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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

A Casa de Rio Branco recebe Celso Lafer - Paulo Roberto de Almeida

A Casa de Rio Branco recebe Celso Lafer

Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI)
(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)
 [Objetivo: saudação em cerimônia; finalidade: digressões sobre sua obra]


No dia 19 de dezembro de 2018, num evento da série “Diálogos Internacionais” do IPRI, que provavelmente se constituiu em seu último evento do ano, do governo, e talvez do regime, o Instituto Rio Branco recebeu o ex-chanceler Celso Lafer, para o lançamento de seu livro em dois volumes: 
Celso Lafer, Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação (Brasília: Funag, 2018, 2 vols., 1437 p.; lo. vol., ISBN: 978-85-7631-787-6; 762 p.; 2o. vol., ISBN: 978-85-7631-788-3, 675 p.), 2o. vol., p. 1335-1347.
Presentes à cerimônia, o Secretário Geral das Relações Exteriores, embaixador Marcos Bezerra Abott Galvão, o diretor do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD-RJ), embaixador Gelson Fonseca Jr, o diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), a diretora do Instituto Rio Branco, Gisela Padovan, a vice-presidente do STJ, Dra. Maria Thereza de Assis Moura, o Procurador Geral, designado, da Fazenda Nacional, Prof. José Levi Mello Júnior, e o próprio homenageado, ex-chanceler Celso Lafer. O ministro de Estado tinha um compromisso no momento da abertura, mas passou mais tarde para cumprimentar. Para ocasião, alguns textos tinham sido preparados para leitura na cerimônia, mas não foram usados, para deixar mais tempo para o debate com o autor, ex-chanceler e um dos "founding fathers" das relações internacionais no Brasil.
Estão aqui reunidos, portanto, duas alocuções diferentes, mas que podem ser vistas como complementares, unidas pelo mesmo objetivo substantivo: apresentar a obra e homenagear seu autor. São transcritas para conhecimento dos interessados.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de dezembro de 2018


Esta é a terceira vez, nos últimos vinte meses, em que o ex-chanceler, por duas vezes, e ex-representante brasileiro na missão em Genebra, Celso Lafer, vem a este auditório para uma atividade organizada pelo IPRI. 
A primeira vez, no âmbito deste governo – e foi realmente a primeira depois de mais de treze anos afastado de qualquer convívio com a Casa que foi a sua em dois governos anteriores a 2003 –, foi em março do ano passado, quando o IPRI organizou, em cooperação com a Casa Stefan Zweig de Petrópolis, uma homenagem ao grande escritor austríaco da primeira metade do século XX, por ocasião dos 75 anos de sua morte em Petrópolis, no Carnaval de 1942. 
Naquela oportunidade, se estava lançando o livro, A Unidade Espiritual do Mundo, da Casa Stefan Zweig, uma edição primorosa, em cinco línguas, com textos de Alberto Dines e de Celso Lafer, sob os cuidados editoriais de Israel Beloch, e que trazia a conferência que, sob esse título, Zweig fez no Rio de Janeiro, na primeira vez em que aqui esteve, em 1936, a caminho de um congresso do Pen Club Internacional, em Buenos Aires. O grande debate realizado na capital argentina, como revelado no filme de Maria Schrader, “Stefan Zweig: Adeus Europa”, estava centrado na atitude que deveriam adotar os escritores e intelectuais em face da ascensão ameaçadora dos regimes autoritários, totalitários e antissemitas, quando Stefan Zweig já se tinha antecipado à incorporação da sua Áustria natal ao império nazista de Hitler, e buscado refúgio em países democráticos, primeiro na Inglaterra, depois nos Estados Unidos, para finalmente aportar no Brasil do Estado Novo. 
Essa conferência, “A unidade espiritual do mundo”, escrita em alemão, mas pronunciada em francês, na passagem de Zweig pelo Rio de Janeiro, foi objeto de uma belíssima introdução por Celso Lafer, por ele resumida neste mesmo auditório em 21 de março de 2017, na companhia da diretora da Casa Stefan Zweig, de Petrópolis, e tradutora de várias obras de Stefan Zweig, Kristina Michahelles, e do editor da obra multilínguas, Israel Beloch, que apresentou pela primeira vez a reprodução fac-similar desse libelo de Zweig contra as guerras e os conflitos entre povos, culturas e religiões. Pouco antes dessa magnífica edição da pungente mensagem pela paz de Stefan Zweig, a Editora Versal – a mesma que publicou a obra clássica do embaixador Rubens Ricupero sobre A Diplomacia na Construção do Brasil, 1750, 2016 – havia publicado um pequeno volume contendo as crônicas de Zweig quando de sua primeira visita ao Brasil, em 1936, quando foi recebido pelo então chanceler José Carlos de Macedo Soares, assim como um outro livro, contendo a troca de correspondência, durante vários anos, entre Zweig e sua primeira mulher, Friderike, uma intelectual como ele. Alguns anos antes, Alberto Dines havia tomada a iniciativa de reunir um grupo de intelectuais, no quadro do Forum Nacional do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, para discutir o único livro que Stefan Zweig havia escrito sobre o Brasil, uma espécie de homenagem ao país que o acolheu, e que ele considerava um “país de futuro”. Aparentemente, continuamos a ser um país de futuro, senão do futuro...

A segunda vez que tivemos o prazer de recepcionar o embaixador e professor emérito Celso Lafer neste mesmo auditório foi em abril deste ano, para a sua palestra no âmbito da série “Percursos Diplomáticos”, disponível em vídeo, como todas as demais palestras dessa série, no site do IPRI. Foi a partir daí, justamente, que começou a germinar a ideia de se reunir os mais importantes escritos “laferianos”, ao longo de mais de meio século de atividades contínuas e constantes em torno dos grandes temas da política internacional e da política externa do Brasil, textos até aqui dispersos nos mais diferentes veículos, para publicá-los numa coletânea a cargo da Funag. 
Esta é a publicação que estamos lançando hoje, depois de vários meses de um intenso trabalho de lapidação por parte do IPRI, mas que reúne apenas uma pequena parte da gigantesca produção intelectual já acumulada por Celso Lafer ao longo das últimas décadas, quando ele se desempenhou, não apenas como o mais importante especialista brasileiro nos temas que figuram no título desta obra, “Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira”, mas também como chanceler, duas vezes, a primeira em 1992, depois em 2001 e 2002, e também como representante do Brasil em Genebra na fase intermediária. 
Todos nós, diplomatas de carreira, servidores ocasionais da política externa do Brasil, ou simples estudiosos nesse amplo universo da interface externa do Brasil, somos devedores de Celso Lafer, que pode ser considerado uma espécie de “founding father” da disciplina de relações internacionais no Brasil. Todos nós, os nascidos nos últimos cinquenta anos, e mesmo os nascidos antes, tivemos a oportunidade, talvez até a obrigatoriedade, de ler, ou de reler, de estudar e refletir sobre alguns dos seus muitos escritos nas três áreas que compõem o título comum destes dois volumes. Celso Lafer é coetâneo e indissociável do processo de construção, de formação e de expansão da disciplina Relações Internacionais no Brasil. Mais do que isso: ele é indispensável e incontornável na floração e na consolidação da teoria e sobretudo da prática das relações internacionais do Brasil. 
O subtítulo da obra não é menos significativo dessa dupla associação de Celso Lafer ao edifício em permanente construção: pensamento e ação. É isso que cada ensaio acadêmico, cada palestra ou entrevista concedida, cada artigo de jornal aqui reproduzido oferece agora aos leitores numa coletânea parcial de um universo bem maior: uma janela de oportunidade para se adentrar na informação, na reflexão e nas lições que podem ser oferecidas por alguém que, mais do que apenas escrever sobre as três áreas contempladas na coletânea, foi parte integrante do processo decisório de política externa, guiou na prática a diplomacia brasileira em momentos relevantes de nossa história recente e teve a chance de oferecer a sua vis directiva para a ação concreta que um país como o Brasil necessita adotar e tomar no plano externo. Temos também pequenos retratos e homenagens a atores e autores nas mesmas áreas-chave em que trabalhou o professor Celso Lafer, entre eles o embaixador Gelson Fonseca, aqui presente, amigo e colaborador em alguns dos seus escritos.
Por todas estas razões, somos gratos ao professor Celso Lafer por ter dado à nossa editora de livros diplomáticos, a Fundação Alexandre de Gusmão, a chance de publicar uma pequena parte de sua imensa obra já consagrada na história teórica e prática das relações internacionais. Depois de muito tempo dispersos em uma multiplicidade de plataformas editoriais, seus escritos, agora reunidos graças ao empenho do IPRI, são colocados à disposição da grande comunidade de estudiosos e praticantes da ação internacional do Brasil. Que este livro, como a anterior coletânea de textos do chanceler Oswaldo Aranha, publicada no ano passado em esforço similar conduzido pelo IPRI, sirva como referência de estudo, de informação histórica e d guia para a ação de nossos diplomatas e pesquisadores nesse universo. 

