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terça-feira, 29 de março de 2016

Os Miseraveis (nao os de Victor Hugo; os de agora) - Paulo Roberto de Almeida


Os Miseráveis

Paulo Roberto de Almeida

Não se pretende tratar aqui de pobreza, da ignorância ou da injustiça social no século XIX. Personagens e cenários são diferentes dos imortalizados por Victor Hugo no seu épico de tonalidades sombrias, mas que adquiriu luminosidade nos musicais do século XXI. Os nossos miseráveis estão longe de ser pobres, não sofrem nenhuma injustiça social e, se são ignorantes – politicamente falando –, praticam mesmo a velha desonestidade nos negócios públicos, exibindo a má-fé típica dos vilões da dramaturgia universal. Eles são os que permitiram a ascensão, sustentaram a hegemonia e estão comprometidos com a sobrevivência da maior quadrilha política que assaltou o Brasil pela via legal, mas que pretende se perpetuar no poder por todos os meios possíveis.
Descartando os rufiões titulares, vamos tratar dos responsáveis, em última instância, pelo sucesso circunstancial e pela sobrevida delongada da delinquência moral que tisnou a governança no Brasil e que foi responsável por um dos maiores casos de corrupção já vistos neste nosso planetinha redondo, como diria a peça chave do maior espetáculo de imoralidade da história política brasileira. Por ordem de importância eles são: (a) grandes banqueiros; (b) gramscianos da academia; (c) empresários estratégicos, a começar pelas construtoras; (d) militantes ignaros, neobolcheviques sem o saber; (e) aliados úteis e inúteis da incultura brasileira.
Nenhum projeto de poder se faz sem recursos, moeda sonante ou qualquer outro tipo de apoio financeiro, e por isso eu coloco os grandes banqueiros em primeiro lugar da minha escala de miseráveis. Banqueiros, mais do que empresários em geral, são os que possuem a visão macroeconômica, empregam os melhores consultores econômicos, trabalham com o recurso universal e fungível, capaz de se desdobrar em todas as esferas da vida pública (e privada também). Ao passo que empresários precisam estar ligados a um setor qualquer, e se fazem representar por associações especializadas num ramo determinado da atividade produtiva, ficando por força do ofício na microeconomia, os grandes banqueiros circulam altaneiros por todos os setores da economia, possuindo até uma osmose bem mais intensa com a esfera governamental, até nos seus antros mais sensíveis, como soem ser o Tesouro (pela emissão da dívida pública) e o Banco Central (pela supervisão do meio circulante e sua atuação nos mercados de créditos).
Desde o Renascimento, nenhum grande príncipe (ou candidato a) pode assentar o seu poder sem dispor de grandes banqueiros ao seu lado. Foi o que logo percebeu o candidato a condottiere, quando ainda transacionava (secretamente, inclusive) com os chefões do seu setor produtivo e, logo, com toda a representação dos industriais. Não existe campanha eleitoral sem ajuda dos financistas; eles foram generosos ao extremo com o dito príncipe, desde o início de sua irresistível ascensão, pois descobriram que poderiam ganhar dinheiro por via da dívida pública e outros mecanismos dos mercados financeiros. São os primeiros e grandes culpados da lista de miseráveis apoiadores dos traficantes da política nacional. São os últimos a pularem do barco.
Os gramscianos da academia veem em segundo lugar porque foram eles que deram legitimidade e aparência de credibilidade aos rústicos companheiros que não tinham, como era natural, a sofisticação do verbo e a clareza da escrita. Foram esses litterati de aluguel que se encantaram com o sindicalista carismático e, frustrados pelas aventuras anteriores do guevarismo urbano, se lançaram de corpo e alma no apoio dito intelectual à nova classe que se preparava para assaltar o céu do poder burguês. Esses gramscianos que não leram Gramsci possuíam uma vasta interface (inclusive de classe) com os guerrilheiros reciclados na política partidária, que ensinaram aos sindicalistas alternativos como construir uma máquina de conquista do poder, com alguns toques de clandestinidade e táticas stalinistas de administração, como soe acontecer.
Empresários no Brasil sempre foram historicamente dependentes do Estado, de medidas tarifárias, de subsídio, de regras de não-concorrência, que possam melhorar suas vantagens pouco competitivas. Mas há uma categoria de super-empresários que está umbilicalmente ligada ao Estado, pois são os que trabalham com as grandes encomendas do governo, na faixa dos sete dígitos ou mais. Empreiteiras, construtoras, o pessoal dos investimentos pesados são geneticamente corruptos de nascimento, em qualquer país, época ou circunstância. No Brasil a promiscuidade chega combinada ao patrimonialismo tradicional da classe política, que nos tempos mais recentes acabou virando um patrimonialismo do tipo gangster. Não surpreende, assim, que os maiores clientes da República de Curitiba sejam justamente esses grandes homens da pesada.
Ninguém precisa explicar o que são os militantes ignaros, pois eles constituem a terceira componente do partido neobolchevique, característica que eles exibem sem sequer ter lido uma linha sequer do grande deformador do marxismo no século XX, o homem que criou a engenharia social totalitária em atividade na pátria do socialismo durante setenta anos, até implodir por força de suas próprias contradições. Eles são a massa de manobra da organização criminosa, e farão tudo o que o seu mestre mandar, por mais contraditórios, ilógicos ou ridículos que sejam os seus slogans.
Finalmente, os companheiros de viagem são esses aspirantes a uma teta qualquer do Estado e que ficam subscrevendo manifestos – redigidos pelos gramscianos – em apoio à sobrevivência dos mafiosos. Eles conseguem falar de defesa da legalidade sem sequer se referir aos casos de corrupção que saltam aos olhos de todos e que levaram multidões às ruas do Brasil. Eles são ou não são miseráveis?


Brasília, 27/03/2016

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