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sábado, 19 de março de 2016

A face oculta de falsos lideres da monarquia petista - Jose Matias-Pereira

Meu colega acadêmico, José Matias-Pereira, professor na UnB, se pergunta, outro dia, se o Brasil era uma "monarquia petista".
Gostei da expressão, e já a utilizei em duas ou três postagens minhas, sempre atribuindo o crédito devido. 
Ele volta novamente a utilizar a mesma caracterização em seu artigo "A face oculta de falsos líderes", publicado no Estadão Noite, de 18 de março de 2016.
Trata-se de um relato factual, e uma avaliação ponderada, do atual cenário político no Brasil, e vale tanto como registro histórico, quanto com um juízo de valor sobre estes tempos não convencionais sob os quais vivemos. 
Paulo Roberto Almeida

Link para o artigo: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,os-destaques-do-estadao-noite-desta-sexta-feira--18,10000022098

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A face oculta de falsos líderes

José Matias-Pereira
Estadão Noite – Sexta-feira, 18 de março de 2016
 
Vislumbra-se que a crise política, econômica e ética no Brasil, começa a dar sinais de que está caminhando para um desfecho, na medida em que novos e graves fatos políticos vão aflorando, numa velocidade enorme.O mais emblemático desses fatos ocorreu nesta semana, a partir da decisão da presidente Dilma Rousseff de “convidar”, nomear e empossar na chefia da casa civil, o ex-presidente Lula. Soou estranha para a população, para o meio político, empresarial, acadêmico e o mercado, essa inusitada decisão da presidente de empossar Lula no cargo de “primeiro ministro” de seu governo. É  sabido que essa decisão implica numa aceitação implícita, considerando a ascendência que o seu criador tem sobre ela, de voltar a ocupar a uma posição de coadjuvante no governo. Na pratica, a decisão sem precedentes na história do Brasil, implica numa espécie de “abdicação”, de forma sutil, em favor de Lula, para realizar o seu terceiro mandato, como se o Brasil fosse uma monarquia petista. As articulações que levaram a essa decisão, no entanto, revelaram contornos políticos obscuros e atípicos, pouco republicanos. É sobre os fatos que envolvem essa "abdicação" que irei abordar a seguir.

O discurso que a presidente fez por ocasião da solenidade de posse de Lula, denota a sua profunda reverência ao seu mentor político, chamando-o de o “maior líder político do país”. Destacou que a vinda de Lula para o governo tinha como objetivo fortalecer o governo e ajudar na recomposição da base de apoio do Palácio do Planalto no Congresso. É relevante destacar que, na sua essência, o discurso de Dilma revelou uma presidente acuada, perplexa e inconformada com a possibilidade de ser defenestrada prematuramente do poder. A afirmação de que, desde que tomou posse enfrenta a oposição de pessoas que tentam “paralisar” o país e tirar dela o mandato, comprova essa afirmação. Foi além, ressaltando que, "ao lado do presidente Lula, dos ministros do governo, e toda a base social que apoia o governo, terão mais força de superar as armadilhas que jogam em nosso caminho aqueles que desde a minha eleição não fizeram outra coisa que tentar paralisar o meu governo, me impedir de governar ou me tirar o mandato de “forma golpista”." E nesse diapasão, arrematou que, “a gritaria dos golpistas não vai me tirar do rumo e não vai colocar o nosso povo de joelhos". Por outro lado, as manifestações que ocorreram logo depois da posse de Lula, quando ele desceu a rampa interna do palácio ao lado de Dilma e foi recebido com gritos de “Lula, guerreiro do povo brasileiro” e “não vai ter golpe”, evocando os eventos promovidos pelo acuado “líder bolivariano”, Maduro, sucessor de Hugo Chávez, governantes populistas e autoritários, que transformaram a Venezuela em terra arrasada.

A nomeação em “regime de urgência” de Lula para o cargo de ministro chefe da Casa Civil, diante da pressa e das circunstâncias que o fato ocorreu, se revelou como uma decisão política equivocada. As justificativas de Dilma para a nomeação e posse, bem como a retórica dos discursos, de que não tinha nenhuma intenção de sua parte de dar a Lula foro privilegiado, mas por se tratar de uma pessoa essencial para dar novo ânimo ao governo, não foram bem aceitas por uma parcela significativa da população. Isso ficou comprovado pelas reações contrárias das pessoas nas redes sociais, bem como pelos protestos de ruas que vem se realizando em várias localidades do país. Esses argumentos, na medida em que foram sendo revelados os áudios das gravações telefônicas de diversos investigados no âmbito da Operação Lava Jato, notadamente as decorrentes de “gravações fortuitas”, não se sustentaram, deixando a presidente numa situação política bastante desconfortável. O custo dessa estratégia política desesperada, definida pelos articuladores políticos do governo como a “cartada final’ para conter o processo de impeachment na Câmara dos Deputados, está se revelando um desastre político sem precedentes. A instalação da Comissão do Impeachment, e o início de suas atividades, agravado pelo enfraquecimento da base política do governo no Congresso, estão mostrando que o cenário político para a presidente estão ficando cada vez mais desfavoráveis.    

