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sábado, 11 de dezembro de 2021

Simon Schwartzman homenageia dois mineiros autênticos: Edmar Lisboa Bacha e Bolivar Lamounier

De onde, para onde: memórias 

Mineiros autênticos

By Simon on Dec 10, 2021 06:58 am

NO PAIS DOS CONTRASTES: MEMORIAS DA INFANCIA AO PLANO REAL - 1aED.(2021)

(Publicado no O Estado de São Paulo, 10 de dezembro, 2021)

Diferentes de mim, Bolívar Lamounier e Edmar Bacha, que acabam de publicar suas histórias[1], são mineiros de verdade.  Bolívar nasceu em Dores do Indaiá, e lembra com afeto as casas coloniais, as pescarias no rio e o isolamento que fazia da cidade parte do sertão mineiro. Edmar lembra da pequena Lambari do Sul de Minas, do sobrado em que morava, do sanduíche que comia no Bar do Juca e do apito do trem que chegava à cidade ao anoitecer.  

Foi em Dores, nos anos 20, que Francisco Campos fundou uma Escola Normal, uma das primeiras do país, onde a mãe se formou como professora rural e na qual matriculou o filho para estudar nas “classes anexas” em que a melhor pedagogia da época era adotada. O pai era um pequeno fazendeiro e comerciante, da família Lamounier de Itapecerica que incluía médicos, políticos e músicos. 

Lambari, em comparação, era uma cidade mais moderna, parte do “circuito das águas” que recebia os turistas das cidades grandes em seus hotéis e cassinos. Do lado da mãe, que era diretora da escola local, Edmar vem de uma família de origem portuguesa, os Lisboa, na qual o culto da literatura era personificado na tia Henriqueta. Os Bacha são de origem libanesa, que começaram a chegar ao Brasil no final do século 19 em busca de novas oportunidades. Ambas as famílias se mudaram para Belo Horizonte e, no início dos anos 60, Bolívar e Edmar se encontraram na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, um no curso de sociologia e política, outro em economia.

Nenhum fazia parte da “tradicional família mineira” que controlava a política, as terras e os recursos do Estado. Nem da grande massa, incluindo antigos escravizados que, terminado o ciclo do ouro do século 18, ficou isolada nas pequenas aldeias e roças do interior, em uma economia que mal garantia a sobrevivência. Mas faziam parte de um grupo significativo de pessoas que, pelo empreendedorismo e sobretudo pela educação, buscavam participar do progresso que emanava do Rio de Janeiro e São Paulo e aos poucos, pelo rádio pelas estradas, ia chegando ao interior, atraindo os mais inquietos, ou mais necessitados, para as capitais. Eram, pode-se dizer com algum exagero, sucessores dos aventureiros que vieram para Minas em busca do ouro, participaram da Inconfidência, escreviam poesia e liam às escondidas os livros proibidos da imensa biblioteca do cônego de Mariana.

Estudar sociologia, política e economia era também sair da rota tradicional dos cursos de direito, medicina e engenharia, preferidos pelos filhos das famílias tradicionais. A Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, com seu programa de bolsas de estudo, criou entre os estudantes um ambiente efervescente em que novas ideias e estilos de vida eram experimentados, a militância política atraia a quase todos, e de onde tantos saíram para voos mais altos. Bolívar e Edmar, nos anos 60, foram entre os primeiros cientistas sociais brasileiros a partir para os modernos cursos de doutorado nos Estados Unidos – Universidade da Califórnia e Yale – rompendo com a tradição francesa que predominava na geração mais velha. 

De volta ao Brasil, nos anos 70, ajudaram a organizar novos cursos de pós-graduação que iriam formar as futuras gerações – o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, por Bolívar, e o departamento de economia da Universidade de Brasília, por Edmar. Mais tarde Bolívar ajudou a organizar o CEBRAP, dirigido por Fernando Henrique Cardoso, e depois fundou o IDESP, outro instituto independente de pesquisas sociais em São Paulo. Edmar, depois de Brasília, foi um dos fundadores do curso de pós-graduação em economia da PUC do Rio de Janeiro.

Mas foi na produção intelectual e na vida pública que ambos deram continuidade à inquietação mineira que traziam das origens. Bolívar, ainda estudante, participou dos movimentos estudantis, chegou a ser preso pela ditatura militar, e escreveu sua tese de doutorado criticando a tradição autoritária dos intelectuais brasileiros, à direita e à esquerda. Fez parte da Comissão Afonso Arinos, que na década de 80 procurou produzir, para o Brasil, uma Constituição moderna e fundada em princípios de justiça social e liberdade econômica, e em seus inúmeros livros e artigos, foi sempre um defensor da democracia parlamentarista. Edmar, que no início se aproximou dos economistas desenvolvimentistas como Celso Furtado, passou depois a dar prioridade aos temas da liberdade e abertura da economia e do Estado eficiente, como os melhores caminhos para sair do círculo vicioso do atraso, da desigualdade e da pobreza. Foi presidente do IBGE, de onde, nos anos 80, participou do frustrado Pano Cruzado, e finalmente, nos anos 90, foi um dos principais organizadores e mentores intelectuais do Plano Real. 

