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terça-feira, 3 de outubro de 2023

Conversa com o antropólogo e escritor Antonio Risério : entrevista no YouTube e texto de apoio - Paulo Roberto de Almeida

 1528. Conversa com o antropólogo e escritor Antonio Risério”, entrevista livre sobre temas da diplomacia brasileira em diversos outros assuntos, Notas rápidas, preliminares, para entrevista gravada com o antropólogo Antonio Risério (https://www.youtube.com/@AntonioRiserio_) em 10/09/2023; Exibido no canal YouTube em 2/10/2023 (link: https://www.youtube.com/watch?v=U_SV0vc9Vy0); texto preparado para apoiar a conversa preparado em 4 setembro 2023, 7 p. divulgado neste blog Diplomatizzando em 3/10/2023. Relação de Originais n. 4467.

Conversa aberta sobre a diplomacia brasileira em diversos tempos 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Notas rápidas, preliminares, para entrevista gravada com o antropólogo e escritor Antonio Risério, para seu canal (https://www.youtube.com/@AntonioRiserio_).

  

Recebi convite do antropólogo Antonio Risério – conhecido estudioso das relações sociais e humanas no Brasil, em especial para questões de mestiçagem, sobre as relações entre raças e o identitarismo e outras manias minoritárias – para uma entrevista aberta, em sua página no canal do YouTube (https://www.youtube.com/@AntonioRiserio_), sobre temas de seu interesse, a exemplo das entrevistas que ele já conduziu, nos seus Encontros, com Demétrio Magnoli (https://www.youtube.com/watch?v=wlg0NFxKWeM&t=3891s), Luiz Mott (https://www.youtube.com/watch?v=xPVH8LYYCj4&t=1452s), Mary Del Priore (https://www.youtube.com/watch?v=Opk2Q-JFcAI), e vários outros interlocutores. 

A temática escolhida, como não poderia deixar de ser em meu caso particular, foi a diplomacia brasileira e meu trabalho nos quadros do Itamaraty, assim como sobre a política externa de diferentes governos brasileiros ao longo dos últimos anos. Abaixo, as perguntas formuladas pelo entrevistador, como uma espécie de guia para conduzir a conversa, e apenas algumas notas resumidas de minha parte em torno das questões levantadas, cabendo, evidentemente, deixar elaborações mais completas para a própria gravação online da interação, efetuada no dia 10 de setembro de 2023, material a ser veiculado oportunamente.

 

1 Você já se referiu ao Itamaraty como instituição sempre submissa ao governo da ocasião. Pode desenvolver um pouco isso?

PRA: Diplomatas são mandarins do Estado, como outros tecnocratas governamentais, irmãos quase siameses dos militares, estes detendo um poder efetivo de intervenção sobre a máquina pública e, de forma mais ampla, sobre os rumos da política nacional, um poder totalmente inexistente no caso dos diplomatas, meros burocratas sempre dependentes das instruções e dos favores das elites (as oligarquias) que detêm os comandos do governo e do Estado. Os diplomatas seniores costumam repetir, para si próprios, o bordão comportamental bem mais adaptado à vida militar do que às atividades do serviço exterior; os chefes da Casa sempre se referem aos dois princípios que devem guiar a postura de seus subordinados: a hierarquia e a disciplina. Este bordão, sempre repetido a cada cerimônia da instituição, é a essência do desempenho dos diplomatas, e isso explica a sua submissão à cúpula do poder decisório, que está sempre no presidente, no chanceler, ou nos chefes das unidades orgânicas do ministério. Em linguagem popular, e repetindo uma frase humilhante: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Diplomatas são ensinados a obedecer desde os bancos escolares do Instituto Rio Branco, socialização a que não fui submetido pois que ingressei na carreira por concurso direto (excepcional) e não por vestibular de acesso à academia diplomática (IRBr).

 

2 Não me lembro onde li a observação que vou citar. Talvez no livro de Luiz Vianna Filho sobre o Barão do Rio Branco, talvez no livro de memórias de Afonso Arinos, não me lembro. Mas é uma coisa dizendo assim que o Barão do Rio Branco queria diplomatas que se interessassem por documentos antigos e não por móveis antigos. O Itamaraty ainda tem esse problema hoje, gente mais interessada em mobiliário chique do que na documentação relevante?

