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terça-feira, 7 de novembro de 2023

Por que a Argentina não foi uma Austrália? - Fernando Nogueira da Costa, Pablo Gerchunoff, Pablo Fajgelbaum

Pablo Gerchunoff e Pablo Fajgelbaum:

 ¿Por qué Argentina no fue Australia?

A Argentina não se tornou uma Austrália basicamente por uma diferença nas instituições, não apenas pela mecânica do protecionismo e da oferta de commodities. Uma análise meramente econômica não dá conta da perda de oportunidades da Argentina no século XX. (PRA)

Argentina e Austrália

Imagem: Jan van der Zee

Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

A Terra é Redonda, 6/11/2023

https://aterraeredonda.com.br/argentina-e-australia/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=novas_publicacoes&utm_term=2023-11-06


Comentário sobre o livro que identifica os fatores que determinaram caminhos diferentes para países que tinham no início características em comum

A Argentina e a Austrália tinham características comuns. Desse modo, permitiam a comparação por historiadores, mas economistas e politicólogos tiveram de identificar os fatores determinantes da bifurcação posterior a 1930.

Um terceiro objeto de comparação – um terceiro país idealizado – é ao qual Pablo Gerchunoff e Pablo Fajgelbaum, no livro ¿Por qué Argentina no fue Australia?, se dedicam à descrição. Buscam extrair do emaranhado enredo da história os elementos presentes (convergentes e divergentes) em ambos os países.

Para fins puramente pedagógicos, apelam à licença para chamar Argentália para este país imaginário. Nessa mistura, ela possui uma variedade de climas, com predominância de temperaturas temperadas.

Na longa história do planeta, é uma nação jovem, pertencente àquele raro grupo conhecido como “regiões de colonização recente”, localizado no hemisfério Sul (Buenos Aires e Sydney estão no paralelo 34) e a grande distância dos centros de poder (Buenos Aires fica a 11.082 quilômetros de Londres e a 8.454 quilômetros de Nova York; Sydney, 16.997 e 15.989, respectivamente). Mas a Austrália está mais próxima da Ásia…

Argentália, desde a sua origem, teve uma pequena população e terras abundantes – em 1896, Argentina e Austrália eram os dois países com menor número de habitantes por quilometro quadrado de terras produtivas. Como consequência desta dotação de fatores de produção, com escassez de trabalhadores, teve salários relativamente elevados em relação à média mundial.

Como produtor de matérias-primas, Argentália viu os dois lados da moeda: durante décadas estabeleceu uma relação privilegiada com a potência dominante, exportando os produtos da terra necessitados pela Inglaterra para facilitar a sua industrialização e importando os insumos, bens de capital e mão de obra da qual necessitava para seu progresso. Contudo, desde a Grande Depressão na nova potência (Estados Unidos), o país sofreu em primeira mão o declínio do comércio de bens primários.

No calor da expansão do mercado interno e da evolução tecnológica dos processos produtivos, surgiram algumas manufaturas dentro de suas fronteiras, principalmente aquelas transformadoras das matérias-primas exportadas. Mas limitada como era pela escassez de mão de obra, Argentália não era um país bem equipado para enfrentar um processo de industrialização sustentado e diversificado.

Enquanto o intercâmbio global continuasse a ser vigoroso e a beneficiar à Argentália, o comércio livre seria conveniente para ambos os países, porque impulsionava o crescimento. Mas o protecionismo passará a ser conveniente para os seus trabalhadores porque, dadas as condições estruturais do país, a proteção econômica aumentará o emprego e os salários reais, e melhorará a distribuição de rendimentos.

O protecionismo melhorará o preço relativo daquilo importado. Considerando, devido à sua dotação original de fatores de produção – abundância de terras e escassez de trabalhadores –, Argentália importar bens relativamente intensivos em mão-de-obra, medidas protecionistas melhorariam o rendimento relativo do trabalho.

As políticas econômicas mais eficazes do ponto de vista do crescimento, por exemplo, comércio livre ou quase livre, determinariam uma distribuição de rendimento favorável os proprietários do fator de produção mais abundante, ou seja, a terra.