Verifica-se que a “operação” em regime de urgência autorizada por Dilma para garantir foro privilegiado para Lula começou a ruir com a divulgação do áudio da gravação telefônica da ligação entre Dilma e Lula, ocorrida no dia 10 de março, na qual a presidente diz que estava enviando-lhe o termo de posse, que deveria ser utilizado em “caso de necessidade”. Em outro áudio, revelado nesta sexta-feira (18/03), essa preocupação do governo em blindar Lula fica ainda mais clara. A gravação telefônica feita no dia 16 de março, pelo presidente do PT, Rui Falcão, para o Palácio do Planalto, pedindo a Jaques Wagner, chefe da Casa Civil, uma reação do governo federal em decorrência do pedido de prisão de Lula pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP). Ao ser questionado por Falcão sobre o que aconteceria com o pedido de prisão, se Lula aceitasse ocupar um ministério imediatamente, Wagner respondeu não saber qual seria o impacto da nomeação. Registre-se que, as reiteradas declarações da presidente, focada apenas no debate técnico sobre a ilegalidade da gravação de sua conversa com Lula, sem entrar no mérito da gravidade do assunto objeto de sua conversa, mostra uma governante fragilizada e na defensiva. 

Devastadora, também, foi a revelação de outra conversa entre Lula com Dilma, na qual ele reclama de forma veemente da forma como vem sendo comandada as investigações da Lava-Jato no Paraná e diz que todos os demais Poderes estão a reboque da equipe de Moro e dos procuradores federais que trabalham no estado. Além de denominar a força tarefa de “República de Curitiba”, afirma que o “Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal estão acovardados, assim como o Congresso”. Em relação à situação dos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirma que os dois estão “fodidos”. A reação ao conteúdo dessa conversa de Lula provocou reações indignadas de diversas autoridades da República, em particular, do Poder Judiciário, Ministério Público e do Congresso Nacional.

A reação mais dura veio do STF, onde o decano da Corte (ministro mais antigo), Celso de Mello, repudiou a afirmação de Lula de que o STF está acovardado: “Os meios de comunicação revelaram, ontem, que conhecida figura política de nosso país, em diálogo telefônico com terceira pessoa, ofendeu gravemente a dignidade institucional do poder judiciário imputando a este tribunal a grosseira e injusta qualificação de ser ‘uma suprema corte totalmente acovardada’. Esse insulto ao poder judiciário, além de absolutamente inaceitável e passível da mais veemente repulsa por parte dessa corte suprema, traduz no presente contexto da profunda crise moral que envolve altos escalões da republica, uma reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes, que não conseguem esconder até mesmo em razão do primarismo de seu gesto leviano e irresponsável o temor pela prevalência do império da lei e receio pela atuação firme, justa, impessoal e isenta de juízes livres e independentes”.

É necessário, destacar, também, que a elevação das perspectivas do afastamento de Dilma da presidência, não é culpa do cenário externo, nem de catástrofes ou de guerras. O cenário de caos instalado no Brasil é resultado de inúmeros equívocos e de medidas temerárias adotadas pela presidente, bem como pelo seu antecessor, apoiadas no populismo, demagogia, patrimonialismo, corporativismo e corrupção, que levou a economia à bancarrota, gerando por decorrência, uma enorme falta de credibilidade e de confiança da sociedade na sua capacidade de conduzir o país nessa travessia difícil que tem pela frente. A comprovação do fracasso do modelo lulopetismo de governar se revela na profunda desorganização da economia. Esses erros provocaram um tombo de 3,8% no produto interno bruto (PIB) do país em 2015 (e que vai se repetir em 2016), estão empurrando a economia para uma forte depressão econômica, aumento do desemprego, queda na renda dos trabalhadores, juros altos e inflação fora de controle.

A discrepância entre a gravidade dos fatos ocorridos, e a fragilidade dos argumentos que vem sendo utilizados pela presidente Dilma e seus ministros para justifica-los, revela um governo desesperado, que está dando sinais evidentes de que se encontra no seu ocaso. A "trama" revelada nessa inusitada operação para blindar o ex-presidente Lula, expõe de forma bastante nítida, a face oculta de falsos líderes políticos, que se julgam acima da Constituição e das leis, e que usam sem nenhum pudor o patrimônio do Estado brasileiro para satisfazer os seus interesses políticos e pessoais. Esses fatos mostram que todos os envolvidos na operação "abdicação”, ultrapassaram todos os limites toleráveis num Estado democrático de direito.

 José Matias-Pereira. Economista e advogado. Doutor em ciência política (área de governo e administração pública) pela Universidade Complutense de Madri, Espanha, e Pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo. Professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília. Autor, entre outras obras, do Curso de economia política (2015), publicado pela Atlas. 


Addendum:
Recebo, do autor, um agradecimento ex-post: 
Caro Paulo Roberto de Almeida: obrigado pela divulgação do meu mais recente artigo sobre o cenário político brasileiro no seu excelente blog. A história nos mostra que maus governantes, por mais que insistam em ficar agarrados ao poder, não se sustentam. Como professor, pesquisador e articulista na área de economia e política, tento me manter equidistante de contaminações ideológicas e políticas. O Brasil é o meu partido. Abraços, José Matias-Pereira    

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