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sábado, 30 de junho de 2012

O Tratado de Nao-Proliferacao Nuclear: corrigindo um editorial de jornal (2005)

Leio muita bobagem nos jornais, geralmente devido a jornalistas mal informados e mal formados. Isso é normal, considerando-se a miséria educacional brasileira, a mediocrização das universidades e a indigência cultural em certos meios. Mais surpreendente é ver editoriais de jornais respeitáveis reproduzir alguns desses erros que se encontram em artigos de opinião e analíticos.
Abaixo uma correção que fiz em 2005 a um desses editoriais mal escritos e mal informados...


Carta ao Correio Braziliense sobre o TNP
Brasília, 9 de maio de 2005
Senhor diretor,
O editorial do CB desta segunda-feira, 9 de maio, sobre o “Desafio Nuclear”, contém diversos equívocos factuais e vários erros analíticos, induzindo os leitores a uma visão distorcida do que seja o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), sobre seus membros originais e seu papel no cenário internacional. Permito-me tão somente corrigir os mais graves erros desse editorial.
O TNP não foi firmado em 1970 entre os EUA e a finada URSS. Ele foi firmado em 1968, com a participação original dos EUA, da URSS e do Reino Unido, e não incluiu, até o início dos anos 1990, nem a China, nem a França. O TNP está completando, portanto, 37 anos, e não apenas 35 anos, como diz o editorial.
O editorial dá a impressão de que esses dois últimos países eram membros do mesmo “clube atômico” que os membros originais do TNP, quando isso não corresponde à verdade. De fato, eles se capacitaram no início dos anos 1960: a França explodiu seu primeiro artefato nuclear em 1962, no deserto argelino, e a China comunista, que não era ainda titular no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), o fez em 1964.
O editorial dá portanto a impressão de que o “clube atômico” deriva do TNP, quando isso não é verdade, e transmite a idéia de que a China já pertencesse ao CSNU. A China comunista só passou a ocupar a cadeira permanente a partir de 1971, quando a China nacionalista (mais conhecida como Taiwan) cede seu lugar na ONU à China continental.
É enganoso falar de um “clube atômico”, cujo membros se comprometeram a transferir tecnologia para uso civil aos não detentores de capacidade bélica nessa área, como também é enganoso falar que esse “clube” seria composto de “sócios assumidos” como a Coréia do Norte, Índia e Paquistão, quando esse status não é reconhecido pelo TNP ou pela comunidade internacional. Esses países podem ser de fato detentores de capacitação nuclear, mas não fazem parte de nenhum “Clube Atômico” (com maiúsculas, como escreve o CB).
Tampouco é correta a afirmação de que as autoridades sul-africanas reconheceram deter essa capacitação durante o regime do apartheid. Essa informação foi prestada a posteriori, justamente no momento da transição para o regime de maioria negra, quando também se informou que o programa estava sendo desmantelado.
Finalmente, é equivocado afirmar que o governo FHC decidiu assinar e ratificar o TNP em 1997, “diante de fortes pressões contra o Programa Espacial Brasileiro”. Tratou-se de decisão refletida com bastante antecedência e adotada num momento de revisão da política brasileira relativa a tecnologias duais, quando também o Brasil acedeu a foros restritos como o Regime de Controle de Tecnologias de Mísseis (MTCR), esse sim um clube restrito funcionando como foro informal de controle de tecnologias sensíveis.

Paulo Roberto de Almeida, Professor de Economia Política Internacional – Mestrado em direito do Uniceub - Website pessoal: www.pralmeida.org

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O TNP e a posição do Brasil: Paulo Roberto de Almeida


O Tratado de Não proliferação Nuclear (TNP) e a posição do Brasil:
Algumas posições pessoais (Paulo Roberto de Almeida)

Entrevista concedida 
para trabalho acadêmico
(Brasília, 7/11/2011)

Perguntas: 

1) O que o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) representa, em sua opinião? Segundo a hipótese do meu trabalho, o TNP teria trazido mais pacifismo ao mundo, porém provei no decorrer dos estudos que esta afirmação não se sustenta. Esse tratado teria trazido mais paz aos EUA e Brasil na sua visão?

PRA: Não foi exatamente o TNP que trouxe mais paz ao mundo, e sim o seu objeto próprio, ou seja, as armas nucleares. Por mais contraditório que possa parecer, os vetores nucleares, e as ameaças terríveis que eles fazem pesar sobre o destino dos Estados e o próprio futuro das sociedades – assim como, visto numa perspectiva ainda mais catastrófica, a própria sobrevivência da humanidade – contribuíram, desde Hiroshima e Nagasaki e o término da Segunda Guerra Mundial para que nenhum outro conflito global de grandes proporções tenha ocorrido entre as grandes potências. Foi a ameaça do holocausto nuclear que conteve os ânimos belicosos das grandes potências e impediu-as de “subir aos extremos”, ou seja, deslanchar qualquer tipo de aventura guerreira contra uma outra, igualmente detentora de arma nuclear.
O TNP é apenas uma decorrência dessa terrível perspectiva potencial – a de um conflito entre grandes potências que implicasse o uso desse tipo de vetor – e tem a ver, mais exatamente, com o monopólio desse tipo de arma de destruição em massa por um número reduzido de grandes atores internacionais, basicamente os que já detinham a posse dessas armas no momento da negociação do TNP, em meados dos anos 1960. O TNP representa, assim, uma garantia – por certo não total, ou absoluta – de que essas armas permanecerão sob controle exclusivo de um pequeno grupo de países, considerados como nuclearmente responsáveis, já que sua disseminação por um número maior de entes estatais – ou até não estatais – poderia trazer enormes riscos para a segurança estratégica dessas grandes potências, para a paz mundial, e como dito, para a própria sobrevivência da espécie humana em nosso planeta.
O TNP não trouxe mais paz ao mundo, ele apenas garantiu que a paz ficasse dependente de certo equilíbrio nuclear, desde que esse equilíbrio pudesse ser assegurado por um entendimento tácito entre os patrocinadores desse instrumento discriminatório, iníquo, desigual e unilateral, imposto ao restante dos atores estatais pelos três negociadores originais. Ele pode ser visto como parte de uma arquitetura estratégica não exatamente de paz, mas de não-guerra, pelo menos não de guerra total, e sobretudo de uma guerra direta entre as potências nuclearmente armadas.
O Brasil não é um poder nuclear, e sequer é um ente estratégico significativo, mesmo nos vetores convencionais de guerra e de dissuasão; portanto, ele não pode ser visto como um ator relevante em qualquer questão que tenha a ver com uma discussão séria em torno do equilíbrio nuclear. O Brasil é apenas um dos Estados, dentre muitos outros, que ficou reduzido à condição de participante não nuclear do TNP, embora estivesse ao seu alcance, teoricamente pelo menos, recusar o TNP e qualificar-se nuclearmente por meios próprios, como fizeram outros países (Israel, Índia, Paquistão, Coreia do Norte, por exemplo). O fato de não fazê-lo, antes da vigência da Constituição de 1988 – que proibiu ao país dotar-se de armamentos nucleares – não tem a ver com alguma falta de vontade estratégica (já que ela existia, entre a maioria dos militares e entre muitos outros membros da elite, como os diplomatas), mas sobretudo com a falta de meios financeiros, tecnológicos científicos, para se capacitar nuclearmente, pelo menos no terreno especificamente militar.
O mundo dispõe, portanto, de um acordo que não é mundial, mas tão somente internacional, que regula parcialmente o problema, que é o TNP, o tratado de não-proliferação nuclear (Washington-Moscou-Londres, 1968). Esse tratado não é certamente universal e, sobretudo, não é multilateral, uma vez que apenas três países o negociaram e depois o “ofereceram” à comunidade internacional. Ele foi posteriormente “estendido” ao resto do mundo, na ausência – talvez na oposição – dos dois outros únicos países nucleares à época, que eram a França e a China (que a ele só aderiram no início dos anos 1990). Essa extensão se fez sob os olhos por vezes invejosos, outras vezes preocupados, de outros países, alguns deles interessados em desenvolver seus próprios artefatos nucleares, alguns outros temerosos de que a proliferação indevida dessas terríveis armas pudesse conduzir ao holocausto nuclear.