Caro embaixador, professor e amigo Celso Lafer: as portas do Itamaraty e do Instituto Rio Branco estão e continuarão abertos a novas incursões suas na Casa de Rio Branco, assim como os serviços editoriais da Funag e do IPRI continuarão receptivos à publicação de seus outros escritos em todos esses temas nos que exibimos, para usar a famosa expressão de Goethe, reproduzida por Max Weber, “afinidades eletivas”. Aliás, podemos dizer que essas afinidades são mais do que simplesmente eletivas; elas são impositivas, até mesmo obrigatórias, uma vez que a vida intelectual, as atividades acadêmicas e profissionais, assim como o exercício ocasional de Celso Lafer, como servidor do Estado brasileiro em diversos momentos de sua rica trajetória, estão indelevelmente ligados à própria história do Itamaraty nas últimas décadas. Não dispensaremos essa interação, em qualquer formato que seja, no futuro previsível. 

José Mindlin, o grande bibliófilo brasileiro que legou sua imensa biblioteca para deleite de paulistanos, paulistas e demais visitantes da Brasiliana Guita e José Mindlin da USP, e a quem Celso Lafer conhecia muito bem, tinha um famoso ex-libris tomado de empréstimo a um outro amigo dos livros, Montaigne. Esse ex-libris reproduzia uma frase que o célebre ensaísta tinha usado no livro II dos Ensaios, e que o sábio recluso havia feito inscrever em sua torre-refúgio: “Je ne fais rien sans gayeté”. 
De Celso Lafer se poderia dizer: “Il ne fait rien sans finesse”. De fato, o que mais caracteriza nosso homenageado de hoje é sua extrema delicadeza, sua educação exemplar, mesmo em direção de seus detratores, como constatei mais de uma vez lendo ou relendo alguns de seus artigos que me foram dados alinhar nesta coletânea exemplar, que eu já chamei de Halb Gesamtwerke. Não que ele tenha, pessoalmente, inimigos, pois uma pessoa tão finamente educada quanto Celso Lafer seria incapaz de ter adversários pessoais. E mesmo que os tivesse, ele os trataria tão educadamente quanto sempre nos tratou a todos nós, diplomatas e não diplomatas, ao longo de uma carreira exemplar de servidor público, de ministro de Estado das Relações Exteriores, duas vezes, de embaixador em Genebra, de ministro da Indústria e do Desenvolvimento. 
Nos treze anos e meio em que durou essa coisa que eu designei de lulopetismo diplomático, esses adversários foram extremamente rudes com sua gestão e a própria pessoa de Celso Lafer, não poupando-o das invectivas mais ridículas, apenas para se jactarem de um soberanismo tão falso quanto sua suposta altivez. Pois Celso Lafer sempre examinou com extrema elegância as posições equivocadas que esses detratores defendiam na política externa, avaliando em termos firmes, mas sóbrios e educados, uma diplomacia que tinha muito mais de transpiração do que de inspiração, muito mais de pirotecnia ideológica que de fundamentação nos interesses concretos do Brasil. A cada ofensiva maldosa, Celso Lafer respondia com um artigo elegante, mostrando a inconsistência das posições defendidas pelos lulopetistas, sem jamais descambar para uma palavra grosseira, ou alguma resposta mais contundente, como eu mesmo fiz, aliás.
Celso Lafer ne fait rien sans finesse, e é isso que transparece em cada uma das 1.400 páginas desta obra de referência que eu tive o imenso prazer de ajudar a compor ao longo de muitas noites de leitura agradável, até a maratona final da composição do índice onomástico, através do qual eu pude avaliar a intensidade de trocas intelectuais que este grande intelectual manteve com alguns de seus grandes amigos em espírito, e vários deles em carne e osso. Se eu passei várias noites na companhia de Celso Lafer, relendo, revisando ortograficamente e ajustando as remissões bibliográficas de uma centena e uma dúzia de ensaios e artigos redigidos no decorrer de quase meio século de intenso trabalho intelectual, pude perceber, na montagem do índice onomástico, que ele também passou noite e noites na companhia de atores e autores dos mais respeitáveis. 
Em primeiro lugar, aparece a inefável Hannah Arendt, que vem contemplada com nada menos de que uma centena de citações e remissões, em seis linhas completas do índice que consta ao final do livro. Depois vem o circunspecto Raymond Aron, que tem direito a seis dezenas de citações, nas cinco linhas que ganhou no mesmo índice. Norberto Bobbio já é um caso notório de afinidade eletiva, que eu não hesitaria em classificar de obsessiva: são mais de noventa remissões, em oito linhas cheias. Não vamos esquecer os presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, a quem Celso Lafer serviu nas duas oportunidades em que ocupou a cadeira de Rio Branco, contemplados cada um com mais de uma dúzia e meia de remissões; vou deixar um outro presidente de lado. Tem também seu amigo e coautor Gelson Fonseca, com seu lote de citações apropriadas. Hobbes, maldosamente, deixa Hegel para trás, mas Kant supera a ambos, tranquilamente, mesmo incluindo Maquiavel nesse clube. Helio Jaguaribe ganha de Rui Barbosa, e Henry Kissinger perde de Juscelino Kubitschek, mas eles jogam em ligas diferentes. O incontornável Marx perde para o socialista Antonio Candido. Entre outros amigos, Miguel Reale ganha “por una cabeza” de Octavio Paz, mas cabe não esquecer os muitas vezes citados San Tiago Dantas, Rubens Ricupero e José Guilherme Merquior. Juca Paranhos, o barão, corre longe na dianteira do visconde, seu pai. Por fim, não podia faltar o grande Camões, citado em vários versos e estrofes, e desde a Introdução, quando Celso Lafer explica como foi feita esta obra: 

O livro é, assim, no seu conjunto, o resultado da interação entre pensamento e ação, o fruto, como diria Camões em Os Lusíadas, de “honesto estudo/com longa experiência misturado”.

