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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 3 de dezembro de 2017

Erasmo, o promotor da tolerancia, visto por Stefan Zweig


Erasmo de Roterdã
Retrato de Erasmus, pintado por Holbein, Museu de Parma, com réplica em Basileia. 
Holbein e Erasmus foram amigos, e o artista se deleitava em retrata-lo (info: Regina Caldas).

Erasmo de Roterdã abominava o fanatismo, a intolerância e a guerra.    
Ao nascer das luzes da Renascença, ele foi um paladino da liberdade de espírito, sob a qual deveria existir uma fraternidade universal, cujo exemplo partiria de uma Europa unificada. 
Erasmo de Roterdã, uma voz que se dirige à posteridade, desde o século XVI, legou-nos pensamentos que primam pela atualidade.  
Prestemos atenção aos ecos das palavras de Erasmo, considerado o primeiro pacifista, transcritas por Stefan Zweig:

“ Toda idéia possui o seu direito, e a nenhuma cabe o direito de se proclamar como a única verdade”

“A tirania duma idéia é uma declaração de guerra à liberdade espiritual dos homens”

“Ao homem não é permitido adotar nenhuma ideologia, porque todas aspiram à preponderância, nem aderir a nenhum partido, porque o dever de todo partidário é ver, sentir e pensar partidariamente. Cumpre-lhe antes de tudo assegurar a si mesmo plena independência de pensamento e de ação, pois, sem liberdade, não pode haver justiça, a única idéia digna de ser o supremo ideal comum à sociedade humana.”

“ A idéia da guerra nunca está unida à da justiça, e a solução das armas nunca será a solução moral dum conflito”.

“As virtudes mais celebradas no mundo, a perspicácia e a equidade, a sinceridade e a honradez, foram inventadas para amargurar a existência dos que as praticam.”

“Os fanáticos reduzem todos os valores ao mesmo denominador”

O humanismo de Erasmo fracassou. Embora ele não ignorasse que o apetite de prepotência e de luta alvoroça o sangue humano, ele confiava que só através da Educação e dos bons livros se poderia dobrar a natureza do Homem. Mas ele, com sua natureza dócil, solidário por excelência, manteve-se, entretanto, distante das massas. Em conseqüência deixou de compreender que elas são movidas muito mais pelos fanatismos que pelo bom senso. Deixou de compreender que a manipulação dos sentimentos humanos seria um trunfo nas mãos das religiões e da política.

Seleção de textos por: 
Regina Caldas    
02/01/2012

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Nas pegadas de Erasmo, na Basileia (fotos)

Hoje, segunda-feira, todos os museus fechados, como é hábito no mundo inteiro, visitamos a única exposição aberta em Basel (aliás em Riehen, ao norte da cidade, na direção da tripla fronteira), um excepcional coleção de obras do artista impressionista (mais do que isso, claro) francês Pierre Bonnard, na Fundação Beyeler, num magnifício parque e abrigada em projeto arquitetônico do italiano Renzo Piano.


Proibidas as fotos na exposição, por isso só tirei uma (com meu pequeno iPhone), de fora do edifício, aqui ao lado.
Almoçamos no próprio restaurante da Fundação, um ravioli ao molho de funghi eu, e peixe Carmen Licia (dois cálices de vinho, indispensáveis).


Pela tarde, fomos percorrer a cidade velha, a pé. 


Primeiro fomos à MarktPlatz, onde está o velho edifício da prefeitura (ou RatHaus), mais ou menos da idade do Brasil (mas suponho que renovado mais frequentemente, e provavelmente trabalhando de forma mais eficiente do que nosso país, já que transportes, limpeza, infraestrutura, em geral, na cidade, funcionam perfeitamente.


