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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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domingo, 25 de fevereiro de 2024

Embargos Culturais: a coluna de livros de Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy no Conjur

EMBARGOS CULTURAIS: a coluna de livros no Conjur de ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY

 https://www.conjur.com.br/colunistas/embargos-culturais/

Imperdível, todos os domingos, para os que gostam de livros, em geral, em especial na conexão com mundo jurídico (mas literário também).

Contei, aproximadamente, 494 ou 496 colunas (13 colunas, cada bloco, em 38 blocos), desde a primeira, abaixo reproduzida, sobre Macbeth, que é de 31 de julho de 2011. Ou seja, dentro de SEIS domingos, ele poderá comemorar 500 colunas (e alguns milhares de livros citados paralelamente). Trata-se de um dos mais vigorosos empreendimentos culturais do e no Brasil, à altura de um Wilson Martins, que publicou sete volumes da História da Inteligência Brasileira, falando, se possível, de todas as obras produzidas no Brasil, ou por brasileiros, desde o século XVI até os anos 1970.

A mais recente, logo abaixo, é de 18 de fevereiro de 2024. Ou seja, neste domingo, 25 de fevereiro, teremos uma nova, a qual acessarei assim que disponível (estamos na madrugada do domingo).

Mas não se trata de apenas uma resenha de UM livro cada domingo. Paralelamente, Arnaldo Godoy cita muitas outras obras. Por exemplo, coloquei as notas remissivas para a sua resenha de Macbeth, ao final desta postagem: 

Começo pelos mais recentes, ou seja, das últimas semanas de 2023 e as primeiras de 2024:

RECENTES:

(...)

Passo agora para o primeiro bloco, o 38. do total, com resenhas desde 2011.

Citações desta primeira coluna sobre Macbeth: 

[1] BRADLEY, A. C., A Tragédia shakespeariana, São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 255. Tradução de John Russell Brown.

[2] Cf. MOURTHÉ, Claude, Shakespeare, Porto Alegre: L & PM, 2010, p. 164. Tradução de Paulo Neves.

[3] Cf. FREUD, Sigmund, Os Arruinados pelo êxito, in Obras Completas, Rio de Janeiro: Imago, 1999, Volume XIV, pp. 331 e ss. Tradução sob direção de Jayme Salomão.

[4] Cf. HELIODORA, Bárbara, Reflexões shakespearianas, Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2004, pp. 159 e ss.

[5] BORGES, Jorge Luís, Prólogos, com um prólogo de prólogos, São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 193. Tradução de Josely Vianna Baptista.

[6] BLOOM, Harold, Gênio- os 100 autores mais criativos da história da literatura, Rio de Janeiro: Objetiva, 2003, p. 44. Tradução de José Roberto O´Shea.

[7] Cf. HONAN, Paul, Shakespeare, uma vida, São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 399. Tradução de Sonia Moreira.

[8] Cf. CARBER, Marjorie, cit., loc.cit.

[9] Cf. FREUD, Sigmund, cit., p. 335


Trabalho excepcional, que deveria ser publicado em formato de livro digital, para podermos acessar facilmente as quase 500 colunas produzidas.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 25 de fevereiro de 2024

sábado, 17 de fevereiro de 2024

'Juristas na Academia Brasileira de Letras', de Fabio Sousa Coutinho - Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy (Embargos Culturais, Conjur)

A Academia abriga um número razoável de juristas, talvez tanto quanto "literatos".  

'Juristas na Academia Brasileira de Letras', de Fabio Sousa Coutinho

11 de fevereiro de 2024, 8h00

Para quem gostamos do selo Direito e Literatura é fascinante a leitura de Juristas na Academia Brasileira de Letras, de Fabio Sousa Coutinho, publicado pela Thesaurus. Fabio é notável escritor e advogado. Preside a Academia Brasiliense de Letras (ABrL) e a Associação Nacional de Escritores (ANE). Segue linha de juristas-literatos de renome, a exemplo de Hermes Lima e de Cândido Motta Filho, ambos ministros do STF, e que Fabio sucede na ABrL e na ANE. O prefácio é de Rossini Corrêa, com instigante referência a Thoth, o deus egípcio da escrita.