Essa lógica específica liga a dotação original de fatores à política econômica, tal como existe uma lógica ligando esta política à dinâmica do crescimento. Este conflito distributivo é característico de Argentália.

Quanto mais agudo for o conflito, mais distributivo será o protecionismo. E quanto mais protecionista for distributivo, mais intensivos em trabalho serão os setores industriais nascidos sob sua proteção, maior será a proporção do emprego total explicada pelas atividades protegidas e maior será a participação dos alimentos e lãs exportadas, componentes da cesta de consumo popular.

Quando o protecionismo distributivo já foi instalado como regime de política econômica, o risco é o stop and go, um termo familiar para argentinos e australianos. Quando se expandem, os setores industriais protegidos exigem importações (insumos e bens de capital) e não fornecem exportações, daí a sua contribuição para as exportações líquidas é baixa e pode até ser negativa.

Se as exportações de matérias-primas crescerem fracamente, haverá desequilíbrios recorrentes no balanço comercial e os governos tentarão corrigir com desvalorizações nominais. Mas, desta forma, os salários reais antes crescentes, devido ao protecionismo distributivo, serão reduzidos.

Enquanto os trabalhadores mantiverem a sua capacidade de resistência, isso resultará em aumento da volatilidade do crescimento e da inflação. Esta só será atenuada se as exportações de matérias-primas forem reavivadas ou os setores industriais começarem a dar uma contribuição positiva para as exportações líquidas.

Na fase de divergência, a Austrália teve um conflito distributivo e um ciclo de stop and go mais moderados diante dos da Argentina. Embora na Argentália o protecionismo seja distributivo, isso não implica as políticas distributivas terem necessariamente origem no protecionismo.

Na Austrália, assim como na Argentina, isto é, na Argentália, se existirem políticas distributivas não emergentes do protecionismo, o protecionismo será necessário para sustentá-las. Enfrenta, portanto, um conflito distributivo e um ciclo de stop and go, derivados da sua própria arquitetura econômica, moldada em grande parte pela natureza e pela geografia – e sobre ela a política tem influência: para o mal, para o bem.

Cada um desses dois países é uma versão de Argentália, mas em algo eles diferem desse mix e em algo eles diferem um do outro.

Historiadores e economistas australianos concentraram-se no declínio da Austrália em relação aos países mais desenvolvidos do planeta. Em 1900, o país tinha o maior rendimento por habitante do mundo. Em 1950, caiu para o terceiro lugar. Em 1970, era o oitavo e na década de 1990 já não estava entre os vinte primeiros.

Exceto em períodos esporádicos, durante o século XX, o produto per capita dos dois países cresceu mais lentamente diante o do painel das nações desenvolvidas. Na Austrália, a relação começa nos 170%, quando os seus poucos habitantes eram “os mais ricos do mundo”, em renda per capita, e termina nos 90%. A Argentina começa com 75%, mas no fim da série o seu produto relativo por habitante é de 35%. Só.

Mesmo depois da grave crise económica do início do século XXI, a Argentina continuou a ter uma economia de rendimento médio. De um total de 179 países, segundo dados do FMI, em 2016, a Argentina ocupava a 61ª posição no ranking de renda per capita.

Embora longe dos padrões de vida da Europa Ocidental ou dos Estados Unidos, o rendimento por habitante argentino de 20.000 dólares (em PPC de 2016) era muito superior ao de quase todos os países africanos, e superior ao dos não-petroleiros do Médio Oriente, do Leste Europeu e as nações do Sul da Ásia.

Em 2021, com US$ 9.997 e em 66º lugar, Argentina já não era o país mais rico da América do Sul como foi durante a maior parte do século XX. Ficou abaixo do Uruguai (49º. US$ 17.029), Chile (53º. US$ 15.399) e Brasil (63º. US$ 11.136). O seu rendimento per capita era consideravelmente inferior ao de Portugal (37º. US$ 23.030) – o país mais pobre da Europa Ocidental – e ao das economias mais ricas da Europa Oriental.