Depois, percorremos a zona pedestre, subimos por umas ruelas, até chegar à Catedral, Basel Munster, que deve ter sido católica, nos primeiros tempos de Erasmo na cidade, mas que agora é reformada protestante.
Enfim, ela era católica muito tempo antes de Erasmo, isso é evidente, tanto é que a conversão à Reforma não alterou muita coisa externa, como prova esta escultura de São Jorge matando o dragão, que fiz rapidamente (estava um pouco frio e chuvoso).
De lá enveredamos por novas ruelas, até eu deparar com uma placa altamente significativa, para quem, como eu, aprecia, e admira, Erasmo de Roterdã (enfim, ele apenas nasceu na cidade holandesa, e ficou com esse nome a vida inteira, mas viveu em muitos lugares, especialmente em Basileia).
A placa é esta, e eu tento traduzir no que conheço de alemão: 
"Nesta casa viveu (ou habitou), como hóspede do editor (literalmente impressor de livros) Senhor Hieronymus (Jerônimo) Froben, Erasmo de Roterdã, em seus últimos anos (deveria ser meses, na verdade), de vida, de Agosto de 1535 ao 11 de Julho de 1536".
Os Froben, pai e filho donos de uma impressora, foram dos mais amigos mais chegados de Erasmo, durante todo o tempo em que ele viveu na Basileia, isto antes da, e no começo da Reforma protestante, cujos desenvolvimentos o obrigariam a sair da cidade, e se refugiar em Fribourg (ainda na Suíça), quando ele foi considerado um opositor da Reforma, depois que a cidade fez a opção por Luthero, contra os papistas. Suprema ironia: ele já tinha se refugiado na Basileia, fugindo, praticamente da Bélgica (que na verdade ainda não existia, e era território dos Habsburgos), onde vivia em Leuven (ou Louvain, para os francófonos), porque era considerado muito protestante para os fanáticos católicos da cidade.
Já quase no final da vida, e amainada um pouco a verdadeira guerra travada entre luteranos e papistas um pouco em todo o território do Sacro Império e adjacências, ele tinha sido convidado a retornar ao Brabant, e por isso empreendeu o caminho de volta ao norte da Europa. 
Parou em Basileia, já cansado, onde veio a morrer, justamente nesta casa dos editores Froben (ou Frobenius, como o próprio Erasmo escrevia em latim). Passou seus últimos meses escrevendo cartas, terminando alguns trabalhos teológicos, período entrecortado pelo enfraquecimento progressivo de sua saúde.
Hoje a casa parece bem conservada, mas é privada, não se podendo, portanto, visitar. Os atuais proprietários, ou condôminos, até aproveitaram a fama do visitante, e não dos antigos donos, para colocar esta placa comercial. 
Enfim, o que se pode fazer: a Suíça é um lugar de banqueiros, relojoeiros, chocolatiers e outros comerciantes e artesãos, além de profissionais liberais, como os do lado.


O que reter, hoje, de Erasmo? 
Respondo rapidamente: a luta contra a intolerância e o fanatismo, o amor aos livros e ao conhecimento, a procura do justo equilíbrio entre posições adversas, a sede de sempre saber um pouco mais, a necessidade de transmitir esse saber, para converter homens ignorantes em cidadãos um pouco mais consapevoli, como diriam os italianos, enfin, tolerância, cultura, o culto do intelecto, o congraçamento entre os povos, acima e além das diferenças culturais e religiosas, a despeito de diferenças de classe e de condição econômica.
Tem tudo a ver com valores que também defendo.
Recomendo a leitura de Erasmo, ou do livro de que já falei aqui, sua biografia por Stefan Zweig; deve existir alguma antiga tradução para o Português...
Paulo Roberto de Almeida 
Basileia, 23/04/2012, 22h22

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Aprender com a Historia: Erasmo de Rotterdam (Stefan Zweig)

Estou lendo, na edição do Livre de Poche, em sua versão francesa, portanto, a obra que o grande escritor austríaco Stefan Zweig escreveu, em 1935, na Inglaterra, sobre o grande humanista do Renascimento:
Érasme: grandeur et décadence d'une idée
A capa reproduz o famoso quadro de Quentin Metsys, e na verdade todos os quadros conhecidos de Erasmo, sobretudo os de Hans Holbein, o jovem, o mostram cercado de livros ou escrevendo livros.
Não quero me comparar, mas eu também vivo cercado de livros, embora não tenha escrito nenhum tão famoso quanto o Elogio da Loucura (embora tenha escrito um "Elogio da Exploração", que não deve ter sido apreciado por certos marxistas obtusos).


