Como anunciado nesta minha postagem:
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/manifestacoes-politicas-partir-de-2013.html
participei ontem, 18/05/2016, de uma palestra-debate, no Instituto de Direito Público, em Brasília, sobre os chamados "movimentos de rua", e suas manifestações políticas, como "causa ou sintoma" da crise brasileira recente, ainda em curso, aliás, embora já numa fase de governo transitório.
O poster feito a propósito do evento, como acima reproduzido, serve para esclarecimento de seus termos, que já delimitavam os objetivos da palestra-debate, e foram por mim desenvolvidos no texto que segue abaixo, como informação do que penso a respeito desses velhos (que não são "de rua", mas que podem estar na rua) e novos movimentos (que estes sim, são de rua), que tiveram, os últimos, um papel decisivo no processo de impeachment (junto com a chamada "República de Curitiba"), e que têm, os primeiros, um papel igualmente relevante na luta de "retaguarda" (ou de resistência ao que eles designam como "golpe", o que é uma farsa) mantida pelo grupo hegemônico afastado agora do poder para não ser escorraçado de vez do governo.
Creio que o que eu escrevi abaixo revela claramente o que penso sobre uns e outros movimentos, mas permito-me agregar, nesta curta introdução que, por falta de tempo (e eu não sabia dessas limitações), não pudemos responder a todas as demandas da audiência. Como eu sempre me comprometo com respostas a perguntas efetuadas pelos presentes, vou postar, sequencialmente, minhas respostas a algumas dessas perguntas que me foram dirigidas.
Paulo Roberto de Almeida
Velhos e novos movimentos políticos na crise
brasileira recente
Paulo Roberto de Almeida
[Notas para participação
de debate sobre “Manifestações políticas, a partir de 2013, e a crise
brasileira recente”, para debate no Instituto de Direito Público, em 18/05/2016]
O objetivo geral deste
evento foi descrito como sendo o de “analisar os movimentos de rua (sic) como
causa ou sintoma da crise política”. Em outros termos, os chamados “movimentos
de rua” estariam de alguma forma associados à presente crise política, o que me
parece apenas parcialmente correto. Para isso vou fazer qualificações aos
conceitos de “movimentos” e de “de rua”, bem como aos de “causa ou sintoma”, e
por fim a isso que chamamos de “crise política”. Cada um desses termos merece
uma qualificação muito bem feita, se é que eu preciso atender ao que se
anunciou como “objetivo geral”, deste encontro, cuja organização eu agradeço a
meu amigo Danilo Porfírio, o nosso Pancho Villa do Direito, não que ele seja um
revolucionário radical, mas que ele tem o perfil do mexicano, embora armado
apenas das pistolas do Direito.
Movimentos, de rua ou
não, são geralmente identificados a ONGs, ou seja, organizações não
governamentais, o que redundaria a dizer que são associações de interesses
específicos que brotam da própria sociedade civil e que, no mais das vezes, são
independentes do, quando não opostas ao Estado. Mas, no Brasil, país da mil
jabuticabas em profusão, essas ONGs tem uma curiosa tendência a virarem quase
que imediatamente ONGGS, ou seja, organizações não governamentais
governamentais, no sentido em que elas vivem em função de recursos do Estado, não
da sociedade que as viu supostamente brotar, e algumas, aliás, são constituídas
expressamente com esse objetivo: sugar recursos dos cidadãos através do Estado,
que as patrocina e as mantém.
A maior parte dos
movimentos assim constituídos não tem nada a ver com a atual crise política,
pois estão na paisagem há algum tempo já, sugando os recursos do Estado há
muitos anos, talvez décadas. Foi por isso que eu fiz a distinção entre velhos e
novos movimentos políticos, pois os que surgiram supostamente no bojo da atual
crise política, e que ainda estão usando fraldas e tomando mamadeira, têm muito
pouco a ver com seus congêneres já de barba e bigode, várias de cabelos
brancos, quando não com muitos militantes aposentados nas “lutas sociais”.
Impossível catalogar
todos os movimentos ditos sociais, ou “de rua”, que existem no Brasil: eles são
centenas, milhares, tanto mais números quanto é generoso o governo que arranca
dinheiro do Estado, ou seja, de todos os cidadãos, para distribuir esse maná
apenas para alguns cidadãos que são mais iguais que outros, ou seja, os membros
de ONGGs que possuem essa faculdade especial de manter boas relações com
membros de um determinado governo.
Nem todas as ONGs são
oportunistas a esse ponto: muitas são efetivamente sociais ou se dedicam a
finalidades sociais relevantes, causas humanitárias, ou até salvar o planeta de
seu muitos males causados, como não poderia deixar de ser, pela ambição e
ganância capitalista por mais lucros, em detrimento do bem estar dos
trabalhadores, do meio ambiente e até da paz social, concentradores perversos
como são todos os sistemas capitalistas existentes neste nosso planetinha
redondo.