PRA: Deve ter sido Afonso Arinos, pois Luiz Viana Filho fez uma biografia relativamente simpática a Rio Branco, e mais voltada para seus anos de formação e de preparação do que propriamente para seu desempenho como chanceler, objeto da outra biografia oficial, a de Álvaro Lins, que peca pelo tom oficialesco, quase encomiástico em relação ao Barão. Afonso Arinos confessa que, na implementação da Política Externa Independente, ficou chocado pelo conservadorismo dos quadros superiores do Itamaraty, onde se desempenhou duas vezes, sob o curto governo de Jânio Quadros e num dos gabinetes parlamentaristas sob João Goulart. Além do conservadorismo, havia, nesses tempos da diplomacia no Rio de Janeiro, essa afetação e encantamento pelos aspectos formais da diplomacia, mais do que pela substância própria aos interesses nacionais brasileiros. 

Atualmente, é bem diferente: estamos longe daquela feição “ornamental e aristocrática” de que falava Hélio Jaguaribe num dos capítulos do seu livro de 1958, O nacionalismo na atualidade brasileira (agora disponível em edição digital na Biblioteca Digital da Fundação Alexandre de Gusmão). A transplantação da capital para o planalto central em 1960, mas no caso do Itamaraty apenas em 1970, e do Instituto Rio Branco em 1975, representou uma grande mudança no recrutamento, no tipo de seleção, na própria formação dos diplomatas, que atualmente têm maior e melhor formação de origem do que os antigos burocratas, muitas vezes provenientes das famílias tradicionais do Império e da Velha República. Mesmo na República de 1946, ainda perduravam as antigas dinastias diplomáticas, o que começou a mudar nas décadas seguintes, quando o recrutamento “capturou” filhos de imigrantes e gente da classe média urbana. Ou seja, a composição social e a mentalidade dos atuais diplomatas é bem diferente do que existia até os anos 1960-70, mas o enquadramento naqueles dogmas principais do Serviço Exterior – hierarquia e disciplina – ainda predomina.

 

3 Você me informou que está escrevendo um livro sobre os intelectuais do Itamaraty. Não sei se trata de todos os que passaram por serviços diplomáticos ou se se limita aos quadros de carreira do próprio Itamaraty. Porque Roberto Campos, por exemplo, foi embaixador, mas não sei se era do Itamaraty. De qualquer modo, o Itamaraty teve intelectuais admiráveis. Então, eu quero saber se você pode nos dar um trailer do seu livro, dando-nos retratos sintéticos de duas figuras que certamente devem estar nele: San Tiago Dantas e José Guilherme Merquior. Pode ser?

PRA: Desde meu ingresso – quase que por acaso – na vida diplomática, sempre combinei o rigor da carreira com as lides acadêmicas, às quais nunca deixei de estar ligado, por minhas atividades docentes e uma intensa produção de artigos e livros. Sempre procurei acompanhar a produção de colegas intelectuais, e o fato é que os grandes intelectuais da carreira o são não exatamente por suas atividades burocráticas na defesa externa do Brasil – com algumas brilhantes exceções, como Rubens Ricupero, por exemplo –, mas pelo seu trabalho em áreas paralelas – história, ciência política, sociologia – ou até distante, como literatura ou música. 

Em 2001, iniciada antes por Luiz Felipe Lampreia, terminada por Celso Lafer, foi publicada a obra O Itamaraty na Cultura Brasileira – que, quando na direção do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais da Funag, entre 2016 e 2018, fiz questão de digitalizar e colocar à disposição do público interessado em minha página na plataforma Academia.edu (https://www.academia.edu/46849306/O_Itamaraty_na_Cultura_Brasileira_2001_) – que tinha permanecido relativamente desconhecida. Fiz questão de preparar uma terceira edição, agregando aos nomes dos contemplados (terminava por José Guilherme Merquior), seis outros diplomatas que tinham falecido desde então: Sérgio Corrêa da Costa, Roberto Campos (eu mesmo escrevi); Lauro Escorel, Wladimir Murtinho (por Rubens Ricupero), Vasco Mariz (por Mary Del Priore) e José Osvaldo de Meira Penna. Essa edição, preparada em 2018, antes, portanto, da chegada dos “novos bárbaros” ao poder, não foi publicada, por razões burocráticas e orçamentárias, e permanece até hoje inédita.

