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domingo, 15 de outubro de 2023

Hipólito da Costa como um dos pais fundadores da nação: seminário na Câmara dos Deputados - Paulo Roberto de Almeida

No ano anterior e no ano do bicentenário da independência, participei de diversos seminários. Três deles na Câmara dos Deputados, tendo escolhido para um deles o jornalista Hipólito da Costa como meu tema de alocução. Eu já tinha preparado um trabalho a esse respeito, que foi publicado em livro organizado pela mesma CD em  2021 w publicado em 2022, cujos dados editoriais são estes: 

3954. “Hipólito da Costa, a censura e a independência do Brasil”, Brasília, 1 agosto 2021, 16 p. Introdução ao livro de José Theodoro Mascarenhas Menck: Hipólito José da Costa, o Correio Braziliense e as Cortes de Lisboa de 1821: a Imprensa no processo de independência do Brasil; Obra Comemorativa dos Duzentos Anos da Imprensa Brasileira e sua Contribuição ao Processo da Independência do Brasil na coleção do Bicentenário da CD. Publicado in: José Theodoro Mascarenhas Menck: A imprensa no processo de Independência do Brasil (Brasília: Câmara dos Deputados, 2022, 228 p.; p. 19-41; ISBNs: Papel: 978-65-87317-75-5; E-book: 978-65-87317-76-2; Prefácio: Helena Chagas; Introdução: Paulo Roberto de Almeida; Posfácio: Enrico Misasi. Relação de Publicados n. 1527.

 

No seminário de 2022, também falei sobre Hipólito e a Câmara transcreveu minha alocução, que não foi o texto que publiquei em outro livro, a ser publicado pela Editora Appris. Eis a minha palestra transcrita.

 

O SR. PAULO ROBERTO DE ALMEIDA - Muito obrigado, Deputado Gustavo Fruet. Eu li, muito recentemente, uma apresentação ou uma tese sua sobre parlamentarismo. Somos colegas na mesma causa.

Gostaria, em primeiro lugar, de apresentar minhas desculpas por não estar fisicamente, presencialmente neste seminário, por motivo de precaução, em virtude da permanência da pandemia e também por respeito aos demais participantes.

Gostaria de fazer os meus agradecimentos, em primeiro lugar, ao Deputado Enrico Misasi, que me convidou para este seminário e com o qual já participei de outras iniciativas, ao meu colega do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, o Secretário-Geral José Theodoro Menck, e ao meu colega diplomata e sócio acadêmico do IHGDF, o André Ricardo Heráclio do Rêgo.

Minhas saudações aos meus colegas de Mesa: a pesquisadora Isabel Lustosa, que tem esse belo livro sobre o nosso herói do dia.

(Exibe livro.)

Minhas saudações aos jornalistas Malcolm Forest, pelo comparecimento.

Bem, a minha mensagem principal nesta breve alocução é a seguinte. O Hipólito da Costa foi o primeiro estadista do Brasil. Isso parece contraditório, porque, desde a sua ida para Coimbra, no início da última década do século XVIII, o Hipólito da Costa nunca mais voltou ao Brasil. Ele morou em Portugal, fez uma viagem aos Estados Unidos, numa missão um pouco de espionagem industrial ou agrícola ou de prospecção de plantas úteis, maquinários úteis, a serviço do D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Como disse a Isabel, ele retornou, apresentou seu relatório a quem o mandou em viagem, mas também deixou um diário da sua viagem a Filadélfia, aos Estados Unidos, de 1798 a 1799, que ficou desconhecido durante muitos anos, até que Alceu Amoroso Lima o descobrisse na Biblioteca de Évora e o mandasse publicar, pela Academia Brasileira de Letras pela primeira vez. Mas há uma edição mais recente no Senado Federal. Vocês podem consultar na Biblioteca Digital do Senado Federal esse belo relato, que antecipa o Alexis de Tocqueville em mais de 40 anos, porque o Hipólito vai descrever não apenas a sua viagem, os seus negócios, as suas entrevistas, os seus conhecimentos, mas também o que eram os Estados Unidos, na religião, na sociedade, na política. Ele é um Tocqueville avant-lettre.

Da mesma forma, depois de escapar da inquisição do Pina Manique e viajar para Grã-Bretanha, para Londres, em 1805, ele faz a sua narrativa da perseguição, que também está publicada pelo Senado e vale a pena ler, não só pelo aspecto de direito ou de defesa, mas realmente para termos uma ideia do que era o cenário de Portugal no final do século XVIII e início do século XIX, sabendo que a inquisição só foi extinta em Portugal em 1848.

Ele se tornou maçom. Daí a sua grande lucidez sobre a política. Apesar de admirador do sistema constitucional inglês, da monarquia constitucional, pelo menos desde a Revolução Gloriosa, do século XVII, ele era um observador atento, um crítico realmente do imperialismo inglês e dos interesses sobre os países tutelados, a sua colônia. Mas ele se torna realmente um estadista do Brasil quando ele inicia o primeiro jornal independente, o Correio Braziliense, o seu Armazém Literário, uma espécie de gabinete de curiosidade que tinha de tudo: relatos de guerra, decretos reais, decretos de governos, sessões de Parlamentos, de Constituinte, preço, cotação de commodities, como temos hoje em todos os jornais. Era um gabinete de curiosidades, que teve um papel enorme, mais do que o que se pode avaliar, na formação de uma nova mentalidade para portugueses, súditos de Portugal, em Portugal mesmo e sobretudo no Brasil. Isso começa particularmente com a sua análise dos tratados de 1810, os tratados impostos pelo partido inglês, digamos, no governo da monarquia portuguesa já no Rio de Janeiro. A análise que ele faz dos tratados, em especial do tratado de comércio, torna-se o padrão, digamos, o paradigma da análise dos tratados desiguais, que permaneceram no Brasil até 1844 pelo menos — no caso da China, por exemplo, foram até 1 século adiante. Apenas na Segunda Guerra foram eliminados esses tratados desiguais.

A análise que ele faz sobretudo das relações comerciais desiguais, iníquas, assimétricas vai ser reproduzida pelo Oliveira Lima, em D. João VI no Brasil, publicado em 1908, que também tem edições recentes fac-similares ou redigitalizadas tanto no Senado quanto na Biblioteca Digital da FUNAG, do Ministério das Relações Exteriores, e, mais tarde, pelo Roberto Simonsen, um industrial que também era professor na Escola Paulista de Sociologia, que, em História Econômica do Brasil, de 1938, transcreve literalmente a análise do Hipólito sobre os tratados. Então, é aí que ele forma uma ideia sobre o que deveria ser o Brasil.

Aliás, o Barbosa Lima Sobrinho, grande jornalista — ele foi da ABI, talvez mais do que qualquer outro jornalista, durante décadas —, em Antologia do Correio Braziliense, dá muita importância ao papel da imprensa, à concepção de uma independência ou de uma autonomia do Brasil desde 1808. Essa independência vai se aprofundar, evidentemente, no Reino Unido, em 1815, quando o Brasil se torna um reino, portanto, com status similar ao de Portugal. Depois, em 1820, o Hipólito José da Costa também vai analisar a Revolução do Porto, que adota imediatamente a Carta de Cádiz, aquela Constituição feita pelos liberais espanhóis em Cádiz, em 1812, que foi adotada na Espanha durante 3 anos, o triênio liberal, mas depois voltou à autocracia, ao absolutismo de Fernando VII, mas que também foi adotada imediatamente por Portugal, provisoriamente, com as suas adaptações pelas Cortes, e a que D. João VI teve que jurar no Rio de Janeiro.

Esse período mais fértil da postura do Hipólito como estadista, de 1820 a 1822, quando termina o Correio Braziliense, está muito bem selecionado naquela antologia feita pelo Sérgio Góes de Paula, uma coleção sobre grandes figuras da nossa história. O Sérgio Góes de Paula fez uma seleção, de 1820 a 1822, dos melhores textos de Hipólito sobre as Cortes de Lisboa, sobre o sistema constitucional inglês e sobre o que o Brasil deveria ou poderia fazer para assegurar a sua autonomia, dentro dessa utopia do poderoso império, ou seja, um grande império luso-brasileiro, multinacional, mas com sede no Rio de Janeiro. Tanto ele quanto José Bonifácio tinham essa aspiração, assim como o próprio D. Pedro I, evidentemente. Isso não deu certo, porque as Cortes avançaram muito. Quando as Cortes proclamaram a Constituição portuguesa, em setembro de 1822, o Brasil já tinha declarado a sua independência. Pelo estatuto, as Cortes queriam tornar o Brasil uma colônia, com as províncias separadas, conectadas diretamente a Portugal. Por isso que eu chamei o Hipólito de primeiro estadista do Brasil.

A Isabel Lustosa fez uma edição fac-similar do Correio Braziliense com o Alberto Dines, em torno de 2000, de 2001, que está também inteiramente disponível, seja na edição original, na Biblioteca Mindlin, do Instituto de Estudos Brasileiros de São Paulo, seja nessa edição feita em 2000 e 2001, entre o atual Correio Braziliense, de Brasília, e a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

Correio Braziliense foi muito citado em diferentes estudos historiográficos. Existe a biografia do Macedo e do Rizzini, já do final dos anos 50, e esse belo livro da Isabel Lustosa, que tem vários outros livros sobre a imprensa do Brasil, tanto portuguesa quanto brasileira ou brasiliense, como diria o nosso Hipólito, como o Insultos Impressos, a guerra de versões que havia no Brasil nos anos 1821 e 1822, entre constitucionalistas, monarquistas absolutistas, reacionários, republicanos, entre Barata, Ledo e vários outros maçons. Houve toda uma guerra na imprensa, com o próprio Cairu, um cortesão que animou diferentes jornais. A Isabel Lustosa já nos deixou um brilhante relato sobre esse período muito rico para analisar a imprensa, como mostrou agora o Malcolm Forest, com princípios ainda válidos atualmente.

Mentiras havia naquela época, evidentemente, versões falsas, mas o código de ética dos jornalistas está presente na grande imprensa, nos órgãos responsáveis.

Gostaria de agradecer esta oportunidade para me manifestar sobre o primeiro estadista do Brasil.

Muito obrigado, Deputado Gustavo Fruet. (Palmas.)

 

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Hipolito da Costa: o primeiro estadista do Brasil: participação de Paulo Roberto de Almeida no seminário da CD


Uma das minhas mais recentes participações em seminários: 

1460. “Hipólito da Costa, o primeiro estadista do Brasil”, Brasília, 30/06/2022; participação no Seminário “O Movimento da Independência: Ontem e Hoje/ 200 anos de independência do Brasil”, promovido pela Câmara dos Deputados, painel sobre Hipólito da Costa, sob a presidência do Deputado Gustavo Fruet, com a participação da historiadora Isabel Lustosa e do jornalista e músico Malcom Forest, às 14:30hs, via online (link da emissão: https://www.youtube.com/watch?v=tkv3v1HZ7_c). Sem trabalho original.  


Não preparei senão algumas notas para essa exposição, muito breve, mas já como falei sobre Hipólito da Costa como primeiro estadista do Brasil, gostaria de remeter a este outro trabalho meu no qual tratei justamente dessa condição do grande jornalista expatriado, que praticamente formou boa parte da mentalidade dos intelectuais de sua época e posteriormente, as mentes mais esclarecidas que guiaram o Brasil na construção do Estado e na formação da Nação: 

3317. “Hipólito da Costa: o primeiro estadista do Brasil”, Brasília, 8 agosto 2018, 25 p. Artigo sobre o primeiro jornalista independente do Brasil como homem de Estado, para a revista 200, do projeto Bicentenário. Divulgado no blog Diplomatizzando (3/10/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/10/hipolito-jose-da-costa-o-primeiro.html), em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/23837e7fa3/hipolito-da-costa-o-primeiro-estadista-do-brasil-2018). Publicado em versão abreviada na revista 200 (Brasília: MRE, ano I, n. 1, outubro-dezembro de 2018, ISSN: 2596-2280; pp. 186-211). Revista completa divulgada na plataforma Academia.edu (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/08/revista-200-n-1-2018-unico-numero-gt-do.html). Relação de Publicados n. 1298. 




quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

A imprensa no processo de Independência do Brasil: Hipólito da Costa, o Correio Braziliense e as Cortes de Lisboa de 1821 - Livro



José Theodoro Mascarenhas Menck: 

A imprensa no processo de Independência do Brasil: Hipólito da Costa, o Correio Braziliense e as Cortes de Lisboa de 1821 

(Brasília: Câmara dos Deputados, 2022, 228 p.; p. 19-41; ISBNs: Papel: 978-65-87317-75-5; E-book: 978-65-87317-76-2; Prefácio: Helena Chagas; Posfácio: Enrico Misasi).

Lançamento hoje, 16hs. Pode ser acessado digitalmente, livro e lançamento. 

Fiz a Introdução: 

“Hipólito da Costa, a censura e a independência do Brasil”

já disponível no seguinte link: https://www.academia.edu/70952484/Hipólito_da_Costa_a_censura_e_a_independência_do_Brasil_2022_

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

A revolução liberal de 1820 como precursora da independência do Brasil: o papel do Correio Braziliense de Hipólito da Costa - Paulo Roberto de Almeida

 A revolução liberal de 1820 como precursora da independência do Brasil: o papel do Correio Braziliense de Hipólito da Costa

The 1820 liberal revolution as a forerunner of Brazilian Independence: the role of Hipolito da Costa’s Correio Braziliense

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, Ministério das Relações Exteriores; professor no Ibmec-Brasília (pralmeida@me.com)

Colaboração ao Congresso Internacional sobre a Revolução de 1820;

Painel temático: As revoluções na América do Sul.

Apresentado em sessão online, coordenada pela Prof. Lúcia Maria Bastos Neves, em 13/10/2021; disponível no blog Diplomatizzando e na plataforma Academia.edu.

 

 

Resumo: Identificação e contextualização dos principais relatos e comentários feitos pelo jornalista brasileiro Hipólito da Costa em seu periódico londrino Correio Braziliense, a respeito da Revolução do Porto, em 1820, e seu impacto no Brasil, nos dois anos seguintes, durante o funcionamento das Cortes constitucionais de Lisboa, tal como repercutidos minuciosamente nas páginas do jornal. Hipólito da Costa foi mais do que um repórter dedicado a informação objetiva sobre os eventos, pois que, pelo seu conteúdo analítico e opinativo, ele praticamente moldou a opinião das elites portuguesas e brasileiras acerca da necessária evolução do regime político para uma monarquia constitucional, que ele desejava permanecer como o governo de um império, a partir da manutenção do Reino Unido de Portugal e Brasil. Em seu trabalho de seguimento crítico das diversas etapas da revolução e do processo de elaboração constitucional, Hipólito poupou sistematicamente o rei d. João e criticou seus ministros, recomendando uma mudança completa das autoridades do governo português; defendeu ademais a liberdade de imprensa e a completa equiparação de direitos e deveres entre brasileiros e portugueses; considerava que a sede do Império luso-brasileiro deveria ser no Rio de Janeiro ou numa nova capital no interior do Brasil. Só depois das medidas recolonizadoras das Cortes, que ele analisou detidamente nos diversos números do Correio em 1821 e 1822, é que ele se dispõe a apoiar a separação e a independência do Brasil, o que se dá apenas em setembro de 1822.

Palavras-chave: Hipólito da Costa. Correio Braziliense. Portugal. Brasil. Revolução do Porto. Independência do Brasil.

 

AbstractIdentification and contextualization of the main reports and comments made by the Brazilian journalist Hipólito da Costa in his London periodical Correio Braziliense, regarding the 1820 Oporto Revolution, and its impact in Brazil, in the following two years, during the functioning of the Constitutional Courts (Cortes) of Lisbon, as minutely reflected in the pages of his newspaper. Hipólito da Costa was more than a reporter dedicated to an objective information about the events, since, by the analytical and opinionated content of the journal, he practically shaped the opinion of Portuguese and Brazilian elites about the necessary evolution of the political regime towards a constitutional monarchy. He fought for the maintenance of the United Kingdom of Portugal and Brazil, in order to keep a single Empire, under the same King. Hipólito follows, in a very critical way, the various stages of the Revolution and the process of constitutional elaboration of a new Chart by the Lisbon Cortes, systematically protecting King d. João and criticizing his ministers, recommending a complete change of Portuguese governmental authorities; he also defended complete freedom of the press and the total equalization of rights and duties between Brazilians and Portuguese; Hipolito considered that the seat of the Portuguese-Brazilian Empire should be in Rio de Janeiro or in a new capital, in the heartlands of Brazil. It was only after the attempts, by the Cortes, at the recolonization of Brazil, that he decided to support the separation of the two Kingdoms and the independence of Brazil, which only took place in September 1822.

Keywords: Hipólito da Costa. Correio Braziliense. Portugal. Brazil. Oporto Revolution. Independence of Brazil.

