hora.

Em vez disso, o anúncio feito na segunda pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que Brasil e Turquia tinham mediado um acordo com o Irã para resolver a crise internacional em torno do programa nuclear iraniano pode ficar na história como caso típico de megalomania diplomática.

O anúncio pode também levantar perguntas crescentes sobre o porquê de Lula estar tentando resolver sozinho os maiores problemas do mundo - como o programa nuclear iraniano ou, semanas antes, o conflito israelo-palestino - ao mesmo tempo em que praticamente não move uma palha para tentar mediar disputas que estão muito mais perto de casa, na própria América Latina.

Após firmar o acordo entre os três países durante sua visita ao Irã, Lula, enlevado, ergueu suas mãos com o homem-forte iraniano Mahmoud Ahmadinejad e o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan e proclamou que o acordo foi "uma vitória da diplomacia".

Pelo pacto, o Irã concordou em enviar 1.200 quilos de urânio pouco enriquecido à Turquia. Em troca, receberia mais ou menos um ano mais tarde 120 quilos de urânio enriquecido da Rússia e da França. O acordo é semelhante ao proposto em outubro por EUA, Rússia, China e Europa, que o Irã chegou a sinalizar que aceitaria para depois recuar.

Defensores do esforço de mediação brasileiro-turco observam que o Irã fez concessões importantes no novo acordo: até agora, Teerã vinha rejeitando a ideia de armazenar seu urânio no exterior e exigia que qualquer troca fosse feita de maneira simultânea.

Sanções
Contudo, horas apenas depois de Lula ter declarado vitória, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, anunciou que o governo Obama tinha fechado um acordo com Rússia, China, França e Reino Unido para impor sanções ao Irã.

Em outras palavras, as potências mundiais viram o trato feito pelo Irã com o Brasil e a Turquia como mais uma tentativa de Teerã de ganhar tempo enquanto continua a construir armas nucleares em segredo. Especialistas em proliferação nuclear dizem que o pacto Brasil-Turquia-Irã para reativar o plano de outubro foi falho porque as circunstâncias mudaram significativamente desde então: o Irã continuou a enriquecer urânio a todo
vapor nos últimos sete meses.

Isso significa que o acordo prevê a troca de uma porcentagem muito menor do estoque de urânio iraniano do que previa o plano anterior. "Não acho que tenha sido uma vitória diplomática", diz Sharon Squassoni, especialista em proliferação nuclear do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington. "Foi, na verdade, uma iniciativa preventiva da parte do Irã para evitar novas sanções. Como tal, fracassou."

Vizinhos
Minha opinião: não há nada de errado em uma potência emergente como o Brasil tentar resolver grandes crises internacionais, apesar de Lula ter um histórico lamentável de sempre partir para o resgate de alguns dos ditadores mais implacáveis do mundo. Eu gostaria muito de ver o Brasil assumindo riscos para apoiar a democracia e os direitos humanos.

Mas por que o Brasil não tenta mediar o conflito entre Venezuela e Colômbia em torno das Farc? Ou a disputa prolongada entre Argentina e Uruguai em torno de uma fábrica de celulose na fronteira entre os países? Ou a disputa territorial entre Chile e Peru? Ou o conflito entre Equador e Colômbia suscitado pelo ataque de 2008 contra uma base da guerrilha colombiana no Equador?

O Brasil provavelmente considera que as disputas latino-americanas não fazem jus a sua estatura internacional. É possível que tema que exercer um papel pacificador maior na região seja acompanhado de responsabilidades econômicas que não deseja assumir.

Mas não é possível ser um anão diplomático em sua própria região e tentar ser um gigante longe de casa. Se o Brasil quiser ser um ator construtivo nos assuntos internacionais, poderia começar por comportar-se como tal em casa.

Comichoes nucleares no governo brasileiro...

Tem gente que não se conforma com certas escolhas, e que também continua a exibir uma concepção militarista do mundo e da inserção internacional do Brasil

Visão nuclear
MERVAL PEREIRA
O Globo - 20/05/2010

A reincidência do vice-presidente José Alencar na defesa da bomba atômica como arma de dissuasão, garantidora da paz, coloca uma questão política importante na discussão internacional sobre o programa nuclear iraniano e a posição do Brasil de negociador de um acordo que formalmente almeja recolocar o Irã nos trilhos institucionais, mas que
na prática apenas lhe permite ganhar tempo para que continue com seu programa longe da supervisão dos organismos internacionais e a salvo das sanções da ONU.

Não se deve considerar uma mera irrelevância o repetido comentário de Alencar, a não ser que se queira que o governo brasileiro como instituição não seja responsabilizado por suas palavras e atos.

É sabido que há setores dentro do governo que avaliam como um erro estratégico a política que desaguou na assinatura pelo Brasil do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), em 1997, no primeiro governo de Fernando Henrique.