A preparação editorial, a uniformização ortográfica, a complementação da informação bibliográfica com notas remissivas e outros requisitos próprios à finalização dos originais para impressão, tomaram algumas semanas de trabalho, e quero aqui registrar a importante ajuda do historiador Rogério de Souza Farias, assim como de diversos outros assistentes e estagiários do IPRI, cujos nomes comparecem na página de expediente. Devo dizer que tive especial prazer em passar essas proveitosas semanas, vários noites seguidas, na companhia de ensaios e artigos que estava relendo, ou lendo pela primeira vez, o que me permitiu refletir novamente sobre minha própria formação intelectual em temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, o que também foi o caso de muitos, senão todos os colegas de carreira, e de milhares de estudantes, em todo o Brasil que se beneficiaram, quando não fizeram copy and paste, destas dezenas de escritos de Celso Lafer. 
Dizem que Winston Churchill escreveu, ou ditou, seis milhões de palavras, ao longo de uma vida aventurosa como repórter militar, como parlamentar durante 55 anos ininterruptos, como ministro duas vezes, antes como Lorde do Almirantado, seguido de uma infeliz passagem pelo Tesouro, depois como chefe de um gabinete de coalizão e líder militar supremo na hora mais sombria da Grã-Bretanha, finalmente como grande estadista aposentado: seis milhões de palavras. Eu ainda não comecei a contar o volume de palavras já redigidas por Celso Lafer, ou decifradas por suas secretárias a partir de sua escrita de médico, mas se juntarmos tudo, em volumes alinhados um a um, o conjunto certamente ultrapassaria os 137 tomos das Obras Completas de Rui Barbosa, ou outros tantos dos Comentários à Constituição Brasileira de Pontes de Miranda. No que se refere apenas aos dois volumes que estamos publicando, eu contei 335.400 palavras, e ainda não estamos falando de uma verdadeira Gesamtwerke da produção laferiana acumulada ao longo de uma rica vida intelectual. 
Aposto como, contando tudo, chegaríamos a um Oceano Pacífico de palavras cuidadosamente redigidas no decorrer do último meio século, em face do qual estes dois volumes não representam senão um modesto Lago Tiberíades, para não ficarmos muito longe do Mar Morto, se essa aproximação pode ser feita sem problemas geopolíticos. Em todo caso, no campo das relações internacionais, da política externa do Brasil e da sua diplomacia ninguém chegou perto da quantidade e da qualidade da prolífica produção intelectual de Celso Lafer. Estes dois volumes constituem, portanto, uma pequena amostra, um aperitivo, de uma obra bem mais vasta, que ainda precisa ser compilada pelos muitos admiradores dos escritos laferianos, que agora se encontram à disposição de todos os estudantes, dos pesquisadores e dos profissionais diplomáticos, que somos nós, e dos milhares de candidatos à carreira pelo Brasil afora. Todos podem descarregar os volumes na Biblioteca Digital da Funag, ou adquirir a obra impressa, pela modesta e incômoda soma de R$ 31,00 o exemplar, mas só em dinheiro.
Montaigne ne faisait rien sans gayeté, como nos lembrou José Mindlin, por meio de seu ex-libris. Eu me permito aqui citar esta passagem do livro II, capítulo X, dos Essais, que trata justamente dos livros e das dificuldades em lê-los: 
Les difficultés, si j’en rencontre en lisant, je n’en ronge pas mes ongles : je les laisse là, après leur avoir fait une charge ou deux. Si je me plantais, je m’y perdrais, et le temps, car j’ai un esprit primesautier. Ce que je ne vois de la première charge, je le vois moins en m’y obstinant. Je ne fais rien sans gayeté.

Eu também tento fazer do IPRI a minha boutique de divertissement intellectuel, ou seja, sempre encontrar um motivo de divertimento intelectual no trabalho que faço, com todo o prazer permitido pela nossa burocracia lusitana, mas sem precisar ronger mes ongles. Quanto a Celso Lafer, eu posso afirmar novamente que ele ne fait rien sans finesse ou sans éducation. 
Parbleu,  je me plais d’être son ami !
Merci à tous!

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 8 e 14 de dezembro de 2018

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Carreira na diplomacia: ingresso, requerimentos, desempenho - acessos a texto PRA

A plataforma Academia.edu sempre envia um aviso caso alguma inserção receba um número inusitado de acessos em pouco tempo.
Acabo de receber este aviso dessa ferramenta de interação acadêmica:

Hi Paulo Roberto, 
Congratulations! You uploaded your paper 2 days ago and it is already gaining traction. 
Total views since upload: 
You got 40 views from Brazil, Mozambique, Morocco, France, the United Kingdom, and Senegal on "Carreira na diplomacia: ingresso, requerimentos, desempenho". 
Thanks,
The Academia.edu Team
O trabalho pode ser descarregado nos seguintes links:
Plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/37089699/Carreira_na_diplomacia_ingresso_requerimentos_desempenho)

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

O Brasil e a Corte Permanente de Arbitragem - seminario, Instituto Rio Branco, 25/08, 9hs

Inscrições abertas para o seminário “O Brasil e a Corte Permanente de Arbitragem: 110 anos de cooperação”
bannersite Brasil Corte
A Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG), em parceria com a Divisão das Nações Unidas (DNU) do Ministério das Relações Exteriores, o Instituto Rio Branco (IRBr) e a Corte Permanente de Arbitragem (CPA), realizará o seminário “O Brasil e a Corte Permanente de Arbitragem: 110 Anos de Cooperação”, em 25 de agosto, às 9h, no auditório do IRBr.
O secretário-geral da CPA, Hugo Siblesz, fará o discurso de abertura. Compõe a mesa os demais membros: o presidente da FUNAG, embaixador Sérgio Eduardo Moreira Lima, o diretor do Instituto Rio Branco, embaixador José Estanislau do Amaral e Souza Neto, e a diretora do Departamento de Organismos Internacionais, embaixadora Maria Luisa Escorel de Moraes.
O evento será dividido em dois painéis: O primeiro abordará os “110 anos da II Conferência de Paz e participação de Rui Barbosa”, tendo como moderador o consultor jurídico do Itamaraty, professor George Galindo. Foram convidados para discorrer sobre o tema, o professor Celso Lafer; Antônio Augusto Cançado Trindade, professor e juiz da Corte Internacional de Justiça; e o embaixador Carlos Henrique Cardim.
O chefe da Divisão das Nações Unidas, ministro Eugênio Vargas Garcia, será o moderador do segundo painel e tratará o tema “CPA e Brasil: perspectivas futuras” com o secretário-geral da CPA e os professores Eduardo Grebler e Nádia de Araújo.
Arbitragem Internacional
À tarde, a CPA oferecerá workshop sobre arbitragem internacional com vagas limitadas a 40 participantes.
O objetivo do workshop é dar aos participantes uma visão prática dos princípios gerais da arbitragem e das diferentes formas de arbitragem internacional e do trabalho da Corte. O curso será voltado para servidores e profissionais com qualificação jurídica, podendo ser aceita a inscrição de estudantes caso haja vagas disponíveis.
Ao final do curso, os participantes terão adquirido experiências técnicas para analisar questões procedimentais comuns que podem surgir em um processo arbitral internacional. O curso será ministrado em português.
Inscreva-se aqui para o seminário e o workshop.

domingo, 20 de agosto de 2017

Um outro inedito (de 2002): palestra no Instituto Rio Branco - Paulo Roberto de Almeida