 

 

 

A Revolução liberal do Porto recebeu de Hipólito da Costa perfeita atenção e a devida repercussão nas páginas do Correio Braziliense: o período final da existência do seu “armazém literário”, de meados de 1820 ao final de 1822, foi dedicado ao processo constitucional aberto por ela e às suas repercussões no Brasil, que resultaram, finalmente, na própria independência do Brasil. De imediato o Correio se colocou ao lado dos constitucionalistas, contra os aristocratas e principalmente contra o partido espanhol, que defendia a união com a Espanha (Goes de Paula 2001, 29).

A partir de setembro de 1820, quando ele primeiro repercute a notícia, até dezembro desse ano, Hipólito vai dedicar quatro grandes artigos à revolução e transcrever 27 documentos (proclamações, portarias, cartas e ofícios) que revoltosos e autoridades de Lisboa farão circular nesses meses febris, antecedendo à convocação das Cortes, que ele passa a tratar a partir de janeiro de 1821. Mas ele não se ocupava apenas dos eventos imediatos em Portugal, e sim pensava no futuro da sua terra, como revela a primeira matéria, no n. 148 do Correio (vol. XXV), ou seja, tão cedo quanto setembro de 1820: 

Seja-nos agora permitido fazer alguma observação sobre a influência que terá no Brasil a medida dos governadores de Portugal de convocarem as Cortes daquele Reino, com a precipitação que fizeram, sem plano premeditado pelo governo e sem vistas do interesse geral da monarquia. 

Se nas Cortes de Portugal não entram procuradores do Brasil, el-rei será o soberano de ambos os reinos, mas eles serão os reinos desunidos de Portugal e do Brasil; porquanto, uma vez que as medidas políticas em Portugal dimanem de suas Cortes, e no Brasil só d’el-rei, é impossível que haja a unidade do sistema, sem a qual os dois reinos só serão unidos de nome. 

Além disso, os brasilienses não poderão ver com olhos tranquilos e sem natural ciúme que seus co-vassalos em Portugal tenham Cortes, e não as haja no Brasil. (...) 

Estas considerações são da mais transcendente importância para a tranquilidade do Brasil. O exemplo de Portugal e as ideias do nosso século a favor das formas representativas de governo devem necessariamente mover os espíritos no Brasil, que não tendo, como fica dito, assaz fundamentos, caso adquiram o poder de obrar, só produzirão confusão e calamidades. 

Parece-nos, logo, que o remédio deveria ser a adoção de medidas tais que, satisfazendo de algum modo a opinião geral, dessem aos povos instituições constitucionais moderadas, adaptadas ao estado de civilização e instrução do país, deixando a sua desenvolução para o diante, seguindo os progressos da instrução do povo. (in: Goes de Paula 2001, 64-65)

 

Hipólito, em fino observador das estruturas econômicas mais prometedoras a partir desta parte americana do Reino, antecipa na exata sequência a sua noção de que não é o Brasil que necessitava de Portugal, e sim o contrário, mas expressando sua firme convicção de que o melhor, para ambos os reinos, era a preservação de sua união: 

Quando, porém, assim falamos sobre as medidas convenientes para conservar unidos os reinos de Portugal e Brasil, temos em vista o interesse de Portugal e do soberano, que o é de ambos aqueles Estados; porque quanto ao Brasil, e não mais, nem tanto, necessita de Portugal, do que os Estados Unidos precisam da Inglaterra.

Portanto o Correio Braziliense deve ser propriamente entendido em seus desejos patrióticos, que não são decerto guiados por prejuízos locais. Se o Brasil nada precisa de Portugal, contudo é em sua honra que seu rei continue a sê-lo também de Portugal; assim, desejáramos que, uma vez que os governadores de Portugal se portaram como se têm portado, e são convocadas as Cortes, tais instituições se adotassem que fossem favoráveis à verdadeira, e não nominal, união dos dois reinos, e que não causassem ciúmes de uma parte ou doutra, para que assim a união fosse permanente. (...)

Quanto mais instituições diversas se estabelecerem em ambos os Estados, quanto menor será a sua união; a diversidade de instituições políticas, principalmente as essenciais, não pode deixar de ocasionar diversidade de caráter, de interesse e de máximas; e dois povos, ainda que sujeitos ao mesmo soberano, colocados em tais circunstâncias, é impossível que continuem unidos por mais longo tempo. (in: Goes de Paula 2001, 65)

 

Assim termina a primeira matéria de Hipólito sobre a Revolução do Porto e suas consequências para o Brasil, um notável exercício de análise política, e de antecipação sobre os desafios, sobre as duras realidades que precisariam enfrentar os dirigentes políticos, assim como os representantes dos dois reinos, antes mesmo que houvesse qualquer decisão sobre o funcionamento das Cortes de Lisboa, e sobre como haveriam de proceder os constituintes no momento de debater e decidir quais seriam as diretrizes a serem estabelecidas para as diferentes partes do Reino Unido, não considerando, naquele momento, as demais dependências do grande império marítimo português. Ele continuaria, nos números de outubro a dezembro, a tratar das consequências da revolução do Porto, antes de mergulhar, a partir de 1821, nos trabalhos das Cortes. 

No n. 149 do Correio, em outubro de 1820, Hipólito demonstra, mais uma vez, que sua principal preocupação nos eventos de Portugal sempre esteve com as “coisas” do Brasil: 

Que culpa tem o Brasil de que os governadores de Portugal desatendessem as urgentes necessidades do Reino? Porventura veio algum filho do Brasil governar Portugal, para que pelos atos desse indivíduo fosse acusado todo o seu país? Nem um só. Portugueses dos quatro costados foram sempre todos os governadores do Reino, e todos os seus secretários e conselheiros. Se quiserem levar a queixa mais longe, e atribuírem os males todos de Portugal ao gabinete do Rio de janeiro, outra vez lhes retorquimos que não há nesse gabinete um só ministro do Brasil; e o primeiro-ministro até no nome é Portugal [Hipólito se referia aqui a Tomás Antonio de Vila-Nova Portugal].

Com que justiça, pois, se acusa o Brasil dos males de Portugal? Se a queixa fosse contra o sistema de governo, contra os indivíduos que o compõem, na Europa ou na América, o argumento seria sensato; mas uma acusação contra o Brasil é tão sobremaneira injusta que só pode ter por fim provocar a retorsão, excitar os ódios e criar divisões só úteis ao partido da dominação estrangeira... (in Goes de Paula 2001, 80)

 

Hipólito deu prosseguimento, no n. 150 do Correio, de novembro de 1820, à sua minuciosa análise política do processo de mudanças que andava ocorrendo em Portugal, sem se ocupar especialmente do Brasil, uma vez que não dispunha, ainda, de notícias suficientes sobre as repercussões do outro lado do Atlântico. O historiador Varnhagen, confirmando a dificuldade das comunicações nessa época, chamava a atenção para as “duas mil léguas de distância” entre as duas partes do Reino Unido, “em cuja viagem redonda, em navios de vela, únicos que então nela se empregavam, se não gastava menos de quatro a cinco meses” (2010, 18).

O último número do Correio de 1820, n. 151 (dezembro), situa a revolução do Porto no contexto de demais revoluções europeias, que também se colocavam no âmbito dos movimentos liberais e constitucionalistas, que começavam a reagir contra as tendências conservadoras, até reacionárias, que tinham emergido no Congresso de Viena e que tinham impulsionado, via Santa Aliança – Prússia, Áustria, Rússia, a França da Restauração e a Espanha do retorno ao mesmo despotismo dos Bourbons –, a restauração do absolutismo em vários reinos do continente. Todas elas, a rigor, se inspiravam no mesmo texto constitucional liberal, a Carta de Cádiz, cujo breve renascimento, ao início de 1820, também tinha inspirado a ação do Sinédrio.

Findamos com este número o segundo volume do nosso periódico neste ano, deixando nele registradas três revoluções importantes que obraram todas no mesmo sentido, a saber: a da Espanha, a de Nápoles e a de Portugal; argumento irrespondível de que as formas de governo até aqui existentes na Europa não concordam já com as ideias do século, e que acomodar-se a elas é o mais prudente partido que podem adotar os governos, se desejarem evitar as concussões de revoluções operadas pela força do povo, de cujo êxito ninguém pode responder. (Goes de Paula 2001, 93)

 

Ao comentar as diferentes formas de se estabelecer o método de eleger os constituintes às Cortes, Hipólito não deixa em nenhum momento de se preocupar com o Brasil, ao registrar que nas deliberações “nem se admite a existência de domínios ultramarinos”, acrescentando então: “Esta omissão nos parece um passo decisivo para a separação de Portugal do Brasil, o que na verdade sentimos que venha a ser um dos efeitos dessa revolução” (idem, 100).

No primeiro número de 1821, o 152, em janeiro, Hipólito se pronuncia sobre a convocação das cortes em Portugal, retroagindo então ao que tinha conseguido apreender a partir das repercussões da Revolução do Porto no Brasil: 

Depois de escrito o que fica acima [basicamente as lutas entre os “partidos” portugueses em torno da questão da seleção dos representantes às Cortes], recebemos notícias do Rio de Janeiro até 22 de novembro, quando já se sabia ali dos sucessos de Lisboa em setembro passado. 

Não temos tempo de dizer nada mais sobre este assunto, senão que apesar do conhecimento daqueles sucessos, não se tinha posto a menor interrupção à comunicação com Portugal; pelo contrário, continuavam a despachar-se navios, na forma usual, para o Porto e para Lisboa. (p. 151)

 

Hipólito se espantava com a inoperância e os embates confusos dos dirigentes e dos políticos portugueses, divididos entre diferentes “partidos”: o inglês, o francês e o espanhol. Aparentemente, o único a defender o “partido português”, isto é, o rei d. João e os interesses do país, como um todo, era ele mesmo. Ele julgava, não sem razão, que, entregue a si mesmo, sem o respaldo econômico do mais importante Reino da Coroa, Portugal não teria grandes chances de manter sua autonomia, numa Europa entregue a lutas entre as grandes potências. De fato, no decurso do século XIX, Portugal conheceu recaídas autoritárias, emendou diversas vezes a sua Constituição – por sinal reescrita por D. Pedro I, com base na que ele havia encomendando em 1824 para o Brasil – e se tornou praticamente inadimplente em diversos empréstimos externos ao longo do século, só escapando da humilhação imposta à Grécia e ao Egito, que passaram a ter representantes dos banqueiros controlando suas finanças e suas alfândegas, ou seja, as fontes de receitas (usadas para recolher os juros devidos). 

No segundo número do Correio de 1821, o de n. 153, datado de fevereiro, Hipólito aprofunda suas reflexões – sem dispor ainda das reações nas províncias aos acontecimentos passados na antiga metrópole – sobre a influência da revolução de Portugal no Brasil. O que ele escreve em seu principal artigo nessa área denota uma compreensão realista sobre o que se passava em sua terra e em Portugal, mesmo estando longe do Brasil desde 1793, e “ausente” de Portugal desde 1805: 

Dissemos repetidas vezes que lamentávamos a circunstância de não ter o Ministério do Brasil [sic; ou seja, o gabinete de d. João no Rio de Janeiro] começado as reformas políticas em Portugal que eram necessárias, antes que o povo as empreendesse por si mesmo; entre outras razões, porque tendo a revolução começado pelo povo e não pelo governo, era impossível prever seu êxito. Isto já não tem remédio em Portugal, ou mui fraco remédio terá, visto que somos entrados na revolução, que sempre desejamos se já evitasse; mas, como ela ainda não se manifestou no Brasil, o que a respeito dele se disser pode ainda ser ouvido a tempo, se ouvidos se prestarem enquanto isso pode servir.

Ninguém poderá duvidar que todos os passos da revolução de Portugal hão de ser sabidos e conhecidos no Brasil, e é impossível que as ideias revolucionárias de Portugal não façam ali [no Brasil] a mais profunda impressão. (Goes de Paula 2001, 152)

 

Hipólito continua a tecer considerações gerais sobre a responsabilidade das Cortes sobre as “formas constitucionais” que elas haveriam de decidir para Portugal e sobre o significado disso para o rei, e pergunta quais as consequências para o “Ministério do Brasil”, na impossibilidade de “impedir o curso natural das coisas, de passarem ao Brasil as ideias revolucionárias de Portugal” (p. 153). Sem ainda dispor de informações precisas quanto ao que estaria se passando no Brasil, Hipólito arrisca ainda assim especular sobre o que poderia se passar em sua terra, criticando mais uma vez os ministros d’el-rei e lembrando os processos de independência no entorno do Brasil: 

Porém, se ajuizamos acertados nossos conceitos, se a revolução de Portugal deve necessariamente passar ao Brasil, e se uma revolução popular naquele país pode ser acompanhada de resultados os mais desastrosos, quão culpados não devem ser os ministros que não adotarem medidas próprias para prevenir esses males? (...)

Não nos escusaremos de repetir o que tantas vezes temos dito, que forma de administração no Brasil hoje que ele é populoso, rico, comercial e polido com o trato do estrangeiro, é a mesma que existia há 300 anos, quando suas povoações constavam de mesquinhos presídios. No tempo antigo ninguém tinha ideia de outro governo que não fosse o absoluto; hoje em dia, até os rapazes falam em constituições políticas. (...)

Independente dos sucessos de Portugal, o Brasil está cercado por uma tremenda revolução na América Espanhola; sejam ou não sejam fantásticas essas ideias, estejam ou não estejam os povos do Brasil preparados para terem formas constitucionais, esse prurido deve obrar; e quanto menos preparados estiverem os povos, mais perigosos serão os seus desejos, e o meio de atalhar a explosão total é mostrar sinceridade de satisfazer a opinião pública, em tanto quanto for compatível com a prática: uma vez estabelecida a opinião dessa sinceridade do governo, metade das dificuldades estão vencidas. (...)

Sem que o povo acredite que o governo lhe prepara planos de melhoramento no sistema de administração, serão ineficazes todos os meios que se possam inventar para impedir os progressos de uma revolução popular, que já é manifesta em Portugal e labora para a explosão no Brasil; e parece-nos sumamente improvável que o povo acredite ou espere reforma alguma a seu modo, continuando a governar os mesmos homens que até aqui foram, ou se suspeitam que fossem, os apoios do sistema antigo. (idem, 153-4)

 

Foi o próprio Hipólito, aliás, que já havia afirmado, desde abril de 1820, que “todo o sistema de administração está hoje arranjado por tal maneira que Portugal e Brasil são dois Estados diversos, mas sujeitos ao mesmo rei” (Varnhagen 2010, 30). As províncias do Reino do Brasil foram se aquilatando das notícias de Portugal em tempos diversos, sendo que o Pará, por estar mais próximo, e a Bahia, tomaram posição mais cedo do que as demais partes do Brasil em prol da revolução e da convocação das Cortes em Portugal. Mas, como ainda indica Varnhagen, “a maior distância do Pará [com respeito ao Rio de Janeiro, e as dificuldades de ventos e correntes marítimas para se passar do Norte ao Sul do Brasil] fez com que primeiro chegasse ao Rio de Janeiro, no dia 17 de fevereiro [de 1821] a notícia da proclamação constitucional na Bahia” (2010, 40). Finalmente, a 7 de março, “havia sido recebido um ofício das Cortes de 15 de janeiro, pedindo a el-rei que regressasse a Lisboa, e manifestando vivo dissabor de não verem também no seu seio os representantes do Brasil” (idem, 53). Foi então que d. João resolveu retornar a Portugal, 

ficando o príncipe [seu filho Pedro] como regente do Brasil todo: terceira grande resolução em favor da futura unidade nacional. Na mesma data era decretada a convocação, por todo o Brasil, dos deputados às Corte de Lisboa, adotando-se para a marcha das eleições vários artigos da Constituição espanhola, que já haviam sido adotados para as eleições em Portugal. No Conselho de Estado, a respeito da partida de el-rei, fora Silvestre Pinheiro o único que votara contra, do que resultou dirigir-se no fim el-rei para o mesmo conselheiro, dizendo-lhe: – ‘Que remédio, Silvestre Pinheiro! Fomos vencidos.’ (Varnhagen, 2010, 53)

 

No n. 154 do Correio, correspondendo ao mês de março, Hipólito, finalmente, dá conta das repercussões da revolução do Porto no Brasil: 

No dia 1º de janeiro o povo do Pará, de concerto com a tropa, executou uma revolução com êxito tão pacífico como a de Portugal. Nomeou-se um governo provisional, proclamou-se a adoção de um governo constitucional, alegando-se com o exemplo de Portugal.

Pode alguém duvidar que a mesma cena se represente em outras capitanias do Brasil? Pode haver dúvida eu o único partido da Corte é entrar ela mesma na revolução, para lhe dar uma direção que seja a menos perniciosa possível no Brasil? 

Já em novembro passado houve um levantamento do povo no lugar de Bonito, na capitania de Pernambuco: acomodaram o motim as tropas que contra os revoltados mandou o general, mas este se fortificou no palácio da capital, depois de mandar prender várias pessoas de consideração como suspeitas de desafeição, entre as quais se acham alguns oficiais militares; e o general continua fortificado no seu palácio, rodeado de tropas, e até com artilharia assestada, para se defender em caso de ser atacado. Ora, não é esta a posição em que se devia ver um governador paternal no meio de uma população contente e satisfeita. (...)

