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domingo, 15 de outubro de 2023

Hipólito da Costa como um dos pais fundadores da nação: seminário na Câmara dos Deputados - Paulo Roberto de Almeida

No ano anterior e no ano do bicentenário da independência, participei de diversos seminários. Três deles na Câmara dos Deputados, tendo escolhido para um deles o jornalista Hipólito da Costa como meu tema de alocução. Eu já tinha preparado um trabalho a esse respeito, que foi publicado em livro organizado pela mesma CD em  2021 w publicado em 2022, cujos dados editoriais são estes: 

3954. “Hipólito da Costa, a censura e a independência do Brasil”, Brasília, 1 agosto 2021, 16 p. Introdução ao livro de José Theodoro Mascarenhas Menck: Hipólito José da Costa, o Correio Braziliense e as Cortes de Lisboa de 1821: a Imprensa no processo de independência do Brasil; Obra Comemorativa dos Duzentos Anos da Imprensa Brasileira e sua Contribuição ao Processo da Independência do Brasil na coleção do Bicentenário da CD. Publicado in: José Theodoro Mascarenhas Menck: A imprensa no processo de Independência do Brasil (Brasília: Câmara dos Deputados, 2022, 228 p.; p. 19-41; ISBNs: Papel: 978-65-87317-75-5; E-book: 978-65-87317-76-2; Prefácio: Helena Chagas; Introdução: Paulo Roberto de Almeida; Posfácio: Enrico Misasi. Relação de Publicados n. 1527.

 

No seminário de 2022, também falei sobre Hipólito e a Câmara transcreveu minha alocução, que não foi o texto que publiquei em outro livro, a ser publicado pela Editora Appris. Eis a minha palestra transcrita.

 

O SR. PAULO ROBERTO DE ALMEIDA - Muito obrigado, Deputado Gustavo Fruet. Eu li, muito recentemente, uma apresentação ou uma tese sua sobre parlamentarismo. Somos colegas na mesma causa.

Gostaria, em primeiro lugar, de apresentar minhas desculpas por não estar fisicamente, presencialmente neste seminário, por motivo de precaução, em virtude da permanência da pandemia e também por respeito aos demais participantes.

Gostaria de fazer os meus agradecimentos, em primeiro lugar, ao Deputado Enrico Misasi, que me convidou para este seminário e com o qual já participei de outras iniciativas, ao meu colega do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, o Secretário-Geral José Theodoro Menck, e ao meu colega diplomata e sócio acadêmico do IHGDF, o André Ricardo Heráclio do Rêgo.

Minhas saudações aos meus colegas de Mesa: a pesquisadora Isabel Lustosa, que tem esse belo livro sobre o nosso herói do dia.

(Exibe livro.)

Minhas saudações aos jornalistas Malcolm Forest, pelo comparecimento.

Bem, a minha mensagem principal nesta breve alocução é a seguinte. O Hipólito da Costa foi o primeiro estadista do Brasil. Isso parece contraditório, porque, desde a sua ida para Coimbra, no início da última década do século XVIII, o Hipólito da Costa nunca mais voltou ao Brasil. Ele morou em Portugal, fez uma viagem aos Estados Unidos, numa missão um pouco de espionagem industrial ou agrícola ou de prospecção de plantas úteis, maquinários úteis, a serviço do D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Como disse a Isabel, ele retornou, apresentou seu relatório a quem o mandou em viagem, mas também deixou um diário da sua viagem a Filadélfia, aos Estados Unidos, de 1798 a 1799, que ficou desconhecido durante muitos anos, até que Alceu Amoroso Lima o descobrisse na Biblioteca de Évora e o mandasse publicar, pela Academia Brasileira de Letras pela primeira vez. Mas há uma edição mais recente no Senado Federal. Vocês podem consultar na Biblioteca Digital do Senado Federal esse belo relato, que antecipa o Alexis de Tocqueville em mais de 40 anos, porque o Hipólito vai descrever não apenas a sua viagem, os seus negócios, as suas entrevistas, os seus conhecimentos, mas também o que eram os Estados Unidos, na religião, na sociedade, na política. Ele é um Tocqueville avant-lettre.

Da mesma forma, depois de escapar da inquisição do Pina Manique e viajar para Grã-Bretanha, para Londres, em 1805, ele faz a sua narrativa da perseguição, que também está publicada pelo Senado e vale a pena ler, não só pelo aspecto de direito ou de defesa, mas realmente para termos uma ideia do que era o cenário de Portugal no final do século XVIII e início do século XIX, sabendo que a inquisição só foi extinta em Portugal em 1848.