Em Juristas na Academia Brasileira de Letras, Fabio enfrenta nas entrelinhas um problema epistemológico nada arcano: os limites entre a Literatura e o Direito, no contexto das respectivas formas expressivas. Pode-se afirmar que a expressão jurídica (petições, sentenças, pareceres, atos normativos, perorações no júri) faria parte no conjunto de manifestações literárias? A literatura jurídica pode estar no cânon? A literatura só pode ser ficcional?

Lógica sem sentido
Aquiescendo-se com essa última pergunta corre-se o risco de afastarmos da grande biblioteca-paraíso de Borges as biografias, a memorialística, a filosofia e a história. Perderiam a condição de literatos autores como Diógenes Laércio, Plutarco e Heródoto ou, entre nós, Jorge Caldeira, Antonio Carlos Villaça e Capistrano de Abreu, além de Sérgio Buarque de Holanda, só para começar.

E há também o problema do teatro, que só é teatro quando representado, porque do contrário parece ser só literatura. Um problema teórico para João Roberto Faria (Ideias Teatrais – o Século XIX no Brasil) e para Sábato Magaldi (Moderna Dramaturgia Brasileira). Há uma pista nas aulas de Anatol Rosenfeld (A Arte do Teatro) para quem “o teatro é mais antigo do que a literatura e não depende dela”.

Jorge Amado, nessa lógica sem sentido, não poderia ser um jurista na Academia, ainda que formado em Direito, e ainda que recorrentemente tratando de advogados, chicanas e injustiça em seus textos. Recomendo Ideias Penais na Obra de Jorge Amado, de Sérgio Habib. Interessante o estudo de Habib sobre o Capitão Justo, de Tereza Batista Cansada de Guerra. Imperdível também Direito Penal na Literatura, de José Osterno Campos de Araújo, cujo estudo sobre a consciência da ilicitude em Tchekhov é imbatível.

Nesse campo, há situações-limite. Refiro-me a Gilberto Amado, um de nossos maiores memorialistas, que lecionou Direito Penal e que deixou vários pareceres como consultor-jurídico no Itamaraty, sucedendo a Clóvis Beviláqua. Pode-se fixar Gilberto Amado no quadro imaginário de juristas, como pretendeu Márcio Garcia, ou trata-se a pergunta de um falso problema? Na mesma linha, Candido Motta Filho, ainda que este último tenha ido para o STF. Gilberto Amado viajou pelo mundo, foi diplomata na Finlândia, onde lia, lia, lia, e lia mais ainda. Para Gilberto Amado, “ler na cama desafia qualquer outra felicidade a ser usufruída por um homem inteligente”.

Dilema resolvido
A relação prática entre Direito e Literatura parece ser o maior dilema que Fabio resolve em seu belíssimo livro. O que faz de um jurista um literato e o que faz de um literato um jurista? Leiam. Fabio divide o livro em quatro dimensões de tempo: os juristas fundadores da Academia, a geração posterior, os eleitos no pós-guerra e os atuais ocupantes.

Entre esses últimos, atuais ocupantes, elenca Joaquim Falcão, Celso Lafer e Alberto Venâncio Filho. Venâncio é também notável historiador da educação jurídica brasileira, autor de Das Arcadas ao Bacharelismo, livro indispensável para a compreensão de nossos currículos bacharelescos. Lafer e Falcão também são educadores, pontificando na USP e na FGV.

Fabio começa o livro inventariando as presenças de Rui Barbosa, Lúcio de Mendonça, Clóvis Beviláqua, Joaquim Nabuco e Rodrigo Octávio. Octávio foi ministro do STF e antes, ao longo de boa parte da República Velha, foi consultor-geral da República.

Octávio, Rui Barbosa e Nabuco
No início da década de 1920, o então consultor-geral da República, Rodrigo Octávio, respondeu consulta a propósito de projeto referente à construção de um monumento ao Cristo Redentor, no alto do Corcovado. Havia, à época, alguma dúvida sobre a constitucionalidade da iniciativa. Octávio opinou pela impossibilidade de se erguer o referido monumento, que significaria resistência ao Estado laico. O governo não ouviu a opinião. O monumento foi erguido. E hoje é símbolo da cidade do Rio de Janeiro.