Os procedimentos em Portugal, pelo que respeita o Brasil, têm até aqui levado a uma direção mui errada e até contraditória, e tal que nos parece tendente a causar a separação daqueles dois estados, se el-rei lhe não der o único remédio que lhe há próprio. 

Primeiramente, quando se promulgou em Portugal o regulamento para a eleição dos deputados de Cortes, copiado da Constituição espanhola, excluíram-se todos os artigos que diziam respeito aos domínios ultramarinos, dizendo-se que não tinham aplicação.

Por que não tinha aplicação? Se a revolução em Portugal era tendente a melhorar o estado da monarquia, sem dúvida que a primeira consideração devia ser a preservação de toda a mesma monarquia, e conservação de sua integridade; e o tentar fazer uma Constituição para toda ela por meio de deputados de uma só parte, é lançar os fundamentos à mais justificada desunião: e se o povo de Portugal assenta que como povo tem o direito de escolher para si a constituição que quiser, e não a outrem lhe imponha, seguramente deve convir que não tem direito de ir impor essa constituição que fazer ao povo do Brasil, que nela não teve parte. 

E que maior causa de divisão e discórdia se pode apresentar a duas porções de uma monarquia do que tentar uma delas ditar leis constitucionais sem primeiro buscar de ouvir o voto da outra? (Goes de Paula 2001, 160-1)

 

Nos meses seguintes, Hipólito continuou a dar, nos números sucessivos do Correio, “as mais amplas notícias dos debates na Cortes que eram compatíveis com o nosso periódico”, isto é, consoante seu desejo de “darmos a nossos leitores do Brasil amplos conhecimentos do que tanto lhes convém saber” (Correio, n. 154, vol. XXVI, março de 1821, 346). Não obstante, falando da volta d’el-rei a Portugal no n. 155 (abril), Hipólito se declarava favorável a continuidade da “integridade da monarquia, que tanto desejamos; mas que essa integridade se não preservará, se el-rei, quer numa, quer noutra hipótese [ou seja, partir ele a Lisboa ou “ficar por ora no Brasil”],

se servir de um ministério impopular, que não tendo a seu favor a confiança da nação, antes sendo suspeito de querer favorecer as classes privilegiadas contra os interesses da massa do povo, não poderá obrar causa alguma, ainda que boa seja, pela qual consiga inspirar a concórdia e união entre as diversas partes da monarquia. (Goes de Paula 2001, 183)

 

Foi apenas no n. 156 do Correio, correspondendo ao mês de maio, que Hipólito reporta que o povo do Rio de Janeiro, aos 26 de fevereiro, “cansado de esperar pelo que faria o governo a seu favor, seguiu o exemplo do resto da monarquia”, ou seja, “declarou-se pela Constituição” (idem, 191). Hipólito envereda pelo resto do artigo numa diatribe contra os ministros corruptos do rei, sem nomear a todos individualmente, mas expressando reservas quanto ao conde de Palmela, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, dando a impressão de que ele seria um dos que faziam parte da corrupção geral, traindo o rei, dizendo-lhe falsidades, ocultando a verdade. Ele também continua a seguir cada um dos movimentos políticos em curso, dentro e fora de Portugal, no Brasil e na Europa. Mais adiante, acusou, por exemplo, o mesmo conde de Palmela, ministro de D. João VI na Europa, de tramar a contrarrevolução, por meio de um conciliábulo de diplomatas reunidos em Paris. De fato, a Santa Aliança estava preocupada com o que ocorria na Espanha, em Portugal e em Nápoles.

Pelo resto desse ano de 1821, Hipólito Hipólito da Costa permanece atento aos trabalhos das Cortes, e transcreve, no volume XXVI do Correio, praticamente todas as sessões realizadas pelas Cortes, notadamente os princípios estabelecidos para elaboração da futura Constituição, as “Bases”, que a Regência no Brasil, a cargo de príncipe D. Pedro, deveria jurar. As Cortes só se decidiram a convocar deputados do Brasil depois que as revoltas também se manifestam no reino americano, por meio de um decreto da Regência de 24 de abril (Correio, n. 157, junho 1821, 595-597). Hipólito considerou que esse decreto vinha “mui fora de tempo” e que também era limitativo, uma vez que só admitia deputados que representassem as cidades “onde houvesse Juízes de Fora, como se os povos dos lugares onde não há juízes letrados não tivessem igual direito que os outros a serem representados” (Idem, ibidem, p. 671). 

Nas Cortes de Lisboa, o Brasil tinha direito a 72 deputados, mas só 46 compareceram, e muito atrasados, o que os deixou em minoria em face dos portugueses, que tinham 100 deputados. Com raras exceções, os deputados do Pará, do Maranhão, do Piauí e da Bahia, as províncias mais ligadas a Lisboa por laços de comércio e diversos outros vínculos, alinhavam-se com os portugueses e “votaram sistematicamente contra as propostas brasileiras das demais regiões.” O padre Feijó, representante paulista, reconheceu a realidade: “Não somos deputados do Brasil, porque cada província se governa hoje independentemente” (Gomes 2010, 63).

Numa primeira etapa, os representantes brasileiros naquelas Cortes pretendiam manter a unidade dos dois reinos, em pé de igualdade, como ainda proclamava quatro meses antes do Grito do Ipiranga o próprio irmão de José Bonifácio, o deputado paulista Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, que estava “plenamente convencido de que Portugal ganha com a união do Brasil e o Brasil com a de Portugal” (Gomes 2010, 84). A questão da unidade do Brasil com Portugal teimava em alimentar os argumentos de Hipólito ao início do ano seguinte, a despeito de sinais precursores de que algo não andava bem. Escrevendo em fevereiro de 1822, Hipólito considerava essa união 

... de suma utilidade para ambos os países [...] na suposição de que sendo o Brasil tão superior a Portugal em recursos de toda a natureza, a objeção para a continuação desta união provinha de algumas pessoas inconsideradas no Brasil que desejavam a separação dos dois países antes que ela devesse ter lugar pela ordem ordinária das coisas. 

Nessa suposição, recomendando a união, temos sempre dirigido nossos argumentos aos brasilienses [que para Hipólito eram os naturais do Brasil, em contraposição ao “brasileiro”, que seria “o português europeu ou o estrangeiro que vai lá negociar ou estabelecer-se”], não nos ocorrendo sequer a possibilidade que nos portugueses europeus pudessem existir essas ideias de desunião; porque a utilidade deles, na união dos dois países, era de primeira evidência.

Mas infelizmente achamos que as coisas vão muito pelo contrário, e que é entre os portugueses e alguns brasileiros, e não entre os brasilienses, que se fomentam e se adotam medidas para essa separação, que temos julgado imprudente por ser intempestiva, e que temos combativo na suposição de que os portugueses europeus nos ajudariam [aos brasilienses] em nossos esforços para impedir, ao menos por algum tempo, essa cisão. (Correio Braziliense, vol. XXVIII, n. 165, fevereiro de 1822, 165-6.) 

 

Em julho de 1822, Hipólito assumiu novo posicionamento em relação à independência do Brasil. Sua mudança de atitude se deu no quadro dos debates nas Cortes portuguesas, quando estavam sendo discutidas diversas medidas no sentido de “recolonizar” o Brasil. De fato, além de discutir os artigos da nova Constituição, as Cortes dedicavam-se igualmente a legislar sobre os assuntos imediatos. O historiador do século XIX Handelman refletiu em sua História do Brasil, algumas dessas disposições específicas ao Reino Unido do Brasil, a partir de então muito menos unido:

As Cortes, depois de romperem pelo decreto de 24 de abril a unidade política e a organização política autônoma do Brasil, depois de haverem por um segundo decreto, de 28 de julho, incorporado as tropas nacionais brasileiras ao exército português, agora, com uma série de novas resoluções, acabavam de destruir todas aquelas instituições que ainda faziam lembrar que o Brasil havia sido durante algum tempo um reino independente e equiparado a Portugal, como país irmão, com os mesmos direitos.

Um decreto provisório, de 29 de setembro, aniquilava todo o aparelhamento do poder central do Brasil; as altas autoridades administrativas, o Supremo Tribunal, etc., que desde 1808 funcionavam no Rio, finalmente a regência que o rei havia deixado à sua partida, tudo foi suprimido. Como já havia acontecido nas restantes províncias, era agora estabelecida também no Rio de Janeiro, para a administração dessa província, uma junta, e todos esses governos provinciais deviam de novo, como antes, entender-se diretamente com o gabinete de Lisboa; igualmente as coisas da justiça, os processos das instâncias deviam passar ao Supremo Tribunal português. Segundo decreto da mesma data dispensava, consequentemente, o príncipe regente das obrigações do seu cargo e o convidava a, dentro de determinado prazo, voltar para Portugal, via Inglaterra, França e Espanha. (Handelman 1931, 765-766) 

 

No mês de setembro seguinte, Hipólito, a despeito de sua discordância com várias medidas cogitadas nas Cortes, ainda proclamava sua confiança na manutenção da unidade, manifestando que essa era uma condição de manter a liberdade lá e no Brasil:

Que a maioridade do Brasil deseja continuar em sua união com Portugal é o que se manifesta pelas declarações de todas as cidades capitais de províncias, que sucessivamente foram reconhecendo o sistema constitucional; e contudo, pode muito bem haver, e sabemos que há, algumas pessoas que julgam ser chegado o tempo do Brasil se separar da sua antiga metrópole. Este partido, porém, o julgamos por ora pequeno; e os que desse partido forem sinceros facilmente se convencerão que vão errados: os outros que obrarem assim por motivos menos honrosos do que a persuasão de que obram a favor de sua pátria não merecem que se argumente com eles. [...]

A nossa decidida opinião vai exatamente de acordo com a desta maioridade do Brasil; porque se o Brasil tem de ser um dia independente da Europa, nada lhe pode ser mais conveniente do que ir de acordo e em união com Portugal, até que ambos tenham conseguido estabelecer as suas formas constitucionais de governo; porque se antes disso se desunirem, seja por que pretexto for, o partido despótico [ou seja, os conservadores que desejavam a continuidade de uma monarquia absoluta] achará fácil meio nessa desunião de os vencer a ambos separadamente e calcar aos pés a liberdade nascente. (Correio Braziliense, XXVII, n. 160, setembro de 1821, 234-35.)

 

Nesse mesmo mês de setembro, a Constituição Política da Nação Portuguesa, aprovada ao final de 1822, estipulava, em seus artigos 128 a 131 – capítulo II, “Da delegação do Poder Executivo no Brasil”, do Título IV (Do Poder Executivo ou do rei) –, o seguinte:

128 – Haverá no reino do Brasil uma delegação do Poder Executivo, encarregada a uma Regência, que residirá no lugar mais conveniente que a lei designar. Dela poderão ficar independentes algumas províncias e sujeitas imediatamente ao Governo de Portugal.

129 – A Regência do Brasil se comporá de cinco membros, um dos quais será o presidente, e de três secretários, nomeados uns e outros pelo rei, ouvido o Conselho de Estado. Os príncipes e infantes (art. 133) não poderão ser membros da Regência.

130 – Um dos secretários tratará dos negócios do reino e fazenda; outro dos de justiça e eclesiásticos; outro dos de guerra e marinha. (...)

131 – Assim os membros da Regência, como os secretários, serão responsáveis ao rei. 

 

A conformação tentativa de uma nova modalidade de pacto colonial em muito acelerou o processo de independência no Brasil. Com efeito, o projeto de regulamentação das relações comerciais Brasil-Portugal, tomado no âmbito da Constituinte lusitana, “foi a última resolução de caráter econômico tomada pela antiga metrópole em relação ao Brasil colonial” (Brito 1980, 405) Segundo esse projeto, os produtos estrangeiros que entrassem no Brasil passariam a pagar direitos de 55% ad valorem, ao passo que os impostos de exportação aplicados a produtos brasileiros vendidos a terceiros países passariam a pagar 12% (Idem, p. 403). Quando ele foi aprovado, contudo, o Brasil já tinha declarado sua independência. 

Ao conformar-se a independência do Brasil, Hipólito estava dando por encerrada sua missão de informador crítico e de defensor da liberdade de imprensa no Brasil. No último número do Correio, em dezembro de 1822, Hipólito teceu considerações sobre a “Constituição do Brasil”, alertando que ela seria “obra do tempo e da experiência”, e que se deveria evitar “abranger casos particulares”, pois dessa forma seria “menos perfeita”: 

E tanto melhores serão as leis de um Estado, quanto mais se limitarem às regras gerais, claras e compreensivas.

Se considerarmos as partes mais belas da Constituição inglesa, as que são mais dignas de imitar-se e suscetíveis de serem adotadas em todos os governos constitucionais, acharemos, pela lição da história, que essas sábias instituições inglesas não foram arranjadas por uma vez, nem apareceram repentinamente à voz do legislador, como o decreto do onipotente fiat lux produziu em um momento o efeito que o criador se propunha. Foi a experiência, foram os repetidos ensaios, foram os melhoramentos sucessivos, foi enfim, a prudência dos legisladores em aproveitar os momentos, em adaptar suas medidas às circunstâncias em que se iam achando os povos na série dos acontecimentos políticos, que fez chegar essas partes da Constituição inglesa, a que aludimos, ao grau de perfeição em que as vemos agora. [...]

Por outra parte, nos Estados Unidos da América setentrional, tomando-se por base que os costumes daqueles povos eram análogos aos dos ingleses, adotou-se a Constituição da Inglaterra, só com aquelas modificações que a natureza das circunstâncias exigia; essa Constituição dura, e durará, porque foi fundada na experiência, e só estabeleceu regras gerais; as ocorrências vão mostrando a maneira de a pôr em prática e essa mesma prática estabelece uma Constituição de costume, que é a mais duradoura que uma nação pode ter. [...]

A Constituição de qualquer Estado, bem como as demais leis não podem durar eternamente; porque é sempre mutável a situação dos homens e quando as circunstâncias variam, forçoso é que variem também as leis. (Correio Braziliense, XXIX, n. 175, dezembro de 1822, 604-6)

 

 

 

 


 

Bibliografia:

 

Brito, José Gabriel de Lemos, 1980. Pontos de partida para a história econômica do Brasil, 3ª ed.; São Paulo: Companhia Editora Nacional/INL-MEC.

 

Costa, Hipólito José da, 2002-2003Correio Braziliense, ou, Armazém Literário. reedição fac-similar; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Correio Braziliense; coordenação de Alberto Dines e Isabel Lustosa (disponível Biblioteca Mindlin-USP: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm-ext/1303; acesso: 10 mar. 2021).

 

Goes de Paula, Sergio (org., introdução) (2001). Hipólito José da Costa. São Paulo: Editora 34; coleção Formadores do Brasil.

Gomes, Laurentino, 2010. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Handelman, Henrique, 1931. História do Brasil (1861). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Revista do Instituto Histórico Brasileiro, tomo 108, vol. 162, 2º de 1930; tradução de Lucia Furquin Lahmeyer; 2 vols.

 

Varnhagen, Francisco Adolfo, 2010. História da Independência do Brasil. Brasília: Senado Federal.

 

 

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Hipólito da Costa e o nascimento do pensamento econômico brasileiro - Paulo Roberto de Almeida

 Hipólito da Costa e o nascimento do pensamento econômico brasileiro

 

Paulo Roberto de Almeida *

* Doutor em Ciências Sociais, diplomata.

Pesquisador nas áreas de relações internacionais e política externa do Brasil.

Autor de Formação da Diplomacia Econômica no Brasil

(São Paulo: Editora Senac, 2001). www.pralmeida.org

in: Hipólito José da Costa, Correio Braziliense, ou, Armazém Literário (São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF: Correio Braziliense, 2002; reedição facsimilar, volume XXX, pp. 323-369)

 

 

Sumário:

A economia política pelo método empírico: a viagem de Hipólito aos Estados Unidos

A economia política pelo método teórico: leituras e escritos de Hipólito

A abertura dos portos e as indústrias do Brasil: Hipólito olha o futuro

Relações comerciais com a Grã-Bretanha: Hipólito antecipa o prejuízo

O tratado de 1810 e o interesse nacional: Hipólito e a historiografia brasileira

A controvérsia liberalismo-protecionismo no Brasil: um debate que vem de 1810

Hipólito finaliza sua missão: a separação de Portugal e o problema da mão-de-obra

Influência de Hipólito no debate econômico do século XIX

O legado de Hipólito: humanismo, patriotismo, sentido da educação, tino econômico

 

 

Resumo:

Análise da influência dos escritos e da obra jornalística de Hipólito José da Costa no pensamento econômico brasileiro, com destaque para os temas da abertura comercial de 1808, do tratado comercial de 1810 e outras questões tópicas correlatas, como as das políticas liberal ou protecionista, ademais dos problemas da escravidão e da colonização.