2)             Sobre a obtenção de armas nucleares por um grupo seleto de países, qual seria sua visão sobre a atitude desses países?

PRA: Não se define qual seria esse seleto grupo de países, uma equação que é altamente aleatória, pois os Estados dispõem, no universo de Westfália que ainda é o nosso, de soberania absoluta para decidir se querem, ou não, dotar-se de armamentos nucleares. É claro que, depois do TNP, aumentaram significativamente os custos – políticos, econômicos, estratégicos – para que esse passo seja dado, mas ele não é impossível, como o provam as trajetórias de países como Israel, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e, possivelmente, a África do Sul (o único país que renunciou à posse da arma atômica, depois de ter entrado no domínio dessas tecnologias, e de ter capacidade para se qualificar ainda mais, ou seja, desenvolver vetores de entrega).
De toda forma, trata-se de um arranjo de conveniência, no qual potências médias, ou países menores, renunciam a dotar-se de armas nucleares, contra a garantia, dada pelas potências nucleares de que não irão usar essas armas como ameaça, ou chantagem de uso, contra esses países que aderiram ao TNP no status de não detentor.
Resta saber como fica a situação de potências nucleares, mas militarmente médias, como Israel, Índia, Paquistão, Coreia do Norte, que não assinaram ou se retiraram do TNP e que não possuem um status muito bem definido. Existem também países que assinaram o TNP, que observam suas prescrições, mas que poderiam, se assim o desejassem, se dotar mais facilmente de vetores nucleares em prazo médio, ou até curto: seriam grandes ou médias potências econômicas, tipo Alemanha, Japão, Canadá, Espanha, algumas até em desenvolvimento (como Argentina, Brasil, México, Indonésia, e algumas outras) e talvez até países menores mas avançados, como a Suíça, a Suécia e outros.
Creio que são poucas as vantagens decorrentes do armamento atômico, pois ele traz uma série de consequências provavelmente prejudiciais ao país, como se observou – e se observa ainda – nos casos do Iraque, da Líbia e propriamente do Irã (um caso ainda não resolvido, junto com a Coreia do Norte). As sanções econômicas eventuais – o que a Índia e o Paquistão experimentaram apenas parcialmente – podem impedir a capacitação tecnológica em outras áreas. O Brasil, aliás, sofre até hoje de restrições ao acesso de materiais, tecnologias e equipamentos sensíveis por causa de seu histórico de rejeição ao TNP (até 1996) e de tentativas de capacitação nuclear no passado (ainda com alguns efeitos residuais na área de enriquecimento de urânio).

3) Sobre a tentativa de novos países obterem armas nucleares, como o Irã e Coréia do Norte, que retomou a fabricação de bombas atômicas recentemente, de que forma o Senhor explica a atitude desses países? Essa seria uma característica de um novo paradigma mundial, revelado pela nova conjuntura da globalização mundial?

PRA: A globalização não tem absolutamente nada a ver com a capacitação nuclear desses dois países, e sim a vontade de suas elites dirigentes, paranoicas ou calculistas, que estão se armando, seja para dissuadir o “império” americano, seja para intimidar possíveis contendores (no caso do Irã, o Iraque, anteriormente, possivelmente outros na região, e sobretudo Israel). Não existe tampouco nenhum paradigma mundial nesses dois casos, mas pode-se eventualmente falar do paradigma da dissuasão, que me parece, contudo, um elemento secundário, no cálculo estratégico que ambos fizeram. Certas lideranças são fascinadas, com razão, ou sem, pela perspectiva de serem consideradas potências nucleares, acreditando que isso fará com que seus países, ou seu próprio poder, seja mais respeitado e temido. São, de toda forma, países não confiáveis no plano estratégico – o que seria o caso com dois outros nucleares não reconhecidos mas de fato, como Israel e Índia – e portanto vão continuar a sofrer sanções da comunidade internacional. Cada país é um caso diferente, com capacitações diferentes, mas ambos entram naquela categoria que o maniqueísmo político americano já chamou de “Estados vilões”.

4) Como um estudioso de Relações Internacionais e tomando a posição brasileira, o Senhor concorda com a atitude brasileira de ser uma potência “pacífica” por apenas fabricar a energia nuclear para fins de pacifismo, ou acredita que seria importante o Brasil possuir armas nucleares para possuir mais poder de barganha no cenário internacional?