Fabio simbolicamente inicia o capítulo dos fundadores com Rui Barbosa, símbolo mais consistente do beletrismo com o Direito. Rui não deixou obra literária de ficção propriamente dita. Deixou-nos artigos de jornal, cartas, petições, pareceres. Fabio menciona o parecer sobre a redação do Código Civil, e menciona também o discurso fúnebre de Rui no enterro de Machado de Assis. Para Fabio, esse discurso é “uma das mais belas peças de retórica já escritas em nosso idioma”. Não há como discordar. É tocante. Fabio nos lembra que o 5 de novembro, data do aniversário de Rui, é, por lei, o Dia Nacional da Cultura.

Todo o livro é repleto de informações relevantes e de referências cruzadas, que revelam que Fabio leu tudo e todos. Aponta a impressão de Evaldo Cabral de Melo em relação a O Abolicionismo, obra central na vida também política de Joaquim Nabuco. Nabuco notabilizou-se pela extraordinária capacidade de argumentador, aglutinador e de líder pela inteligência.

Nabuco é o retrato mais bem-acabado da cultura brasileira da segunda metade do século 19, proscênio de patriarcas e bacharéis (na impressão de Luís Martins), espremidos por um remorso incurável que os atingia desde o ocaso do Imperador, que deixou o país num vapor noturno, como se fosse um escravo fujão, nas próprias palavras de Sua Majestade. Fabio registrou a influência de Walter Bagehot em Nabuco, no ponto em que fixou as compreensões de direito público que permeiam a obra desse grande diplomata e campeão da causa abolicionista.

Pujol e Carneiro
Na segunda parte chama a atenção aos apontamentos sobre Alfredo Pujol e sua importância para um resgate sistemático da obra de Machado de Assis. Talvez na mesma extensão em que Pujol sistematiza o Pai Fundador da Academia do ponto de vista de suas obras, Lúcia Miguel Pereira o fez em relação à vida de Machado. Não nos esqueçamos que Fabio Coutinho é o biógrafo de Lúcia Miguel Pereira. Pujol, Lúcia Miguel Pereira e Raymundo Faoro (A Pirâmide e o Trapézio) são os três autores a partir dos quais pode se começar a estudar Machado de Assis. Faoro está no livro de Fabio.

A passagem sobre Levi Carneiro também é muito oportuna. Carneiro (que foi também consultor-geral da República) é o redator do célebre parecer que resultou na criação da Ordem dos Advogados do Brasil. Fabio menciona um livro que eu não conhecia (Livro de um Advogado, de Levi Carneiro, de 1964) que deve ser fundamental para a compreensão de uma liga de advogados: não se trata de um sindicato, há também um alicerce ético e moral na confraria.

Resgate, reminiscência e homenagem
Em cada um dos juristas literatos inventariados há muita informação. Há passagens memoráveis, a exemplo da reação de Hermes Lima para com Costa e Silva, quando do expurgo no STF. Cada um dos acadêmicos mencionados por Fabio sugere que retomemos várias obras, a partir de uma perspectiva não necessariamente funcional, que é a perspectiva predominante quando lemos, por exemplo, Pontes de Miranda. O jurista alagoano é muito oportuno para problemas práticos de Direito Privado, ainda que nos guie também no Processo e na Constituição, mas é também um filósofo do Direito.

Fabio captou também que há enorme intersecção política no contexto do templo da Avenida Presidente Wilson 203, no Rio de Janeiro, o que se percebe com Afonso Arinos de Melo Franco, um de nossos mais exuberantes memorialistas, sem quem não se entende a história da política brasileira no século 20.

A lembrança de Pedro Calmon também é instigante, porque Calmon é um polímata incomparável. Fabio escreve sobre Oscar Dia Corrêa, de quem foi aluno de Economia Política no “velho casarão da Rua do Catete”. Fabio menciona também Antonio Carlos Sechin, bibliófilo, membro da ABL, colega de turma, e autor da “orelha” de Viagem com Dante”, de Oscar Dias Corrêa.

