Um século de razões para a derrocada econômica da Argentina
A nação é um caso raro na história econômica mundial: é um país que já foi um dos mais ricos do planeta, e hoje luta contra a pobreza que castiga mais de 40% da população
“Se você sai da Argentina por vinte dias, quando volta, mudou tudo. E quando você sai por vinte anos, quando volta, não mudou nada”. A frase é do escritor Martín Carrapos e, infelizmente, resume o nosso vizinho que tem sofrido com políticas equivocadas que resultam em crises econômicas em série.
A Argentina é um caso raro na história econômica mundial: é um país que já foi um dos mais ricos do planeta, e hoje luta contra a pobreza que castiga mais de 40% da população. E, como todo problema complexo, não há apenas uma razão para essa derrocada econômica.
Economistas citam que um dos primeiros baques econômicos no vizinho foi visto há um século, quando o mundo viu o crash da Bolsa de Nova York, em 1929.
A queda das ações americanas também levou para baixo o preço das commodities que, já naquela época, eram uma marca da Argentina. A recessão vivida após a quebra da bolsa fez despencar a demanda e os preços da carne e do trigo da Argentina.
Essa crise foi um dos principais motivos de irritação social que culminou no golpe militar de 1930. Desde então, esse foi o primeiro dos cinco períodos de governos militares na Argentina. Nesses cinco momentos, a Argentina teve 12 presidentes não civis na presidência.
Os governos militares foram intercalados com outros 20 presidentes civis. Militares e civis adotaram políticas com prioridades que, muitas vezes, eram diferentes – quase opostas, especialmente na economia.
A situação ganha um ingrediente importante – que segue influenciado a Casa Rosada até hoje – no pós-Guerra. Quando Juan Domingo Perón chega ao poder, estabelece-se um governo populista, com expansão do papel do Estado.
O Estado argentino passa a crescer com a estatização de empresas, como as ferrovias, e até propriedades. Com medo, o investidor privado some da Argentina – história que acabará se repetindo outras vezes.
Essa mistura de Estado grande com instabilidade política gera uma combinação muito desconfortável – pelo menos, na cadeira do comando da economia. Entre 1930 e 1983, a Argentina teve uma média de um ministro da Economia a cada dois anos.
Após a chamada “década perdida” da América Latina, a Argentina voltou respirar e ganhou confiança em 1991, quando o ministro Domingo Cavallo colocou na rua o plano de conversibilidade.
A partir daí, um peso passaria a ter o valor de um dólar norte-americano.
Os argentinos passaram a ter sensação de riqueza. A década de 1990 foi o período do “dame dos” – me dê dois, em português. Em férias no Brasil, os vizinhos compravam tudo em dobro porque a moeda deles era forte – ainda que artificialmente.
A moeda era forte, mas a Casa Rosada nunca atacou efetivamente o grande e profundo problema econômico: o déficit fiscal. A Argentina segue gastando muito mais que arrecada, o que explica a elevada inflação – já que o governo basicamente imprime dinheiro para pagar a conta.
Sem resolver esse problema, a Argentina desistiu da conversibilidade dez anos depois. Bloqueou contas bancárias e o dólar deixou de ser a âncora no começo dos anos 2000. Foi o corralito. A partir daí, o peso passou a perder valor sem parar.
Veio o peronismo vestido de kirchnerismo com o casal Néstor e Cristina Kirchner, depois a centro-direita voltou com Maurício Macri, mas os problemas econômicos continuaram.
A pandemia em 2020 e a maior seca em décadas acabaram agravando a situação no país governado por Alberto Fernández. É assim que os argentinos voltarão ao segundo turno em pouco mais de 20 dias.
Em 20 dias, as coisas podem mudar. E tomara que os próximos 20 anos também sejam diferentes.
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