PRA: Não se trata de ser, ou não, potência “pacífica”, e sim de ser um país responsável, sobretudo no plano do direito internacional e dos esforços de todos os países confiáveis para assegurar a paz e a segurança internacionais. Não é a detenção da arma atômica que confere maior poder de barganha no plano internacional, se tanto isso se dá no terreno da dissuasão estrita (como fez a Índia, mais pensando na China, do que no Paquistão, que por sua vez se armou por causa da Índia, com a ajuda da China, por sinal). O que confere maior poder de barganha é ser respeitado pelas suas boas ações, e por certa capacidade militar convencional, a única que conta em certos teatros de guerra.
O Brasil não possui nenhum contenciosos estratégico com vizinhos ou países mais distantes, e não precisa, assim, exibir qualquer dissuasão nuclear, ou mesmo em vetores mais tradicionais. Ele tem, sim, de dispor de vetores convencionais para poder participar de missões de manutenção E DE imposição da paz sob coberta do CSNU. O Brasil precisar ser dotado militarmente de meios capazes de assegurar sua defesa e de eventualmente impor a paz a outros, mas jamais na posse de arma nucleares, que não resolve nenhum problema básico do país e cria dezenas de outros indesejáveis.

5) Em sua opinião, ainda sob a visão nuclear para fins não pacíficos, daqui a 50 anos teremos um mundo...

PRA: Dentro de meio século, o mundo não será muito diferente do que é hoje, ou seja, contraditório, inseguro, com focos de conflitos, mas com ainda menos potencial para conflitos nucleares, já que supostamente aumenta a consciência dos povos quanto aos efeitos nefastos da detenção de armas atômicas.
            Em todo caso, meio século é um prazo muito longo para tratar de questões estratégicas e militares, que podem mudar rapidamente com a ascensão de novos países, e a decadência ou crise de outros países. Observando-se a China, por exemplo, constata-se que ela saiu de uma miséria abjeta a uma pobreza aceitável em menos de 20 anos, tendo construído infraestrutura e capacidades tecnológicas inigualáveis no plano mundial. Mas, ela pode entrar em crise, também, e sofrer problemas ainda não de todo detectados na presente conjuntura.

6) Caso o Senhor deseje expor mais alguma opinião sobre este tema, por gentileza, fique a vontade para colocar suas ideias.