Creio que o texto transcrito abaixo -- que nunca foi lido, em sua íntegra, apenas serviu de guia, nem nunca tinha sido publicado -- constituiu meu último pronunciamento formal na academia diplomática brasileira, o Instituto Rio Branco, feito a convite de seu então diretor-geral, embaixador João Almino.
Eu tinha acabado de publicar, ainda servindo em Washington, meu grande "tijolo" de pesquisa historiográfica sobre a formação da diplomacia econômica no Brasil, e não o havia lançado, por estar no exterior. Mas já vinha colaborando com o Instituto Rio Branco, que então recém iniciava seu experimento (que durou dez anos apenas) de "mestrado em diplomacia", do qual eu era, estando no exterior, apenas um "professor orientador", antes de, eventualmente, tornar-me professor.
Lembro-me que nessa ocasião, quando vim ao Brasil, reuni-me separadamente com cinco ou seis "mestrandos", para discutir projetos de dissertação, bibliografia, orientações metodológicas, etc. Aprovei integralmente os projetos, com uma única exceção (mas isso talvez tenha sido um pouco mais tarde): um projeto que se situava na linha do FOCEM do Mercosul, que eu julgo um tremendo erro estratégico do lulopetismo diplomático, pois que implementado bem depois.
Um ano depois dessa palestra aos alunos do Rio Branco, da qual retirei grande prazer intelectual, eu recebi, do diretor-geral do IRBr o honroso convite para ser uma espécie (digo isto porque não havia DAS disponível, uma vez que o novo regime lulopetista havia feito um "rapa-tudo" geral em DAS da Esplanada, para servir aos novos companheiros no governo, certamente) de "coordenador do mestrado do Rio Branco".
Mesmo sem designação formal, pela ausência do já referido DAS, aceitei com satisfação, em vista de minhas naturais inclinações ao trabalho acadêmico e intelectual. Isso deve ter sido em abril de 2003, já sob a vigência, portanto, do novo regime companheiro.
Qual não foi minha surpresa quando, poucos dias depois, o mesmo diretor-geral me telefona a Washington todo constrangido para me anunciar que o "Secretário-Geral do Itamaraty tinha outras ideias a respeito desse cargo que eu viria a ocupar", o que revelava, em todo caso, que o convite estava desfeito e o novo cargo suprimido, ou pelo menos não a mim destinado.
Logo percebi que se tratava de um veto político, em vista de minhas conhecidas posições em diplomacia, e especificamente em relação à "diplomacia" do Partido dos Trabalhadores, que eu já tinha examinado em diversos artigos anteriores, todos de cunho rigorosamente acadêmico.
Dispensei o diretor-geral do IRBr de maiores considerações a respeito, e permaneci em Washington por mais alguns meses, até receber um convite para trabalhar numa "coisa" chamada "Núcleo de Assuntos Estratégicos", vinculado diretamente à Presidência da República. Um dia contarei minha experiência no NAE.
No momento pretendo apenas transcrever um texto que permaneceu rigorosamente inédito, e que se destinava, em princípio a apresentar meu livro "Formação da Diplomacia Econômica no Brasil" (em 1a. edição, agora já caminhando para a 3a.), mas no qual eu ia um pouco mais além, tecendo considerações sobre nossa diplomacia econômica da atualidade.
O registro é puramente histórico.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de agosto de 2017


Palestra proferida pelo
Ministro Conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington

Paulo Roberto de Almeida


DIPLOMACIA ECONÔMICA BRASILEIRA: LIÇÕES DA HISTÓRIA

Instituto Rio Branco
Brasília
2 de abril de 2002, 9:15 hs



Gostaria, antes de mais nada, de agradecer ao Ministro João Almino, Diretor do Instituto Rio Branco e de quem tenho o prazer de ser amigo desde os tempos em que ambos nos ocupávamos de dissertações acadêmicas sobre questões do desenvolvimento político brasileiro, o gentil acolhimento feito a esta idéia de, não propriamente lançar aqui um de meus livros, mas, mais justamente, de abrir esta oportunidade de manter um diálogo com todos vocês, alunos do Rio Branco, bem como com alguns dos demais colegas desta Casa. Um diálogo sobre algumas das lições que eu mesmo aprendi em longos anos de pesquisa sobre os fundamentos da diplomacia econômica no Brasil e sobre como esses fundamentos influenciam ainda hoje, e poderosamente, a forma e a substância de nossas relações econômicas internacionais. Apesar de já ter sido professor de sociologia política nesta Academia Diplomática, no seguimento de outros nomes de prestígio como Marcílio Marques Moreira e o Professor José Carlos Brandi Aleixo, trata-se esta da primeira vez que a ela me dirijo enquanto diplomata, mas sobretudo enquanto pesquisador e como autor.
Ao iniciar esta palestra, que prefiro seja considerada um diálogo com colegas, ainda que diplomatas aprendizes, creio dever explicar, em primeiro lugar, como veio a ser escrito este Formação da Diplomacia Econômica no Brasil, este volume maciço que demorou alguns anos para ser editado e que veio a lume graças ao empenho em tal sentido por parte da Fundação Alexandre de Gusmão, a quem igualmente gostaria de agradecer na pessoa do Embaixador Álvaro da Costa Franco, seu antigo Diretor, antes que a Embaixadora Tereza Quintela viesse a assumir a responsabilidade por essa instituição, sob a qual funciona o Instituto de Pesquisas em Relações Internacionais, o IPRI, a outra “alma mater” da pesquisa acadêmica e das reflexões diplomáticas de nossa Casa.
Este livro deriva obviamente de meu continuado trabalho como pesquisador, não mais na categoria de sociólogo eventual, mas enquanto historiador aprendiz, em torno dos elementos básicos que moldaram a postura da diplomacia brasileira na frente econômica externa. Na verdade, o projeto não deveria tratar do século XIX, e sim do período contemporâneo, da história mais imediata, pois que foi concebido, num primeiro esquema, no contexto das etapas conclusivas da Rodada Uruguai de negociações comerciais multilaterais. Em 1992 eu tinha traçado um ambicioso programa de trabalho que deveria levar-me a expor criticamente e a discutir os métodos de atuação e os princípios diretrizes da diplomacia econômica brasileira em ação. Elaborado o projeto inicial, traçado um roteiro de pesquisas e redigido dois questionários de entrevistas (um para diplomatas, outro para não diplomatas), coloquei-me em campo para justamente entrevistar os atores, os protagonistas e os formuladores da diplomacia econômica então em ação.
Qual não foi a minha decepção com a escassa reação despertada por aquela minha tentativa de elaborar uma história in the making dessa diplomacia econômica em seu inner functionning. Foram marginais, para não dizer quase nulas, as respostas que obtive às minhas circulares de pedido de informação e de entrevistas. Para ser sincero, recebi, en tout et pour tout, algumas vagas promessas de “conversas numa ocasião futura” e duas únicas respostas a meus questionários, respectivamente de meu atual chefe em Washington, Embaixador Rubens Antônio Barbosa, e do grande jurista, eminente professor de direito internacional público e também diplomata, meu amigo Guido Fernando Silva Soares, hoje chefe do Departamento de Direito Internacional da faculdade do Largo de São Francisco e responsável pela implantação do mais recente curso de graduação em relações internacionais existente no Brasil, o da própria USP.
Duas respostas, convenhamos, não constitui muita matéria-prima como documentos de base para compor uma reflexão aprofundada sobre a diplomacia econômica brasileira contemporânea. Em condições normais, eu teria simplesmente desistido, enfiado a viola no saco e ido cantar em outras freguesias diplomáticas, eventualmente até abandonado minhas digressões acadêmicas em troca de ocupações mais amenas. Não fosse uma vocação docente e de pesquisador já definitivamente entranhada em uma longa carreira de diplomata regular e de acadêmico virtual, eu teria efetivamente desistido de perseverar na busca de documentação primária para sustentar meu projeto de análise da diplomacia econômica brasileira corrente. Abandonei, contudo, as escarpas íngremes do presente pelas planícies mais calmas, ainda que empoeiradas, do passado. Deixei o final do século XX e retornei ao início do século XIX, em busca dos fundamentos da moderna diplomacia brasileira. Fui buscar nas origens de nossa formação enquanto Estado independente as bases conceituais e empíricas de nosso estilo peculiar de fazer diplomacia e sobretudo as razões que explicam nosso estilo próprio de praticar a diplomacia econômica.
Elaborei um novo esquema para este livro quando servia em Paris, em 1993, e me coloquei imediatamente em marcha, retomando as notas que já havia elaborado de antigas leituras dos velhos relatórios da antiga Repartição dos Negócios Estrangeiros a partir de 1831 e até o início da República. Ao mesmo tempo mergulhei na leitura de vasta bibliograia secundária sobre esse período, com um critério porém: afastei deliberadamente as “interpretações” já elaboradas sobre a diplomacia brasileira do século XIX, novas ou velhas “histórias diplomáticas”, pois pretendia elaborar minha própria interpretação desse período, a partir da matéria prima dos fatos, não da análise de autores contemporâneos. Selecionei, em contrapartida, todas as obras sobre a economia do Império e do sistema econômico mundial nessa época, ademais de toneladas de dados brutos e de elementos fatuais e quantitativos, a exemplo de tabelas estatísticas e de listas de acordos internacionais e de outros documentos primários.
De volta ao Brasil, mergulhei na leitura dos relatórios do ministério da Fazenda, estes desde 1823, e de alguns outros documentos do Império, como as falas do Imperador, por exemplo, ademais da leitura, em fugas ocasionais ao Rio de Janeiro, de maços e maços de oficios das principais legações imperiais. Juntei assim uma massa impressionante de documentos e de dados brutos, passando a organizar e a sistematizar o material em função do plano original. Devo dizer que o retorno à documentação primária do Império e o diálogo com essas fontes hoje quase esquecidas deram-me mais prazer intelectual do que a releitura, rápida, de alguns “clássicos” da literatura consagrada sobre esse período, uma vez que o ato de percorrer os velhos relatórios da monarquia constitui quase que um “comércio de idéias” com nossos antecessores funcionais de um século e meio atrás.
O livro estava basicamente composto em meados de 1997 quando decidi apresentá-lo como tese do Curso de Altos Estudos (após, é verdade, a tentativa inicial de tratamento de um tema mais contemporâneo, e mais problemático, relativo à OCDE). Teve lugar então uma dolorosa operação “reducionista”, que consistiu em converter um volume de quase 500 páginas em um modesto opúsculo de menos de 200 páginas, o limite máximo para esse tipo de dissertação em nossa Casa. Feita a operação de cirurgia plástica e de emagrecimento textual, a tese foi considerada apta para publicação, a que eu entretanto objetei, já que, na verdade, não pretendia publicá-la no formato reduzido do CAE, de vez que seriam perdidas saborosas digressões de nossos colegas do Império e outros tantos dados coletados sobre um passado hoje longínquo. Passaram-se, desde então, quase cinco anos desde sua redação original, período no qual o texto foi ligeiramente burilado e certamente passou por novo período de engorda, ainda que moderada.
Ei-lo aqui, portanto, em sua versão editada, um livro que pretende ser, ademais de uma obra de referência sobre essa fase de formação – the making of – de nossa diplomacia, que também foi chamado de Bildungsprocess da diplomacia econômica no Brasil, também uma espécie de reflexão diacrônica sobre como nossos antepassados do Império responderam a determinados desafios externos e como eles construiram um instrumento diplomático que não apenas provou sua excelência na época em que foi mobilizado, mas que continuou a apresentar excelente desempenho nas décadas seguintes, ao longo de todo o período republicano e ainda hoje, como vemos pelos comentários da imprensa brasileira e internacional e de observadores isentos, comentários feitos sobre a qualidade de nossos negociadores nos foros econômicos internacionais e regionais.
Como chegamos a isso, como construímos um instrumento de valor num contexto de relativa anomia social e deficiente estrutura institucional? E como, em especial, o Brasil veio a ter um tal desempenho satisfatório no plano da diplomacia econômica, em contraste evidente com a modéstia dos nossos meios materiais e humanos e certamente em total contradição com as deficiências visíveis de nosso aparato econômico e de nossa organização política e social? Estas são, provavelmente, as perguntas mais importantes que subjazem ao esforço por mim empreendido na elaboração deste livro. Observo, com força, que estas constatações não eram evidentes no momento em que me lancei à aventura de sua pesquisa e redação. Registro, sobretudo, que o livro não é, longe disso, um exercício de auto-congratulação ou de satisfação naïve com as supostas excelências de nossa diplomacia econômica. Nele não faço apologia, nem distribuo cumprimentos.
Ao contrário, ele constitui um empreendimento rigoroso, relativamente isento – se assim posso argumentar, a partir de minha condição intelectual primariamente acadêmica e secundariamente diplomática –, enfim, trata-se de um esforço razoavelmente objetivo de examinar como e em que condições o Brasil foi capaz de erigir um instrumento diplomático certamente único (ainda hoje) no contexto da periferia semi-capitalista, em defesa de seus interesses econômicos primaciais e em favor da promoção de objetivos econômicos e políticos ultrapassando as meras e toscas fronteiras de uma economia agro-exportadora, quase exclusivamente monocultora no período aqui enfocado, mas que possuia uma consciência relativamente clara sobre os fins a serem atingidos, as metas a serem alcançados. A noção de desenvolvimento econômico, por certo ainda incipiente nesta fase, ou melhor, a idéia da necessidade de construção de uma nação avançada na América do Sul, rivalizando ou se igualando a outras no contexto internacional ou regional, esta concepção de um devir diplomático e de um dever nacional já fazia parte da agenda dos nossos colegas do Império desde praticamente o início das regências, quando se constrói, verdadeiramente, um Estado nacional no Brasil. Isto ao mesmo tempo, reconheçâmo-lo de pronto, em que esses mesmos colegas de punhos de renda – o estereótipo é aqui verdadeiro – e trajes de rigor, mesmo no calor do trópico, resistiam às investidas da Inglaterra para a cessação do tráfico negreiro – essa modalidade precoce de “cláusula social”, implementada pela via imperial –, em que esses colegas teimavam em não ver na escravidão uma nefanda instituição a contaminar todo o tecido social e a estrutura econômica do País, como queria Nabuco, em que esses colegas imitavam a aristocracia européia e olhavam com uma certa condescendência o democratismo e o espírito de trabalho dos americanos do Norte, em que esses colegas mantinham preconceitos evidentes contra a imigração de “mascates” levantinos, preferindo-lhes saudáveis agricultores nórdicos, mas de preferência entregues às fainas da plantation semi-escravagista, não como proprietários livres numa terra fortemente marcada pelo latifúndio e pelo coronelato arbitrário.
A despeito disso tudo, nossa diplomacia econômica foi boa, excelente mesmo segundo algumas opiniões insuspeitas (e minha, depois de concluir a pesquisa para este livro), provavelmente uma “diplomacia fora do lugar”, como coloquei numa paráfrase da crítica literária e da análise sociológica sobre as idéias desajustadas em relação ao seu meio social. Talvez essa diplomacia não tenha sido forte o suficiente para mudar o País, que digo?, para reestruturar a Nação, como sua visão de mundo, sua Weltanschauung poderia lhe autorizar, com base numa visão comparada com o itinerário mais exitoso de outros povos e outras formações nacionais. Mas esta certamente não era sua missão histórica, pois que a diplomacia, enquanto interface externa do aparato estatal, não poderia pretender “atirar para dentro”, ainda mais contra as bases de seus próprios privilégios aristocráticos e estamentais. Fomos eficientes, sim, mas nos limites estritos de um Estado nacional limitado (talvez ainda hoje) a um por cento da nacionalidade e da cidadania, uma diplomacia eficaz para defender os interesses de uma economia assim organizada, não necessariamente para empreender uma transformação de fora para dentro, o que aliás seria quase um contrasenso operacional e uma impossibilidade filosófica.
Tivemos, portanto, ao longo do tempo, nosso pequeno lote de revoluções pelo alto, nossas transformações bastante modestas da máquina política, nossa mobilidade social com preservação de desigualdades gritantes, nosso desenvolvimento econômico por impulsões descontinuadas, com a tal de “diplomacia de primeiro mundo” sempre presente, com suas maneiras francesas e produtos ingleses, importando a última moda européia com o dinheiro inglês (que nos entrava pela via exclusiva da monoexportação), enfim uma diplomacia eficiente, por certo, da qual podemos justamente nos orgulhar, ainda que num País que ainda deixa a desejar tremendamente no plano social ou tecnológico. O livro, justamente, explora algumas dessas ambiguidades, mas consoante seu escopo dirigido e sua orientação temática, ele descortina sobretudo a ação dessa diplomacia nos diversos campos de atuação abertos a seu engenho e arte no decorrer do tempo monárquico.
E o que descobrimos, como resultado da pesquisa exaustiva conduzida ao longo de cinco anos de leituras e dois de redação? Que causas explicam esse contraste entre a precária situação de desenvolvimento econômico do País na era imperial e o status relativamente avançado de sua diplomacia?
Com efeito, tínhamos uma elite no comando da Nação e na representação externa do Estado, ou seja, funcionários publicos dotados de boa formação e conscientes de representar um Governo com clareza de propósitos e objetivos bem determinados. A situação de precário desenvolvimento econômico efetivo se explica obviamente por questões estruturais evidentes: uma economia colonial, produtora e exportadora de matérias primas, pouco propensa à inovação e à industrialização autônoma, por falta de condições sociais e educacionais.
Por que preservamos durante tanto tempo tal situação? Pelas escolhas erradas dessas mesmas elites, que durante tanto tempo insistiram no sistema escravo e na especialização agrária. Devemos lembrar que Hipólito da Costa primeiro, Bonifácio de Andrada em seguida, Mauá logo adiante, todos insistiram na abolição do tráfico e da escravidão, e na adoção de uma legislação econômica aberta à imigração de pequenos proprietários de terras e suscetível, portanto, de impulsionar o progresso econômico e social. No entanto, as elites no comando do País fizeram a opção pela continuidade da escravidão e pela especialização agrária, incapazes que foram de propor autonomia social e econômica, educação das massas e investimento na capacitação técnica da população.
Nisso também fomos herdeiros da tradição lusitana, centralizadora e absolutamente infensa à autonomia econômica dos agentes privados. A despeito dessa herança burocrática bastante eficiente na defesa dos nossos interesses políticos – pois a cartografia vencedora do Barão deve tudo ao patrimônio luso – a diplomacia econômica igualmente eficiente no plano prático foi menos exitosa na transformação “mental”, por assim dizer, da agenda econômica interna dessas elites monárquico-republicanas. Cabe também reconhecer que a visão tradicional da nossa diplomacia – ornamental e aristocrática, no dizer de Hélio Jaguaribe –, até pelo menos a belle époque recusava em grande medida os temas econômicos, considerados como de low politics, preferindo se ocupar das chamadas questões de high politics, que seriam as de política bilateral e as questões de equilíbrio estratégico e militar. Era um arremedo de equilíbrio de poderes, numa época em que dispunhamos de muito pouco poder efetivo, talvez apenas o de determinar os preços do café nos mercados mundiais.
Não nos cabe agora passar julgamentos por erros passado, mas devemos sim tirar proveito da história para ilustrar – não determinar – nossas opções do presente. E o que constatamos como contraste entre a diplomacia econômica do Império e a diplomacia que foi seguida no longo século republicano, que agora se encerra em favor de uma nova era de globalização?
O detalhamento figura no último capítulo de meu livro, sobretudo sob a forma de uma tabela comparativa sobre a evolução conceitual da diplomacia econômica do Brasil do século XIX ao XX (disponível no meu site pessoal, www.pralmeida.org). Se posso resumir os ensinamentos, eles seriam os seguintes:
- no comércio, deixamos o carater errático do liberalismo do século XIX por um protecionismo industrializante no século XX, até voltarmos agora a um moderado protecionismo e a um esforço sincero de inserção econômica mundial, via abertura gradual e processos negociados de integração comercial.
- nas finanças, as mudanças são muito poucas, talvez inexistentes, pois permanece o recurso à divida externa e a mesma fragilidade financeira externa.
- em mão-de-obra, seguimos a tendência mundial de fechar as fronteiras aos imigrantes e passamos, aliás, a exportar nossos “excedentes” demográficos, mas isso na verdade só ocorre nos momentos de crise econômica e de desemprego. No mais, ainda não sabemos praticar a importação de cérebros como deveríamos, pois existem milhares de cientistas e pesquisadores que poderiam vir para o Brasil, se nossa política de captação de mão-de-obra especializada fosse mais esperta, ativa e aberta.
- na tecnologia continuamos igualmente dependentes do exterior, mas já somos produtores de bens com elevado conteudo tecnológico, como visto no caso dos aviões da Embraer. Mas ainda não soubemos desenvolver um “modo inventivo de produção”, que caracteriza os capitalismos mais avançados na América do Norte, na Europa e no Japão. Por outro lado, não sabemos explorar devidamente determinadas vantagens comparativas que têm muito a ver com nosso espírito inventivo na música, nos esportes, na culinária, por exemplo, todos terrenos nos quais poderíamos estar exportando serviços e produtos de forma exponencial. Não exploramos tampouco nossas possibilidades turísticas como deveríamos.
- no plano mais geral do nosso instrumento diplomático, ele continua excelente mas, como no século XIX, ele permanece um pouco “destacado” do País, no sentido de alheio, em certa medida, aos nossos grandes problemas nacionais.