 

 

 


A economia política pelo método empírico: a viagem de Hipólito aos Estados Unidos

 

Recém formado em direito por Coimbra em meados de 1798, Hipólito José da Costa recebe do conde de Linhares, menos de três meses depois, o encargo de fazer no território da América do Norte (Estados Unidos e México) o que se poderia designar, na moderna linguagem dos negócios, de comissão de prospecção econômica. Grande estadista português da transição para o século XIX, d. Rodrigo de Souza Coutinho ostentava uma concepção essencialmente econômica da administração pública, preocupando-se com a agricultura, o comércio, a gestão financeira e as novas práticas industriais. Foi provavelmente Linhares quem inculcou em Hipólito o gosto pelas questões econômicas, inclinação que este manteve durante toda a sua vida, aliás revelada de maneira cabal nas páginas do seu “armazém literário”. Com efeito, a rubrica “commercio” (geralmente acompanhada das “artes”) vinha logo após a importante seção inaugural dedicada à política. Tão pronunciada era a tendência de Hipólito pelo estudo das questões econômicas que, em 1819, já no auge de sua carreira jornalística, ele protestava solenemente contra a proibição dos estudos de economia política na Universidade de Coimbra. [1]

Na verdade, a missão nos Estados Unidos comportava um caráter sobretudo técnico, mais do que de prospecção de mercados ou de incentivo ao comércio. Tratava-se de levantar os recursos naturais e apreciar os conhecimentos científicos que a jovem nação independente da América do Norte mobilizava em sua marcha ascensional para o progresso econômico. Em outros termos, o encargo comportava também aspectos que hoje em dia poderiam ser equiparados à “espionagem industrial ou tecnológica”, numa etapa histórica na qual os direitos de propriedade intelectual não desfrutavam da mesma proteção absoluta como na atualidade. O futuro “pai da imprensa” brasileira estava amplamente habilitado para fazê-lo, uma vez que, ademais dos conhecimentos práticos aprendidos em sua vida de fazenda no Rio Grande, ele tinha sido formado em outras matérias que simplesmente filosofia e direito. Os estudos de filosofia em Coimbra comportavam, precisamente, o ensino de botânica, agricultura, zoologia, mineralogia, física, química e mineralogia, artes e disciplinas nas quais também se destacava o futuro “pai da independência”, José Bonifácio, freqüentador das academias européias. 

Quando Hipólito partiu para os Estados Unidos e o México, no final de 1798, ele era, portanto, nada mais do que um recém formado, alguém que de certa forma completou seu “mestrado” numa missão de trabalho, mais do que na forma de estudos suplementares, virtualmente inexistentes aliás. As instruções de Linhares eram no sentido de se obter as informações as mais detalhadas possíveis sobre todos os progressos havidos na América do Norte no terrenos das artes práticas, das culturas agrícolas e dos ofícios ligados ao fabrico e manufatura de bens em geral, complementando a missão pelo encargo de recolher as espécimes e variedades de plantas e cultivos que se pudessem aproveitar em Portugal e na colônia brasileira. Nos Estados Unidos atenção especial deveria ser dada ao cultivo do tabaco, então concentrado em Maryland e na Virgínia, ao passo que no México, ademais de observar as minas de ouro e prata, a instrução essencial era a de lograr subtrair o inseto e a planta da cochinilha, iludindo a vigilância rigorosa das alfândegas espanholas. De tudo, Hipólito deveria mandar relatórios circunstanciados, o que ele obviamente fez de maneira rigorosa, ao despachar notícias teóricas e comentários práticos sobre tudo o que viu e ouviu em sua longa estada naquelas partes, nos anos finais do século XVIII. 

Nos Estados Unidos, Hipólito teve de, algumas vezes, fazer-se de diplomata, mesmo sem autorização ou diploma legal, por motivo da ausência do representante português, ministro Cipriano Ribeiro Freire. Mais importante do que esse exercício episódico de diplomacia, de fato mais bem em encargos consulares, foi a provável adesão de Hipólito, nessa estada, à maçonaria, possivelmente mais relevante na determinação de seu futuro destino político do que a missão de “espionagem industrial” pela qual iniciava sua vida profissional. Em todo caso, sua prospecção técnico-científica na América do Norte poderia ser também aproximada de uma missão de diplomacia econômica, não no sentido negocial, mas no de uma “embaixada” voltada para a informação a mais ampla possível sobre as capacidades naturais e os atributos humanos de uma potência amiga, como forma de habilitar a sua pátria (e a sua terra de formação) a competirem em melhores condições no grande jogo econômico das indústrias e do comércio que Linhares adivinha formavam a base da potência das nações.

Nessa missão Hipólito conheceu artesãos, cientistas e agricultores, ademais do futuro, Thomas Jefferson, e do então presidente dos Estados Unidos, John Adams, cuja informalidade e falta de protocolo surpreenderam um pouco o súdito de uma monarquia absoluta, rigorosa com o cerimonial. Seu “diário de viagem” não é uma simples coleção de observações naturalistas e agrícolas, pois que Hipólito tece considerações extensas sobre as religiões dos americanos e, mais importante, sobre questões econômicas e monetárias. Não deixou de notar a preferência dos americanos pelo comércio, mais que pela agricultura, e o seu gosto acentuado pela especulação, sendo o dinheiro um valor absoluto naquela sociedade. [2] Já naquela época, os bancos emprestavam facilmente, acima das posses reais, animando os empreendimentos e facilitando as especulações mercantis, muito embora no interior do país a falta de dinheiro condenasse os produtores muitas vezes ao escambo. Ele observou, também, as tendências a falências abruptas e a uma mobilidade excepcional nos negócios, traços que ainda hoje marcam a modalidade peculiar do capitalismo americano. 

Os Estados Unidos do final do século XVIII estavam obviamente longe de se constituírem em uma sociedade industrial e, de fato, eles se tornaram a primeira potência econômica do planeta apenas no final do século XIX, quando ultrapassaram o volume da produção industrial combinada da Grã-Bretanha e da Alemanha. Naquela conjuntura, os fluxos de comércio, as inovações técnicas e as finanças internacionais ainda eram dominados pelos países mais avançados da Europa, mas o “modo inventivo” americano já exibia todas as características sociais e financeiras que converteriam o país de uma sociedade agrária em potência industrial. Ainda que não descritas com tal estilo “sociológico” em seu diário de viagem, essas características empíricas da sociedade americana – mais do que qualquer teoria econômica ou doutrina comercial, das quais os EUA continuariam, aliás, sendo importadores líquidos pelo resto do século XIX – devem ter impressionado a mente do jovem Hipólito, determinando muito de suas reflexões pragmáticas posteriores sobre os problemas econômicos, comerciais e monetários “brazilienses”. 

 

A economia política pelo método teórico: leituras e escritos de Hipólito

 

Hipólito não foi como José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu, um teórico da economia, muito embora não tenha repugnado a entrar em considerações doutrinárias em seus muitos escritos posteriores da fase do Correio. Ainda antes, e à volta de sua missão americana, ele verteu para o Português, em 1801 e provavelmente sob a sugestão de Linhares, a História do Banco da Inglaterra, de E. Fortune, e os Ensaios econômicos e filosóficos de Benjamin Rumford. [3]  D. Rodrigo, que nessa época era ministro da Fazenda e presidente do Erário, o envia nesse ano à Inglaterra e à França, para “adquirir livros, máquinas e outros materiais para a Imprensa Régia”. [4] Esse tipo de literatura, muito voltada para as condições econômicas concretas do país mais avançado, então, no plano industrial, e, sobretudo, sua missão anterior aos Estados Unidos é que devem ter constituído a base do conhecimento empírico e teórico de Hipólito sobre questões econômicas e comerciais. Em qualquer hipótese, muito pouca oportunidade lhe restou, depois de sua primeira missão à Inglaterra, de aperfeiçoar suas leituras em questões econômicas, uma vez que três ou quatro dias após sua volta foi preso em sua casa, numa nova demonstração da intolerância da Inquisição portuguesa para com os suspeitos de maçonaria.

A publicação, em 1804, dos Princípios de Economia Política, de José da Silva Lisboa, o primeiro economista brasileiro, ainda encontraria Hipólito na prisão, de onde ele sairia apenas no ano seguinte, para viajar imediatamente para a Inglaterra. Foi na Grã-Bretanha – seu refúgio nos 17 anos seguintes e onde ele empreenderia o “ato fundador” da imprensa “braziliense” – que Hipólito continuaria sua obra de tradutor e de comentarista das atualidades nacionais (portuguesas e brasileiras) e internacionais. Ele foi um compilador das “coisas práticas” da vida econômica, política, científica e literária, geralmente sob a forma mais usual da transcrição de documentos oficiais, mas muitas vezes fazendo ele mesmo pequenas resenhas e comentários pessoais, alguns não assinados ou então colocados sob pseudônimo. 

Esse ativismo literário e jornalístico do novo exilado português da Inquisição não se refletiu de imediato, entretanto, na vida de Hipólito, que ainda passa perto de três anos como tradutor e professor e em diversas atividades comerciais e de intermediação – quase que de subsistência, poder-se-ia dizer – antes de se lançar na grande aventura de sua vida, a que o consagraria, na história do Brasil, como o primeiro jornalista independente do país, mesmo se ele jamais tenha voltado a colocar os pés na sua verdadeira pátria. Foi Napoleão quem o tirou da modorra e lhe deu a grande oportunidade de se afirmar como homem de idéias e como crítico de políticas oficiais. De fato, não fosse a invasão napoleônica de Portugal talvez não tivéssemos tido o empreendimento “literário” que marcou, mais que qualquer outra folha, gazeta ou pasquim, as políticas domésticas e internacionais de Portugal e do Brasil, durante os quase 14 anos de residência da corte no Rio de Janeiro. [5]

Correio foi, por certo, mais importante para o Brasil do ponto de vista das lutas políticas e jornalísticas, pela liberdade de expressão e no controle das autoridades (e também diplomaticamente), do que como arauto de políticas ou doutrinas econômicas e comerciais. Hipólito, aliás, estava longe de ser o jacobino radical e o representante das idéias democráticas da Revolução francesa que muitos gostariam de ver. Como diz Mecenas Dourado, “na realidade, não era ele senão um discípulo do liberalismo inglês, partidário, em política, da monarquia limitada e repelindo as tendências revolucionárias e democráticas da igualdade rousseaunista”. [6] Um estudo sobre seu pensamento econômico ainda está para ser feito, mas não parece deslocado afirmar que, nesse terreno, ele ostentava o mesmo pragmatismo e bom senso que o caracterizavam na área política, combinando um liberalismo de princípio quanto ao exercício das atividades econômicas e comerciais, não repugnando, quando fosse o caso, a aplicação de algumas medidas “industrializantes” (avant la lettre), como tinha observado nos Estados Unidos.

Confirmando sua preeminência na atividade jornalística de Hipólito, a seção sobre política sempre foi mais imponente do que a parte comercial nas páginas do Correio. Ocorria freqüentemente, também, que muitos instrumentos econômicos ou comerciais relativos à situação brasileira e dignos de registro em seu periódico eram por ele transcritos na seção “miscelânea” do Correio, por vezes em meio a comentários sobre eventos ou decretos de natureza essencialmente política, o que confirmaria não apenas a confecção por vezes literalmente artesanal do seu “armazém literário”, como poderia indicar igualmente o recebimento irregular dos papéis vindos da corte do Rio de Janeiro. [7] De resto, tudo era político naqueles tempos conturbados de supremacia napoleônica e de imposição crua da hegemonia inglesa, mesmo um simples acordo comercial ou um tratado de navegação. Como prova, temos que o decreto de abertura dos portos do início de 1808, transcrito no número 3 (agosto) do “armazém literário”, foi por Hipólito colocado nessa primeira seção, sem outro comentário senão a expressão entre colchetes “Continuar-se-há”. [8]

 

A abertura dos portos e as indústrias do Brasil: Hipólito olha o futuro

 

A chamada “Carta Régia de abertura dos portos” foi expedida por d. João no dia 28 de janeiro de 1808, quando a comitiva real, em fuga de Lisboa, ainda encontrava-se na Bahia, a caminho do Rio de Janeiro. Na Carta Régia, o Príncipe Regente explicava que tomava a medida de abertura dos portos “interina e provisoriamente”, em virtude da condição excepcional em que ficara o Reino, por “se achar interrompido e suspenso o comércio”. [9] Encontrando-se Portugal ocupado por tropas francesas, não havia mesmo alternativa senão abrir o intercâmbio com as “nações amigas”, conjunto que à época excluía grande parte da Europa continental, então sob o domínio de Napoleão. 

Por esse ato, os interesses do Brasil se separavam pela primeira vez dos da metrópole e o comércio exterior do Brasil entraria em fase de notável expansão. As chamadas “mercadorias secas” — isto é, manufaturas, em geral — passaram a pagar um imposto ad valorem de 24%, a metade do vigente anteriormente, sendo mantida entretanto a alíquota de 48% para os gêneros líquidos ou molhados (vinhos, águas ardentes, azeites, mas também alimentos, enfim tudo que se transportava em tonéis). Pouco depois, em 11 de junho, outro ato reduzia essa tarifa a 16% para as mercadorias portuguesas e a 19% as mercadorias estrangeiras embarcadas em navios portugueses. Os comerciantes ingleses protestaram rapidamente, solicitando condições igualmente favoráveis para suas mercadorias e suas embarcações. O grande poder de pressão de que dispunha então a Inglaterra, “protetora” da família real portuguesa contra as ameaças franco-espanholas, e as insistentes demandas dos agentes ingleses no Rio de Janeiro obrigaram Portugal a aceitar uma redução substancial das tarifas aplicadas aos produtos ingleses, materializada no tratado comercial de 1810. [10]

O decreto de abertura dos portos abriu uma nova etapa na história econômica do Brasil, ou mesmo de sua história tout court, podendo-se dele dizer que constituiu, assim, uma espécie de “documento fundador” do País, ao lado do Tratado de Tordesilhas, da carta de Pero Vaz de Caminha e do Tratado de Madri. Encerrava-se com esse ato o longo período de três séculos de exclusivismo comercial português, conhecido como “pacto colonial”, muito embora essa nova situação do Brasil não significasse, em absoluto, uma transformação radical de sua estrutura econômica e social. Organizado essencialmente para fornecer mercadorias coloniais a mercados externos, o Brasil continuaria, já na condição de Nação autônoma, no mesmo papel de centro produtor e exportador de bens primários que ele tinha assumido na condição de peça mais importante no comércio exterior português. 

Estabelecido o princípio do livre-comércio, tratou-se de criar condições para a produção local e, para esta, foi prevista uma certa proteção contra a concorrência estrangeira. Por um alvará de 1º de abril de 1808 foram eliminadas todas as restrições que tinham sido impostas pelo alvará de 1785 à indústria no Brasil, decretando-se a liberdade de fundação de “todo gênero de manufaturas” em qualquer parte do país, tanto aos vassalos portugueses como aos estrangeiros. Hipólito José da Costa, manifestamente dependente das comunicações intermitentes entre o Rio de Janeiro e Londres nessa fase, bem como do estado ainda precário da disseminação dos papéis oficiais, transcreve o texto desse decreto, sem identificá-lo precisamente, na seção “miscelânea” do Correio Braziliense nº 5 (outubro de 1808), caracterizando-o como “verdadeiramente interessante, cheio de justiça e digno de louvor”. [11] Ele acrescenta, ao final, seu próprio comentário em relação ao significado desse instrumento para o Brasil: “Eu espero que os Brazilienses, esquecendo-se do justo ódio que estas impolíticas, injustas e opressivas proibições traziam consigo, só se lembrarão de agradecer o remédio que se põe ao mal e, mostrando o seu agradecimento, promover as medidas que podem cooperar par por em plena execução os regulamentos deste decreto. Porque enfim é necessário esquecer as injúrias quando aqueles que as tem causado se aplicam com sinceridade a remediá-las”. [12]

O decreto de 11 de junho alterou, como se disse, a carta de 28 de janeiro na parte relativa aos direitos alfandegários, determinando-se que as mercadorias de propriedade dos portugueses “e por sua conta carregadas em embarcações nacionais” pagassem apenas 16% de direitos (em lugar dos 24% fixados para as estrangeiras). Também foram isentos de impostos as matérias-primas que tivessem de importar as fábricas, como todas as exportações, até então submetidas a gravames. Passaram a ser concedidos privilégios aos inventores, num exemplo pioneiro de proteção à propriedade intelectual, e procurou-se favorecer a introdução de máquinas. Um primeiro exemplo de “reserva de mercado” ficou estabelecido ao se declarar a preferência por artigos nacionais no fornecimento de provisões para o exército e a marinha. [13]

Um aspecto desse decreto de revisão tarifária não escapou a Hipólito José da Costa, que foi a restrição do comércio internacional brasileiro aos portos do Rio de Janeiro, de Salvador da Bahia, de Pernambuco, do Maranhão e do Pará, à exclusão de todos os demais. Em comentário, no seguimento da transcrição desse documento, incluído na seção “miscelânea” do Correio nº 5 (outubro de 1808), Hipólito, natural de Colônia mas crescido no Rio Grande do Sul, manifestava sua desconformidade com tal restrição: 