É um conforto ver que ambos continuam remando contra a corrente, escrevendo e falando na busca dos melhores caminhos para o Brasil moderno, que ainda acham viável, se livre das tentações populistas e reacionárias que mobilizam a tantos. Autênticos mineiros.


[1] Edmar Bacha, No país dos contrastes, Selo Real, 2021; Bolívar Lamounier, De onde, para onde, Global, 2018; Antes que me esqueça, Desconcertos, 2021.

domingo, 12 de agosto de 2012

O Brasil recua (4): desindustrializacao fantasmagorica - Edmar Bach

O Brasil não está recuando por causa de uma suposta "desindustrialização" (que nada mais é do que perda de participação da indústria no PIB, pelo custo Brasil, e pelo crescimento do setor primário-exportador, o que em si não é negativo), e sim pelas políticas enviesadas do governo, de subsídio e proteção.
A indústria fica defasada a partir dessas políticas que eu classifico de stalinismo industrial.
Abaixo uma entrevista de um economista sensato.


Folha de S.Paulo, 27 de julho de 2012

Depois de se dedicar a debates como o combate à inflação, o economista Edmar Bacha, 70, quer saber por que a indústria brasileira está encolhendo.
Um dos formuladores do Plano Real, Bacha reuniu 35 especialistas para ir além da explicação câmbio & juros, que, segundo diz, não são o problema verdadeiro.
O resultado será publicado no livro "Desindustrialização: O Que Fazer?", organizado com a também economista Mônica de Bolle. Nesta entrevista, Bacha antecipa à Folha parte do diagnóstico sobre a desindustrizalização.

Quando o Brasil começou a se desindustrializar?
De 1980 até 2004/2005, houve um processo paulatino de perda da participação da indústria no PIB. E isso não preocupa.
Porque, quando se comparava o Brasil com outros países, a participação da indústria era muito maior. Havia um excesso de indústria. O que discutimos é o que ocorre a partir de 2005, com especial preocupação a partir de 2010.

O que mudou?
A partir de 2005, o Brasil foi beneficiado por uma enorme entrada de dólares, provinda da melhoria dos preços das commodities que o Brasil exporta e de uma entrada muito forte de capitais. É uma grande bonança externa. E o efeito colateral dessa bonança é a desindustrialização.

É como uma doença?
Eu não acho que, necessariamente, seja uma doença. Você apenas alterou o padrão de produção da economia. Não tem ninguém doente. Veja o Brasil de hoje. A mão de obra está muito bem, superempregada e com salários muito altos, como nunca teve. Só quem não está empregando é a indústria. A indústria realmente vai mal, mas o Brasil vai muito bem.

Mas economistas sustentam que o crescimento está travado porque o setor industrial está em crise.
A economia está em pleno emprego. Por que a popularidade da Dilma está tão alta? Do ponto de vista do bem-estar, as pessoas estão muito bem. Há um problema que a economia não cresce. Mas o estrangulamento do crescimento ocorre porque os investimentos dos setores competitivos estão travados.

Que setores poderiam crescer e estão parados?
A construção civil, todo o complexo agromineroindustrial. Mas esses setores dependem muito de infraestrutura, e o que ocorre é que estamos travados por falta de infraestrutura, por falta de mão de obra qualificada.

Não vale a pena o governo tentar recuperar a indústria?
Não através do protecionismo, do crédito subsidiado, nem de medidas pontuais.
Estamos falando de recuperar a capacidade de concorrer e de termos uma indústria produtiva. Afora imposto, e de fato os impostos são extremamente elevados, uma das maiores travas para recriar a indústria é a política do conteúdo nacional.
O governo, em vez de resolver, está ampliando. Eu sou a favor de acabar com a política de conteúdo nacional.

Mas o governo diz querer incentivar produtores locais.
É uma política míope, que resolve o problema localizado à custa de criar danos maiores para a economia.
No pré-sal, por exemplo, a consequência dessa política, será que a gente não vai chegar ao pré-sal. Pergunta ao Carlos Ghosn, da Renault, por que ele não produz carro de boa qualidade no Brasil.
Tendo que comprar tudo aqui dentro não dá. Protegem a indústria de componentes para criar o que chamam de "densificação da estrutura produtiva". O que é preciso é se integrar às cadeias produtivas internacionais.

Como?
Não tem que fazer todas as partes do produto aqui. O comércio internacional é crescentemente intrafirmas -multinacionais exportando para elas mesmas-, intrassetorial -exporta-se seda e importa-se algodão- e intraproduto -cada componente é feito num local e a montagem é feita noutro.
É assim que a Ásia está se estruturando e é assim que o México está crescendo.