Confrontado a esta dificuldade, resolvi produzir um novo livro, aproveitando a maior parte dos antigos personagens, mas transformado, na forma e no conteúdo, num volume inteiramente novo, sob o título de “Intelectuais na diplomacia brasileira: a cultura a serviço da nação”. O índice contempla estes grandes intelectuais, não apenas diplomatas de carreira: Rui Barbosa (Carlos Henrique Cardim); Bertha Lutz (Sarah Venites); Afonso Arinos de Melo Franco (Paulo Roberto de Almeida); San Tiago Dantas (Marcílio Marques Moreira); Roberto Campos (Paulo Roberto de Almeida); José Oswaldo de Meira Penna (Ricardo Vélez-Rodríguez); Lauro Escorel (Rogério de Souza Farias); Wladimir Murtinho (Rubens Ricupero); Vasco Mariz (Mary Del Priore); José Guilherme Merquior (Gelson Fonseca Jr.); Sergio Paulo Rouanet (João Almino). Tem ainda dois capítulos meus sobre as relações entre os intelectuais e a cultura.

Sobre os dois grandes intelectuais que você cita, San Tiago Dantas e José Guilherme Merquior, tenho a satisfação de lhe dizer que eles fazem parte, com dezoito outras personalidades, desde José da Silva Lisboa, Hipólito da Costa, José Bonifácio e vários outros, inclusive os dois Rio Brancos, Rui Barbosa, Roberto Campos, até Merquior, justamente, em meu livro Construtores da Nação: projetos para o Brasil, de Cairu a Merquior (Curitiba: Appris, 2022), cujo índice figura em meu blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/05/construtores-da-nacao-projetos-para-o.html).

 

4 Como foi o quiprocó que gerou uma demissão sua durante o governo de Bolsonaro?

PRA: Foi um episódio menor em minha carreira e inteiramente previsível. Eu já sabia, desde o segundo turno das eleições de outubro de 2018, que eu seria demitindo da chefia do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), do Itamaraty, desde o dia 1º de janeiro de 2019, dada a minha absoluta incompatibilidade com os “novos bárbaros” que passaram a dominar o governo e a diplomacia brasileira. Demorou um pouco mais: foi só na segunda-feira de Carnaval, no começo de março, e relatei toda a história, pois que publiquei, conjuntamente, uma conferência do Ricupero, um artigo do FHC e um artigo do próprio chanceler acidental, o antiglobalista olavista, em meu blog, chamando a um debate sobre a política externa do desgoverno Bolsonaro: foi às 2hs da madrugada do domingo de Carnaval; as 8hs da segunda-feira fui avisando de minha saída, o que me trouxe enorme alívio, pois nunca teria contemplado servir a um tropa de lunáticos. Tudo está perfeitamente relatado em meu blog Diplomatizzando, conforme os registros abaixo em minha lista de trabalhos: 

3422. “A política externa brasileira em debate: Ricupero, FHC e Araújo”, Brasília, 4 março 2019, 18 p. Introdução, em 2 p., à transcrição de três textos relativos à política externa do governo Bolsonaro, de Rubens Ricupero (25/02/2019), de Fernando Henrique Cardoso (03/03/2019), e do chanceler Ernesto Araújo (3/03/2019). Postado no blog Diplomatizzando (4/03/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/a-politica-externa-brasileira-em-debate.html); disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/70710c9869/a-politica-externa-brasileira-em-debate-ricupero-fhc-e-araujo).

3423. “Nota sobre minha exoneração como diretor do IPRI”, Brasília, 4 março 2019, 1 p. Explicando o que se passou. Divulgado no blog Diplomatizzando (4/03/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/nota-sobre-minha-exoneracao-como.html).

 

5 Com Lula e Celso Amorim, estamos de volta aos tempos de Sukarno, Nasser e Mao Zedong, aos tempos da Conferência de Bandung, na Indonésia, e de mitos nascidos a partir dali?