“Eu não sei que razão se possa dar de limitar-se o comércio do Brasil a quatro portos somente, senão o efeito do antigo prejuízo, do sistema de monopólio, que tem sempre em Portugal feito preferir o interesse de certos indivíduos ao da nação em geral”. Ele se perguntava então: “Com que justiça se concede ao negociante do Rio de Janeiro o fazer todo o negócio que lhe convém, e o negociante do Rio Grande não o há de poder fazer senão debaixo de certas restrições é o que não entendo. Mas ainda deixando de parte a injustiça deste monopólio de preferências, parece que os mesmos motivos que fizeram com que o porto do Maranhão fosse contemplado, deviam também fazer lembrar Santos, Santa Catarina e Rio Grande. Santos porque é o único porto de mar considerável, em toda a Capitania de São Paulo; Santa Catarina por ser o último porto do Brasil, no Sul, capaz de receber navios de grande porte e a entrada tão fácil que parece que a natureza destinou esta ilha para o negócio estrangeiro; o Rio Grande pelo extenso comércio que ali se faz com o Paraguai e o Chile; mas não obstante isto, foram estes três interessantes portos considerados, com todos os mais do Brasil, exceto quatro, filhos bastardos e não dignos da porção dos legítimos.” E ele concluía: “Em outra ocasião falarei mais por extenso destes regulamentos que estou certo têm a desaprovação formal de todos os homens que têm algum conhecimento de economia política e da situação do Brasil”. [14]

 

Os reflexos da nova situação manifestaram-se de imediato na nova atividade dos portos brasileiros e no incremento às atividades locais, como registrou um cronista contemporâneo: “Deste modo, não intervindo os negociantes de Lisboa e do Porto, chegavam as cousas de fora mais baratas e saiam as da terra mais caras, do que antigamente. Por outra parte com a chegada de muitos navios mercantes não podia haver falta dos artigos comerciais estranhos e aumentando-se com a esperança do maior lucro a Agricultura do País, devia ser grande a abundância dos gêneros destas. Tudo assim logo sucedeu. Foi mais o tabaco da Bahia, o café do Pará e do Rio de Janeiro, o arroz do Maranhão, o algodão deste e da Bahia, e a madeira e courama das capitanias marítimas”. [15]

Efetivamente, os navios estrangeiros, em especial ingleses, afluíram ao porto do Rio de Janeiro em grande número. Esses navios não apenas traziam os mais diversos artigos estrangeiros mas transportavam igualmente uma produção brasileira que se diversificava crescentemente. Na verdade, a abertura dos portos entre 1808 e 1816 beneficiou quase que exclusivamente aos mercadores ingleses. “Somente após a grande pacificação, presidida por Metternich, é que os portos brasileiros foram, de fato, abertos a todo o comércio internacional”. [16]

No seguimento da abertura dos portos, adotam-se outras medidas de caráter administrativo ou institucional que conformariam a primeira estrutura da diplomacia econômica brasileira, entre elas a própria organização do Estado e a repartição funcional dos “ministérios”. Em 11 de março de 1808, no primeiro Gabinete da monarquia portuguesa organizado no Brasil, D. João cria três secretarias de Estado: a dos Negócios do Reino, a da Marinha e Ultramar e a da Guerra e Estrangeiros, a cargo respectivamente de D. Fernando José, de D. João Rodrigues de Sá e Menezes e de D. Rodrigo de Souza Coutinho, o mesmo Linhares que tinha mandado Hipólito em missão à América do Norte dez anos antes. [17] Nem por isso Hipólito pouparia seu antigo protetor das justas críticas que lhe coube fazer em razão dos relações comerciais privilegiadas que Portugal estabeleceria com a potência hegemônica.

 

Relações comerciais com a Grã-Bretanha: Hipólito antecipa o prejuízo

 

A outra experiência “fundadora” da inserção econômica internacional do Brasil nesse início do século XIX seria dada pela negociação de tratados bilaterais de comércio, a começar pelo de 1810 com a Inglaterra, cujas conseqüências propriamente comerciais — de resto impregnando igualmente a estrutura produtiva do jovem País — se fariam sentir durante as primeiras três ou quatro décadas de vida independente. As circunstâncias do momento assim o determinaram. De fato, tão logo armou-se a frota portuguesa em Lisboa para fugir da invasão francesa, os comerciantes ingleses, bastante prejudicados pela política de bloqueio continental de Napoleão, prepararam-se para comerciar com o Brasil. Nos primeiros cinco meses de 1808, mais de quarenta navios ingleses solicitaram licença para zarpar para os portos brasileiros, que logo ficaram abarrotados de mercadorias britânicas em caóticas condições de armazenamento. [18] A pressão dos comerciantes ingleses e a de seus agentes políticos conduziu à primeira negociação diplomática feita a partir do Brasil, a do Tratado de Amizade e Aliança, complementado pelo de Comércio e de Navegação, ambos repletos de cláusulas favoráveis à Inglaterra e seus súditos.[19]

Pelo de comércio e navegação, de 19 de fevereiro de 1810, concedia-se aos ingleses, além de outros favores e vantagens (entre muitas outras, a do juiz conservador da nação inglesa, já prevista em tratado anterior entre Portugal e a Inglaterra), a redução da taxa de entrada a 15% ad valorem aplicável a “todos os gêneros, mercadorias e artigos, quaisquer que sejam, da produção, manufatura, indústria ou invenção dos domínios e vassalos de Sua Majestade Britânica (...) admitidos em todos e cada um dos portos e domínios de Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal, tanto na Europa, como na América, África e Ásia, quer sejam consignados a vassalos britânicos, quer a portugueses” (Artigo 15), ficando portanto as mercadorias provenientes da Inglaterra mais favorecidas que as próprias portuguesas, que pagariam 16%. O açúcar, o café e outros gêneros coloniais ficavam reciprocamente excluídos do comércio bilateral (Artigo 20), com o que se vedava o acesso aos mercados britânicos ao essencial da produção brasileira. [20]

Pelo seu forte impacto político e ideológico nos homens que passariam a representar os destinos da Nação e a dirigir, como membros do gabinete, as relações exteriores do Brasil a partir de meados dos anos 1820, os primeiros tratados de comércio envolvendo diretamente o Brasil — ainda que não tão “desiguais” como aqueles impostos pelo emergente imperialismo europeu a várias outras nações “periféricas” — repercutiriam na atitude doravante desconfiada dos nacionais em face dos interesses econômicos estrangeiros e construiriam uma percepção inerentemente “desvantajosa” em relação a esse tipo específico de instrumento internacional. Em qualquer hipótese, o tratado comercial de Portugal com a Inglaterra, “herdado” pelo Brasil independente, certamente contribuiu para a imagem essencialmente negativa que a emergente classe política nativa passaria a ter em face dos tratados comerciais. O fato de sua negociação improvisada e rápida conclusão entre o “protetor” britânico e seu pupilo lusitano não pode ser isolado dos perigos militares e ameaças de extinção do reino e de desmembramento e adjudicação dos Estados Portugueses que o “poder subversivo” francês fazia pesar, naquela conjuntura, sobre a Casa de Bragança: ele era o preço diplomático a pagar e o complemento indispensável do instrumento de aliança militar concluído contemporaneamente.

Do ponto de vista doutrinal, a intermitente adesão da elite dirigente aos princípios do livre-comércio começou com uma das primeiras medidas adotadas pelo Príncipe Regente à sua chegada no Brasil. Com efeito, tomou ele a decisão, em 23 de fevereiro, de instituir uma “cadeira e aula pública” de economia política no Rio de Janeiro, [21]atendendo a sugestão feita ao Príncipe Regente pelo baiano José da Silva Lisboa, no mesmo ato designado para ocupá-la, em sua nova condição de “conselheiro” da Corte. Lisboa, o futuro Visconde de Cairu, educado na Europa, já havia escrito, em 1804 como se disse, um Princípios da Economia Política[22] largamente inspirado nas idéias de Adam Smith, o filósofo escocês seguidor do laissez-faire que tinha publicado, em 1776, o livro que veio a tornar-se uma espécie de “bíblia” do pensamento econômico liberal, The Wealth of Nations[23]

Muitos contemporâneos de Cairu, a começar por Hipólito, discordariam desse argumento, considerando por exemplo que as pressões diplomáticas da Grã-Bretanha em favor da liberdade de comércio eram feitas em primeiro lugar em seu próprio benefício. Com efeito, escrevendo em 1809 no Correio Braziliense (nº 9, datado de fevereiro desse ano), ainda antes, portanto, que se consumasse o instrumento diplomático que muitos consideram como uma espécie de “pecado original” da primeira diplomacia econômica conduzida a partir do Brasil, o jornalista brasileiro avaliou, antecipadamente, a inoportunidade e inconveniência de um tal acordo do ponto de vista da economia e da política do Brasil. A pretexto de comentar um nota publicada em jornal de Londres a propósito de reunião de negociantes interessados no comércio com o Brasil, na qual se tinha informado sobre negociações então em curso entre Lord Strangford e o Príncipe Regente, Hipólito tecia considerações sobre essas conversações, nas quais reconhecia que a parte brasileira parecia apresentar “mais reserva do que se esperava”. Ele oferecia, em primeiro lugar, reflexões sobre os aspectos comerciais desses entendimentos:

“Um tratado de comércio entre o Brasil [sic] e a Inglaterra é uma das mais delicadas empresas em que pode entrar o Brasil, porque o negociador brasiliense não tem precedentes que o guiem. Os tratados que existiam entre a Inglaterra e Portugal eram fundados nos interesses mútuos de exportação dos artigos portugueses de grande consumo na Inglaterra, tais o vinho, o azeite etc., e na situação política daquele pequeno Reino, que, ameaçado constantemente por seus vizinhos, se via obrigado a solicitar a proteção da Inglaterra, ainda à custa de pesados sacrifícios. Estas duas razões cessam agora porque os produtos principais do Brasil estão longe de terem grande consumo em Inglaterra, que nela são proibidos, por causa da competência [concorrência] em que se acham com as colônias britânicas; e quanto à situação política do Brasil, este imenso território acha-se de tal maneira isolado pela natureza, que nenhuma potência lhe pode meter susto, nem causar prejuízos consideráveis, salvo a Inglaterra, embaraçando-lhe o comércio. De onde se segue que, faltando os dois princípios (do interesse mútuo e do temor) que originaram as principais estipulações dos tratados de comércio entre Portugal e Inglaterra, não podem aqueles servir de norma a este tratado do Brasil”. [24]

 

Hipólito fazia em seguida uma série de considerações que hoje seriam consideradas como de “política industrial”, ou que de certa forma antecipavam o que mais tarde viria a escrever List sobre o argumento da “indústria infante” e a necessidade temporária de um certo protecionismo para ver prosperar um determinado ramo manufatureiro, sem o perigo de vê-lo afogado pela concorrência da indústria estrangeira. Dizia ele, nesse mesmo comentário de fevereiro de 1809:

“Outra dificuldade em que se deve achar o Negociador Brasiliense é a impossibilidade de prever a vereda que tomarão os diferentes ramos de agricultura ou de manufaturas no Brasil, principalmente se o tratado tiver de existir em força por muitos anos; (…) suponhamos mais que antes de cinco anos algum gênio inventor descobre alguma substância vegetal ou mineral, capaz de fazer papel, estabelece uma fábrica no Brasil; esta fábrica deve ficar desde seu princípio arruinada pela importação do mesmo artigo de Inglaterra que, segundo o suposto tratado, nem se pode proibir, nem proporcionar com a fábrica interna pela adição de novos direitos de alfândega. Suponhamos outra hipótese (mui provável) de que vários artigos que agora se tem de receber de Inglaterra, são oferecidos dos Estados Unidos a mais cômodo preço: será político que o Governo Brasiliense se constitua agora na necessidade de não aceitar depois aquela vantajosa oferta? 

“É logo uma das considerações importantíssimas do Negociador Brasiliense a probabilidade que há de que tais ou tais artigos se possam, com o tempo, manufaturar no Brasil ou importar de países donde resultem mais vantagens que da Inglaterra. Até que ponto os homens de talentos e ciência política, que passaram com a Corte para o Brasil, estarão em circunstâncias de conhecer a fundo o estado atual da agricultura e indústria do Brasil não se pretende por hora decidir; mas até aqui é certíssimo que as circunstâncias atuais da indústria do Brasil eram mui pouco conhecidas em Portugal; e os produtos naturais do País totalmente ignorados; de maneira que por mais talentos e perspicácia que suponha no Negociador Brasiliense, se ele não tiver a mais profunda experiência das produções do Brasil, e [o] provável caminho que tomarão os diferentes ramos da indústria, arrisca-se seguramente a lançar os grilhões àquele País, de maneira que o reduza a uma senão perpétua, pelo menos mui duradoura, dependência das nações estrangeiras.” [25]

 

O tratado de 1810 e o interesse nacional: Hipólito e a historiografia brasileira

 

Essas posições, expressas por Hipólito de maneira tão clara, dariam origem a uma verdadeira escola de pensamento, se não protecionista e industrializante, pelo menos desconfiada do livre-cambismo e da abertura irrestrita, postura que influencia ainda hoje o universo doutrinal e político das elites dirigentes brasileiras, como observado em relação às negociações comerciais multilaterais ou hemisféricas (no âmbito da projetada área de livre-comércio das Américas, por exemplo). Com efeito, a partir de Hipólito, a maior parte dos cronistas e historiadores tem palavras candentes em relação ao tratado de comércio com a Inglaterra, por vezes repetindo textualmente o que ele escreveu nas páginas do Correio Braziliense.

Hipólito analisou o tratado de 1810 não apenas com sua tradicional perspicácia e rigor pelo detalhe, mas também com seu conhecimento muitas vezes pessoal dos próprios negociadores e suas posturas respectivas em relação aos interesses ingleses em Portugal e no Brasil. Como resumido por Mecenas Dourado, Hipólito realiza, em relação a esse instrumento diplomático, “crítica pertinente e minuciosa, indo até aos equívocos da tradução de palavras, cuja interpretação, em alguns casos, importava em prejuízo para Portugal. Conclui que os negociadores portugueses – D. Domingos [representante português em Londres] e o irmão d. Rodrigo [Linhares] – não agiram só com ignorância, mas com o desejo manifesto de serem agradáveis à Inglaterra, traindo a nação e o príncipe. E quando o próprio d. João reconhece a impraticabilidade de certas cláusulas, que deviam ser revistas, Hipólito não perde a oportunidade de voltar ao assunto para reivindicar para si a glória de suas razões iniciais quando todo mundo batia palmas e agora reconhecidas precedentes.” [26]

A historiografia brasileira subsequente, praticamente do século XIX à atualidade, seguirá Hipólito quase que de maneira unânime, muitas vezes, inclusive, sem registrar a paternidade dos argumentos. Mesmo os historiadores conservadores registram sua contrariedade. Varnhagen consignou, por exemplo, que o negociador português “admitiu estipulações contrárias à dignidade nacional”. [27] Segundo a opinião de Rocha Pombo, “[n]ão há dúvida que o tratado de comércio foi um erro de que se desaperceberam os conselheiros do Príncipe”. [28]  O mais famoso historiador do período joanino, Oliveira Lima, reconhece – no seu Dom João VI no Brasil – a dificuldade de se concluir, naquelas circunstâncias, um acordo eqüitativo, afirmando que o tratado de 1810 “foi franca e inequivocamente favorável à Grã-Bretanha”. [29]Contestando mais adiante, em sua obra sobre o Império, o princípio da “perfeita reciprocidade” de tratamento dos súditos, produtos e navios das duas nações com respeito a quaisquer impostos, tributos e direitos alfandegários e despesas nos portos (artigos 3º, 4º, 5º e 7º), Lima considerou que a reciprocidade “deste regime de verdadeiro favor, pois que era exclusivo, não passava de ilusória”, uma vez que os gêneros brasileiros análogos aos produtos coloniais britânicos “eram aduaneiramente excluídos do mercado inglês”. [30]

De fato, Oliveira Lima nada mais fazia senão repetir o que Hipólito havia escrito, como vimos, de maneira inclusive premonitória. Baseando-se extensivamente em Hipólito, Oliveira Lima afirma: “As condições exaradas no convênio de 1810 significavam a transplantação do protetorado britânico, cuja situação privilegiada na metrópole era consagrada na nossa esfera econômica e até se consignava imprudentemente como perpétua. A falta de genuína reciprocidade era absoluta e dava-se em todos os terrenos, parecendo mesmo dificílima de estabelecer-se pela carência de artigos que se equilibrassem nas necessidades do consumo, sendo mais precisos no Brasil os artigos manufaturados ingleses do que à Inglaterra as matérias primas brasileiras. Dava-se ainda a desigualdade na importância que respectivamente representavam suas exportações para os países produtores, constituindo a Inglaterra o mercado quase único do Brasil, ao passo que aquela nação dividia por muitos países os seus interesses mercantis”. [31]

