Meu texto para o seminário do próximo dia 1o. de abril, no Instituto Rio Branco, a ser disponibilizado por inteiro assim que terminar a revisão.
Paulo Roberto de Almeida
O pensamento estratégico de Varnhagen: contexto e
atualidade
Paulo Roberto de Almeida
Sumário:
Questões introdutórias e
de organização do ensaio, 1
1. Varnhagen possuía um
pensamento estratégico? , 4
2. Quais tipos de pensamento
estratégico existiam na época de Varnhagen?, 8
3. Quais os componentes centrais
do pensamento estratégico de Varnhagen?, 10
4. Como o pensamento de Varnhagen
se refletiu no Estado imperial?, 20
5. Qual o legado desse
pensamento na construção do Estado brasileiro moderno?, 25
6. Existe uma modernidade
em Varnhagen?, 33
Bibliografia, 43
Questões
introdutórias e de organização do ensaio
Este é um ensaio de aproximação
intelectual ao pensamento estratégico de Francisco Adolfo de Varnhagen, que
pode ser enquadrado na categoria da história das ideias políticas no Brasil. A
temática principal, desdobrável em duas perguntas vinculadas entre si, poderia
ser apresentada da seguinte maneira:
(1) Varnhagen, seja
enquanto historiador, seja como diplomata, ou mesmo como “estadista
improvisado”, possuía, ou era dotado de, “um” pensamento estratégico? Em outros
termos, em que medida aderia ele a conceitos basilares das doutrinas
estratégicas do seu tempo, e como tais conceitos, se presentes efetivamente em
seu pensamento, se refletiram em sua vasta obra, tanto a de cunho
historiográfico – como a História Geral
do Brasil (1854-57) – quanto a de natureza mais política – como, por
exemplo, o Memorial Orgânico (1849-1850)
–, tal como se tentará aqui discutir?
Uma questão adicional ao tema
principal acima enunciado poderia ser a da especulação sobre a existência,
reconhecida ou não, de discípulos, explícitos ou implícitos, em sua própria
época, ou nas décadas e no século que se seguiram ao ativismo intelectual e
diplomático do patrono da historiografia brasileira. Não existem evidências
nesse sentido, embora a obra principal de Varnhagen tenha dominado o pensamento
histórico no Brasil durante quase um século, até praticamente o pós-guerra.
Várias outras perguntas secundárias
– que servirão de guias para o itinerário argumentativo deste ensaio – podem
ser formuladas no contexto do quadro conceitual delimitado pela suposição inerente
ao título deste ensaio, suposição que parte, portanto, de uma resposta positiva
à primeira pergunta formulada, a de que Varnhagen possuía, de fato, um
pensamento estratégico. Tais questões adicionais são as seguintes:
(2) Existiam doutrinas
estratégicas, ou de natureza geopolítica, propriamente formalizadas, no período
formativo do pensamento de Varnhagen, e de que tipo seriam essas estratégias,
ou “geopolíticas”, em construção na primeira metade do século XIX, que se
desenvolveram mais para o final do século e que passaram a conhecer notável
florescimento na primeira metade do século XX?
(3) Quais os componentes
principais do pensamento estratégico de Varnhagen – se admitirmos que ele
possuiu um – e como este se apresentou em sua obra?
(4) Que consequências ou
efeitos teve esse tipo de pensamento no ideário, ou na ideologia, das elites
dirigentes brasileiras, em especial as militares e as diplomáticas, nas décadas
que se seguiram?
(5) Que legado produziu no
pensamento estratégico brasileiro do século XX, quais foram os seus porta-vozes
e qual o impacto desse tipo de pensamento na definição de políticas públicas
nas áreas da segurança nacional, do desenvolvimento econômico e do papel do
Estado na organização nacional? Como a vertente do pensamento propriamente
“estratégico” de Varnhagen se incorporou à, ou recebeu continuidade na, obra de
“geopolíticos” do século XX?
(6) Existe uma modernidade
em Varnhagen? Dito de outra forma, suas reflexões e propostas para os problemas
brasileiros de meados do século XIX poderiam ser transpostas, com as adaptações
de praxe, aos desafios brasileiros do início do século XXI? Qual seria o
pensamento estratégico, de inspiração varnhageana, que poderia impulsionar um
esforço similar, ou funcionalmente equivalente, para “civilizar” o Brasil, quase
170 anos depois das propostas originais?
Não se espera, ao início
deste ensaio, que todas essas questões possam ser respondidas completamente, ou
sequer tratadas a contento – ou seja, de forma sistemática ou mais ou menos
minuciosa –, mas existe pelo menos a intenção do autor de abordar cada uma
delas de maneira abrangente – um conceito que se traduz pela palavra comprehensive, em inglês –, um empreendimento
que traduz um esforço de interpretação do pensamento de Varnhagen, à luz dos
teóricos de sua época e da possível
influência ou impacto que ele deixou não apenas nos intelectuais que absorveram
os principais conceitos de sua obra, mas também no ideário nacional incorporado
ao ensino da história e de outras disciplinas das humanidades nas instituições
públicas de educação, do médio ao superior.