Sei que vão me “crucificar” por dizer isto que acabo de dizer (o que aliás não figura no livro, pelo menos não de forma explícita), mas esta é a percepção que eu retiro do exame multissecular de uma diplomacia aparentemente excelente (e ágil) para negociar acordos comerciais, mas por vezes menos atenta a uma série de outras realidades próprias ao tecido social nacional. Se eu não corresse o risco de parecer demagógico e totalmente à côté, e se vocês me perguntassem para que, enfim, deveria servir a nossa diplomacia econômica, tida como excelente, eu diria, simplesmente isto: ela deveria servir para colocar crianças na escola, algo que continua a ser o nosso grande problema (e drama) nacional. OK, admitamos que já colocamos 98% dessas crianças na escola e que o problema não é mais este (mas ele ainda é, certamente, o do desempenho escolar). Então eu diria que a diplomacia deveria servir, antes de mais nada, para melhorarmos a qualidade de nosso sistema educacional, que continua a ser extremamente deficiente. De que adianta ter uma diplomacia avançada, mas um povo sem condições de competir na arena da economia mundial?

Se ouso terminar por mais uma reflexão crítica (que tampouco faz parte do livro, mas pode e deve integrar este nosso diálogo aberto), caberia reconhecer que, em todo o século XX e no começo do século XXI a diplomacia brasileira continua a ostentar padrões de excelência pouco vistos não apenas para o conjunto dos países em desenvolvimento (ou periféricos, como quer meu amigo Samuel Pinheiro Guimarães) mas igualmente entre os próprios países desenvolvidos. Nao se trata aqui de ufanismo gratuito, pois serviços diplomáticos europeus e de outros países desenvolvidos não deixam de reconhecer a qualidade dos nossos representantes. Basta consultar delegados em reuniões econômicas multilaterais, ou em conferências políticas internacionais, para constatar isso: nosso diplomata é preparado e se desempenha muito bem, mesmo a um contra dez, como soe acontecer frequentemente. Ou seja, a diplomacia continua e exibir um padrão de qualidade pouco visto em condições semelhantes ou similares, mas o Brasil tambem avançou bastante no século XX. Hesitaria em dizer que se trata de um país subdesenvolvido, ainda que do ponto de vista social ele continue a ostentar indicadores pouco otimistas. Trata-se de uma economia industrializada, diversificada, mas que ainda não atingiu autonomia tecnológica plena. Continuamos igualmente a sofrer de uma evidente fragilidade financeira externa, retrato da descontinuidade das políticas econômicas ao longo do século XX e igualmente reflexo das carências educacionais e cívicas da população como um todo.