Alerto: não se deve comparar renda per capita sem apresentar a população de cada país. Quaisquer commodities com alta cotação de mercado, dada por fatores exógenos ao país exportador de pequena população, pode lhe propiciar elevada renda per capita – sem ser ela bem distribuída.

Em 2008, dos quase 7,2 bilhões de habitantes do planeta, aproximadamente 5,8 bilhões viviam em países com rendimentos inferiores a US$ 18 mil, e quase um bilhão em países com rendimentos superiores a US$ 34 mil, considerados ricos. Em 2021, os países de renda média do mundo – 30 na faixa de renda per capita entre US$ 11.355 (média mundial) e US$ 27.871 (31º.) – eram poucos com população superior a 10 milhões.

Há cinco grandes grupos principais de commodities: petróleo, mineração, celulose, proteína animal e agrícolas. Em geral, as mais lucrativas, devido à demanda global e à volatilidade de preços, são na ordem: petróleo, minério de ferro, ouro, prata, cobre, café, soja, gás natural, milho. Falta ainda o gasoduto para conectar vaca muerta até o Brasil…

Conectaria essa região com grandes reservas de gás não convencional por 467 km a outro gasoduto já existente por meio de financiamento com o BNDES. Além disso, a Argentina possui 21% das reservas mundiais de lítio (a 3ª. maior do mundo) e é a 4ª. maior produtora mundial do mineral, “o petróleo branco”…

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/3r9xVNh]

Referência


Pablo Gerchunoff e Pablo Fajgelbaum. ¿Por qué Argentina no fue Australia? México, Siglo XXI Editores, 2019, 108 págs. [https://amzn.to/49m6pgV]

quarta-feira, 12 de junho de 2019

O sonho do moto perpétuo em economia, sempre aberto a intelectuais - livro de Eric A. Posner & Glen Weyl (Fernando Nogueira da Costa)

Não creio que propostas de intelectuais sejam implementáveis na prática, pois as sociedades se movem muito lentamente, muito dificilmente, tendo em vista que mentalidades mudam muito lentamente, a uma taxa aritmética, quando a tecnologia se move geometricamente.
Em todo caso, cabe conhecer, estudar e debater propostas como essa.
Paulo Roberto de Almeida