PRA: Não exatamente, pois o Itamaraty nunca fez parte do Movimento Não Alinhado, nem a China, por sinal, ainda que ela tenha estado na conferência de Bandung, em 1955. Mas, o MNA surge apenas em 1961, com Tito, Nasser, Sukarno e Nehru, principalmente, mas o Brasil sempre foi apenas um observador no MNA. Lula e Celso Amorim pretendiam, nos dois primeiros mandatos, retomar a chamada Política Externa Independente, de Afonso Arinos e San Tiago Dantas, do início dos anos 1960, mas ela foi apenas um arremedo de independência, pois eles vincularam muito fortemente a diplomacia brasileira aos interesses cubanos e chavistas. Atualmente, parece se deteriorar ainda mais, pois o Brasil de Lula e Amorim, supostamente não alinhado, acaba de alinhar ainda mais fortemente o país a duas grandes autocracias, China e Rússia, e a mais meia dúzia de governos altamente suspeitos em suas respectivas orientações de política externa, num projeto pelo menos esquizofrênico: o de criar uma “nova ordem global”, o que supõe que pretendem denunciar a atual ordem mundial e substituí-la por outra, cuja natureza exata desconhecemos; mas esses países não pretendem usar o dólar como moeda em seus intercâmbios externos respectivos.

 

6 Você fala de erros fundamentais do governo de Lula em matéria de política internacional, inclusive no lance dos BRICS. Você pode nos resumir quais são esses equívocos? No afã de se contrapor à hegemonia norte-americana, Lula está se curvando a uma hegemonia chinesa?

PRA: Denunciei desde o início essa ideia de um BRIC, como um equívoco estratégico elementar do primeiro Lula, depois consolidado na gaiola de ferro do BRICS, a partir de 2011, e agora transformado numa armadilha chinesa sob a forma do BRICS+, devotado, como já está dito na pergunta, ao antiamericanismo mais pueril e anacrônico. Lula não pretenderia se dobrar a uma hegemonia chinesa, mas a dependência do Brasil no tocando aos saldos comerciais absolutamente indispensáveis ao equilíbrio da balança de transações correntes tem essa consequência involuntária. O pior, na verdade, é a neutralidade hipócrita, inteiramente e objetivamente favorável à Rússia do criminoso de guerra Putin, em sua guerra de agressão contra a vizinha Ucrânia, o que o transforma em novo Hitler do século XXI. A diplomacia brasileira já esteve em melhores companhias. 

 

7 No caso da guerra da Rússia contra a Ucrânia, podemos dizer que o Brasil, no momento em que ignora as sanções econômicas do mundo ocidental à Rússia e em que compra cada vez mais na mão dos russos, está tomando partido não só diplomaticamente, mas objetivamente, em termos materiais, financeiros, ao lado da ditadura de Putin?

PRA: A postura do Brasil tem mais nuances, ou matizes, pois que a doutrina jurídica da diplomacia profissional fez com que o país aderisse às resoluções da Assembleia Geral da ONU (que são puramente simbólicas) condenando a Rússia pela invasão desde o governo Bolsonaro, mas na prática o Brasil realmente se comporta como um aliado objetivo do invasor e do destruidor da Ucrânia e massacrador do seu povo. Lula, desde que assumiu, fez muito pior do que Bolsonaro, que tinha declarado “solidariedade à Rússia”, mas importou combustíveis e fertilizantes naquele momento de altos preços, e por razões puramente eleitoreiras; Lula aumentou enormemente a importação de combustíveis russos, e se opôs a conversar com Zelensky, o que significa que apoia abertamente a guerra de agressão da Rússia. Isto não passou despercebido pela maior parte dos nossos parceiros ocidentais.

 

8 Você é mais conhecido por suas intervenções no campo da análise e das discussões do Brasil no sistema das relações internacionais. Mas na verdade você tem se manifestado também sobre outros temas. Em meu livro “Em Busca da Nação”, por exemplo, cito um belo texto seu, “A Ignorância Letrada”, sobre a deterioração da qualidade na universidade brasileira na área de “humanas”. Esta universidade, que já foi lugar de inquietude e criatividade, hoje é o túmulo da liberdade intelectual. Como você analisa esse processo?