PRA: Acredito que o recurso à guerra total já não é mais possível na era nuclear, com a crescente interpenetração dos “impérios” regionais. Isto não quer dizer que o direito internacional – e suas manifestações institucionais, como a ONU e outras agências intergovernamentais – venha a prevalecer sobre a vontade dos Estados-nacionais e, sobretudo, acima desses impérios: a ameaça do uso da força deve permanecer como a ultima ratio da política internacional durante um bom tempo ainda, enquanto, pelo menos, a lógica westfaliana continuar a prevalecer (e isto pode durar mais um século e meio, aproximadamente).
            Em todo caso, na equação estratégica contemporânea, a detenção de artefatos nucleares continua a ser o elemento dominante, em ultima ratio, do jogo do poder. Existem, obviamente, outros vetores de poder, em especial o tecnológico e o econômico, este constituindo, em última instância – segundo o modelo analítico marxista, que neste particular conserva plena validade –, o elemento crucial de afirmação de supremacia, de modo continuado. Não se compreende, aliás, o desenvolvimento e a posse de artefatos nucleares senão ao cabo de certo grau de avanço científico e tecnológico, que costuma estar ligado ao nível de desenvolvimento econômico do país.
Certamente que países economicamente poderosos estão em condições de assegurar um modo de vida satisfatório aos seus cidadãos, podendo influenciar decisivamente a agenda política e econômica mundial e contribuir, no mundo contemporâneo, para o desenvolvimento econômico e social de outros povos e países. Isso é plenamente verdade. Mas, se formos decidir, em determinados momentos, sobre a paz e a guerra, e definir quem, no momento decisivo, é capaz de impor sua vontade – ou de impedir que outros imponham a sua própria vontade –, então, a posse de armas nucleares torna-se o diferencial absoluto de poder, independentemente do poder econômico relativo de cada um dos contendores.
A questão nuclear, no seu sentido amplo, estratégico, apresenta três aspectos que não estão necessariamente conectados entre si de modo estrutural, mas que foram conceitualmente reunidos pelo próprio instrumento que “regula” a questão no plano internacional: (a) a não-proliferação, que é obviamente o aspecto principal subjacente às intenções dos proponentes do TNP; (b) a cooperação nuclear para fins civis, ou pacíficos, que representa uma promessa e uma garantia das potências nuclearmente armadas em direção de todas as outras; (c) o desarmamento, que é uma hipótese fantasiosa inventada pelos proponentes do TNP para atrair – enganar seria o termo mais exato – os demais países a esse instrumento discriminatório e desigual. Em relação a esta terceira dimensão da questão nuclear, se poderia repetir o velho argumento tantas vezes utilizado em outras circunstâncias: em relação ao desarmamento, as potências nuclearmente armadas fingem que pretendem desarmar, um dia, e todos os demais fingem que acreditam nessa hipocrisia. De fato, parece difícil reverter a situação ao status quo ante: uma vez que o “gênio” nuclear saiu da sua lâmpada militar, é praticamente impossível fazê-lo retornar à sua “inexistência” anterior.
Para todos os efeitos práticos, o que vale, para as potências do TNP é a garantia de não-proliferação, com alguma cooperação na dimensão da cooperação – sob o olhar vigilante da AIEA – e a total desconsideração da dimensão desarmamento. Para todos os “nucleares”, portanto, essa questão apresenta dois aspectos: o da projeção da força e o da dissuasão. O primeiro aspecto, depois de Hiroshima e Nagasaki, não mais voltou ao cenário internacional (a despeito de alguns “ensaios”, como em Cuba, em 1962). A arma nuclear não mais voltou a ser usada como arma de terreno para abreviar o final de uma guerra, ainda que ela tenha sido cogitada em alguns cenários ou teatros possíveis de operação (como a sugestão do general MacArthur, em face da ofensiva chinesa durante a guerra da Coréia). Mesmo no caso de Cuba (1962), quando os dois grandes contendores da fase pré-TNP parecem ter chegado ao limite do abismo nuclear, não estavam reunidas todas as condições para que o jogo de pôquer, naquelas circunstâncias, chegasse a uma “solução final”.
A arma nuclear é usada, portanto, para fins essencialmente dissuasórios, e é como tal que Israel a concebe, em face de uma coalizão agressiva de Estados árabes que gostariam de varrê-lo do mapa. Existem, certamente, militares, que concebem alguma utilização tática da arma nuclear; mas os estadistas responsáveis e planejadores sensatos dos países nuclearmente “capazes” – e não apenas daqueles nuclearmente armados – assim imaginam sua equação nuclear nacional. De fato, repassando a lista dos nucleares, veremos que eles sempre tiveram em mente algum perigo estratégico, para o qual se buscou a solução de última instância.
Com a possível exceção da França – que estava exercendo uma opção de “orgulho nacional”, depois de tantas humilhações sofridas desde o século 19 – e, possivelmente, da África do Sul – que se sentia acuada pelos demais países africanos no momento do Apartheid –, todos os demais países tinham algum contendor em mente no desenvolvimento do seu programa nuclear. A China se armou contra os EUA e contra a própria URSS; a Índia o fez contra a China, menos do que contra o Paquistão; o Paquistão contra a Índia (com a ajuda da China); Israel contra os países árabes, e eles são muitos; a Coréia do Norte contra os EUA (possivelmente o Irã, também, mais do que contra o Iraque). As aventuras nucleares de Saddam Hussein (ditador do Iraque até sua derrubada pelos EUA em março de 2003) e as do coronel Kadhafy, da Líbia (estas, finalizadas depois de duras sanções contra o país), entram nesta equação a título de bizarrice, embora o ditador do Iraque tivesse o inimigo iraniano no seu planejamento militar. De todos esses países, o único que desarmou voluntariamente foi a África do Sul; mas ela o fez no momento da transição para o regime de maioria negra, e esse elemento pode ter entrado no cálculo estratégico da liderança branca que assim decidiu no início dos anos 1990. Quanto à Coréia do Norte, a supor que ela desarme, efetivamente, tal fato pode ser atribuído à dupla pressão da China e dos EUA, nessa ordem.
Parece haver uma teoria das relações internacionais contemporâneas – mas não testada na prática – que afirma que os Estados que se tornam nuclearmente armados passam a se comportar de modo mais responsável e condizente com suas novas responsabilidades no plano internacional. Este foi certamente o caso da China, de Israel, da Índia, embora haja desconfianças em relação ao que possam algum dia fazer o Paquistão, a Coréia do Norte e, eventualmente, o Irã. Mesmo com relação à China, se questiona se seu papel foi responsável, uma vez que ela pode ter sido decisiva na capacitação nuclear do Paquistão, que por sua vez foi, em parte, negligente com o seu programa: um físico desse país está na origem de uma das mais importantes redes de disseminação de tecnologia e materiais nucleares, num contexto de “proliferação” por empreendimento individual, um pouco como faziam os piratas de antigamente, que também podiam servir de corsários para seus Estados respectivos. Alguns cenários podem ser preocupantes, nessa hipótese de uma proliferação não controlada pelos atores responsáveis, o que poderia ser o caso do Paquistão, da Coréia do Norte e do Irã, precisamente.
Mesmo quando um país nuclearmente “capaz” não parece ameaçar a paz mundial, cenários de conflito são sempre imprevisíveis, pois as fontes podem emergir não da situação objetiva de um país determinado, em seu contexto geopolítico próprio, mas como resultado da paixão dos homens, falíveis por definição. Imaginemos, por um instante, uma ocupação das Malvinas por tropas argentinas respaldadas por um artefato nuclear que teria sido previamente desenvolvido pela ditadura militar. A história poderia ter sido bastante diferente.
O TNP vem se “universalizando” nos últimos anos, em que pese sua notória falta de legitimidade intrínseca. Por outro lado, mais países estão se tornando nuclearmente capazes, quando não nuclearmente armados. A Índia já criou uma situação nova e vem sendo aceita como uma potência nuclear de fato, ainda que não o venha a ser de direito. O grande responsável por essa transformação foi, a rigor, a potência garantidora, por excelência, do TNP e aquela teoricamente mais engajada na não-proliferação: os EUA. A dissuasão e o cálculo estratégico estão aqui bem presentes. As boas relações entre Índia e EUA, nesse terreno, têm a ver com a China, embora equivocadamente considerada como a fonte possível de desafios estratégicos para os EUA. O acordo nuclear entre EUA e Índia vale estritamente para fins civis, e não tem o poder de qualificá-la para o clube formal das potências nucleares, o que de toda forma exigiria reforma do TNP, algo praticamente impossível de ocorrer nessas bases.
O TNP precisa, sim, de reformas, mas elas teriam de ser bem mais radicais do que poderiam admitir os cinco privilegiados da atualidade. Nem eles poderiam admitir o seu desarmamento, o que obviamente não ocorrerá, nem eles vão querer estimular em demasia o desenvolvimento nuclear – ainda que para fins eminentemente pacíficos – dos demais países. Assim, parecem existir poucas chances de progresso institucional na questão nuclear, com base nos instrumentos atualmente disponíveis, em primeiro lugar o TNP. Haverá, portanto, muita hipocrisia e muito more of the same nesta agenda.
Não se concebe, com efeito, as potências nuclearmente armadas favorecendo o ingresso de países “candidatos” no clube nuclear. Eles precisariam “forçar a porta” e garantir o seu ingresso, mas sempre serão passageiros incômodos, por não disporem do bilhete desde a partida. Em outros termos, não haverá nenhum levantamento de restrições à transferência de tecnologia. Mas os próprios países que aspiram ingressar no grande jogo estratégico terão de buscar sua equiparação progressiva – embora rudimentar – com os cinco grandes, com base em sua própria capacitação. Esta dependerá em grande medida do aprendizado próprio – ou seja, ciência e indústria, com base em tecnologia endógena ou copiada –, da política dirigida ao comércio de materiais sensíveis, alguma cooperação bilateral e um pouco de espionagem.
Quanto ao problema da reforma da Carta das Nações Unidas e a ampliação do seu Conselho de Segurança, esse processo não tem a ver, diretamente, com a posse de algum artefato nuclear. O Japão – potencialmente capaz de desenvolver a arma, mas que prefere, por enquanto, viver castrado nessa dimensão – e a Índia são, teoricamente, os dois únicos países que estariam na lista dos EUA para ingresso no CSNU, mas não por algum cálculo de natureza estratégica que envolva a posse de armas nucleares. De toda forma, o alegado desejo dos países membros e dos candidatos em promover uma “democratização” das estruturas de poder internacional não passa de uma hipótese pouco credível para quem acompanha a realidade das relações internacionais. Os cinco permanentes atuais não desejam a reforma e não pretendem diluir o seu poder com novos candidatos. O status quo lhes convém e assim será mantido até que novos dados da realidade alterem substancialmente a equação estratégica do cenário internacional contemporâneo. Uma coisa é certa: o “gênio” nuclear continuará fora da garrafa.
E o Brasil, como se situa ele, neste cenário de unilateralismo arrogante, de arranjos oligárquicos e de pressões sobre os países “desviantes”? Ele mesmo poderia ser incluído nessa categoria, ao persistir sua recusa do Protocolo adicional ao TNP, mesmo depois de aceitar relutantemente esse instrumento discriminatório em 1996. É certo que, na origem, isto é, nos anos 1950, o Brasil mantinha concepções otimistas – talvez ingênuas – sobre a utilização do poder nuclear, tanto sob a forma de energia, como em aplicações médicas e mesmo em obras de engenharia civil. Depois ele alimentou o sonho de aceder à tecnologia de processamento e de sua eventual utilização militar, ao empreender, entre outros programas, a cooperação nuclear com a Alemanha (que, junto com o Brasil, foi objeto de intensas pressões dos EUA). Sua capacitação interna foi prejudicada por insuficiência de recursos e de vontade política, independentemente do eventual sucesso tecnológico do acordo com a Alemanha, que não foi conduzida a termo. Foi, provavelmente, melhor assim, pois o espectro de uma corrida nuclear com a Argentina foi afastado e ambos os países terminaram não apenas acedendo ao TNP, como também desenvolveram um programa exemplar de cooperação em salvaguardas nucleares que pode servir de modelo para outras situações do gênero (provavelmente no sul da Ásia, com o impasse indo-paquistanês ainda pendente).
Continuam pendentes, portanto, o problema da recusa brasileira ao Protocolo adicional ao TNP – que parece ter a ver com uma hipotética “tecnologia original” utilizada na fábrica de processamento de Resende – e a questão da postura em relação à nova “doutrina nuclear” dos EUA, que envolve o controle das atividades civis, em todos os seus aspectos (comerciais, tecnológicos, produtivos). Tendo em vista o nacionalismo e o soberanismo brasileiros, não haverá progresso sensível no futuro imediato, mas essa questão não é crucial no plano da segurança estratégica para a ordem política mundial: afinal de contas, o Brasil não é um elemento desestabilizador da ordem internacional e o mundo pode facilmente conviver com esse tipo de nacionalismo “nuclear”.

Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 7/11/2011)

domingo, 9 de maio de 2010

Conferencia de revisao do TNP - Editorial do NYT

Fixing the Treaty
Editorial New York Times, May 9, 2010

The world has a chance this month to send a powerful message about its determination to curb the spread of nuclear weapons. To do that, 189 nations, whose diplomats have gathered in New York, must strengthen the Nuclear Nonproliferation Treaty.

At a frightening time — when Iran and North Korea are defying the Security Council and pressing ahead with their nuclear programs, and terrorists are actively trying to buy or steal their own weapon — there has to be a law to make clear that proliferation will not be tolerated. The treaty is that law. But it is badly fraying.

Iran, which is a “non-weapons” state, managed for years to hide its nuclear activities. North Korea secretly diverted fuel and built weapons, then suddenly withdrew from the treaty and tested a weapon.

Ideally, the treaty would be strengthened with legally binding amendments. But that requires a consensus, and even then could take years of votes. A strong political document from the conference could make the world safer. That should include:

¶An insistence that all treaty members accept tougher nuclear monitoring, giving the International Atomic Energy Agency greatly expanded access to suspected nuclear sites and related data.

¶An agreement to penalize any state that violates its treaty commitments and then withdraws from the pact, as North Korea did.

¶A requirement that states that do not already make their own nuclear fuel stay out of the fuel business — it is too easy to divert to make a nuclear weapon. States with fuel programs must commit to guarantee supplies for peaceful energy programs.

¶A strong call for the United States and Russia to quickly begin negotiations on deeper weapons reductions, and a commitment to quickly draw other nuclear powers into arms reduction talks.

¶A firm agreement that there will be no more India-like exemptions from nuclear trade rules, and that any state that tests a weapon would be denied nuclear trade.

Four decades ago, a bargain was struck. Countries without nuclear weapons signed the treaty and forswore them in return for access to peaceful nuclear energy. The five weapons states — the United States, Britain, France, Russia, China — promised to eventually disarm and provide nuclear energy technology to non-weapons states.

The bargain was always tenuous, and countries that gave up nuclear arms have some right to feel aggrieved. For too long the United States and Russia did little to shrink their huge arsenals. China’s arsenal is still expanding. Washington’s agreement to sell nuclear energy technology to India (which like Pakistan boycotted the nonproliferation treaty so it could develop weapons) enshrined unequal treatment.

President Obama has shown that he is willing to lead by example. He has downgraded the importance of nuclear arms, pledged to build no new weapons, and signed a new arms reduction treaty with Moscow. All five weapons states issued a useful joint statement pledging not to test a weapon and promising to cooperate with countries seeking peaceful nuclear energy programs.

A successful conference — with robust commitments — would give real momentum as the Security Council tries to negotiate a fourth round of sanctions for Iran. That is why Iran is working so hard to dilute or block a strong consensus document.

Egypt, which leads the Nonaligned Movement, is also playing games by pressing for a nuclear-weapons-free zone in the Middle East that seeks to force Israel to give up its nuclear arsenal. That is not going to happen any time soon. All states need to ante up and reverse the treaty’s slide. The world’s security depends on it.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

2050) Politica externa brasileira: dando destaque a um comentário

A propósito deste post:

terça-feira, 20 de abril de 2010
2047) Finacial Times criticizes Brazilian Foreign Policy
Brazil's cuddly ways are barrier to seat at the top table

By John Paul Rathbone


Financial Times, 20/04/2010

recebi um comentário de um leitor bem informado, cuja utilidade -- várias citações remetendo a outros materiais de relevo, por exemplo, ademais de comentários sempre bem ponderados -- merece destaque maior do que uma simples nota de rodapé, que costuma ficar escondida, ilhada, incógnita nas dobras de outro post.
Por isso cabe aqui transcrevê-la, in totum:

Paulo Araújo disse...

Bom artigo. Concordo bastante.

Que Lula é um narcisista, não discuto. Mas chama-lo de ingênuo ou bufão é um equívoco do analista.

A atual condução da política externa não tem nada de ingênua. Tem método, embora às vezes errático na condução, como no caso de Honduras e de Cuba. Se vão ou não atingir os seus alvos estratégicos, são outros quinhentos. Se perdem a eleição agora em 2010, então ciclo fecha e a análise do período poderá ser feita com base nos resultados. Se ganharem, acho que vão continuar insistindo com a novidade do Lula atuando mais à vontade na linha de frente internacional.

Na visita ao Irã, Lula terá que convencer os aitolás que o governo brasileiro tem, em relação ao programa nuclear, os mesmos interesses estratégicos que o Irã.

Para tornar-se respeitável aos aitolás, precisará convencê-los sobre a vitória de Dilma estar no papo. Essa é a única garantia de que não haveria mudança na política externa com as eleições. Estando em fim de mandato, não vejo o que mais Lula poderia oferecer como garantia, a não ser a continuidade do seu grupo no controle do poder de Estado.