A obra de Zweig reflete sua angústia com a chegada ao poder de Hitler, e o crescimento do fanatismo e da intolerância. Erasmo, o primeiro europeu, foi um humanista no sentido mais completo da palavra, amigo dos livros e do conhecimento, detestava todos os fanatismos.
O livro, feito em meio ao clima totalitário que já predominava em boa parte do mundo europeu, conserva toda a sua atualidade, em vista dos vários fanatismos que ainda vemos em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, onde também predomina o segundo mal que Erasmo mais abominava: a ignorância, não a dos inocentes incultos, mas a dos arrogantes estúpidos, idiotas ativos que pretendem mandar e dominar.


Toda a angústia com essa situação levou Zweig a se suicidar, ao ver o seu mundo, que já tinha sido destruído uma primeira vez na Guerra de 1914-1918, descambar uma segunda vez no horror da segunda guerra mundial.
A despeito de apreciar Zweig, não pretendo, obviamente, seguir seu exemplo, ainda que eu também fique preocupado com o aumento da estupidez e da intolerância à minha volta.
Vou continuar lutando contra esses males tão comuns em todas as épocas.
Paulo Roberto de Almeida 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Erasmo de Roterdam, um humanista - Regina Caldas

Uma visão realista sobre um grande idealista. 
Agradeço a Regina Caldas o envio deste seu texto sintético, e extremamente lúcido, sobre o grande humanista que foi o pensador Erasmo, um homem que, como muitos intelectuais, fazem suposições que têm certa dificuldade a se reconciliar com a realidade terrena.
Em todo caso, sua mensagem é clara, e lúcida.
É preciso educar os homens, a despeito de todo o fanatismo e intolerância.
Perseverar é preciso...
Isso me lembra que Stefan Zweit é o autor de muitos livros biográficos sobre homens (e mulheres) famosos na história. Uma reedição-republicação das obras completas de Zweig seria muito bem vinda.
Paulo Roberto de Almeida 



Erasmo de Roterdã

Erasmo de Roterdã abominava o fanatismo, a intolerância e a guerra.    

Erasmo de Roterdã, ao nascer das luzes da Renascença, foi um paladino da liberdade de espírito, sob a qual deveria existir uma fraternidade universal, cujo exemplo partiria de uma Europa unificada. 

Erasmo de Roterdã, uma voz que se dirige à posteridade, desde o século XVI, legou-nos pensamentos que primam pela atualidade.  

Prestemos atenção aos ecos das palavras de Erasmo, considerado o primeiro pacifista, transcritas por Stefan Zweig:

“ Toda idéia possui o seu direito, e a nenhuma cabe o direito de se proclamar como a única verdade”

“A tirania duma idéia é uma declaração de guerra à liberdade espiritual dos homens”

“Ao homem não é permitido adotar nenhuma ideologia, porque todas aspiram à preponderância, nem aderir a nenhum partido, porque o dever de todo partidário é ver, sentir e pensar partidariamente. Cumpre-lhe antes de tudo assegurar a si mesmo plena independência de pensamento e de ação, pois, sem liberdade, não pode haver justiça, a única idéia digna de ser o supremo ideal comum à sociedade humana.”

“ A idéia da guerra nunca está unida à da justiça, e a solução das armas nunca será a solução moral dum conflito”.

“As virtudes mais celebradas no mundo, a perspicácia e a equidade, a sinceridade e a honradez, foram inventadas para amargurar a existência dos que as praticam.”

“Os fanáticos reduzem todos os valores ao mesmo denominador”

O humanismo de Erasmo fracassou. Embora ele não ignorasse que o apetite de prepotência e de luta alvoroça o sangue humano, ele confiava que só através da Educação e dos bons livros se poderia dobrar a natureza do Homem. Mas ele, com sua natureza dócil, solidário por excelência, manteve-se, entretanto, distante das massas. Em conseqüência deixou de compreender que elas são movidas muito mais pelos fanatismos que pelo bom senso. Deixou de compreender que a manipulação dos sentimentos humanos seria um trunfo nas mãos das religiões e da política.

Regina Caldas