Liberalismo Radical: Indo à Raiz

As propostas para a migração e para o tratamento dos dados como trabalho, apresentadas por Eric A. Posner & Glen Weyl no livro Mercados radicais: reinventando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa (São Paulo: Editora Portfolio/Penguin; 2019), podem reduzir drasticamente o subemprego.
As duas propostas ampliam os mercados de trabalho e fortalecem os trabalhadores.
  1. proposta para a migração converte trabalhadores/consumidores passivos dos países ricos em empreendedores. Eles veem os migrantes como oportunidade econômica e não como concorrentes no mercado de trabalho.
  2. proposta para os dados converte consumidores passivos na economia digital em trabalhadores de dados que exigem remuneração por seus serviços.
As duas propostas expandem os mercados de trabalho para além das fronteiras e para a esfera digital.
O conjunto de suas propostas tem poder suficiente para tratar da estagdesigualdadepor um bom tempo. Reunindo suas estimativas expostas nos vários capítulos do citado livro, suas propostas reduziriam a parte da renda nacional capturada pelo 1% mais rico para muito além de seu ponto mais baixo em meados do século XX. Também acabariam com as disparidades de riqueza como fonte significativa de desigualdade interpessoal, na medida em que os lucros sobre a riqueza seriam, em larga medida, distribuídos igualitariamente por um COST. Um mercado radical permitiria existir uma desigualdade decorrente somente de diferenças entre capacidades naturais.
Percebam como um COST sobre a riqueza e o dividendo social subsidiado por ele responderiam à mudança tecnológica. Se o trabalho fosse substituído cada vez mais pela IA e os seres humanos mostrassem não terem o papel importante no trabalho de dados pressuposto, a parte da renda do capital aumentaria de forma drástica.
Vamos supor ele atingir 90%: a receita arrecadada por COST aumentaria então para 60% da renda nacional (na medida em que se destina a capturar dois terços do capital) e subsidiaria um generoso padrão de vida para todos os cidadãos.
Mesmo nos níveis atuais da renda nacional, por exemplo, supondo esse imposto substituir todos os impostos americanos, tal política tributária proporcionaria a uma família de quatro pessoas uma renda anual de quase 90 mil dólares.
Mas, se a força de trabalho permanecesse importante, o dividendo social continuaria modesto o suficiente para muitos ainda quererem trabalhar, fornecer dados valiosos à IA e receber trabalhadores migrantes para complementar a renda. A distribuição mais igualitária dos benefícios dessas atividades, como descrito anteriormente, asseguraria uma igualdade duradoura.
Suas propostas também combateriam o problema da estagnação. Juntas (totalizando as estimativas dos vários capítulos), aumentariam em um terço a dimensão da economia global. Isso bastaria para devolver por uma geração o crescimento ao nível aproximado do período imediatamente após as duas guerras.
Junto com a redução da desigualdade, isso dobraria o padrão de vida dos domicílios médios, apenas reduzindo o bem-estar absoluto do 1% mais rico em cerca de um terço. Esse aumento na renda da família média é similar ao da Era Dourada entre 1945 e 1975.
Apenas uma inovação contínua asseguraria um maior crescimento para além desse horizonte, mas suas ideias contemplam a perspectiva desses aperfeiçoamentos adicionais se aplicados em conjunto com outro progresso tecnológico adicional, como ilustrado a seguir.
Considere-se uma extensão muito radical do COST: ao capital humano. O capital humano se refere ao grau de instrução e treinamento de uma pessoa. Ele é um pouco parecido com o capital físico (terras, fábricas etc.), porque capacita seu detentor a obter lucros adicionais em um determinado investimento de esforço. Mas é também fundamentalmente diferente, por razões claras mostradas adiante.
Para entender como funcionaria um COST sobre o capital humano, imaginem os indivíduos autoavaliarem seu tempo, pagarem um imposto sobre esse valor autoavaliado e estarem prontos para trabalhar para qualquer empregador disposto a pagar esse salário.
Considere-se, por exemplo, uma cirurgiã anunciar fazer uma cirurgia de vesícula biliar por 2 mil dólares. Ela deveria pagar um imposto sobre esse montante e fazer uma operação em qualquer um com condições de pagar esse valor. O imposto iria desencorajá-la a sobrevalorizar seu tempo e, com isso, negar seus talentos a uma comunidade necessitada, enquanto a obrigação de estar à disposição mediante esse pagamento impediria ela estabelecer um valor demasiado baixo.
Um COST sobre o capital humano seria, em princípio, imensamente valioso. Com efeito, resolveria a maior ameaça à igualdade e à produtividade não abordada no livro — a possibilidade de as pessoas mais dotadas (os principais cientistas, advogados, contadores, artistas, gênios das finanças) se eximissem de oferecer seus serviços a menos se receberem o valor de monopólio.