Vai dar certo o “olho no olho”? O narcisismo de Lula, alimentado diuturnamente pelo puxa-saquismo dos áulicos, o leva a crer que suas chances no Irã são tão grandes quanto o ego dele.

Eu prefiro aguardar os fatos, observar com quem ele conversará além do Ahmadinejad, ouvir o que Lula e os donos da casa dirão e, principalmente, como agirão desde agora até a VIII Conferência do TNP em maio

A Conferencia Nuclear de Teerã, tida como preparatória para a VIII Conferência do TNP na ONU, aconteceu neste último fim de semana. No domingo, foi lida uma declaração tão irrealista quanto a de Lula (pediu o desarme nuclear imediato dos EUA) na Cúpula de Washington: “Um Oriente Médio livre de armas nucleares requer que o regime sionista se una ao TNP”. A declaração foi lida pelo ministro iraniano de relações exteriores Manouchehr Mottaki (18/04/2010)

http://www.almanar.com.lb/newssite/NewsDetails.aspx?id=134189&language=es

Na abertura da Conferência, Ahmadinejad pronunciou-se favorável à criação de “um grupo internacional independente que planeje e supervisione o desarme nuclear e impeça a proliferação”. Ahmadinejad defendeu que os EUA não fossem admitidos nesse “grupo internacional independente”.

http://www.almanar.com.lb/newssite/NewsDetails.aspx?id=133861&language=es

No mesmo domingo de encerramento da Conferência que exigiu a adesão de Israel ao TNP, o governo iraniano comemorou o “dia do exército” e expôs no desfile militar os mísseis capazes de transportar ogivas nucleares.

Durante o desfile, Ahmadinejad pronunciou um discurso no qual, mais uma vez, comparou Israel a um “micróbio corrupto”. Se ainda restava dúvida sobre o objetivo estratégico de varrer Israel do mapa, a metáfora do micróbio corrupto é prova mais que suficiente dessa intenção. Apesar de não ter dito textualmente, o que mais se deve fazer com o micróbio corrupto que ameaça a saúde das nações da região, a não ser exterminá-lo?

“O regime sionista está em vias de colapso", disse Ahmadinejad. "Este regime é o principal instigador da rebelião e conflito na região [...]. A principal razão para a insegurança na região nesses últimos 60 anos é esse micróbio corrupto. Seus aliados e criadores [refere-se à criação de Israel pela ONU em 1948] devem parar de apoiá-lo [Israel] e permitir que as nações da região e os palestinos resolvam as coisas com eles”.

Só não disse exatamente o que farão com o “micróbio corrupto”.

http://www.almanar.com.lb/newssite/NewsDetails.aspx?id=133891&language=en

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De minha parte concordo com o comentarista Paulo Araujo: não há nada de ingênuo ou desinformado nas posturas assumidas pelos responsáveis pela política externa. Eles estão aplicando exatamente aquilo que acreditam e pelo que lutam. Pode ser que a realidade seja um pouco mais teimosa em se dobrar às suas crenças e intenções, mas que eles tentam, isso tentam...
Paulo Roberto de Almeida
(Xian, 21.04.2010)

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Addendum em 22.04.2010:

Dando destaque ao destaque, e agregando comentário:
O que segue abaixo, já figura em anexo, como comentário a este post que já dava destaque a um comentário anterior, em outro post, do mesmo interlocutor, que volta a escrever o que segue:

Paulo Araujo escreveu o que segue:

Não li na imprensa brasileira uma linha que fosse sobre o a Conferência em Teerã e as declarações de Ahmadinejad sobre Israel. Em minha opinião, as editorias de internacional teriam que estar ligadíssimas nesse assunto. Sobretudo porque o chefe de Estado brasileiro tem visita oficial agendada para aquele país.

Essas declarações pedindo a destruição de Israel dão uma boa medida da encrenca na qual o nosso governo irresponsavelmente quer nos enfiar. Acho grave que a imprensa silencie sobre isso.

Pelo que pude depreender após a leitura das reportagens da agência Al Manar, a posição oficial do governo brasileiro sobre o desarmamento nuclear está afinadíssima com a do Irã. Apesar de embaladas com as “nobres mentiras” da paz mundial, elas não são ingênuas. Não descarto a unificação dos governos brasileiro e iraniano no confronto que certamente patrocinarão também na VIII Conferência (contra os países que “não têm autoridade moral”).

Isso é bom para o Brasil? Eu diria que é péssimo.


Por que o fiz ?(PRA):
Poderia dizer: porque assim o quis, mas digamos que é para arrancar do anonimato de uma nota de rodapé escondida -- ja que os comentários só abrem a pedido do leitor -- que traz mais substância a um tema relevante.
A imprensa brasileira, além de ter poucos correspondentes no exterior (cinco ou seis, na média, cobrindo, mal, regiões inteiras), se preocupa pouco com questões internacionais, o que é "normal" dentro de nosso universo caipira e introvertido. Mas essa conferência de Teeran deveria ter sido seguida com atenção, pois vai "preparar" a posição de alguns países que nitidamente vão querer "perturbar" a conferência de revisão do TNP, em maio.
O Brasil estará entre os "perturbadores"? Talvez não, mas certamente vai exigir, mais uma vez, cumprimento dos compromissos de desnuclearização dos nuclearmente armadas, desta de forma mais vocal, digamos assim. Vai se aliar ao Irã? Duvidoso que o faça, mas digamos que haverá pontos concordantes, ainda que o Irã prefira não comparecer.
Mais uma demonstração de soberania, independência, posições próprias, sempre em defesa de causas altamente relevantes para o interesse nacional...

domingo, 18 de abril de 2010

2036) Reversao da adesao ao TNP?: uma revisao dos argumentos contrarios ao tratado

Dou aqui o devido destaque a um comentário recém postado no post precedente, sobre as posições brasileiras em matéria de política nuclear e em relação ao Tratado de Nao-Proliferação Nuclear, que alguns irredentistas jamais aceitaram; aliás, eles consideram ter sido erro, quem sabe uma "traição à Pátria", a decisão de aderir e de ratificá-lo.

Paulo Araújo deixou um novo comentário sobre a sua postagem "2035) Advocacia diplomatica: pagando, fazemos qual...":

Caro

Relembrando, a ratificação do TNP aprovada no Senado em 1998 teve os votos favoráveis do PT. Em reunião da ESG em 2002, Lula afirmou a inflexão ao fazer publicamente seu primeiro ataque ao TNP. Hoje, a inflexão de 2002 firmou-se como doutrina de governo. E isso é grave.