Fabio, além de cultíssimo, é bem-humorado e inspirado: faz no livro duas referências a um grupo de ludopédio, que tanto estima, quase obsessivamente, e que nos lembra a Rua Álvaro Chaves, 41, em Laranjeiras, e que atende por um quase gentílico que nos evoca um substantivo masculino de origem latina que se reporta a um rio. Para Fabio, uma das virtudes de Evaristo de Moraes Filho fora justamente o apreço pelo grupo mencionado, de quem também era um grande torcedor. De que time estou falando?

Juristas na Academia Brasileira de Letras, de Fabio Sousa Coutinho, é, ao mesmo tempo, resgate, reminiscência e homenagem. É memória viva e afetiva de um escritor militante. Fabio escreve sobre quem e sobre o que gosta, e é por isso que gostamos de seus livros: gostamos dos mesmos temas e dos mesmos autores.

Juristas na Academia Brasileira de Letras também é um desafio. Fabio descortina um problema, relativo à fixação das fronteiras entre a pessoa de letras e a pessoa de leis. Um campo novo, a ser explorado, que renova o repertório temático do selo Direito e Literatura.

  • Brave

    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

domingo, 3 de dezembro de 2023

Arnaldo Godoy examina a obra de Alberto da Costa e Silva sobre a Africa e a escravidão brasileira

 

EMBARGOS CULTURAIS

A manilha e o libambo, de Alberto da Costa e Silva

Conjur, 3 de dezembro de 2023, 10h28

Editorias:  Sem categoria

Os títulos que os autores dão a seus livros compõem um universo fascinante para pesquisas interessantes. Há aspectos formais. Há dilemas psicanalíticos. Há razões mercadológicas. Há jogos de palavras. Há pistas (inclusive falsas), e há também uma chave interpretativa para o que espera o leitor.

Spacca
Caricatura: Prof. Arnaldo Godoy

“O nome da Rosa”, de Umberto Eco, por exemplo, não é referência a personagem com esse nome, que não se encontra no livro, obviamente. Eco contava com um outro título, “A abadia do crime”; a opção, no entanto, “O nome da Rosa”, remete o leitor a um dos problemas centrais do romance: o tema do nominalismo.

O próprio Eco lembrava-se de Dumas (que contou a história de D’Artagnan, que não era um dos “Três Mosqueteiros), além de outros títulos labirínticos (“O vermelho e o negro”, “Guerra e Paz”). Eu acrescentaria “Esaú e Jacó” (argumento bíblico que Machado de Assis transpôs para Pedro e Paulo, com a paisagem do Rio de Janeiro na passagem do Império para a República como pano de fundo) ou, ainda mais objetivamente, “Dois Irmãos”, de Milton Hatoum, no contexto da perturbadora tensão entre Uaqub e Omar.

Uma lista de títulos intrigantes contaria também com “A manilha e o libambo”, de Alberto da Costa e Silva. Diplomata, poeta, africanólogo, memorialista, historiador, faleceu neste último 26 de novembro, aos 92 anos de idade. Uma rápida olhada sobre um de seus livros principais, cujo título também é prova inconteste de sua inventividade, é o tema dos embargos culturais dessa semana, que seguem em forma de homenagem a esse grande intelectual.

“A manilha e o libambo” é um portentoso estudo sobre a escravidão e o comércio de escravos, sob uma inusitada perspectiva de historiador brasileiro que conhece profundamente a história africana, inclusive sob uma miragem local. Uma abordagem raramente enfrentada com sucesso na tradição historiográfica brasileira.

Sobre o título. O autor (no prefácio) faz uma referência a um conto de Machado de Assis, “Pai contra Mãe”, cujo tema é a violência da escravidão. Machado de Assis registrava que a escravidão levara consigo ofícios, aparelhos e instituições sociais. Exemplificava com a máscara da folha de Flandres, símbolo dessa ignominia. O assunto — escravidão — é um dos temas do mencionado contopublicado em “Relíquias da Casa Velha”, na edição de 1906. Raimundo Faoro também comenta esse conto na parte 7 do capítulo III de “Machado de Assis, a pirâmide e o trapézio”.