E nesse raciocínio político está a raiz do atual confronto do Brasil com os cinco países com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, especialmente os Estados Unidos.

O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que até pouco tempo era o segundo homem do Itamaraty, e hoje é ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, responsável portanto por prever as ações que levarão o país ao desenvolvimento no longo prazo, considera que o Brasil usou o pretexto de uma aliança estratégica com a Argentina para
aderir a todas as iniciativas americanas, especialmente na área militar.

Nessa visão geopolítica está resumida a diretriz da atual política externa brasileira.

O que na ocasião foi considerado pelo Itamaraty um gesto de preservação de nossa liderança regional, ao não permitir que a desconfiança dos argentinos sobre nossas intenções nucleares, que foram verdadeiras na época dos governos militares, gerasse um ambiente de tensão política, hoje, pelo mesmo Itamaraty, é visto como uma capitulação diante do poder hegemônico dos Estados Unidos.

Já na campanha presidencial de 2002, Lula provocou grande polêmica quando criticou a adesão do Brasil ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, e teve que voltar atrás.

O tratado vigora desde 1970, veta pesquisas para a produção de bombas atômicas, e foi assinado por 187 dos 190 países da ONU, mas ratificado por menos da metade.

O governo brasileiro de maneira geral, através dos ministros ligados à área, em especial o Itamaraty, e o próprio presidente Lula em diversas ocasiões, defendem a tese de que o TNP não é cumprido, pois não há movimentos realmente concretos pelo desarmamento nuclear.

Os recentes acordos do governo Barack Obama com a Rússia sobre ogivas nucleares não são levados na devida conta pelo governo brasileiro.

Embora a tese oficial da diplomacia brasileira seja de que é preciso desarmar todos, é um pensamento comum entre as autoridades brasileiras que, se alguns países podem ter a bomba atômica, como Paquistão e Israel, outros deveriam ser acolhidos no clube nuclear.

Ou que o verdadeiro problema do Oriente Médio é que Israel tem a bomba atômica, o que justificaria a decisão do Irã de também ir atrás do desenvolvimento de armas nucleares como fator de "dissuasão", como o vice-presidente quer demonstrar.

Quando era o todo poderoso chefe do Gabinete Civil do governo Lula, José Dirceu defendia abertamente a ideia de que a bomba atômica era uma arma política que faria falta ao Brasil no confronto internacional, e destacava que dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), o único que não tinha a bomba era o Brasil.

Essa maneira de pensar a geopolítica mundial, e mais o convencimento, com base na realidade do mundo atual, de que está havendo uma mudança de paradigmas, e que os países emergentes assumirão o comando político do novo mundo multipolar, na mesma proporção em que suas economias estão se destacando em relação às da Europa, Estados Unidos e Japão (o G3), pode ter levado o governo brasileiro a dar um passo maior que
suas pernas.

A posição da China era a grande esperança do governo brasileiro. Mas, até o momento, não há indicação de que a China se colocará contra os demais países do Conselho de Segurança da ONU.

Ao contrário, o governo chinês assinou a nova proposta de sanções contra o Irã, embora tenha ressaltado que as aprovava porque elas eram direcionadas contra o programa nuclear iraniano, e não contra "o povo" iraniano.

É sintomático que o governo chinês tenha mais cautela do que o do Brasil ou da Turquia, quando se trata de uma confrontação definitiva com as potências ocidentais.

A China é realmente a grande potência econômica no mundo atual e joga um papel fundamental no equilíbrio mundial.

Talvez por isso não tenha tanta necessidade de mostrar sua força, nem interesse em se confrontar com os Estados Unidos.

O aiatolá Ali Khamenei, líder religioso supremo do Irã, deu o toque de contraposição aos Estados Unidos quando recebeu o presidente Lula, destacando a altivez com que o governo brasileiro tem enfrentado a posição americana na disputa do programa nuclear iraniano.

Colocar a intermediação do governo do Brasil nesses termos só foi possível com a aquiescência da diplomacia brasileira.

Oficialmente, em todo esse processo de negociação sobre o programa nuclear iraniano, o governo brasileiro tem ressaltado o apoio ao uso pacífico da energia nuclear.

Essa postura deveria comprometêlo, na intermediação com o Irã, a encaminhar as conversações no sentido de incluir seu programa sob observação e supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Mas aí Amorim diz que essa questão é parte da soberania de cada país, assim como o governo brasileiro considera indevidas as pressões para que o Brasil assine o protocolo adicional do TNP, que amplia a fiscalização da AIEA.

O que gera desconfiança sobre as reais intenções do governo brasileiro.