Rememorando o que disseram alguns militares da reserva, todos vinculados ao golpe de 64 e à ditadura e contrários ao TNP, sobre a ratificação do TNP pelos “vira-latas” de 1998. Antes, algumas declarações mais recentes.

Nós temos de ter no Brasil a possibilidade futura de, se o Estado assim entender, desenvolver um artefato nuclear. Não podemos ficar alheios à realidade do mundo.” (general de Exército José Benedito de Barros Moreira. ESP, 16/11/2007)
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/general-defende-que-brasil-tenha-bomba-atomica/

Em um artigo de 2004, o Vice-Almirante da Reserva Othon L.P. da Silva expressou com todas as letras a crítica que é comum no núcleo Stangelove (personagem de um filme de Kubrick):
No governo Fernando Henrique, contrariando décadas de coerência em política externa, o Brasil aceitou ratificar o TNP - Tratado de Não Proliferação nuclear.”
http://ecen.com/eee44/eee44p/inpecoes_nucleares_othon.htm

Compare-se a crítica acima com o que os contrariados disseram em 1998, em reportagem da FSP de 10/06/1998:
Os militares da ativa não falam por saber que estariam confrontando a política oficial do governo. Os da reserva falam e não têm dúvida: o Brasil comete um erro ao ratificar o TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares). [...]

"A ratificação desse acordo é o golpe de misericórdia na possibilidade de o Brasil liderar uma proposta que trate de forma igual todos os arsenais nucleares", disse o brigadeiro Ivan Frota.

"Dá para ver que a assinatura do TNP é uma papagaiada. E o mais grave é que o tratado quebra a tradição de um país jamais aceitar em acordos internacionais cláusulas discriminatórias", Bernardino Pontes, ex-comandante da Marinha
htt.p://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft10069802.htm

Em 2002, Lula anuncia a inflexão ao atacar o TNP. O que declarou em 2002 constitui hoje uma doutrina governamental. Isto é, o atual governo é hoje sem dúvida nenhuma um aliado estratégico dos antigos bombistas. É preciso levar a sério a recusa do governo do brasileiro em assinar o Protocolo do TNP. As metáforas de 2002 reativadas por Lula em 2010 expressam indiscutivelmente posição favorável do atual governo à pesquisa nuclear para fins bélicos.

Em 13/09/2002, o candidato Lula criticou a ratificação do TNP. Há quem diga que foi só bravataria, retórica eleitoral oportunista. É? Quantos mil milhares (10.000.000 ?) de votos renderia agradar essa distinta plateia? Sendo bonzinho, talvez uns 20.0000 ou, exagerando, uns 100.0000 votos, se tanto.

Cito abaixo reportagem da FSP, de 14/09/2002. Nessas declarações de Lula, a origem das retóricas do estilingue e da “falta de moral”, reativadas agora por Lula et caterva. Em reunião organizada pela ESG com 160 militares da ativa, ex-ministros e militares da reserva:

"Só teria sentido esse tratado se todos os países que já detêm [armas nucleares" abrissem mão das suas. Ora, por que um cidadão pede para eu me desarmar, para ficar com um estilingue, enquanto ele fica com um canhão para cima de mim? Qual a vantagem que levo? O Brasil só vai ser respeitado no mundo quando for forte econômica, tecnológica e militarmente" [...] Por que só os países em desenvolvimento têm de ficar com um estilingue?". [Lula]

"Disse exatamente o que eu esperava. Foi claro nas propostas." [Leônidas P. Gonçalves].

Seis ex-ministros do regime militar participaram do encontro: Aureliano Chaves (Minas e Energia e vice-presidente de 1979 a 1985), Alfredo Karam (Marinha), Carlos Tinoco (Exército), Leônidas Pires Gonçalves (Exército), Ivan Mendes (Serviço Nacional de Informações) e Gibson Barbosa (Relações Exteriores).
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1409200212.htm

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Postado por paulo araújo no blog Diplomatizzando... em Domingo, Abril 18, 2010 5:31:00 PM

Dixit...
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Paulo Roberto de Almeida
(Lanzhou, 19.04.2010)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

2082) Protocolo adicional ao TNP: duas visoes contrastantes

Escolha a sua: uma determina a defesa da soberania nacional e recusa o Protocolo adicional (de inspeções reforçadas), a outra aceita isso, como parte de nossa inserção internacional.
Folha de São Paulo (10.04.2010):

Instrumento desnecessário e humilhante
Samuel Pinheiro Guimarães

"As ultracentrífugas de tecnologia brasileira são as mais eficientes do mundo e há grande interesse em ter acesso a suas características, uma das consequências da assinatura do Protocolo Adicional, que, no caso do Brasil, seria um instrumento desnecessário, intrusivo, prejudicial e humilhante"
Samuel Pinheiro Guimarães é ministro de Assuntos Estratégicos. Artigo publicado na "Folha de SP":

O centro da questão é o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), cujo objetivo é evitar uma guerra nuclear. A possibilidade de tal conflito não está nos países que não detêm armas nucleares, mas, sim, naqueles que as detêm. Portanto, o principal objetivo do TNP deve ser a eliminação das armas dos países nuclearmente armados: Estados Unidos, Rússia, China, França e Inglaterra.

Há 42 anos esses países se comprometeram a eliminar suas armas, e há 42 anos não cumprem esse compromisso. Ao contrário, aumentaram a eficiência de suas armas nucleares.

Apesar de não terem se desarmado, esses países insistem em forçar os países não nucleares a aceitar obrigações crescentes, criando crescentes restrições à difusão de tecnologia, inclusive para fins pacíficos, a pretexto de evitar a proliferação.

Os países nucleares, ao continuarem a desenvolver suas armas e, portanto, a intimidar os países não nucleares, estimulam a proliferação, pois os países que se sentem mais ameaçados procuram se capacitar. Isso ocorreu com a então União Soviética (1949), com a França (1960) e com a China (1964).

Hoje, diante da inexistência de ameaça de conflito nuclear, o argumento dos países nucleares é a possibilidade de terroristas adquirirem a tecnologia ou as armas.

Essa tecnologia está disponível. A questão é a capacidade de desenvolver industrialmente as armas e os vetores para atingir os alvos.
Nenhum grupo terrorista detém os vetores (mísseis e aviões), nem a estrutura industrial para produzir o urânio enriquecido, nem a técnica para fabricar detonadores. Por outro lado, os terroristas poderiam obter essas armas justamente onde existem, nos países nucleares.

