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sexta-feira, 13 de novembro de 2020

O cronista misterioso ataca de Drummond para gozar do chantecler que ousou ofender João Cabral

[Nota PRA: Na fatídica (para os alunos recém egressos do curso de preparação à carreira diplomática do Instituto Rio Branco) formatura da turma João Cabral de Melo Neto, no Dia do Diplomata de 2020, os formandos tiveram de aguentar um "filósofo e poeta" de Quixeramobim (apenas para rimar com chinfrim, da letra de Chico Buarque, um grande compositor que musicou Vida e Morte Severina de João Cabral), que pretendia também traçar suas mal compostas linhas de poesia (nunca vi nenhuma, depois que ele perpetrou dois horríveis romances distópicos), mas que abusou dos alunos, atacando o patrono da turma, dizendo que ele tinha ido pelo mal caminho, ao aderir ao "comunismo". O chanceler acidental não tem a menor ideia do que ocorreu naquele caso de 1953 que tinha um colega delator como denunciante do jovem João Cabral, e que pretendia ser um McCarthy, causando momentos de caça às bruxas no Itamaraty na era da Guerra Fria.

Em todo caso, João Cabral foi muito mais importante como poeta do que como progressista, simpático ao socialismo, o que eu também fui. Aliás, relatei parcialmente esse caso em meu ensaio sobre o Itamaraty nos tempos do AI-5, quando os serviçais da ditadura como os amigos do patético chanceler andavam caçando comunistas em todas as partes, um pouco como ele faz atualmente (na plataforma Academia.edu: "Do alinhamento recalcitrante 'a colaboracao relutante: o Itamaraty em tempos de AI-5 (2008)"). Não sei se ele vai me demitir por me declarar marxista, o que é incontornável para um sociólogo.]


E agora, José? (Semana 28)

Quando Biden virou o jogo na Geórgia, aos 98% do terceiro dia ou, quiçá, aos 48 do segundo tempo, uma música me veio ao coração, Georgia On My Mind, na versão de Ray Charles, e uma imagem me veio à mente: a do Hail Mary Pass. 

E depois de dias de agonia, chefe, a festa da democracia acabou no país em que tanto te espelhas. A luz apagou, o povo sumiu. Mundo, mundo, vasto mundo, você que acredita em uma predestinação medieval pré-iluminista, viu esse mundo girar. Não digo que teu Deus esteja morto, mas estará, em breve, sem mandato.

Sim, poderás apoiar teu mestre até o último momento. Sabemos que és fiel escudeiro. Poderás apoiar a contestação das urnas, poderás espernear, dizer que foram fraudadas as eleições nesse país instável e etnicamente dividido; quem sabe até reconhecer um autoproclamado presidente?

Mas também sabemos que democracia é assim, ora se ganha, ora se perde. E tuas pataquadas e bravatarias estão entrando rapidamente na contramão da História. De nada adiantou fazer campanha para o Macri, jogar contra a constituinte chilena, estimular golpe de estado na Bolívia ou apoiar um autointitulado presidente que mal preside a si próprio. E você que achava que o Trump ia salvar o Ocidente. E agora, José? Sozinho no escuro, qual bicho-do-mato. Cadê teu Deus?

Você que acredita ser um representante predestinado da vontade popular, esquece que o povo brasileiro não elegeu um ditador perpétuo, mas apenas o chefe do Poder Executivo Federal, apenas um de três poderes, independentes e harmônicos entre si, - talvez até por isso odeies tanto o Iluminismo que criou esta tripartição do Poder. E, elegeu, chefe, apenas por quatro anos. E a vontade do povo pode mudar, e de fato muda. Como mudou na Geórgia. É duro ouvir, eu sei. Mas e agora, José? 

Você que zomba dos outros? Teu ódio - e agora?

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN.


domingo, 22 de setembro de 2019

O charme empoeirado dos sebos - Arnaldo Godoy e Carlos Drummond de Andrade

Arnaldo Godoy, meu amigo e colega acadêmico, retira das catacumbas de sua imensa biblioteca uma deliciosa crônica de Drummond sobre esses quase desaparecidos objetos de prazer intelectual, numa conjuntura em que até mesmo os sebos já se converteram em virtuais.
Paulo Roberto de Almeida