Caberia ressalvar, neste
ponto inicial, que o autor deste ensaio não é historiador, não possuindo,
portanto, o instrumental metodológico da disciplina, e sequer pretende ser
especialista no pensamento de Varnhagen, sendo apenas um praticante da
sociologia histórica, e que aprecia trabalhar com os fundamentos históricos e
econômicos da diplomacia brasileira. Muito do que vai aqui sintetizado já foi
objeto de tratamento pormenorizado nos trabalhos de eminentes especialistas, em
especial do professor Arno Wehling, presidente do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, autor de diversas obras a respeito do pensamento político
e diplomático de Varnhagen (1999, 2002, 2013a), com destaque para os seus
ensaios de estrategista, e de estadista, em torno do Memorial Orgânico (2013b, 2013c), o texto mais diretamente
relacionado à temática deste ensaio, o pensamento estratégico do historiador. Cabe
aliás destacar que, ademais de seus outros trabalhos sobre Varnhagen, a “retomada”
do Memorial, sua atualização
vocabular e sua disponibilização mais ampla são diretamente imputáveis ao tino
histórico exemplar e à dedicação desse estudioso da obra do historiador
sorocabano.
Cabe mencionar igualmente o
já falecido professor Nilo Odália, autor de uma análise interpretativa da obra
historiador-diplomático, situando-a no plano da formação da historiografia
brasileira, inclusive em perspectiva comparada com Oliveira Vianna (1979; 1997).
Nilo Odália procura estabelecer uma “relação de continuidade” entre ambos, que
seria “característica de uma parte significativa da historiografia brasileira
do século XIX e do início deste [XX] século, até o final da década de 1920, em
que a preocupação fundamental do historiador era a de, ao partir de uma análise
fundante de nossa história, buscar soluções para a realização do sonho de uma
Nação unitária e integrada” (1997: 119-120). Essa Nação, como ainda destaca
Odália, deveria ser socialmente “solidária”, na expressão usada por Oliveira
Vianna, ao passo que o próprio Varnhagen falava de uma “Nação compacta”, como
destacado na tese de Janke (2009).
Entre outros autores
“varnhageanos”, entre eles Américo Jacobina Lacombe, autor de um estudo sobre o
pensamento político do historiador (1967), Nilo Odália destacou a importância crucial
do Estado, em Varnhagen, como “força tuteladora e instrumento de formação da
Nação” (1997: 63-87), assim como chamou a atenção e sintetizou com clareza,
usando as próprias palavras do historiador (no início da História Geral), os objetivos autofixados para sua missão enquanto
funcionário do Estado, mas especializado na “arqueologia” da nação:
[E]m primeiro lugar, colaborar na
Administração do Estado, por meio do levantamento histórico de dados que lhe
possam ser úteis; em segundo, favorecer a unidade nacional; e, em terceiro,
complementando o segundo, fomentar e “exaltar” o patriotismo, enobrecendo o
espírito público. (1997: 38).
Ao estudar o passado do
Brasil, mais exatamente, ao “construir” ele mesmo esse passado, que nunca tinha
sido escrito tão completamente quanto ele quis fazer, mediante pesquisas em
arquivos primários, Varnhagen pretendia, na verdade, “moldar o futuro da nação”,
como destaca Odália. Tal tarefa, assumida como missão pessoal por Varnhagen,
constitui, justamente, a própria essência do planejamento estratégico, que é a
de examinar tendências fortes existentes no passado e no presente, para poder
projetar, e provavelmente influenciar, uma rota preferencial dentre os
itinerários futuros.
1. Varnhagen
possuía um pensamento estratégico?
(...)
=============
Vou disponibilizar este texto, assim que terminar a revisão...
Um resumo do que foi o Memorial Orgânico de Varnhagen:
Ele pensou que iria "civilizar" o Brasil: não conseguiu, mas deixou o roteiro (em 1849) do que precisaria ser feito, em seis grandes tarefas:
1) Negociar tratados bilaterais de limites (já feito pelo Barão do Rio Branco, meio século depois);
2) Transferir a capital para o interior (feito por JK, cem anos depois);
3) resolver problemas de infraestrutura: transportes e comunicações (feito parcialmente pelos militares, mas ainda muita coisa inconclusa, que não vai ser feita pelo Estado, inepto e sem recursos; tem de passar para a iniciativa privada, como aliás fazia o Império);
4) resolver os problemas da federação, de organização administrativa, de desequilíbrios regionais, etc (a União só se reforçou desde a monarquia unitária, e a despeito de uma República supostamente federativa);
5) Fragilidade da defesa nacional, por falta de uma doutrina de segurança e de meios adequados (continua a mesma coisa);
6) heterogeneidade da população, com escravismo extensivo, índios não aculturados (mudaram os problemas, mas a heterogeneidade continua, sobretudo por causa de uma educação deplorável).
Ou seja, mais da metade da tarefa "civilizatória" de Varnhagen continua sem ter sido concluída...
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