Nesse contexto se insere o Protocolo Adicional. O TNP prevê que todos os países-membros assinem acordos de salvaguardas com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), pelos quais os Estados não nucleares submetem a inspeção todas as suas instalações nucleares. O objetivo do acordo é verificar se há, para fins militares, desvio de material nuclear da instalação (reatores, usinas de enriquecimento etc.).

O Brasil tem atividades nucleares exclusivamente para fins pacíficos, como determina a Constituição, e tem um acordo de salvaguardas com a AIEA, que permite à agência inspecionar instalações brasileiras. Tudo com respeito à soberania nacional e a nossos interesses econômicos.

A AIEA, por proposta americana e a pretexto do programa do Iraque, elaborou um modelo de protocolo adicional aos acordos de salvaguardas, permitindo a visita de inspetores, sem aviso prévio, a qualquer local do território dos países não nucleares para verificar suspeitas sobre qualquer atividade nuclear, desde pesquisa acadêmica e usinas nucleares até a produção de equipamentos, como ultracentrífugas e reatores.

O Protocolo Adicional constituiria uma violação inaceitável da soberania diante da natureza pacífica das atividades nucleares no Brasil, uma suspeita injustificada sobre nossos compromissos constitucionais e internacionais e uma intromissão em atividades brasileiras na área nuclear.

Essa intromissão causaria graves danos econômicos, quando se consideram as perspectivas brasileiras na produção de combustível nuclear, que terá forte demanda com a necessidade de enfrentar a crise ambiental.

A solução ambiental exige a reforma da matriz energética, tanto nos emissores tradicionais, como os EUA, quanto nos de rápido desenvolvimento, como a China e a Índia.

Uma das mais importantes fontes de energia não geradora de gases de efeito estufa é a nuclear. O Brasil tem grandes reservas de urânio, tem o conhecimento do ciclo de enriquecimento do urânio e a capacidade para produzir reatores, ultracentrífugas, pastilhas etc. e, assim, pode vir a atender uma crescente demanda externa.

A preservação do conhecimento tecnológico é, assim, aspecto essencial na área nuclear. Ora, as ultracentrífugas de tecnologia brasileira são as mais eficientes do mundo. Há grande interesse de certos países em ter acesso a suas características, uma das consequências da assinatura do Protocolo Adicional, que, no caso do Brasil, seria um instrumento desnecessário, intrusivo, prejudicial e humilhante.
(Folha de SP, 10/4)

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Adesão não contraria interesse nacional
Rubens Ricupero

"O Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) é desigual e injusto, mas superior às alternativas existentes"
Rubens Ricupero é diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo. Foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Artigo publicado na "Folha de SP":

Da mesma forma que a democracia, segundo Churchill, é a pior forma de governo, exceto todas as demais, o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) é desigual e injusto, mas superior às alternativas existentes. Durante os 40 anos de sua vigência, renunciaram à arma atômica 11 países que já a possuíam ou desejavam adquiri-la (entre eles Brasil, Argentina e África do Sul).

Dos 4 que se tornaram nucleares, 3 (Índia, Paquistão e Israel) jamais assinaram o TNP, e a Coreia do Norte teve que deixá-lo antes de construir a bomba. O controle das armas de destruição de massa não é impossível, pois desde Hiroshima e Nagasaki o mundo viveu 65 anos sem que a tragédia se repetisse.

Brasil e Argentina tomaram juntos a decisão de abandonar seus programas nucleares rivais, desarmando perigosa corrida armamentista na América Latina e abrindo caminho à integração do Mercosul.

O processo culminou, em 1991, com a assinatura do acordo entre o Brasil, a Argentina, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e a Agência Argentino-Brasileira de Controle, pelo qual os dois países aceitaram as inspeções da agência da ONU.

A adesão ao TNP constituiu a consequência natural, pois a proibição da arma nuclear já constava da Constituição de 1988 e o acordo de 1991 havia criado para o país todas as obrigações que decorreriam do tratado.

Quando a adesão se deu, em 1997-1998, os únicos que não haviam assinado eram Índia, Paquistão e Israel, que tinham para isso uma razão: queriam adquirir a bomba (o quarto era Cuba, que aderiu logo depois). Que sentido teria tido para o Brasil ficar de fora, em companhia dos três belicistas, se já havíamos assumido na prática as obrigações do TNP?

O mesmo argumento se aplica ao Protocolo Adicional, que não é mais que a aceitação de fiscalização reforçada. O Brasil é dos raros países que permitem à agência acesso até a suas instalações militares. O que teríamos a temer se nada temos a esconder?

Alega-se que deveríamos proteger a originalidade de nossa tecnologia. O objetivo é legítimo, mas, segundo especialistas, pode ser perfeitamente assegurado pela negociação com a agência de modalidades que preservem os segredos tecnológicos.

Até agora, a recusa era justificada pelo desinteresse do governo americano de cumprir a obrigação de desarmamento constante do TNP.

A situação mudou totalmente com o advento do governo Obama, o acordo com a Rússia para redução de ogivas nucleares e a nova estratégia dos EUA, que restringe o papel das armas nucleares. Ainda se está longe do desarmamento, mas é mudança construtiva que deve ser encorajada.

Neste momento, a persistência da recusa será vista como obstrução à evolução positiva em curso. A infeliz coincidência com a visita do presidente Lula a Teerã avivará suspeitas sobre nossas intenções.

Cedo ou tarde, o processo de reforço do TNP conduzirá à proibição da exportação ou importação de urânio enriquecido e restrições de acesso tecnológico para os que rejeitam o protocolo. É risco gratuito quando nossa tecnologia pode ser preservada por negociação cautelosa.

Se o real motivo for armamentista, equivale a golpe gravíssimo contra a Constituição. O argumento da soberania não procede, pois a adesão não contraria o interesse nacional.

Que interesse haveria em adquirir a bomba para país que não está sob ameaça ou em zona de conflito, tendo completado 140 anos de paz ininterrupta com seus dez vizinhos?

Na hora lancinante da catástrofe do Rio de Janeiro, só o delírio de grandeza e a perda de contato com a realidade explicam desviar recursos escassos para prioridades erradas e desnecessárias como os desvarios atômicos. A realidade que chega pela tela da TV nos revela aonde estão nossos inimigos: não no exterior, mas aqui dentro.

A corrupção e a incompetência diante da urbanização selvagem, a patética incapacidade de salvar vidas, a falta de dinheiro para dar casa decente aos trabalhadores -são essas as ameaças a enfrentar. E não será com submarinos nucleares e urânio enriquecido que vamos diminuir um só desses perigos reais e imediatos.
(Folha de SP, 10/4)