Qual o efeito para o Brasil?
Aqui, esse suposto nacionalismo fez com o Brasil se tornasse o país mais colonizado do mundo. A participação de multinacionais no PIB é extraordinariamente elevada. E por que elas não exportam? Porque é caro produzir aqui. E por que é caro? Porque têm que comprar tudo aqui dentro, não podem se integrar mundialmente, não podem fazer o que fazem na China. A gente não deixa.

Mas a China também paga salários mais baixos.
A indústria concorre com a natureza, e ela é pródiga. Portanto, nosso ponto de partida é mais alto. Somos como nos EUA. Eles sempre foram um país de salários elevados, têm agricultura e mineração pujante e conseguiram desenvolver sua indústria.
Mas eles também estão buscando retomar as indústrias que perderam.
A desindustrialização não é só brasileira. O mundo inteiro, exceto a China, está se desindustrializando. É como se de repente descobrissem a existência de Marte. A China é como se fosse Marte. Estava fechada, com um terço da população mundial, e agora se abriu. Temos que arrumar um lugar para ela.

Mas, se é um fenômeno mundial, por que o Brasil deveria atuar? E como teria êxito?
Não estamos dizendo para deixar a indústria cair. No Brasil, há um problema específico, a participação da indústria no PIB está caindo mais do que em outros países. Não é que não tenhamos que nos mexer. Ao contrário. Isso é um problema, mas o que está sendo feito é errado.
Temos sugestões, e uma delas é mudar a estrutura de importação, diminuindo os impostos para a compra de bens de capital e componentes. Tornar as indústrias mais produtivas para que se integrem à cadeia mundial, em vez de olharem apenas para o mercado interno. As avaliações sobre o problema são muito chã, é o câmbio, é não sei mais o quê...

Então não é câmbio valorizado e juros altos?
As pessoas acham que mexendo nisso vão resolver o problema. Isso é um equívoco. É preciso entender como isso ocorreu. Não é um monte de gente malévola que apreciou o câmbio e botou os juros na lua.
Mas, ao focar juros e câmbio, perde-se a dimensão dos problemas reais e substantivos, que provocam a perda de competitividade.

Quais são esses problemas?
Quando houve a bonança, não teve jeito, houve muito ingresso de capital e o câmbio apreciou. O que fazer? Pôr uma barreira e não deixar entrar nenhum tostão? Fazer igual a Cristina Kirchner? Vai dizer isso para as empresas que precisam de capital e estão lançando ações.
Se existe uma bonança, vamos saber administrá-la. Frequentemente ela é tão boa que as pessoas deixam de fazer o dever de casa. E, quando acabam, só tem um buraco lá.

Economistas do governo afirmam que a bonança permitiu a emergência da classe C.
Poderia ter sido melhor. Mas eu não sou contra isso e não acho que o modelo foi apenas consumista. O investimento cresceu neste período. Mas também é fato que a reação à crise a partir de 2008 só aumentou o consumo.

A reação à crise agravou a desindustrialização?
A desindustrialização não veio porque as pessoas consumiram. Se, em vez de consumir, tivéssemos investido, importaríamos mais ainda. Não acho que veio daí.
As pessoas dizem que o investimento está fraco porque a indústria está fraca. Mas foi justamente quando a indústria enfraqueceu que o investimento aumentou, entre 2005 e em 2011, quando passou de 15% para 20% do PIB.

Qual é a sua explicação?
A indústria é só 15% do PIB. E os outros 85%, que vão muito bem? O Eike Batista deve ter investido.

Então, quais são os problemas reais da indústria?
A indústria é excessivamente tributada no Brasil, comparada com as indústrias estrangeiras. Isso é um problema. Outro é que a indústria tem pouca flexibilidade de comprar insumos de fora por causa dessa política de requisito nacional e das altas tarifas cobradas na entrada de bens de capital e insumos.

O governo está tentando manter um modelo de indústria que não funciona mais?
Eles têm uma mentalidade que talvez coubesse em 1950 e que já foi exagerado em 1970. Hoje é um absurdo. Querem pensar em indústria no país em função desse mercadinho interno que a gente tem, que é só 3% do PIB mundial.
É também pensar pequeno a estratégia de curto prazo. Ficar tentando resolver o problema de cada setor, um a um.
Está com problema o setor de componentes da indústria automobilística? Azar.

O governo não deveria salvar certos setores, como têxteis e calçados?
Existem muitas indústrias de tecidos no Brasil que vão bem. Muitos dizem: a indústria de calçados vai acabar. Mas nesse grupo tem uma empresa chamada Alpargatas [fabricante das Havaianas]. Há muitas empresas que dão a volta por cima. O processo de criação destrutiva é a maneira pela qual o capitalismo se desenvolve e permite a incorporação de novas formas de fazer as coisas.
Essa política protecionista, de escolha de vencedores, constrange a capacidade produtiva a ficar aqui dentro, nesse rame-rame. É preciso olhar além da avenida Paulista [em alusão à Fiesp].