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terça-feira, 3 de outubro de 2023

Jimmy Carter: um homem digno na política, o que é raro

 CRISTOVAM BUARQUE E LUCAS DE SOUZA MARTINS 

Carter, 99 anos

Ex-presidente americano mostrou que fazer política exige causa com valores Morais 

Folha de S. Paulo, 2/10/2023


 Ao completar 99 anos de idade neste domingo (1º), Jimmy Carter se perpetua como o mais longevo dos ex-mandatários de seu país. Comemorar seu aniversário e seu legado é celebrar a boa política. Entre todos os presidentes norte-americanos, nenhum teve um mandato tão digno e uma pós-presidência tão exemplar quanto ele. Seu ativismo pelo que é correto, aliás, precede o seu tempo na Casa Branca. Ao se tornar governador de seu estado natal, a Geórgia, passou a comandar uma região que convivia com as assombrações políticas de um passado segregacionista. "O tempo de discriminação racial acabou", disse ele em seu discurso de posse em 1971. 

Apenas três anos antes, um conterrâneo famoso, o reverendo Martin Luther King, havia sido assassinado por seu ativismo em nome da igualdade racial. Carter ousou ao inserir um retrato de King no Capitólio estadual e se tornou foco de protestos da Ku Klux Klan. Até então, nenhum afro-americano tinha recebido tal homenagem no prédio que abriga os Poderes Executivo e Legislativo da Geórgia, um ex-estado confederado que lutou contra Abraham Lincoln na Guerra Civil. Ao vencer as eleições presidenciais de 1976, Carter representou o triunfo da moralidade em um cenário político delicado. Seu adversário, o presidente e republicano Gerald Ford, chegou a usar do cargo para perdoar o antecessor do mesmo partido, Richard Nixon, implicado com o escândalo do Watergate. 

No cargo, Jimmy Carter foi o primeiro presidente na história dos Estados Unidos a colocar o tema dos direitos humanos como prioridade de Estado. Carter foi um amigo do Brasil democrático. Suas reiteradas condenações a ditaduras na América Latina motivaram o rompimento do Acordo Militar Brasil-EUA (1952) pelo governo brasileiro em 1977. Em visita oficial no mesmo ano, a primeira-dama Rosalynn —escoltada por oficiais do Exército— se encontrou com o arcebispo dom Helder Câmara, em Recife. Em 1978, foi a vez do presidente dos EUA insistir em se encontrar com ativistas pró-democracia em solo brasileiro, no caso o arcebispo dom Paulo Evaristo Arns e o reverendo Jaime Wright. 

 Fora do poder, após perder a eleição presidencial para Ronald Reagan em 1980, Carter demonstrou que seu propósito de vida em prol do aperfeiçoamento da democracia não se limitava a cargos eletivos. Ao criar o Centro Carter dois anos depois, o ex-presidente se engajou na luta contra doenças raras na África e Ásia e em missões de legitimidade e transparência eleitoral pela América Latina. Por esse trabalho incansável, duas décadas após deixar a presidência, recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em 2002. Nem o avançar de sua idade impediu o mundo de ouvi-lo sobre os desafios atuais e os perigos do radicalismo político. "Temo que aquilo pelo qual lutamos mundialmente —o direito de eleições livres e justas— tenham se tornado perigosamente frágeis internamente", escreveu o ex-presidente em 2022 para o The New York Times. 

Mais recentemente, nas eleições brasileiras do último ano, o Centro Carter esteve presente no país como observador eleitoral ao lado de delegações da OEA (Organização dos Estados Americanos), do Mercosul e do Ifes (International Foundation for Electoral Systems). Ao celebrarmos seus 99 anos, é notório que o grande exemplo de Carter foi colocar a moral na frente da política interna e dos interesses nacionais de seu país. Talvez por isso perdeu a disputa pela reeleição, mas deixou a marca para as novas gerações: o exercício da política não se justifica sem uma causa com valores morais. 

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