O problema da escravidão é um dos mais intricados na obra de Machado de Assis, além, evidentemente, de ser o mais vergonhoso de nossa história. Pode-se atribuir à ironia machadiana uma crítica à mais sórdida fórmula de exploração que o Brasil conheceu, que muito nos envergonha, e que nos choca, sempre e sempre; e que deixou reflexos que até hoje são assustadores. Condições desumanas de trabalho e exploração superlativa da força humana são desdobramentos modernizados dessa condição odiosa.

A manilha, explica-nos Alberto da Costa e Silva, é um instrumento de metal, quase uma pulseira, em forma de C. O libambo evoca uma sequência de ferros que prendia escravos, comum nas caravanas de cativos. Manilha e libambo reportam-se, assim, à escravidão africana, que o autor identificou como forma de “iniquidade, violência, humilhação (e) sadismo”. Ainda que “toda história tenha um lado de sombra e um lado de sol”, o autor, após indicar várias contribuições africanas, registra que o livro enfatiza a escravidão e o comércio de escravos na África subsaariana, de 1500 e 1700.

São quase 1.000 páginas. Um texto elegante, culto, manifestadamente preparado, estudado, esquadrinhado. Uma leitura que exige tempo, dedicação e interesse pelo assunto. O último capítulo “Escravo igual a negro” retoma que também houve escravidão de eslavos (e o nome da instituição vem daí), gregos, turcos, árabes, armênios, berberes, búlgaros, circassianos. O autor lembrou que Américo Vespúcio tinha em sua casa cinco escravos: “dois negros, um guancho e dois mestiços de canários”. O guancho, encontrei no Aurélio, era um habitante do Tenerife. Alberto da Costa e Silva refere-se também ao fato de que “(…) não era invulgar encontrar-se em cativeiro árabes, berberes e turcos (…) ainda que em número bem menor, indianos, malaios, chineses e ameríndios”.

Nessa parte final do livro retoma o papel dos jesuítas no Brasil, quanto ao problema da escravidão, sob a luz da intrincada questão da oitiva de confissão, por parte dos inacianos, em relação a proprietários de escravos. A questão é intricada justamente porque à escravidão de indígenas (que os jesuítas abominavam) opunha-se a escravidão de africanos, o que teria provocado, segundo o autor, reprimendas do Papa II, que teria se insurgido contra a dominação de africanos convertidos ao catolicismo.

Alberto da Costa e Silva, também na parte final, refere-se ao escravo como tema e argumento literário. Evoca Bernardo de Guimarães (Isaura) e Coelho Neto (Lúcia, de “Rei Negro”), a par do próprio Machado de Assis, que é o ponto de partida do livro. É só um estudo aprofundado dos porquês dessa opção (tema de crítica genética) que poderia esclarecer se não há na referência uma leitura radical sobre um problema que a historiografia literária ainda não resolveu. Remeto o leitor ao primeiro capítulo de “Machado de Assis Historiador”, de Sidney Chalhoub, e o problema pode ser melhor compreendido.

Em “A manilha e o libambo” o leitor insere-se em uma viagem histórica pela Costa do Ouro, pelo reino do Congo, pela região dos Grandes Lagos, por Madagáscar, por Angola, pelo Chade, sobe e desce o Nilo, percebe a Etiópia, o Mali, o Benim. Um desfile de nomes diferentes e de regiões distantes e de personagens inesperadas. O autor trata desses assuntos com competência historiográfica, desarmado de qualquer apelo ao exótico, e no contexto de uma perspectiva humana e esforçadamente compreensiva.

Ao mesmo tempo, o leitor interessado em Alberto da Costa e Silva deve correr para ler “Invenção do Desenho”, o segundo livro de memórias desse exuberante autor (o primeiro foi “O espelho do príncipe”). Conhecerá (ou revisitará) provavelmente um de nossos maiores intelectuais; um pensador de cultura enciclopédica (para usar um chavão) com a alma aberta para o inusitado, o que me parece uma imagem cheia de metafísica e, paradoxalmente, carregada de realismo, condições e circunstâncias que marcam escritores que, ao mesmo tempo, enxergam a pureza putativa do céu e consideram a realidade angustiante da terra.

Alberto da Costa e Silva ocupava a cadeira número 9 da Academia Brasileira de Letras.