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Uma análise da economia política da arma nuclear seria certamente negativa do ponto de vista dos interesses nacionais brasileiros, sem considerar os aspectos geopolíticos e diplomáticos envolvidos.
Se os atuais líderes quisessem precipitar uma corrida nuclear na região não agiria de outro modo...
PRA.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Why Brazil is a Broker with Iran (Matias Spektor - CFR)

Existem outras razões, também, não exatamente explicitadas no artigo. E existem outras razões, também, não explicitadas no artigo, para o Irã desejar enriquecer urânio, supostamente para fins energéticos.
PRA.

Why Brazil is a Broker with Iran
Matias Spektor, Visiting Fellow
Council on Foreign Relations, May 17, 2010

Iran on May 17 signed an agreement brokered by Brazil and Turkey to ship low-enriched uranium to Turkey in exchange for nuclear fuel for its medical research reactor. It is not clear whether the agreement will frustrate a U.S.-sponsored new round of sanctions by the UN Security Council. Nor is it clear that the Iranians will be reliable partners when it comes to implementation. To many in Washington, Brazil has been "naïve," playing the role of Iran's "useful idiot." Others see Brazil's move as more perniciously anti-American, the combination of rooted nationalism and an upcoming presidential race.

However the latest chapter of this crisis unfolds, it is important to understand Brazil's new diplomatic assertiveness. In the past few years, Brazil opened more than thirty new embassies in Africa, and the government of President Luiz Inacio Lula da Silva launched a Middle East policy that includes growing trade and political consultations with Iran, the Arab world, and Israel. The dominant perception in Brasilia today is that problems diplomats could afford to ignore only a few years ago now require a response. As is normally the case with rising powers, Brazil is now redefining its own national interests in ever-expanding terms.

Brazil, currently a nonpermanent member of the Security Council, has insisted that UN sanctions against Iran will be both ineffective and counterproductive. It shares the view held by a number of developing-world nations that the Nonproliferation Treaty has become a tool for the strong to lay down the law on the weak at their own discretion. Nuclear Israel and India will not be punished for sitting outside the regime, and may even be rewarded, say these countries, but Iran will be denied its rights under the NPT to enrich uranium to fuel a medical research reactor. No wonder, the argument goes, countries will have an incentive to abandon a regime that is in need of deep repair. Here Brazil believes it has the moral authority to speak up because it is the only non-nuclear member of the BRIC group (the major emerging-nations group that includes Russia, India, and China) and because it has willingly relinquished any ambitions to acquire a nuclear weapon.

This policy trend is unlikely to change no matter who succeeds Lula in the October presidential elections. There might be a partial pullback from current diplomatic exposure in places like Africa or the Middle East, and even a change in rhetoric. But the quest for upward mobility will remain in place, and so will the fundamental belief that the winds are blowing to Brazil's favor. As U.S. Ambassador to Brasilia Tom Shannon recently put it (FT), "As Brazil becomes more assertive globally and begins to assert its influence, we are going to bump into Brazil on new issues and in new places." This is because in the Brazilian view, existing models of governance have failed to produce a fair and stable international system.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Going nuke? - Der Spiegel

O autor do artigo do Der Spiegel exagera, e o urânio enriquecido para os reatores dos submarinos nucleares da Marinha não permitiriam fabricar armas atômicas, mas que tem muita gente desejosa de avançar por mares nunca dantes navegados, isso tem, e não apenas entre os militares...

O Brasil está desenvolvendo a bomba?
De Spiegel, 3 maio 2010

Em outubro de 2009, a renomada revista americana “Foreign Policy” publicou um artigo intitulado “As futuras potências nucleares com as quais você deve se preocupar” (The Future Nuclear Powers You Should Be Worried About). Segundo o autor, Cazaquistão, Bangladesh, Mianmar, Emirados Árabes e Venezuela são os próximos candidatos — depois do Irã — a membros do clube das potências nucleares. Apesar de suas interessantes evidências, o autor deixou de mencionar a potência nuclear virtualmente mais importante: o Brasil.

Hoje em dia, o Brasil é visto com alta estima pelo resto do mundo. Seu presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, se tornou um astro no cenário internacional. “Esse é o cara”, disse certa feita o presidente dos EUA, Barack Obama, em um elogio ao parceiro. Lula, como se sabe, pode até mesmo receber o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, com todas as honras, numa demonstração de apoio a seu programa nuclear, em razão do qual o Irã enfrenta o ostracismo no resto do mundo.

A autoconfiança de Lula é um indicativo da reivindicação do Brasil de assumir o status de grande potência — inclusive em termos militares. A reivindicação militar está refletida na Estratégia Nacional de Defesa, que foi apresentada no fim de 2008. Além do domínio do ciclo completo do combustível nuclear — que já foi conquistado —, o documento trata da construção de submarinos nucleares.