Podemos terminar com Mário de Andrade, aquele ideólogo da literatura nacional que dizia, pouco depois do modernismo, que a sociologia é a arte de salvar rapidamente o Brasil, zombando assim da minha profissão primeira e de minha fonte de inspiração conceitual, mesmo nos meandros burocráticos de um telegrama ou de um memorandum de serviço. Constatando a notável persistência de nossas mazelas sociais, mas ainda assim a implementação de algum avanço nos planos econômico e  tecnológico – que um sociólogo aprendiz chamaria simplesmente de modernização – Mário de Andrade dizia de forma irônica que, “progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade”.
Espero, de minha parte, que saibamos escapar da fatalidade pouco sociológica de dispormos de uma excelente diplomacia econômica, e portanto de uma representação de altíssima qualidade no plano externo – o que muito nos envaidece, com razão –, ao mesmo tempo em que ostentamos um quadro pouco lisonjeiro, para não dizer dramático, no plano social interno. Eu me sentirei sinceramente recompensado, numa visão de progressos “não fatalistas”, no dia em que, ao examinar novamente o itinerário da nossa diplomacia no início do século XXI – quando, por exemplo, completarmos dois séculos de exercício diplomático contínuo a partir do território nacional, em 2008 – pudermos constatar que essa diplomacia não precisará mais servir, ainda que hipoteticamente, para colocar crianças na escola. Até lá, temos muito trabalho pela frente, e não apenas no plano da diplomacia econômica, ainda que este esforço continuado fosse apenas para manter e justificar nossa fama de excelentes. Mãos à obra, portanto, pois tenho a impressão de que a história não absolverá nossa geração diplomática, se daqui até lá não contribuirmos com todas as nossas forças para colocarmos o País real em compasso com a suposta excelência de sua diplomacia.
Muito obrigado.
Paulo Roberto de Almeida
Washington, 866: 14 fevereiro de 2002
(Revisão 28.03.02)

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Percursos Diplomaticos: entrevistas sobre a diplomacia brasileira, no Instituto Rio Branco

Primeiro o link:
http://www.funag.gov.br/ipri/index.php/percursos-diplomaticos
Agora a informação:

Percursos Diplomáticos



Esta série inscreve-se numa programação conjunta do Instituto Rio Branco (IRBr) e do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), destinada a propiciar encontros de personalidades da diplomacia brasileira com estudantes do IRBr, diplomatas e comunidade acadêmica de modo geral, com o objetivo de permitir um debate aberto sobre carreiras e experiências de vida vinculadas à política externa e à diplomacia brasileira, em um ambiente informal.

Abaixo uma relação, na ordem cronológica inversa, dos encontros já realizados nesta série, e dos já programados.
24/11/2017: Roberto Abdenur: (a confirmar)
29/09/2017: Rubens Barbosa
21/07/2017: José Alfredo Graça Lima (vídeo em breve)
26/05/2017: Marcos Azambuja
 https://youtu.be/nIrbyk1MtOE
17/03/2017: Rubens Ricupero
 https://youtu.be/OzrS1Fw-ZAk

Última atualização em Terça, 25 de Julho de 2017, 15h23

segunda-feira, 20 de março de 2017

sexta-feira, 10 de março de 2017

Percursos Diplomaticos: Rubens Ricupero - Instituto Rio Branco, 17/03, 15hs


Convite para palestra-debate

Encontros IRBr-IPRI

 Percursos Diplomáticos: Rubens Ricupero

Auditório Embaixador João Augusto de Araújo Castro - IRBr

17/03/2017 – 15h.


A Fundação Alexandre de Gusmão – FUNAG, o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais – IPRI – e o Instituto Rio Branco – IRBr –  têm o prazer de convidar para a palestra-debate “Percursos Diplomáticos: Rubens Ricupero”, a ser proferida pelo Embaixador Rubens Ricupero.
A palestra acontecerá no Auditório Embaixador João Augusto de Araújo Castro, no Instituto Rio Branco, no dia 17 de março às 15h00. 

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Palestra sobre General Abreu e Lima e a independencia do Peru, IRBr, 23/09, 10:45hs

A Embaixada do Peru no Brasil, o Instituto Rio Branco e a Fundação Alexandre de Gusmão convidam para o painel acadêmico "General José Inácio Abreu e Lima e sua participação nas batalhas pela independência do Peru", a realizar-se na sexta-feira 23 de setembro de 2016, no Auditório do IRBr, às 10:45hs, com palestras do Embaixador José Jesus G. Betancourt Rivera e dos professores Vamireh Chacon e José Carlos Brandi Aleixo.

terça-feira, 29 de março de 2016

Varnhagen: 200 anos do nascimento - Seminario no Instituto Rio Branco, 1/04/2016

Seminário "Varnhagen (1816-2016): diplomacia e pensamento estratégico"
A Fundação Alexandre de Gusmão realizará o seminário “Varnhagen (1816-2016): diplomacia e pensamento estratégico”, no Instituto Rio Branco, em Brasília, em 1º de abril de 2016, a partir das 15 horas.

O seminário homenageia o bicentenário de nascimento do diplomata Francisco Adolfo de Varnhagen, considerado um dos patronos da historiografia brasileira. O evento é fruto de parceria com o Instituto Rio Branco (IRBr), Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), Universidade de Brasília (UnB) e Instituto Martius-Staden.

Para mais informações: http://goo.gl/JHNxay

sexta-feira, 25 de março de 2016

O pensamento estrategico de Varnhagen: contexto e atualidade - Paulo Roberto de Almeida

Meu texto para o seminário do próximo dia 1o. de abril, no Instituto Rio Branco, a ser disponibilizado por inteiro assim que terminar a revisão.
Paulo Roberto de Almeida

O pensamento estratégico de Varnhagen: contexto e atualidade

Paulo Roberto de Almeida

Sumário:
Questões introdutórias e de organização do ensaio1
1. Varnhagen possuía um pensamento estratégico? , 4
2. Quais tipos de pensamento estratégico existiam na época de Varnhagen?, 8
3. Quais os componentes centrais do pensamento estratégico de Varnhagen?, 10
4. Como o pensamento de Varnhagen se refletiu no Estado imperial?, 20
5. Qual o legado desse pensamento na construção do Estado brasileiro moderno?, 25
6. Existe uma modernidade em Varnhagen?, 33
Bibliografia, 43