Segundo Pandiá Calógeras, que aponta o “triunfo diplomático e financeiro para as praças exportadoras da Grã-Bretanha” e a “gravidade dos atos então subscritos”, “é inegável que [o tratado de 1810] foi um erro de política econômica”. [32] Roberto Simonsen é igualmente condenatório: “Não era essa, infelizmente, a política comercial que conviria a um país como o nosso, que apenas iniciava a sua economia independente. Tínhamos que abraçar, àquele tempo, política semelhante a que a nação norte-americana seguiu no período de sua formação econômica. Produtores de artigos coloniais, diante de um mundo fechado por ‘políticas coloniais’, tornamo-nos, no entanto, campeões de um liberalismo econômico na América”. [33]

O historiador econômico Denio Nogueira, avaliando o impacto real do tratado de 1810, critica a aversão sem fundamentos de muitos historiadores brasileiros, tais como Oliveira Lima, Roberto Simonsen, Prado Júnior, Celso Furtado ou Nícia Vilela Luz, aos chamados efeitos desindustrializantes desse acordo. “É impossível avaliar o que teria ocorrido no Brasil, na ausência do Tratado de Comércio e Navegação de 1810. Não é improvável, porém, que o progresso do país se tivesse retardado ainda mais, sem qualquer benefício significativo, em termos de industrialização”. [34]Nogueira cita em seu apoio o próprio Celso Furtado, para quem “[o] desenvolvimento dos EUA, a fins do século XVIII e primeira metade do XIX, constitui um capítulo integrante do desenvolvimento da própria economia européia, sendo em muito menor grau o resultado de medidas internas protecionistas adotadas por essa nação americana. O protecionismo surgiu nos EUA, como sistema geral de política econômica, em etapa já bem avançada do século XIX, quando as bases de sua economia já se haviam consolidado”. [35] Continua Nogueira: “Em abono dessa tese, conviria lembrar que as tarifas alfandegárias adotadas pelos Estados Unidos da América, em 1789, foram ainda mais baixas, sem contudo prejudicar a instalação de novas indústrias”. [36]

Nogueira trata, em contrapartida, da “questão mais importante, ligada ao Tratado [e que] não foi devidamente registrada pela historiografia brasileira. Trata-se da significativa redução da receita fiscal com que a regência se defrontou, em virtude do mesmo. Ainda assim, é pelo menos discutível que aquela conseqüência possa ser integralmente atribuída à diminuição das alíquotas”. [37] Na verdade, Mircea Buescu já tinha chamado a atenção para esse fato: “Um dos efeitos mais graves da queda das importações e da incidência aduaneira de 15% foi o impacto sobre a receita pública, uma vez que o imposto sobre importação constituía a principal fonte da receita. Em 1808, ele representava 34% da receita — em 1820, não passava de 14%”. [38]

O próprio Roberto Simonsen chegou a reconhecer, em relação ao tratado de 1810, que, “considerada isoladamente da de Portugal, a situação comercial do Brasil lucraria com qualquer acordo mercantil que se tornasse o complemento da profícua abertura dos seus portos ao tráfico estrangeiro. (...) Para o Brasil, o essencial era estabelecer relações comerciais diretas com outros países e ativá-las o mais possível, melhor lhe resultando ainda assim de toda a falta de reciprocidade do convênio Stranford-Linhares do que da decaída tutela nacional [isto é, portuguesa], que obstava a qualquer desafogo econômico”. [39]

 

A controvérsia liberalismo-protecionismo no Brasil: um debate que vem de 1810

 

Tamanho foi o impacto do tratado de fevereiro de 1810 que o Príncipe Regente — ou alguém por ele, talvez o próprio Cairu — tratou de justificá-lo por meio de um manifesto, no mês de março seguinte, no qual figuram argumentos que ilustrariam qualquer proclamação ideológica em favor da liberdade de comércio. Com efeito, seus termos estão vazados em conceitos doutrinários de economia política que fariam inveja ao estilo de um Adam Smith, ainda que o filósofo escocês não tenha sido expressamente citado.

O manifesto, dirigido ao clero, nobreza e povo, começa por examinar as circunstâncias infelizes da transplantação obrigatória da sede da monarquia, afirmando o soberano que foi então “necessário procurar elevar a prosperidade daquelas partes do império livres de opressão...”, inclusive para “concorrer às despesas necessárias para sustentar o lustre e esplendor do trono”, bem como para assegurar sua defesa contra os inimigos. “Para este fim, e para criar um Império nascente, fui servido adotar os princípios mais demonstrados da sã economia política, quais o da liberdade e franqueza do comércio, o da diminuição dos direitos das Alfândegas, unidos aos princípios mais liberais, e de maneira que, promovendo-se o comércio, pudessem os cultivadores do Brasil achar o melhor consumo para o seus produtos...” Este seria, segundo d. João, “o mais essencial modo de o fazer prosperar, e de muito superior ao sistema restrito e mercantil” do pacto colonial, “pouco aplicável a um país onde mal podem cultivar-se por ora as manufaturas, exceto as mais grosseiras”; defendendo o sistema liberal de comércio, ele assevera que a diminuição dos direitos de alfândega “há de produzir grande entrada de manufaturas estrangeiras; mas quem vende muito, também necessariamente compra muito e para ter grande comércio de exportação, é necessário também permitir grande importação, e a experiência vos fará ver que, aumentando-se a vossa agricultura, não hão de arruinar-se as vossas manufaturas na sua totalidade, e se alguma houver que se abandone, podeis estar certo que é uma prova que esta manufatura não tinha bases sólidas, nem dava vantagem real ao Estado. (...) Assim [pelo sistema liberal] vereis prosperar a vossa agricultura, progressivamente formar-se uma indústria sólida em que nada tema das rivalidades de outras nações, levantar-se um grande comércio e uma proporcional Marinha e vireis a servir de depósito aos imensos produtos do Brasil, que crescerão em virtude dos princípios liberais que adotei, de que enfim resultará uma grandeza da prosperidade nacional de muito superior a toda aquela que antes se vos podia procurar, apesar dos esforços que sempre fiz para conseguir o mesmo fim e que eram contrariados pelo vício radical do sistema restritivo, que então se julgava favorável, quando realmente era sobremaneira danoso à prosperidade nacional. A experiência do que sucedeu sempre às nações, que na prática mais se adaptaram aos princípios liberais, afiançam a verdade destes princípios”. [40]

Após o tratado de fevereiro de 1810, o comércio exterior do Brasil ficou assim organizado: ficavam livres de direitos as mercadorias estrangeiras que já tivessem pago taxas em Portugal, assim como os artigos da maior parte das colônias portuguesas; pagariam 24% ad valorem as mercadorias estrangeiras transportadas diretamente em navios estrangeiros; 16% as mercadorias portuguesas e as estrangeiras transportadas em navios portugueses; 15% as mercadorias britânicas transportadas sob pavilhão britânico ou português (esta última disposição adotada por decreto, apenas em outubro desse ano, para não prejudicar ainda mais a marinha mercante do reino). Um imposto de exportação foi também criado em 1808, mas pouco rendeu em virtudes das muitas isenções que foram feitas aos principais gêneros de exportação; o próprio tratado de comércio anglo-lusitano “contribuiu mais para uma evasão de rendas do que para a melhor arrecadação de impostos”, uma vez que a cobrança das taxas ad valorem se devia fazer pelo preço das faturas, o que dava margem a fraudes. [41]

Do ponto de vista do interesse imediato do Brasil, o tratado teve o efeito de fazer baixar o custo de vida, mas no que se refere as suas relações comerciais, ele parece ter constituído um obstáculo ao estabelecimento de laços comerciais com outros países. Preso, como diz Oliveira Lima, pelas “disposições leoninas do tratado de 1810”, Portugal procurou compensação ao acentuar em sua legislação aduaneira uma tendência protecionista, manifesta na imposição, em 1818, de direitos ampliados a todas as importações sem exceção, mesmo pertencentes à família real, “sendo declarados suspensos por 20 anos todos os privilégios e isenções”. [42]

Ao mesmo tempo, os direitos sobre os produtos portugueses baixaram de 16 para 15%, equiparando-se portanto aos ingleses; eles chegaram mesmo a gozar de uma redução de 5% a título de prêmio, “decretando-se igual favor para os gêneros estrangeiros importados em navios portugueses”. [43] Os comerciantes era evidentemente obrigados a liquidar o movimento comercial em moeda metálica, ou seja, em ouro, cujo êxodo se fazia portanto através dos saldos negativos do intercâmbio. A paridade metálica entre a libra esterlina e a moeda portuguesa de 6$400 flutuou bastante no período joanino, oscilando em torno de 60 pence por mil réis, mas apresentando picos de valorização ou de baixa em função da conjuntura econômica e política em ambos os países. Como diz o historiador Roberto Simonsen, “a libra havia se enfraquecido com as campanhas napoleônicas; mas, depois de 1815, com o restabelecimento do padrão ouro na Inglaterra, declinaram rapidamente as taxas de câmbio luso-brasileiras”. [44]

Aparentemente, a hipótese do protecionismo comercial, como princípio de diplomacia econômica ou de política industrial, não poderia ser colocada para o Brasil nessa conjuntura histórica, cingido como estava o país a uma situação de dependência num quadro de relações privilegiadas mantidas entre Portugal e Grã-Bretanha. Essa situação se prolongaria durante as primeiras décadas da vida independente, não sem os protestos de uma classe política rapidamente convencida da iniquidade do sistema de tratados comerciais. [45]  A contestação parlamentar se daria obviamente apenas a partir da independência e da instalação da Assembléia Geral, num contexto em que o primeiro imperador tendia a desconhecer as inclinações da opinião pública e negociava de seu próprio alvitre – em alguns casos sem submetê-los à aprovação parlamentar – tratados de aliança e acordos de comércio com as potências amigas, a começar pela própria Grã-Bretanha, que tinha visto o tratado de 1810 ser confirmado na independência e renovado por novo instrumento bilateral em 1827.

 

Hipólito finaliza sua missão: a separação de Portugal e o problema da mão-de-obra

 

Na fase final de seu trabalho como editor do Correio Braziliense, mais precisamente em julho de 1822, Hipólito veio a assumir novo posicionamento em relação à independência do Brasil, posto que ele era favorável, até a ocorrência da revolução do Porto e a “constituinte” portuguesa, à continuidade da união política entre Portugal e o Brasil sob a forma de uma monarquia constitucional. Ele temia acima de tudo uma “independência intempestiva” ou o retorno do Brasil a uma situação de colônia. Sua mudança de atitude se deu no quadro dos debates nas Cortes portuguesas, formadas a partir da revolução de 1820, quando são discutidas diversas medidas no sentido de “recolonizar” o Brasil.

Sob veementes protestos dos representantes brasileiros, [46] o regime econômico descortinado para o Brasil pelos constituintes, sob influência direta dos comerciantes portugueses, pretendia, tão simplesmente: reservar à marinha portuguesa a navegação entre todos os territórios do Reino Unido, conceder nova exclusividade aos vinhos e aguardentes portugueses no mercado brasileiro e, reciprocamente, aos produtos coloniais brasileiros no mercado português e isentar de tarifas todas as exportações de manufaturados portuguesas importados no Brasil. Hipólito seguiu de perto as diferentes peripécias das Cortes constituintes e, ao constatar que se intentava fazer leis apenas para os portugueses de Portugal, chegou a advertir: “Esta omissão nos parece um passo decisivo para a separação de Portugal do Brasil, o que na verdade sentimos que venha a ser um dos efeitos desta revolução”. [47] A conformação tentativa de uma nova modalidade de pacto colonial em muito acelerou o processo de independência no Brasil. Com efeito, o projeto de regulamentação das relações comerciais Brasil-Portugal, tomado no âmbito da Constituinte lusitana, “foi a última resolução de caráter econômico tomada pela antiga metrópole em relação ao Brasil colonial”. [48] Quando ele foi aprovado, contudo, o Brasil já tinha declarado sua independência.

Ao conformar-se a independência do Brasil, Hipólito estava dando por encerrada sua missão de informador crítico e de defensor da liberdade de imprensa no Brasil. Antes de sair de cena como editor – e ao preparar-se para assumir o cargo de representante consular do Brasil em Londres, agregando ainda um título de adido diplomático –, ele não deixa de abordar o problema mais crucial da nacionalidade brasileira, o regime de trabalho servil, que tantos serviços prestou à classe senhorial (e à própria economia em formação) e que tantos malefícios representou para sua estrutura social e sua evolução cultural e educacional. Ele já tinha tratado do problema do tráfico e da escravidão no momento dos acordos de Paris, em 1815, que tendiam a limitar o tráfico ao sul do Equador, como etapa prévia à sua completa proibição e como preparação à interdição ulterior da própria escravidão. 

Escrevendo em outubro de 1815, ele manifesta sua convicção em uma próxima resolução da própria instituição servil: “Está por fim chegado o tempo em que esta questão da escravatura deve ser decidida afinal”. [49] Ele tinha consciência, porém, dos problemas imediatos em termos de mão-de-obra e de carestia de vida, mas recomendava corrigir esses problemas mediante a introdução de maquinaria e pela promoção da imigração européia. Hipólito volta ao tema depois de proclamada a independência, apontando a contradição entre o objetivo de se ter uma nação livre e a nefanda instituição. Os brasileiros, escrevia ele em novembro de 1822, “devem escolher entre estas duas alternativas: ou eles nunca hão de ser um povo livre, ou hão de resolver-se a não ter consigo a escravidão. (…) um homem educado com escravos não pode deixar de olhar para o despotismo como um ordem de coisas natural; …a maioria dos homens que são educados com escravos deve ser inclinada à escravidão e quem se habitua a olhar para o seu inferior como escravo, acostuma-se também a ter um superior que o trate como escravo”. [50]

Hipólito esperava que o problema da escravidão fosse ser resolvido em poucos anos, ao consolidar-se a autonomia do novo estado e organizada em novas bases a economia nacional. Ao morrer em 1823, ele não poderia adivinhar que o problema da escravidão tomaria duas gerações mais, 66 anos adicionais, para ser resolvido de maneira imperfeita. Otimista, mas cauteloso, ele concluía esse comentário com palavras que tinham verdadeira vocação profética em relação ao futuro do Brasil: “Da continuidade da escravatura no Brasil deve sempre resultar uma educação que fará os homens menos virtuosos e mais suscetíveis a submeterem-se ao governo arbitrário de seus superiores”. [51]

Como forma de encaminhar a questão da carência de mão-de-obra de maneira algo mais permanente do que a importação sempre renovada de escravos “boçais”, Hipólito, como muitos outros dirigentes esclarecidos dessa época, a começar pelo próprio Andrada, recomendava a implementação de um programa abrangente de imigração de agricultores europeus. O tema comparece em diversos números do Correio, mas seria apenas no início de 1823, já interrompida no mês de dezembro anterior a edição do Correio Braziliense, que Hipólito elabora um plano preliminar cobrindo diversos aspectos da ocupação racional do território brasileiro. O documento, que tinha como título “Apontamentos para um plano de Correios, Estradas e Colonização do Brasil”, foi remetido por mala diplomática de Londres ao próprio José Bonifácio, em fevereiro de 1823, integrando hoje as coleções do Arquivo Histórico do Itamaraty. [52]

Para atender à implementação das medidas que ele propunha, Hipólito sugeria a adoção de estrutura administrativa própria, sob a forma de uma repartição pública dividida em três seções: (a) correios, estradas, pontes, barcos de passageiros; (b) terras, registro de propriedades de raiz e estatísticas do país; (c) imigração, colonização, cultura de terras e lavra de minas. Reconhecendo que talvez fosse difícil ter uma repartição autônoma para esses diferentes serviços, ele propunha que o encargo ficasse provisoriamente com a secretaria do exterior: “A vasta importância deste objetos, num país tão extenso e tão pouco povoado como é o Brasil, requer o cuidado de uma repartição exclusiva, mas como por ora as relações diplomáticas sejam as que menos tempo ocupem, pode este trabalho anexar-se com muita propriedade ao Ministério dos Negócios Estrangeiros”. [53]

Como vários contemporâneos, Hipólito mantinha a crença que se deveria desestimular a vinda de comerciantes – preconceito que seria ostentado pelas elites do Brasil até praticamente o final da Segunda Guerra Mundial –, dando preferência aos agricultores europeus, os únicos que poderiam realizar o objetivo prioritário: a ocupação do solo. Desde 1813 ele expressava essa opinião: “Os únicos estrangeiros que freqüentam agora o Brasil são os negociantes, a pior sorte de população que ali pode entrar, porque o negociante estrangeira que ali chega não possui outra pátria senão a carteira e o seu escritório, chega, enriquece-se e vai-se embora morar no seu país natal ou aonde lhe faz mais conta”. [54]  Hipólito recomendava a importação de artistas, mineiros, pescadores, homens de letras, que viessem ensinar, difundindo a instrução, e, sobretudo, de agricultores, a serem atraídos por medidas apropriadas. Em seu plano de 1823, ele recomendava criar companhias por ações às quais seriam distribuídos lotes (sesmarias), nos quais seriam estabelecidos núcleos urbanos, bancos de depósito e desconto (inclusive com a faculdade de emitir dinheiro válido nesse território) e que contariam com isenção alfandegária para a importação de instrumentos agrícolas e de mineração, máquinas diversas, durante um prazo de 25 anos. A companhia pagaria ao governo o dízimo da produção agrícola e o quinto da mineração e ajudaria na manutenção de estradas e pontes. Finalmente, Hipólito recomendava que se transferisse a capital do Rio de Janeiro para o interior, menos por razões militares do que para atender objetivos de ordem econômica e demográfica. 