EMBARGOS CULTURAIS

Drummond de Andrade e o espaço democrático dos sebos


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Livrarias são negócios em extinção. Foi-se o tempo no qual passávamos horas folheando passagens, namorando capas, fazendo contas do que poderíamos levar, levando. Livros que muitas vezes nunca lemos, e talvez nunca leremos, mas que precisamos que estejam perto, bem pertinho. Inevitável a pergunta de quem nunca leu, ou não gosta de ler, ao fitar uma biblioteca gorda: você já leu todos esses livros?
As livrarias, assim como os cinemas, transformaram-se em meganegócios de shoppings. São livrarias do tipo cheesecake, nas quais toma-se um café caríssimo, contemplam-se gôndolas cheias de best-sellers, de autoajuda (se fossem bons, não haveria tantos) e de receitas para todos os tipos de concurso, de carcereiro até auditor de qualquer auditoria. Vendem-se também moleskines. São lindos cadernos de capa dura, decorados, estão em moda, e foram popularizados porque um escritor inglês de livros de viagem, Bruce Chatwin (1949-1989) os utilizava. Essas livrarias também caminham para o fim. O kindle, que aliás é muito eficiente, toma espaços, sem ocupar espaços.
Sobram os sebos. Também em extinção. A estante virtual, um inegável s.o.s. bibliográfico, no caso, não conta. Falo dos sebos de verdade, cujo nome deriva dos livros antigos e gordurosos, porque lidos pela noite, ao lado das velas. Ilustro a angústia com uma deliciosa crônica de Carlos Drummond de Andrade, O Sebo[1], na qual esse incomparável escritor mineiro captou todas as nuances que definem os sebos como espaços decididamente democráticos. 
Segundo Drummond os sebos foram “cedendo lugar a lojas sofisticadas, onde o livro é exposto como artigo de moda, e há volumes mais chamativos do que as mais doidas gravatas, antes objeto de decoração de interior, do que de leitura”. No sebo, de acordo com Drummond, realizamos operações de resgate, encontrando livros que um dia presenteamos, que nunca encontramos, que perdemos, ou que esquecemos em algum lugar. Para Drummond, esse resgate é uma operação de ternura: vem para minha a estante!
Sebos, segue o autor, devem ser agradavelmente desarrumados, “como convém ao gênero de comércio, para deixar o freguês à vontade”. Os fregueses não se conhecem uns aos outros, mas “são todos conhecidos como frequentadores crônicos de sebo”. De acordo com o escritor mineiro, frequentadores de sebo usam roupas escuras, falam baixo e andam devagar. Sebo não é lugar de gritaria. Amantes de sebo formam uma confraria silenciosa. Para Drummond, procurar aquele livro, mesmo não achando, é ótimo. Segundo o escritor, em sua casa não havia lugar nem para as contas de luz, mas os livros continuavam a chegar. A mulher, zangada, exclama: trouxe mais uma porcaria para casa! O comprador compulsivo de livros lembra que não se trata de uma porcaria, o livro tem um verso ou uma passagem que um dia comoveu o casal. Foi antes do cotidiano cruel, que não souberam, ou não conseguiram domar. Faltou livro, para um dos dois. 
Para Drummond os sebos são promíscuos. Convivem em prateleiras cheias de pó autores distintos, distantes e diversos, que nunca se entenderiam. Tem de tudo, Dante, Mandrake, Tolstoi, o próprio Drummond, Constituição de 1988 (edição de 1991), todo tipo de Machado de Assis e até aquele Júlio Verne que você leu em 1975, e agora pode dar para o filho adolescente. 
Principalmente, para Drummond, “o sebo é a verdadeira democracia, para não dizer: uma igreja de todos os santos, inclusive os demônios, confraternizados e humildes”. Segundo esse sensível autor, saímos dos sebos com um “pacote de novidades velhas”, a sensação de que se visitou, “não um cemitério de papel, mas o território livre do espírito, contra o qual não prevalecerá nenhuma forma de opressão”. 
Enquanto existirem sebos, e esses maravilhosos livros que constroem nossas almas, não triunfará o obscurantismo do twitter e dos zaps rápidos. No twitter, não se escreve. No twitter se gorjeia. Essa é a explicação da ferramenta: pia-se, como uma ave. Por isso, o símbolo é um pássaro. Repararam?
Por outro lado, o sebo, assim inspira Drummond, pode ser também um alinhamento de estacas que serve de barreira defensiva contra aqueles que querem refundar a astronomia, sem estudá-la, remodelando os astros, na forma e na essência, tornando-os planos e não gravitacionais. O sebo é um garimpo, no qual a pedra preciosa é a própria alma do frequentador. Nos livros usados, encontramos marcas, bilhetes, fotos, contas de água, anotações, sonhos em formas de páginas amareladas. 
Essa crônica de Drummond, O Sebo,é receita impecável para uma leitura com voz carinhosa, para a pessoa amada, como forma de explicação, ou de justificação. Também não se pode esquecer que aquele verso ou aquela passagem que um dia empolgaram podem voltar a qualquer momento. É justamente essa lembrança que pode separar o que é sólido do que é efêmero. Porque aquele livro esquecido e reencontrado pode ser o pacto fundante do amor incondicional. 

[1] Carlos Drummond de Andrade, O poder ultrajovem, Rio de Janeiro: Record, 2011, pp. 177 e ss.

sábado, 29 de outubro de 2011

Pausa para... poesia - Carlos Drummond de Andrade


Também já fui brasileiro
Carlos Drummond de Andrade

Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.

Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.

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Se ouso acrescentar meu dedo de prosa,
neste caso de poesia, aqui vai: 

Eu também já fui idealista-romântico,
Entusiasmado com as grandes causas.
batalhador quixotesco, certo das minhas verdades.
A vida, as leituras, a observação e as experiências
se encarregaram de consertar muitas ilusões.
Hoje sou um realista-cético. Ponto, novo texto...

Paulo Roberto de Almeida