Ele se tornou maçom. Daí a sua grande lucidez sobre a política. Apesar de admirador do sistema constitucional inglês, da monarquia constitucional, pelo menos desde a Revolução Gloriosa, do século XVII, ele era um observador atento, um crítico realmente do imperialismo inglês e dos interesses sobre os países tutelados, a sua colônia. Mas ele se torna realmente um estadista do Brasil quando ele inicia o primeiro jornal independente, o Correio Braziliense, o seu Armazém Literário, uma espécie de gabinete de curiosidade que tinha de tudo: relatos de guerra, decretos reais, decretos de governos, sessões de Parlamentos, de Constituinte, preço, cotação de commodities, como temos hoje em todos os jornais. Era um gabinete de curiosidades, que teve um papel enorme, mais do que o que se pode avaliar, na formação de uma nova mentalidade para portugueses, súditos de Portugal, em Portugal mesmo e sobretudo no Brasil. Isso começa particularmente com a sua análise dos tratados de 1810, os tratados impostos pelo partido inglês, digamos, no governo da monarquia portuguesa já no Rio de Janeiro. A análise que ele faz dos tratados, em especial do tratado de comércio, torna-se o padrão, digamos, o paradigma da análise dos tratados desiguais, que permaneceram no Brasil até 1844 pelo menos — no caso da China, por exemplo, foram até 1 século adiante. Apenas na Segunda Guerra foram eliminados esses tratados desiguais.

A análise que ele faz sobretudo das relações comerciais desiguais, iníquas, assimétricas vai ser reproduzida pelo Oliveira Lima, em D. João VI no Brasil, publicado em 1908, que também tem edições recentes fac-similares ou redigitalizadas tanto no Senado quanto na Biblioteca Digital da FUNAG, do Ministério das Relações Exteriores, e, mais tarde, pelo Roberto Simonsen, um industrial que também era professor na Escola Paulista de Sociologia, que, em História Econômica do Brasil, de 1938, transcreve literalmente a análise do Hipólito sobre os tratados. Então, é aí que ele forma uma ideia sobre o que deveria ser o Brasil.

Aliás, o Barbosa Lima Sobrinho, grande jornalista — ele foi da ABI, talvez mais do que qualquer outro jornalista, durante décadas —, em Antologia do Correio Braziliense, dá muita importância ao papel da imprensa, à concepção de uma independência ou de uma autonomia do Brasil desde 1808. Essa independência vai se aprofundar, evidentemente, no Reino Unido, em 1815, quando o Brasil se torna um reino, portanto, com status similar ao de Portugal. Depois, em 1820, o Hipólito José da Costa também vai analisar a Revolução do Porto, que adota imediatamente a Carta de Cádiz, aquela Constituição feita pelos liberais espanhóis em Cádiz, em 1812, que foi adotada na Espanha durante 3 anos, o triênio liberal, mas depois voltou à autocracia, ao absolutismo de Fernando VII, mas que também foi adotada imediatamente por Portugal, provisoriamente, com as suas adaptações pelas Cortes, e a que D. João VI teve que jurar no Rio de Janeiro.

Esse período mais fértil da postura do Hipólito como estadista, de 1820 a 1822, quando termina o Correio Braziliense, está muito bem selecionado naquela antologia feita pelo Sérgio Góes de Paula, uma coleção sobre grandes figuras da nossa história. O Sérgio Góes de Paula fez uma seleção, de 1820 a 1822, dos melhores textos de Hipólito sobre as Cortes de Lisboa, sobre o sistema constitucional inglês e sobre o que o Brasil deveria ou poderia fazer para assegurar a sua autonomia, dentro dessa utopia do poderoso império, ou seja, um grande império luso-brasileiro, multinacional, mas com sede no Rio de Janeiro. Tanto ele quanto José Bonifácio tinham essa aspiração, assim como o próprio D. Pedro I, evidentemente. Isso não deu certo, porque as Cortes avançaram muito. Quando as Cortes proclamaram a Constituição portuguesa, em setembro de 1822, o Brasil já tinha declarado a sua independência. Pelo estatuto, as Cortes queriam tornar o Brasil uma colônia, com as províncias separadas, conectadas diretamente a Portugal. Por isso que eu chamei o Hipólito de primeiro estadista do Brasil.

A Isabel Lustosa fez uma edição fac-similar do Correio Braziliense com o Alberto Dines, em torno de 2000, de 2001, que está também inteiramente disponível, seja na edição original, na Biblioteca Mindlin, do Instituto de Estudos Brasileiros de São Paulo, seja nessa edição feita em 2000 e 2001, entre o atual Correio Braziliense, de Brasília, e a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

Correio Braziliense foi muito citado em diferentes estudos historiográficos. Existe a biografia do Macedo e do Rizzini, já do final dos anos 50, e esse belo livro da Isabel Lustosa, que tem vários outros livros sobre a imprensa do Brasil, tanto portuguesa quanto brasileira ou brasiliense, como diria o nosso Hipólito, como o Insultos Impressos, a guerra de versões que havia no Brasil nos anos 1821 e 1822, entre constitucionalistas, monarquistas absolutistas, reacionários, republicanos, entre Barata, Ledo e vários outros maçons. Houve toda uma guerra na imprensa, com o próprio Cairu, um cortesão que animou diferentes jornais. A Isabel Lustosa já nos deixou um brilhante relato sobre esse período muito rico para analisar a imprensa, como mostrou agora o Malcolm Forest, com princípios ainda válidos atualmente.

Mentiras havia naquela época, evidentemente, versões falsas, mas o código de ética dos jornalistas está presente na grande imprensa, nos órgãos responsáveis.

Gostaria de agradecer esta oportunidade para me manifestar sobre o primeiro estadista do Brasil.

Muito obrigado, Deputado Gustavo Fruet. (Palmas.)

 

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