Um COST sobre o capital físico simplesmente não resolve esse problema. Este é uma das principais fontes do aumento de desigualdade nos últimos cinquenta anos. Resolvidas quase todas as outras fontes de desigualdade com suas outras propostas, essa poderia se tornar uma grande fonte de tensão social, ainda mais porque a engenharia genética e a cibernética têm redefinido a ideia de investir nas capacidades humanas.
Ademais, um COST sobre o capital humano eliminaria a necessidade de um dos fatores mais desanimadores das pessoas a trabalhar: os impostos sobre a renda. Ao substituir a tributação da renda por uma sobre o capital humano gerador de renda, um COST mais estimularia em lugar de desestimular o trabalho. Também seria mais justo e mais legítimo.
As pessoas não dotadas de grandes talentos ainda teriam uma menor renda potencial se comparada à das mais dotadas, mas nunca correriam o risco de cair na pobreza, pois receberiam um grande dividendo social, baseado nos impostos arrecadados das dotadas.
As pessoas talentosas teriam mais oportunidades de serem ricas se comparadas às das menos dotadas, mas ao custo de arcar com o risco de cair na pobreza (com a tributação de seu dividendo social) caso se negassem a utilizar esses talentos.
O COST sobre o capital humano poderia ter popularidade política porque penaliza a classe instruída altamente ressentida e todas as espécies de preguiçosos, ao mesmo tempo recompensando o esforço dos trabalhadores comuns.
Apesar desses potenciais benefícios, o COST sobre o capital humano é prematuro. Há dois grandes problemas.
Primeiro, simplesmente não há tecnologia para isso. O COST sobre o capital humano teria de levar em conta se as pessoas gostam ou não de trabalhar, em todas as facetas onde isso se dá. Elas se preocupam com a quantidade de trabalho, onde e com quem trabalham, as condições em que o fazem, e muito mais — nada disso consegue ser capturado por um COST sobre o capital humano, a menos surjam meios tecnológicos de medir tantos fatores. É plausível imaginar um COST sobre o capital humano associado a uma forma de trabalho tecnologicamente integrada — como o input de dados constantemente monitorado por computadores — poderia funcionar, mas é difícil saber com certeza.
Em segundo lugar, um COST sobre o capital humano poderia ser visto como uma espécie de escravidão — incorretamente, a nosso ver, pelo menos se o COST for formulado de maneira adequada. Mas, mesmo assim, Eric A. Posner & Glen Weyl entendem o problema.
Imagine-se um cirurgião decida certo dia ter cansado de fazer cirurgias. Sob um COST, ele daria a si mesmo um alto valor, para ninguém mais comprar seus serviços — pagando um alto imposto em troca de seu afastamento da profissão. Mas as pessoas poderiam se ver em uma situação quando isso não seria prático ou apenas não quisessem mais trabalhar, independentemente da dedicação tida no passado. Seria possível evitar os elementos de coerção do sistema com ajustes em seu projeto, mas a sociedade ainda não está pronta para tal revisão radical na sua concepção do trabalho.
Seria um erro, porém, pensar o sistema atual não ser coercitivo. Em nosso sistema atual, há uma grande distância entre as elites instruídas, cujos talentos inatos ou adquiridos têm grande valor no mercado, e as pessoas incultas – com as profundas mudanças na economia, elas ficaram para trás.
Os dotados gozam de uma espécie de liberdade, pois podem escolher entre uma série de empregos atraentes. Esses empregos lhes permitem acumular rapidamente um capital capaz de os sustentar na velhice, se não gostarem dos empregos disponíveis, ou escolher e selecionar uma opção entre diversos níveis de trabalho (meio período, empregos de baixa remuneração, mas interessantes ou gratificantes, no terceiro setor etc.).
Os menos habilitados no mercado enfrentam uma escolha inflexível: trabalhar com baixa remuneração em duras condições, passar fome ou se submeter às várias indignidades da vida com assistência pública.
De todo modo, o desperdício de recursos sociais quando uma pessoa dotada deixa de realizar seu potencial é muito maior. Portanto, é defensável sua recusa em trabalhar ser punida com maior rigor.
O COST sobre o capital humano pode melhorar essa forma de liberdade desigual exigindo as pessoas dotadas pagarem um imposto caso não queiram trabalhar em uma área mais eficiente para a sociedade. Um imposto razoável não as reduzirá à fome nem a uma existência dependente da Previdência Social, mas exercerá maior pressão para trabalharem para o benefício da sociedade, tal como os pobres precisam fazer hoje em dia, ao mesmo tempo aliviando a pressão correspondente sobre os menos dotados em nossa sociedade atual.
Talvez uma sociedade mais acostumada a um COST sobre a riqueza e outras restrições ao poder de mercado, na qual os dotados usam engenharia genética para dar aos filhos vantagens claramente injustas, viesse a considerar perniciosos os monopólios sobre os talentos. Experiências mentais em histórias de ficção científica indicam as sociedades más administradoras de dotes únicos, seja escravizando, seja concedendo total posse de si, têm a tendência de acabar mal.