Perto de construir a bomba
Pode soar inofensivo, mas não é, porque o termo “submarino nuclear” poderia ser, de fato, uma fachada para um programa de armas nucleares. O Brasil já teve três programas nucleares secretos entre 1975 e 1990, cada uma das Forças Armadas buscando seu próprio caminho. A atuação da Marinha provou ser a mais bem-sucedida: usa centrífugas importadas de alta performance para produzir urânio altamente enriquecido, a partir de hexafluoreto de urânio, para poder operar pequenos reatores para submarinos. No momento certo, a capacidade nuclear recém-adquirida do país seria revelada ao mundo com uma “explosão nuclear pacífica”, seguindo o exemplo já dado pela Índia. Um poço de 300 metros para o teste já tinha sido perfurado. Segundo declarações do ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, em 1990, os militares brasileiros estavam prestes a construir uma bomba.

Mas isso nunca aconteceu. Durante a democratização do Brasil, os programas nucleares secretos foram efetivamente abandonados. Segundo a Constituição de 1988, as atividades nucleares ficaram restritas a “usos pacíficos”. O Brasil ratificou em 1994 o Tratado de Proibição de Armas Nucleares na América Latina e Caribe e, em 1998, o Tratado de Não-Proliferação Nuclear e o Tratado Abrangente de Proibição de Testes Nucleares. O flerte do Brasil com a bomba aparentemente havia terminado.

Sob Lula, entretanto, este flerte volta a predominar, e os brasileiros estão se tornando cada vez menos hesitantes em brincar com sua com sua própria opção nuclear. Poucos meses depois da posse de Lula, em 2003, o país retomou oficialmente o desenvolvimento de um submarino nuclear.

Já durante a campanha eleitoral, Lula criticou o Tratado de Não-Proliferação, chamando-o de injusto e obsoleto. Apesar de o Brasil não ter denunciado o tratado, tornou evidentemente mais difíceis as condições de trabalho dos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A situação se tornou tensa em abril de 2004, quando foi negado à AIEA acesso ilimitado a uma instalação de enriquecimento recém-construída em Resende, perto do Rio de Janeiro. O governo brasileiro também deixou claro que não pretendia assinar o protocolo adicional do Tratado de Não-Proliferação, o que permitira a inspeção de instalações sem aviso prévio.

Em meados de janeiro de 2009 — durante uma reunião do Grupo dos Fornecedores Nucleares, seis países que trabalham pela não proliferação por intermédio do controle da exportação de materiais nucleares —, os motivos dessa política restritiva ficaram claros: o representante do Brasil fez de tudo para combater as exigências que tornariam transparente o programa do submarino nuclear.

Aberto à negociação
Por que todo esse sigilo? O que há para esconder no desenvolvimento de pequenos reatores para mover submarinos, sistemas que vários países possuem há décadas? A resposta é tão simples quanto perturbadora. Também o Brasil, provavelmente, está desenvolvendo algo mais do que declarou: armas nucleares. O vice-presidente José Alencar apresentou uma razão quando defendeu abertamente a obtenção de armas nucleares pelo Brasil, em setembro de 2009. Para um país com uma fronteira de 15 mil quilômetros e ricas reservas de petróleo em alto-mar, disse Alencar, essas armas não seriam apenas uma ferramenta importante de “dissuasão”, mas também dariam ao Brasil os meios para aumentar sua importância no cenário internacional. Quando se lembrou que o Brasil tinha assinado o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, Alencar reagiu calmamente, afirmando que era um assunto aberto à negociação.

Como exatamente o Brasil poderia produzir armas nucleares? A resposta, infelizmente, é que isso seria relativamente fácil. Uma precondição para a fabricação legal de pequenos reatores para os motores de submarino é que o material nuclear regulado pela AIEA seja aprovado. Como o Brasil define suas instalações para a construção do submarino nuclear como áreas militares restritas, os inspetores da AIEA não têm acesso a elas. Em outras palavras: assim que o urânio enriquecido fornecido legalmente passa pelo portão da instalação onde os submarinos estão sendo construídos, ele pode ser utilizado para qualquer propósito, incluindo a produção de armas nucleares. E como quase todos os submarinos nucleares funcionam com urânio altamente enriquecido, o mesmo utilizado nas armas, o Brasil pode facilmente justificar a produção de combustível nuclear altamente enriquecido.

Mesmo sem nenhuma prova definitiva das atividades nucleares do Brasil (ainda), eventos passados sugerem que é altamente provável que o Brasil esteja desenvolvendo armas nucleares. Nem a proibição constitucional nem o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares impedirão que isso aconteça. Bastaria a Lula dizer que o EUA não têm o direito do monopólio das armas nucleares nas Américas para obter uma autorização do Congresso. Se isso acontecesse, a América Latina não mais seria uma zona livre de armas nucleares — e a antevisão de Obama de um mundo livre de armas nucleares estaria acabada.