 

Influência de Hipólito no debate econômico do século XIX

 

A despeito da pregação de homens como Hipólito, o protecionismo tarifário e as políticas comerciais “substitutivas”, tais como praticados no Brasil do século XIX, foram, além de ineficazes na prática, essencialmente subprodutos involuntários das dificuldades estruturais do Tesouro, cujas necessidades fiscais levavam à própria taxação das exportações. O protecionismo tarifário, aplicado de maneira algo errática ao longo de quase meio século de Segundo Império, não conseguiu, de fato, desenvolver a indústria, nem satisfez inteiramente as necessidades da lavoura. Medidas adotadas em determinadas épocas para favorecer setores industriais, ou melhor, certas fábricas, apresentaram características mercantilistas, como não deixou de sublinhar uma estudiosa da questão. [55]

O Brasil tinha iniciado a vida independente com uma camisa de força comercial, a “tarifa inglesa”, depois generalizada para o conjunto dos acordos comerciais. Eliminado, a partir da Regência, esse obstáculo ao aumento das receitas públicas, as autoridades fazendárias passaram a evitar o comprometimento com níveis tarifários inscritos em tratados. Se o princípio permaneceu bem assentado na política comercial então desenhada, sua prática foi tão ciclotímica quanto o comportamento dos orçamentos do Estado ou o movimento errático do câmbio. As orientações das tarifas misturaram princípios liberais, inspirados nos “saudáveis princípios da livre concorrência”, com a busca eventual de uma proteção a determinadas indústrias.

Desde a adoção da primeira pauta protecionista por Alves Branco, em 1844, o Brasil passou por várias reformas aduaneiras, a maior parte delas de cunho fiscal. As tarifas Alves Branco não subsistiram muito tempo, tendo sido alteradas já no período da conciliação (1857), pelo ministro da Fazenda João Maurício Wanderley (Cotegipe), alegadamente com vistas a defender os interesses da agricultura e dos consumidores de modo geral. Apenas no período ulterior a 1860, já refletindo preocupações da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, serão as tarifas elevadas para um nível médio de 50%. [56] Na verdade, o objetivo protecionista era de certa forma secundário à necessidade de maiores receitas para o Estado.

O debate econômico começa a demonstrar o comprometimento de setores da opinião pública com a instalação de indústrias, como tinha pregado Hipólito desde 1808. Os argumentos utilizados eram semelhantes aos que, em conjuntura não muito distante, esgrimiu Hipólito e que, segundo o princípio da proteção à “indústria infante”, viria a preconizar o economista alemão Friedrich List, que tinha aperfeiçoado seu aprendizado econômico nos Estados Unidos. No livro Sistema Nacional de Economia Política, publicado em 1841, List afirmava, mediante conceitos que não seriam estranhos a Hipólito, que a concorrência entre duas economias deveria ocorrer em patamares similares, justificando-se, no caso de países atrasados, a adoção de medidas adequadas para aumentar a capacitação industrial para o enfrentamento da competição estrangeira:

“A livre concorrência entre duas nações altamente civilizadas só pode ser mutuamente benéfica no caso de ambas estarem em um grau de desenvolvimento industrial mais ou menos igual; ao contrário, qualquer nação que, em razão de reveses [ele pensava na Alemanha pós-napoleônica], estiver atrasada em relação a outras, do ponto de vista industrial, comercial e naval, embora possua os meios mentais e materiais para desenvolver-se, deve antes de tudo aumentar e consolidar seus próprios poderes individuais para aparelhar-se a entrar na livre concorrência com nações mais evoluídas.” [57]

Não se sabe em que medida, e com que grau de aceitação, a elite governante brasileira foi influenciada por suas idéias, mesmo se estudiosos da história da economia política no Brasil chegaram a ver no Visconde de Cairu, um antecessor teórico de List. Tal parentesco analítico, em relação ao autor dos Princípios de Economia Política (1804) e das Observações sobre a Franqueza da Indústria e Estabelecimento de Fábrica no Brasil (1810), pode parecer indevido, sobretudo porque Cairu defendia sem rebuços o liberalismo econômico. Essa “filiação” intelectual é ainda mais estranha num país no qual parte da classe dominante via nas atividades agrícolas a fonte exclusiva de todo valor, como tinham pregado desde o século anterior os fisiocratas. Em todo caso, Cairu não foi um simples imitador das idéias de Smith, Malthus ou Ricardo, e menos ainda um adepto do laissez faire, laissez passer

O primeiro titular de uma cadeira de economia política no Brasil — nunca efetivada, é verdade — elaborou, por certo, uma consistente obra de crítica inovadora da economia política articulada essencialmente em torno dos grandes princípios do liberalismo econômico e da liberdade de comércio, temperados, entretanto, pela afirmação da primazia de “práticos direitos sociais” sobre os “vagos direitos individuais”, aceitando por exemplo que se fizessem as necessárias restrições à liberdade natural em nome do interesse do bem público. Cairu defendeu, sobretudo, uma política inteligente de promoção da indústria, combinada ao desenvolvimento tecnológico e à qualificação do trabalho pelo conhecimento. Com efeito, se, dentre os fatores de produção, os fisiocratas viam apenas a terra como a causa principal da riqueza das nações, ao que Adam Smith agregaria o trabalho e a Escola de Manchester o capital, José Maria Lisboa incorporaria o elemento da inteligência[58] Os autores comentados por Cairu eram Smith, Malthus, Ricardo, Quesnay, Sismondi, Say, Bentham, ademais de homens públicos como Franklin e Lauderdale. Mais adiante aparecem os nomes de James Mill e de seu filho John Stuart. 

Em 1877 a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional sistematiza o debate que tinha lugar entre os promotores do liberalismo comercial e os propugnadores da indústria nacional. Segundo um relatório publicado em seu Boletim, O Auxiliador da Indústria Nacional, os membros da Seção Fabril reconheciam que os países se dividiam entre a tendência “liberal”, ou partidários da Escola de Manchester, e o sistema “protetor ou proibitivo, ou dos Estados Unidos”, sendo que o liberal era aquele “para o qual devem tender todas as nações cultas”. Mas, “No estado atual do mundo e para as nações ainda novas, a liberdade comercial, em vez dos salutares efeitos, a que está destinada, traz ao contrário o perigoso mal da perda da sua autonomia”. O segundo sistema, “é ao contrário do precedente, o meio mais seguro de elevar os países novos ao nível da nação preponderante, e sob este ponto de vista constitui o mais poderoso promotor da associação dos povos, por conseqüência, da verdadeira liberdade comercial. para a qual tende ou deve tender”. [59] Os defensores do liberalismo comercial, por sua vez, costumavam sustentar seus argumentos com citações tiradas dos livros de Cairu.

As idéias protecionistas de List e Carey, que faziam a defesa doutrinária do nacionalismo industrial, foram introduzidas no Brasil a partir dos cursos de Luís Vieira Souto na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, depois de 1880. [60] Contornando o debate, as autoridades ftomavam decisões com base num singular pragmatismo, como referido em declarações do Visconde do Rio Branco em reunião da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, em 1877: “as idéias que felizmente predominaram entre os nosso consócios, são as que proclamam a liberdade comercial como regra, sem prejuízo de algum fator restrito e temporário às indústrias nacionais, que o merecem, por sua natureza ou importância de atualidade, e condições especiais. Sua opinião fixa-se nesse meio termo”, que significa a promoção das indústrias nacionais que já existem, “mas sem excluir a concorrência estrangeira, que deve despertar o seu zelo, estimular os seus melhoramentos e suprir a deficiência de sua produção”. [61]

Nas revisões tarifárias adotadas desde 1857, combinavam-se a preocupação com os interesses dos consumidores — isto é, dos proprietários de terras — com objetivos moderadamente protecionistas. Depois dos “exageros” da Tarifa Alves Branco, as correções subsequentes procuraram diminuir os direitos de importação e, mesmo quando se decretava um aumento nos percentuais dos direitos de exportação, por absoluta necessidade fiscal, sempre se anunciava a intenção de rebaixá-los posteriormente ou de eliminá-los totalmente. Grosso modo, a “indústria”, no Brasil, foi mais protegida pelas necessidades do Tesouro do que como resultado de uma política consciente nos terrenos comercial e industrial por parte do Governo. 

O debate a respeito das virtudes respectivas do protecionismo e do livre-cambismo, jamais resolvido no plano teórico, continuou intenso durante todo o Segundo Reinado, ecoando aquele igualmente importante entre os metalistas e os papelistas a propósito da política monetária e testemunhando, finalmente, do caráter bastante pragmático e de fato muito pouco doutrinário das elites dirigentes do Império. Deve-se, portanto, tomar com circunspecção o relativo sucesso do protecionismo proclamado pelos poucos “industrializantes” à la List, tanto porque dificilmente poderiam ser encontrados numerosos representantes de uma suposta “burguesia industrial emergente”. Muito embora certas pautas aduaneiras possam ter sido concebidas com o objetivo de proteger similares nacionais eventualmente existentes em alguns setores, as tarifas desempenharam, durante todo o Império (e também na velha República), um papel essencialmente fiscal, o que pode ser indiretamente confirmado pelo fato de que os direitos eram igualmente aplicados à exportação de mercadorias. 

 

O legado de Hipólito: humanismo, patriotismo, sentido da educação, tino econômico

 

Hipólito foi uma figura humana à qual usualmente se tem por costume chamar de “personalidade renascentista”, ou seja, um homem completo, versado nas mais diferentes formas de saber e empregando o conhecimento em prol do estabelecimento de políticas públicas racionais e razoáveis do ponto de vista do interesse nacional. Em seu “armazém literário”, ele “versou e debateu”, no dizer de Mecenas Dourado, “quase todos os problemas fundamentais que interessavam as necessidades e a cultura do seu tempo”. [62] Tinha muito forte o sentido da história e de fato pretendeu, durante uma certa época, escrever uma história do Brasil, o que pode ter demovido da mesma pretensão outra grande personalidade pública desse período, José Vicente Lisboa, o futuro visconde de Cairu. 

Como ainda discute Mecenas Dourado, Hipólito tinha como princípios ordenadores das soluções práticas que se poderia conceber para responder aos problemas sociais duas grandes categorias: a educação pública e o ensino e a prática da economia política. Na primeira vertente, preocupava-se em “apresentar não só as sugestões que facilitassem a difusão do ensino primário em Portugal e Brasil, como dos princípios pedagógicos que deveriam orientar o referido ensino. Tomava como exemplo o que se praticava em outros países mais desenvolvidos, particularmente a Inglaterra, que era do seu íntimo conhecimento, e fazia acompanhar esses exemplos de justificações teóricas com fundamento na psicologia educacional. [63]

Na segunda, Hipólito “sempre manteve a convicção de que o estudo da economia política é indispensável ao homem público, e lastimava que a Universidade de Coimbra não possuísse, em seu currículo acadêmico, uma cadeira em que se ministrassem esses estudos”. [64] Ele tinha sido educado na escola mercantilista, como era o normal em sua época, mas ao passar à Inglaterra aderiu de forma quase natural às pregações de Adam Smith e à doutrina liberal. Mas, como vimos pela sua discussão do decreto de abertura dos portos e do tratado de 1810, sua noção era a de um liberalismo doutrinal corrigido pelo bom senso e por um extremado pragmatismo. Ele ostentava, sobretudo, uma compreensão muito clara de onde se situava o interesse nacional brasileiro, acima de quaisquer considerações teóricas ou doutrinais. Nas páginas do Correio, ele ofereceu um acolhimento especial às idéias do economista suíço Simonde de Sismondi, chegando mesmo a traduzir e transcrever, em nove volumes do periódico (do vol. XVII ao XXV), com regularidade mensal, largos extratos dos Principes d’économie politique (1813), a ponto de Dourado chamar a atenção para o fato de que, “a vigorar, na época, uma lei regulando os direitos autorais, Hipólito teria que pagar essa edição ao autor”. [65]

Essa transcrição tinha propósitos didáticos claramente afirmados. Como recorda Carlos Rizzini, “Cinco anos e 400 páginas [do Correio] gastaria [Hipólito] nesse labor dedicado mais a instruir os governantes do que os leitores”. [66]Nas próprias palavras de Hipólito: “Esta obra é elementar e feita sobre os admiráveis princípios que o ilustre inglês Adam Smith estabeleceu primeiro, mas obscuramente, e o nosso autor [Sismondi] desenvolveu e dispôs com clareza e método, destinando-a particularmente à França. Por isso, nos extratos que daremos, traduzidos neste jornal, atenderemos somente aos princípios de aplicação universal e conformes às circunstâncias de todos os países; e do que disser particularmente respeito à França (que ainda assim não é muito) referiremos somente o que também, por algum respeito, nos convier [isto é, ao Brasil] saber”. [67]

Como diz acuradamente Rizzini, “O fim precípuo do Correio Braziliense era o de promover o progresso do Brasil, erguendo-o de colônia a nação”, ainda que nação portuguesa, unida a Portugal, sob o sistema monárquico-representantivo. [68] A esse título, Hipólito era contra os privilégios e monopólios, preferindo o comércio livre ao administrado, defendendo certas isenções tributárias para estimular determinadas atividades fabris. Concordava em taxar moderadamente as importações estrangeiras, mas nunca de maneira exagerada, de molde a não estimular o contrabando. Mas ele também tinha plena consciência das desigualdades estruturais que poderiam colocar em confronto os interesses respectivos de dois países desigualmente dotados, como verificado no caso dos tratados “desiguais” negociados pela potência inglesa com os países mais fracos, a começar por Portugal. Como afirma ainda Rizzini, Hipólito acreditava que, depois “da triste experiência com o Tratado de 1810, convinha ao Brasil regular o seu comércio sem novos compromissos, sem se atar em relação a um futuro ainda mal descortinado. Adotasse medidas mutáveis segundo seus interesses e as condições gerais das trocas”. [69] Na questão da mão-de-obra, o seu “armazém literário” atribuía o formidável progresso dos Estados Unidos à importação favorecida de braços livres, o que propugnava igualmente para o Brasil, sem sucesso porém, uma vez que continuaram por décadas seguidas o tráfico e a escravidão. 

Ao concluir sua obra de editor, no final de 1822, Hipólito escrevia no último número do Correio Braziliense uma espécie de legado intelectual do ponto de vista da economia política: “Quanto às relações comerciais com as demais nações, quer haja quer não a formalidade do reconhecimento [do novo Estado brasileiro independente], o governo do Brasil terá sempre o direito de prescrever aos estrangeiros que lá forem comerciar os regulamentos que bem lhe aprouver; e seguramente a prudência desses regulamentos eqüivale bem, quando não seja preferível, aos onerosos tratados de comércio, com que muitas vezes as nações ligam, sem o saberem, as mãos da indústria”. [70] Palavras de prudência e de preocupação legítima com o progresso futuro da nação, como compete ao verdadeiro estadista que foi Hipólito, aliás sem nunca ter exercido cargo público no Brasil ou sequer ter voltado a por os pés, enquanto adulto, no país que tinha como seu. Em Hipólito, mesmo longe da pátria e impedido por força da censura de expressar livremente o seu pensamento, o exercício teórico e prático da economia política, guiado por uma certa idéia do interesse nacional, estava a serviço da construção da Nação.

 

Paulo Roberto de Almeida

Washington (834): 2/12/2001; revisto em 5/12/2001

“O nascimento do pensamento econômico brasileiro” in Hipólito José da Costa, Correio Braziliense, ou, Armazém Literário (São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF: Correio Braziliense, 2002; reedição facsimilar, volume XXX, pp. 323-369). O=834; P=376.




[1] Cf. “Os estudos de Economia Política são proibidos na Universidade de Coimbra e não sabemos que haja no Reino escolas em que se aprendam”, Correio Braziliense, janeiro de 1819, vol. XXII, p. 84, cit. Por Mecenas Dourado, Hipólito da Costa e o “Correio Brasiliense”, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1957, tomo I, p. 44..

[2] Ver Hipólito José Costa, Diário de Minha Viagem para Filadélfia, 1798-1799. Rio de Janeiro: Publicações da Academia Brasileira, 1955. Como argumentei em outro texto, trata-se provavelmente da primeira obra sobre os Estados Unidos escrita do ponto de vista de um observador do Brasil, preocupado em trazer para a colônia lusitana da América as espécies vegetais e animais e aqueles melhoramentos técnicos que julgava poder contribuírem para o engrandecimento de sua pátria; cf. Paulo Roberto de Almeida, “Tendências e perspectivas dos estudos brasileiros nos Estados Unidos” in Paulo R. de Almeida, Marshall C. Eakin e Rubens A. Barbosa (eds.), O Brasil dos Brasilianistas: um guia dos estudos sobre o Brasil nos Estados Unidos, 1945-2000, São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002.