Questões introdutórias e de organização do ensaio
Este é um ensaio de aproximação intelectual ao pensamento estratégico de Francisco Adolfo de Varnhagen, que pode ser enquadrado na categoria da história das ideias políticas no Brasil. A temática principal, desdobrável em duas perguntas vinculadas entre si, poderia ser apresentada da seguinte maneira:
(1) Varnhagen, seja enquanto historiador, seja como diplomata, ou mesmo como “estadista improvisado”, possuía, ou era dotado de, “um” pensamento estratégico? Em outros termos, em que medida aderia ele a conceitos basilares das doutrinas estratégicas do seu tempo, e como tais conceitos, se presentes efetivamente em seu pensamento, se refletiram em sua vasta obra, tanto a de cunho historiográfico – como a História Geral do Brasil (1854-57) – quanto a de natureza mais política – como, por exemplo, o Memorial Orgânico (1849-1850) –, tal como se tentará aqui discutir?
Uma questão adicional ao tema principal acima enunciado poderia ser a da especulação sobre a existência, reconhecida ou não, de discípulos, explícitos ou implícitos, em sua própria época, ou nas décadas e no século que se seguiram ao ativismo intelectual e diplomático do patrono da historiografia brasileira. Não existem evidências nesse sentido, embora a obra principal de Varnhagen tenha dominado o pensamento histórico no Brasil durante quase um século, até praticamente o pós-guerra.
Várias outras perguntas secundárias – que servirão de guias para o itinerário argumentativo deste ensaio – podem ser formuladas no contexto do quadro conceitual delimitado pela suposição inerente ao título deste ensaio, suposição que parte, portanto, de uma resposta positiva à primeira pergunta formulada, a de que Varnhagen possuía, de fato, um pensamento estratégico. Tais questões adicionais são as seguintes:
(2) Existiam doutrinas estratégicas, ou de natureza geopolítica, propriamente formalizadas, no período formativo do pensamento de Varnhagen, e de que tipo seriam essas estratégias, ou “geopolíticas”, em construção na primeira metade do século XIX, que se desenvolveram mais para o final do século e que passaram a conhecer notável florescimento na primeira metade do século XX?
(3) Quais os componentes principais do pensamento estratégico de Varnhagen – se admitirmos que ele possuiu um – e como este se apresentou em sua obra?
(4) Que consequências ou efeitos teve esse tipo de pensamento no ideário, ou na ideologia, das elites dirigentes brasileiras, em especial as militares e as diplomáticas, nas décadas que se seguiram?
(5) Que legado produziu no pensamento estratégico brasileiro do século XX, quais foram os seus porta-vozes e qual o impacto desse tipo de pensamento na definição de políticas públicas nas áreas da segurança nacional, do desenvolvimento econômico e do papel do Estado na organização nacional? Como a vertente do pensamento propriamente “estratégico” de Varnhagen se incorporou à, ou recebeu continuidade na, obra de “geopolíticos” do século XX?
(6) Existe uma modernidade em Varnhagen? Dito de outra forma, suas reflexões e propostas para os problemas brasileiros de meados do século XIX poderiam ser transpostas, com as adaptações de praxe, aos desafios brasileiros do início do século XXI? Qual seria o pensamento estratégico, de inspiração varnhageana, que poderia impulsionar um esforço similar, ou funcionalmente equivalente, para “civilizar” o Brasil, quase 170 anos depois das propostas originais?

Não se espera, ao início deste ensaio, que todas essas questões possam ser respondidas completamente, ou sequer tratadas a contento – ou seja, de forma sistemática ou mais ou menos minuciosa –, mas existe pelo menos a intenção do autor de abordar cada uma delas de maneira abrangente – um conceito que se traduz pela palavra comprehensive, em inglês –, um empreendimento que traduz um esforço de interpretação do pensamento de Varnhagen, à luz dos teóricos de sua época e da  possível influência ou impacto que ele deixou não apenas nos intelectuais que absorveram os principais conceitos de sua obra, mas também no ideário nacional incorporado ao ensino da história e de outras disciplinas das humanidades nas instituições públicas de educação, do médio ao superior.
Caberia ressalvar, neste ponto inicial, que o autor deste ensaio não é historiador, não possuindo, portanto, o instrumental metodológico da disciplina, e sequer pretende ser especialista no pensamento de Varnhagen, sendo apenas um praticante da sociologia histórica, e que aprecia trabalhar com os fundamentos históricos e econômicos da diplomacia brasileira. Muito do que vai aqui sintetizado já foi objeto de tratamento pormenorizado nos trabalhos de eminentes especialistas, em especial do professor Arno Wehling, presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, autor de diversas obras a respeito do pensamento político e diplomático de Varnhagen (1999, 2002, 2013a), com destaque para os seus ensaios de estrategista, e de estadista, em torno do Memorial Orgânico (2013b, 2013c), o texto mais diretamente relacionado à temática deste ensaio, o pensamento estratégico do historiador. Cabe aliás destacar que, ademais de seus outros trabalhos sobre Varnhagen, a “retomada” do Memorial, sua atualização vocabular e sua disponibilização mais ampla são diretamente imputáveis ao tino histórico exemplar e à dedicação desse estudioso da obra do historiador sorocabano.
Cabe mencionar igualmente o já falecido professor Nilo Odália, autor de uma análise interpretativa da obra historiador-diplomático, situando-a no plano da formação da historiografia brasileira, inclusive em perspectiva comparada com Oliveira Vianna (1979; 1997). Nilo Odália procura estabelecer uma “relação de continuidade” entre ambos, que seria “característica de uma parte significativa da historiografia brasileira do século XIX e do início deste [XX] século, até o final da década de 1920, em que a preocupação fundamental do historiador era a de, ao partir de uma análise fundante de nossa história, buscar soluções para a realização do sonho de uma Nação unitária e integrada” (1997: 119-120). Essa Nação, como ainda destaca Odália, deveria ser socialmente “solidária”, na expressão usada por Oliveira Vianna, ao passo que o próprio Varnhagen falava de uma “Nação compacta”, como destacado na tese de Janke (2009).
Entre outros autores “varnhageanos”, entre eles Américo Jacobina Lacombe, autor de um estudo sobre o pensamento político do historiador (1967), Nilo Odália destacou a importância crucial do Estado, em Varnhagen, como “força tuteladora e instrumento de formação da Nação” (1997: 63-87), assim como chamou a atenção e sintetizou com clareza, usando as próprias palavras do historiador (no início da História Geral), os objetivos autofixados para sua missão enquanto funcionário do Estado, mas especializado na “arqueologia” da nação:
[E]m primeiro lugar, colaborar na Administração do Estado, por meio do levantamento histórico de dados que lhe possam ser úteis; em segundo, favorecer a unidade nacional; e, em terceiro, complementando o segundo, fomentar e “exaltar” o patriotismo, enobrecendo o espírito público. (1997: 38).

Ao estudar o passado do Brasil, mais exatamente, ao “construir” ele mesmo esse passado, que nunca tinha sido escrito tão completamente quanto ele quis fazer, mediante pesquisas em arquivos primários, Varnhagen pretendia, na verdade, “moldar o futuro da nação”, como destaca Odália. Tal tarefa, assumida como missão pessoal por Varnhagen, constitui, justamente, a própria essência do planejamento estratégico, que é a de examinar tendências fortes existentes no passado e no presente, para poder projetar, e provavelmente influenciar, uma rota preferencial dentre os itinerários futuros.

1. Varnhagen possuía um pensamento estratégico?
(...)
 =============

Vou disponibilizar este texto, assim que terminar a revisão...
Um resumo do que foi o Memorial Orgânico de Varnhagen: 

Ele pensou que iria "civilizar" o Brasil: não conseguiu, mas deixou o roteiro (em 1849) do que precisaria ser feito, em seis grandes tarefas: 
1) Negociar tratados bilaterais de limites (já feito pelo Barão do Rio Branco, meio século depois); 
2) Transferir a capital para o interior (feito por JK, cem anos depois); 
3) resolver problemas de infraestrutura: transportes e comunicações (feito parcialmente pelos militares, mas ainda muita coisa inconclusa, que não vai ser feita pelo Estado, inepto e sem recursos; tem de passar para a iniciativa privada, como aliás fazia o Império); 
4) resolver os problemas da federação, de organização administrativa, de desequilíbrios regionais, etc (a União só se reforçou desde a monarquia unitária, e a despeito de uma República supostamente federativa); 
5) Fragilidade da defesa nacional, por falta de uma doutrina de segurança e de meios adequados (continua a mesma coisa); 
6) heterogeneidade da população, com escravismo extensivo, índios não aculturados (mudaram os problemas, mas a heterogeneidade continua, sobretudo por causa de uma educação deplorável). 
Ou seja, mais da metade da tarefa "civilizatória" de Varnhagen continua sem ter sido concluída...