PRA: Eu, como acadêmico e sociólogo, venho do marxismo, mas nunca fui dogmático, e ao lado de Marx e Lênin, sempre li Raymond Aron e Roberto Campos, o que resultou numa cultura política altamente eclética, que poderia ser classificada de liberal em economia – não apenas pelo estudo, mas pela observação direta dos regimes socialistas realmente existentes, uma miséria material, mas sobretudo uma miséria moral –, socialdemocrata em política, sem qualquer partidarismo, e anarquista em cultura, um pouco como Merquior – a quem nunca conheci – se definia pessoalmente. 

Acompanhei, ao longo das últimas cinco décadas, a deterioração da qualidade de nossa academia, essencialmente nas áreas das humanidades e das ciências sociais, ainda que eu respeite os grandes valores, também ecléticos, que mantêm uma aura de respeitabilidade em diversas instituições públicas e privadas. Mas, como egresso da velha escola pública republicana dos anos 1950 e começo dos 1970, espanta-me constatar que, hoje, um jovem vindo de família pobre, como eu era naqueles idos, não tem a menor chance de aceder a uma universidade pública, salvo casos excepcionais. Todo o meu empenho como cidadão estaria concentrado numa revolução no ensino básico, fundamental e técnico, como condição essencial para retirar o Brasil das agruras do subdesenvolvimento material e espiritual. 

 

9 Você também já abriu mão de uma perspectiva de futuro para o Brasil? Acha que perdemos definitivamente o bonde da história? Ou é dos que pensam que não devemos desistir do Brasil?

PRA: JAMAIS! Outros países vieram da pobreza e, ao longo de uma história de trabalho e de construção da cidadania, souberam construir um presente de relativo bem-estar e de bases razoáveis de uma governança cidadã, com produtividade satisfatória e corrupção controlada. Alguns outros, aqui mesmo na região, saíram de uma pujança outrora alimentada por vantagens comparativas estáticas, para uma decadência inaceitável, feita inteiramente de populismos estéreis, de direita e de esquerda, e hoje amargam uma deterioração econômica e política que pode, no entanto, ser revertida, como outros países conseguiram fazer, à custa de muito trabalho, de lideranças que corresponderam à postura de estadistas, e de um pouco de sorte. Sim, é preciso um pouco de sorte, para tudo de ajeitar como gostaríamos que fosse.

O Brasil por vezes me dá a impressão de ser uma Argentina em marcha lenta, mas assim como, no passado, tivemos lideranças democráticas altamente comprometidas com o desenvolvimento equilibrado do país – cito apenas JK e FHC –, creio que poderemos, com algum esforço educacional e muita vigilância sobre o atual estamento político predatório, e nossas lideranças medíocres, reverter nossa estagnação relativa. O povo brasileiro é dinâmico e muito aberto à modernidade; temos ilhas de excelência – em ciência e tecnologia, no empreendedorismo, nos impulsos de solidariedade social – num mar de pobreza, injustiças, corrupção e muita desigualdade construída pelas oligarquias e pelo próprio Estado, assim que nada nos condena a mergulhar num declínio irreversível, embora estejamos em meio, na atualidade, à exportação de braços e de cérebros. Creio que o aumento gradual, paulatino, dos padrões de qualidade da educação em geral, da pública em especial, fará com que o Brasil, dentro de duas ou três gerações, alcance níveis de bem-estar similares aos países da franja inferior da OCDE atual, o que já seria um tremendo progresso social. 

Todos os meus esforços, durante toda a vida, vindo de uma família realmente muito pobre, estão concentrados em objetivos pedagógicos, no sentido de transmitir aos mais jovens todo o conhecimento acumulado em mais de meio século de estudos, viagens, docência, experiência de trabalho, aprendizado na observação concreta de muitos povos em praticamente todos os continentes. Estou confiante no Brasil, mesmo sabendo que esse futuro não é para mim, nem, provavelmente, para os meus filhos; talvez para os netos e bisnetos; mas ele virá!

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4467, 4 setembro 2023, 7 p.


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