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terça-feira, 3 de outubro de 2023

O Brasil aos olhos do mundo: como era antes, como ficou agora? - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

O Brasil aos olhos do mundo: como era antes, como ficou agora? 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo para a revista Crusoé.

Publicado em 4/08/2023 (link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/275/o-brasil-aos-olhos-do-mundo-como-era-antes-como-ficou-agora/).

  

Todo país, toda nação, exibe uma imagem aos olhos do mundo, por vezes com base em estereótipos simplistas, mas ainda assim identificados com alguma característica da nação em questão. Marco Polo deixou um testemunho direto da China sob a dominação mongol, com alguns exageros involuntários, o que alimentou a curiosidade dos europeus pelo fabuloso Celeste Império. A riqueza em ouro e prata dos impérios pré-colombianos no México e no Peru atuais atiçou a cobiça dos conquistadores ibéricos, prontamente seguidos por piratas e corsários de outros reinos europeus, saqueando galeões carregados dos preciosos metais. 

O Brasil da era do café e seus barões apreciadores dos cabarés de Paris suscitaram a criação de uma figura cenográfica, o “Brésilien d’operette”, o pródigo ricaço do interior, que acendia charutos com notas de 100 francos e bebia champagne nos sapatos das dançarinas de can-can. A prática era tão comum que deu origem ao termo, momentaneamente inscrito nos dicionários franceses, de paulistade, significando gastar à tripa forra nos cabarés. Mais tarde, na fase da aliança com os Estados Unidos da era Vargas, o típico carioca de Carnaval se transmutou no Zé Carioca do Walt Disney, junto com a cantora Carmen Miranda, acolhida por Hollywood, encantando a todos com seus balangandãs e a coroa de frutas na cabeça.

A imagem do Brasil esteve associada, durante muitas décadas, ao Carnaval e às selvas luxuriantes, mais adiante a Pelé, seguramente o brasileiro mais famoso do mundo, no tempo em que a Bossa Nova se juntou ao jazz para brindar ao mundo inteiro os encantos da praia de Ipanema ao ritmo das músicas de Tom Jobim e na voz suave de Astrud Gilberto. A ditadura militar ofuscou muito desse brilho, com a repressão truculenta na política e na cultura, mais as notícias pouco edificantes de extermínio dos indígenas, de destruição ambiental, de pobres dormindo nas ruas. A inflação astronômica, as crises financeiras e da dívida externa também grudaram na imagem do país durante as décadas seguintes, até praticamente o período recente, quando a corrupção política colocou o país, junto a várias ditaduras, nos primeiros lugares do ranking da Transparência Internacional. 

A despeito de tudo isso, nos governos Lula 1 e 2, o prestígio do Brasil aumentou enormemente, em função das viagens do presidente, de sua agenda social e pelo aparente dinamismo econômico, o que fez a Economist ilustrar uma capa de 2010 com a imagem do Cristo Redentor decolando como um foguete. Entretanto, pouco tempo depois, a revista inglesa ilustrou nosso novo declínio, com o mesmo Cristo despencando das alturas. A revista persistiu no ano seguinte, representando a corrupção do PT nos anos Dilma, com uma capa na qual uma passista fantasiada para o Carnaval afundava num pântano tropical. 

A imagem se deteriorou ainda mais a partir do governo Bolsonaro, primeiro pela destruição do meio ambiente e a devastação da Amazônia, pelas queimadas humanamente induzidas, assim como pela negação dos direitos humanos, das minorias em especial, depois pelo negacionismo durante a pandemia, e, de forma mais condenatória ainda, pelas seguidas tentativas golpistas. O capital de simpatia que poderia ter restado em duas ou três décadas de tribulações econômicas e de persistência da corrupção, veio abaixo com o afundamento da credibilidade diplomática do país, não só arranhada, mas praticamente demolida, por um presidente e um chanceler adepto de teorias conspiratórias antiglobalistas e que não se importavam ao ver o país transformado em “pária internacional”. 

Pode-se dizer que o mundo saudou a vitória de Lula, em outubro de 2022, como sendo a “volta do Brasil” ao cenário mundial, em especial na temática ambiental e nas questões sociais, ao mesmo tempo em que se faziam alertas contra as manobras continuístas do presidente derrotado. Raras vezes uma inauguração presidencial recebeu tanta atenção da mídia internacional e com a presença de dirigentes estrangeiros quanto a assunção ao poder de Lula 3 em janeiro de 2023, a despeito de declarações controversas já feitas sobre a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, equiparando ambos os contendores. Mesmo assim, o presidente foi objeto de considerações elogiosas nos meios de comunicação e em declarações de líderes dos principais parceiros do país, todos incluídos numa lista de viagens e visitas que “inflacionou” a agenda diplomática bilateral e a de grupos de países no início de 2023. 

As primeiras reações a um “neutralismo” mal disfarçado em favor do agressor foram cautelosamente moderadas, e Lula foi confirmado como um dos participantes convidados ao encontro deste ano do G7, em Hiroshima, no Japão. Antes dessa reunião, contudo, Lula recebeu em Brasília o ditador venezuelano Nicolas Maduro, com honras de visita de Estado, o que causou estranheza até entre os demais convidados da América do Sul, que ele acolheu no dia seguinte para discutir um improvável retorno da Unasul (que foi, como se sabe, dominada pelos chavistas, até se desacreditar por completo). O presidente brasileiro teve de ouvir de seus colegas chileno (de esquerda) e uruguaio (de direita) um desmentido aberto e cabal em face da “narrativa” que ele tentou apregoar, segundo a qual a Venezuela seria apenas uma democracia como as outras, rechaço que ele também teve de encaixar dos dirigentes de várias democracias ocidentais. Em Hiroshima, Lula fez de tudo para não se encontrar com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, ele sim recebido como um grande estadista de estatura mundial, o que certamente ofuscou o brilho que Lula esperava obter como um potencial líder de um fantasmagórico “Sul Global”. 

Um editorial do Globo, do dia 23 de maio de 2023, resumiu o revés que representou a reunião do G7 para os planos de Lula: “As potências ocidentais que saudaram sua chegada ao poder como um vento benfazejo depois do furacão Jair Bolsonaro já não parecem encará-lo com a mesma deferência. (...) Lula volta de Hiroshima menor do que chegou.” Esta parece ser a imagem que agora passa a marcar o Brasil de Lula no contexto mundial: uma promessa de inclusão no campo das democracias que ficou perdido no pequeno clube dos revisionistas da ordem global liberal. O Brasil já não é o que poderia ter sido...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4415, 13 junho 2023, 3 p.

 

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