[3] História breve e authentica do Banco da Inglaterra com dissertações sobre os metaes, moedas e lettras de cambio e carta de incorporações, por E. Fortune… traduzida da 2ª edição de Londres; impressa por ordem de S. Alteza Real o Principe Regente Nosso Senhor, por Hypolito José da Costa Pereira, Lisboa, na Typographia Chalcographica e Litteraria do Arco do Cego, anno MDCCCI; Ensaios politicos economicos e philosophicos, por Benjamin Conde de Rumford… traduzida em vulgar por Hippolito José da Costa Pereira, tomo I, Lisboa, na Regia Officina typographica, MDCCCI, por ordem superior; cf. Mecenas Dourado, op. cit., tomo I, pp. 80-81. Mais adiante, já como editor do Correio, Hipólito traduz e publica o economista suíço Simonde de Sismondi.

[4] Cf. Dourado, op. cit., p. 82.

[5]  De fato, como afirma Mecenas Dourado, o Correio Braziliense “foi um fenômeno napoleônico”; cf. Hipólito da Costa e o “Correio Brasiliense”, op. cit., tomo II, p. 580.

[6] Cf. Dourado, op. cit., tomo I, p. 302.

[7] Em diversos número do Correio, a seção comercial abrigava, ademais da transcrição dos principais textos oficiais nessa área, informações práticas sobre os preços de mercadorias de interesse do Brasil na praça londrina, dados que constituíam não apenas uma espécie de pesquisa de mercado à intenção dos comerciantes interessados, como também um levantamento das restrições não tarifárias aplicadas a determinados produtos de produção brasileira que eventualmente entrassem em competição com mercadorias similares vindas das colônias britânicas do Caribe, por exemplo. Assim, os preços deixavam de ter sua função indicativa da realidade dos mercados para entrar em jogo o tratamento tarifário diferenciado ou a proibição pura e simples de entrada nos portos britânicos.

[8] Cf. Hipólito José da Costa, Correio Braziliense ou Armazém literário, São Paulo: Imprensa Oficial; Brasília: Correio Braziliense, 2001, edição fac-similar, vol. I, No. 3, de agosto, 1808, pp. 167-68. De fato, o texto continha tantas incorreções que, ao final da seção “Miscelânea” desse mesmo número 3, Hipólito inseriu a seguinte nota, seguida da transcrição corrigida do decreto de abertura dos portos: “Como a cópia do importante decreto do Príncipe Regente de Portugal que se imprimiu à folha 167 deste número sucedeu ser incorreta, aqui se insere a exata íntegra do edital a este respeito, vista a importância desde documento para o comércio”; idem, pp. 253-54.

[9] Vide Coleção das Leis do Brazil de 1808, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, pp. 1-2.

[10] Observe-se, a propósito, que o tratado de comércio de Portugal com a Grã-Bretanha foi o único, em toda a América Latina, que continha um dispositivo fixando expressamente o nível tarifário, prática aliás pouco usual nos acordos negociados pelos representantes de Sua Majestade com outros países; de maneira geral, os tratados comerciais, que regulam questões gerais e normas aplicadas ao comércio (cláusula de nação-mais-favorecida, princípio do tratamento nacional, reciprocidade ilimitada ou condicional etc.), não costuma discriminar expressamente níveis tarifários, contentando-se com estipular medidas de caráter geral (redução de um terço ou a metade dos direitos alfandegários normalmente aplicados, diminuição proporcional e recíproca de taxas portuárias etc.); ver D. C. M. Platt, Finance, Trade, and Politics in British Foreign Policy, 1815-1914, Oxford: Clarendon Press, 1968., p. 315.

[11] Cf. Hipólito José da Costa, Correio Braziliense, nº 5 (outubro de 1808), edição fac-similar da Imprensa Oficial e do Correio Braziliense, pp. 421-22. Para o texto oficial, desse decreto, ver Coleção das Leis do Brazil de 1808, op. cit., p. 10.

[12]  Idem, p. 422. 

[13] Mais tarde, por decreto de 23 de novembro de 1816, foi estabelecido que o comércio de cabotagem deveria ser feito exclusivamente por embarcações nacionais.

[14] Cf. Hipólito José da Costa, Correio Braziliense, nº 5, op. cit., edição fac-similar, pp. 424-25. 

[15] De acordo com a Historia do Brazil desde 1807 até o presente (Lisboa, 1819), citada por Roberto Simonsen, História Econômica do Brasil, São Paulo: Nacional, 1937; Brasiliana vol. 100-A, tomo II, p. 258.

[16] Cf. Dorival Teixeira Vieira, Evolução do sistema monetário brasileiro, São Paulo: Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP, 1962, p. 38.

[17] Nas palavras de Rocha Pombo, “todos estes homens de Estado eram apologistas da aliança com a Inglaterra e propensos a seguir a política do gabinete de Londres”; ver História do Brazil, Rio de Janeiro: W. M. Jackson Editores, 1935, vol. III: “A formação do espirito de pátria”, pp. 305-306.

[18] Vide Olga Pantaleão, “A presença inglesa”, in Sérgio Buarque de Holanda (coord.), História Geral da Civilização Brasileira, 2ª ed., São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1965, tomo II, O Brasil monárquico, 1° volume, “O Processo de Emancipação”, pp. 64-99, cf. pp. 73-74.

[19] Roberto Simonsen, para quem o tratado de comércio “aniquilava o surto manufatureiro que se ia verificando no país após a revogação, em 1808, do célebre decreto de Da. Maria I, que proibia as indústrias no Brasil”, transcreve a introdução dos tratados de 1810 para mostrar “o espírito com que foram promulgados”; cf. História Econômica do Brasil, op. cit., tomo II, pp. 247-252. Vide o texto completo do tratado, nas duas línguas, em Coleção das Leis do Brazil de 1810-1811, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1892, pp. 51-72. 

[20] Observe-se que na primeira década do século XIX, as regiões sob dominação britânica produziam aproximadamente 60% das exportações mundiais de açúcar e provavelmente 50% das de café; adicionalmente, elas forneciam quase 40% do algodão importado na Grã-Bretanha; apenas nos anos 40 desse século as exportações cubanas e brasileiras de açúcar ultrapassaram as das Índias ocidentais britânicas; informações consignadas em David Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade, New York: Oxford University Press, 1987, pp. 5-6.

[21] Nesse seu Decreto, o Príncipe Regente começava por dizer que era “absolutamente necessário o estudo da Ciência Econômica na presente conjuntura em que o Brasil oferece a melhor ocasião de se por em prática muitos dos seus princípios, para que os [seus] vassalos sendo melhor instruídos nele, me possam servir com mais vantagem”.

[22] J. S. Lisboa, Princípios de Economia Política para servir de introdução ao autor dos princípios de Direito Mercantil, Lisboa: Imprensa Régia, 1804. Adepto do liberalismo de Adam Smith, mas reconhecendo os limites do industrialismo, Lisboa foi também um decidido agrarista e defensor de novas técnicas de cultivo, tendo tornado-se o principal arauto do livre-cambismo nesta fase inicial do debate econômico no Brasil.

[23] Discorrendo em 1820 (Estudos do Bem Comum e Economia Política) sobre a política de comércio da época joanina, o “conselheiro econômico” do Príncipe Regente (a partir de 1816 monarca do Reino Unido), chegou a afirmar que o Brasil teria sido um fiel seguidor da doutrina liberal e da liberdade de iniciativa econômica de maneira bem mais completa e de forma ainda mais acabada do que os próprios países europeus, algo relutantes em abraçar tão esclarecida “polícia”, como escrevia ele em 1820, numa clara demonstração de anglicismo: “O Brasil (...) teve a felicidade, que lhe concedeu a Divina Providência, de se fazer nele pela Nova Legislação a Tentativa Econômica de se por em prática a teoria de [Adam] Smith com tão visíveis e prósperos resultados, contra as dominantes opiniões da Europa, onde... não é prudente, nem talvez praticável tão liberal Polícia, [e onde] ainda o espírito monopolista porfia em sustentar crassos erros...”.

[24] Cf. Hipólito José da Costa, Correio Braziliense ou Armazém literário, edição fac-similar, op. cit., vol. II, No. 9, fevereiro 1809, pp. 129-30. Ver também Carlos Rizzini, Hipólito da Costa e o Correio Braziliense, São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1957, Brasiliana Grande Formato nº 13, p. 185.

[25] Hipólito, CB, vol. II, nº 9, fevereiro de 1809, pp. 130-31. Talvez dirigindo-se diretamente a seu antigo protetor e então ministro dos negócios estrangeiros na corte do Rio de Janeiro, Linhares, Hipólito acrescentava: “Mas é possível, dir-me-ão, achar-se entre os grandes Políticos, que foram para o Brasil, um homem que, conhecendo a fundo o estado atual daquele País, e sabendo conjeturar com justeza a possível vereda que levará a indústria dos brasilienses, possa comparar os males que resultam de certas estipulações comerciais, com o bem que se pode obter das ofertas que a Inglaterra fizer para sua compensação”; loc. cit., p. 131; itálicos no original.

[26] Cf. Correio Braziliense, vol. XXI, p. 113 e vol. XXV , p. 543, citado por Mecenas Dourado, Hipólito da Costa e o “Correio Brasiliense”, op. cit., tomo II, pp. 425-26.

[27] Varnhagen, História Geral do Brasil, 3ª ed., t. 5, p. 135, citado por Roberto Macedo, Brasil sede da monarquia, Brasil Reino, 1ª parte, vol. 7 da História Administrativa do Brasil (sob a coordenação de Vicente Tapajós), 2ª ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília/FUNCEP, 1983, p. 64.

[28] Rocha Pombo, História do Brazil, vol. IV, op. cit., p. 310.

[29] Cf. Oliveira Lima, Dom João VI no Brasil, 3ª ed., Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, pp. 246.

[30] Cf. Oliveira Lima, O Império Brasileiro, 1822-1889, nova ed.; Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 173.

[31] Cf. Dom João VI, p. 251.

[32] Cf. J. Pandiá Calógeras, A política exterior do Império, Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, Câmara dos Deputados, Companhia Editora Nacional, 1989, vol. I: As Origens, pp. 342 e 346; mas, ele reconhece que o tratado de comércio “foi vantajoso à população, que poude adquirir utilidades por preços mais baixos...”.

[33] Cf. Simonsen, História Econômica do Brasil, op. cit., p. 260.

[34] Vide Denio Nogueira, Raízes de uma Nação: um ensaio de história sócio-econômica comparada, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988, p. 193. 

[35] Cf. Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, 14ª ed., São Paulo: Nacional, 1976, p. 100. De fato, pela primeira tarifa norte-americana de 1789, “os tecidos de algodão pagavam tão somente 5% ad valorem, e a média de todas as mercadorias era de 8,5%”; ajustes posteriores foram feitos, no sentido de elevar a tarifa, mas numa época “em que a indústria têxtil norte-americana já se podia considerar consolidada”; idem, loc. cit.

[36] Cf. Nogueira, Raízes de uma Nação, op. cit., p. 193. Caberia considerar, para a época, o custo relativamente mais elevado dos transportes no preço final das mercadorias.

[37] Nogueira, idem, p. 196.

[38] Cf. Mircea Buescu, Evolução Econômica do Brasil, 2ª ed.; Rio de Janeiro: APEC, 1974, p. 109.

[39] Cf. Simonsen, História Econômica do Brasil, op. cit., p. 257.

[40] Transcrito em Roberto Macedo, História Administrativa do Brasil, op. cit., pp. 68-71. 

[41] Cf. Dorival Teixeira Vieira, “Política financeira — o primeiro Banco do Brasil”, in Sérgio Buarque de Holanda (coord.), História Geral da Civilização Brasileira, tomo II, O Brasil monárquico, op. cit., pp. 100-118, cf. pp. 101 e 103-104.

[42] Cf. Oliveira Lima, Dom João VI no Brasil, op. cit., pp. 264-265.

[43] Idem, p. 265. 

[44] Cf. Simonsen, op. cit., p. 264.

[45] Ver Paulo Roberto de Almeida, Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império, São Paulo: Editora Senac, 2001.

[46] Os deputados brasileiros encontravam-se em situação de nítida inferioridade em relação aos representantes portugueses, pois, dos 69 originalmente eleitos no Brasil, apenas 46 puderam participar dos trabalhos. Nas Cortes de Lisboa, os assuntos brasileiros eram discutidos numa comissão teoricamente paritária, mas alguns desses representantes “brasileiros” votavam manifestamente em conluio com os deputados portugueses. Assim, é rejeitada a Universidade do Brasil, sob o argumento de “ser suficiente a existência de escolas primárias na parte americana da monarquia”; da mesma forma, são estabelecidas juntas governativas nas províncias brasileiras, que seriam diretamente subordinadas a Lisboa.

[47]  Cf. Correio Braziliense, vol. XXV, p. 707, citado por Dourado, Hipólito da Costa e o “Correio Brasiliense”, op. cit., tomo II, p. 331.

[48] Cf. José Gabriel de Lemos Brito, Pontos de partida para a história econômica do Brasil, 3ª ed.; São Paulo: Companhia Editora Nacional/INL-MEC, 1980, p. 405. Segundo esse projeto, os produtos estrangeiros que entrassem no Brasil passariam a pagar direitos de 55% ad valorem, ao passo que os impostos de exportação aplicados a produtos brasileiros vendidos a terceiros países passariam a pagar 12%; idem, p. 403. 

[49] Cf. Correio Braziliense, vol. XV, pp. 735-39, citado por Dourado, Hipólito da Costa e o “Correio Brasiliense”, op. cit., tomo II, p. 530.

[50]  Idem, ibidem, Dourado, pp. 532-33.

[51] Idem, ibidem, p. 533.

[52]  Legação do Brasil em Inglaterra, Despachos Ostensivos, 1822-1823, AHD, citado por Dourado, idem, p. 535.

[53] Idem, loc. cit.

[54] Cf. Correio Braziliense, vol. X, março de 1813, pp. 374-76, citado por Dourado, op. cit., tomo II, p. 536.

[55] Cf. Nícia Vilela Luz, A Luta pela Industrialização do Brasil: 1808 a 1930, 2ª ed.; São Paulo: Alfa-Omega, 1975, p. 38.

[56] Ver Nícia Vilela Luz, “As tentativas de industrialização no Brasil” in Sérgio Buarque de Holanda (coord.), História Geral da Civilização Brasileira, 2ª ed., São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1974, tomo II, O Brasil monárquico, 4° volume, “Declínio e queda do Império”, pp. 28-41, cf. p. 35.

[57] Cf. Friedrich List, Nazionaler System der Volkswirtschaftslehre (1841), consultado na edição brasileira: Sistema Nacional de Economia Política.São Paulo: Nova Cultural, 1989, pp. 3-4.

[58] Ver a Introdução de José Almeida a José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu, Estudos do Bem Comum e Economia Política ou Ciência das leis naturais e civis de animar e dirigir a geral indústria e promover a riqueza nacional e prosperidade do Estado, Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1975; ed. original: 1819-1820.

[59] Cf. Edgard Carone, O Centro Industrial do Rio de Janeiro e sua importante participação na economia nacional, 1827-1977, Rio de Janeiro: Centro Industrial do Rio de Janeiro-Editora Cátedra, 1978, pp. 54-55.

[60] Ver Dorival Teixeira Vieira, “A história da ciência econômica no Brasil” in Mário Guimarães Ferri e Shozo Motoyama, História das Ciências no Brasil, São Paulo: Edusp, 3º vol., 1981, pp. 347-372, cf. pp. 354-356. A cadeira de Economia Política criada por D. João para Cairu não chegou a ser efetivada, mas outros professores, em Recife e alhures, utilizavam obras de William Petty, Jean-Baptiste Say, Adam Smith, Malthus, James Mill e seu filho John Stuart Mill, David Ricardo e Godwin; idem, pp. 352-353.

[61] Cf. Edgar Carone, op. cit., pp. 60-61. O Professor Vieira Souto, se torna, não por acaso, membro da diretoria do Centro Industrial do Brasil, sucessor, em 1904, da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional; idem, p. 75.

[62] Cf. Dourado, op. cit., tomo II, p. 583.

[63] Cf. Dourado, op. cit., tomo II, pp. 586-87.

[64]  Idem, p. 587. 

[65]  Idem, p. 588, nota 773; caberia lembrar que o título completo da obra de Sismondi, o que evidenciaria igualmente seu espírito prático, era Princípios de Economia Política aplicados à Legislação do Comércio (Genebra, 2 vols., 1813), sendo seu autor membro dos Conselho de Comércio, Artes e Agricultura do Leman, um das regiões da Suíça francesa. 

[66] Cf. Carlos Rizzini, Hipólito da Costa e o Correio Braziliense, op. cit., p. 140.

[67] Cf. CB, XVI, p. 338, in Rizzini, op. cit., p. 141.

[68] Rizzini, p. 143.

[69] Idem, p. 181, que cita o CB, vol. XIII, dezembro de 1814, p. 782.

[70] Transcrito em Rizzini, op. cit., p. 309.