Uma consulta a uma rede,
ou associação-guarda-chuva de organizações sociais “velhas”, ou seja,
constituídas em fases bem anteriores à atual crise política, a REBRIP, Rede Brasileira
pela Integração dos Povos, criada em 2001 para lugar contra esses mesmos
capitalistas perversos, permite verificar que sua lista de membros ou
associados conta com não menos de setenta outras ONGs, associações, sindicatos,
movimentos, ou grupos de interesses muito diversos, e que coincidem justamente na
luta pelos direitos coletivos, da natureza social ou política, com uma forte
nas ações anticapitalistas e anti-imperialistas. Segundo seu próprio site, a
REBRIP é apoiada pela OXFAM, Oxford Famine Relief (em sua origem, na Inglaterra
da Segunda Guerra), pela sempre tão generosa Comissão Europeia e pela Ford
Foundation, uma organização capitalista anticapitalista como se vê. Por acaso,
sua secretaria executiva é abrigada pela CUT nacional, com sede em São Paulo.
Esses “movimentos de
rua” não são todas as associações ou grupos que se mobilizam em torno do
governo, do governo petista em especial: são muitas outras que comparecem, para
ser mais exato, na folha de pagamentos do governo, entre elas as mais famosas,
como MST, MTST, UNE, sem mencionar as dezenas, talvez centenas de entidades que
se situam no plano da mobilização em redes virtuais e que se dedicam,
justamente, à conexão de todas essas entidades em favor das mesmas causas que favoreciam
o governo suspenso do lulopetismo, em especial na área de comunicação: são os
chamados blogueiros sujos, além de alguns importantes veículos digitais ou
mesmo impressos, que também figuram entre os beneficiários do maná
governamental. No lado oposto, ou seja, movimentos contrários a essas correias
de transmissão do mesmo arquipélago da esquerda, não existem forças similares
ou sequer equivalentes.
Sabe-se que existe uma associação
mais recente de organizações que poderiam ser classificadas como de direita,
elas sim produtos ou sintomas da crise política, a Aliança Nacional dos
Movimentos Democráticos em cuja lista figuram cerca de meia centena, mais
exatamente 48 organizações de orientações diversas, mas todas elas centradas na
luta contra a corrupção, em favor da reforma política-eleitoral, pela
responsabilidade fiscal, pela escola sem ideologia e outros objetivos
assemelhados. Mas, sintomaticamente, dela não fazem parte os dois principais
movimentos que organizaram, com a ajuda de várias outras organizações –
inclusive seres bizarros que pediam uma intervenção militar constitucional para
acabar com o governo corrupto e inepto do PT –, as gigantescas manifestações
que mobilizaram milhões de pessoas em todo o Brasil, o MBL, Movimento Brasil
Livre, e o VPR, que não é a antiga Vanguarda Popular Revolucionária do finado
capitão Lamarca, mas o Vem Prá Rua.
Se quisermos ser
maniqueístas poderíamos chamar os primeiros de mortadelas e os segundos de
coxinhas, mas esses dois termos, aparentemente pejorativos (mas o de coxinhas
foi bem absorvido pelos próprios), não refletem todos os matizes dessas duas
grandes agrupações de movimentos que são classificados, grosso modo, pela
imprensa burguesa (ou golpista, à escolha), como sendo, de um lado,
“progressistas”, ou de esquerda, e, de outro, direitistas ou conservadores. Não
vamos entrar aqui num debate sobre esses termos, mas voltar para aqueles do
nosso objetivo geral.
Os coxinhas são
indiscutivelmente movimentos de rua, pois expressam a santa indignação da
classe média, ou das elites, como quiserem, pela situação de crise econômica, e
de impasses políticos, a que o Brasil foi conduzido desde o primeiro mandato de
Dilma Rousseff, e com maior acuidade e dramaticidade, a partir de sua vitória
apertada em 2014. O desenlace atual não restabeleceu a paz social, ou um
entendimento político, pois os movimentos ditos progressistas prometem
continuar se opondo ao governo transitório, ou temporário, de Michel Temer, e o
próprio PT acaba de declarar que vai opor-se terminantemente ao governo
golpista deste último. Os coxinhas, por sua vez, continuam a pedir a punição
dos políticos corruptos, mas ainda não programaram nenhuma grande manifestação
para esta estação outonal. Eles estão, aparentemente satisfeitos com o que foi
alcançado até aqui, mas continuam vigilantes para o que der e vier. As ruas, no
momento, estão sendo ocupadas pelos chamados movimentos de esquerda, pelo menos
enquanto houver mortadela e dinheiro dos sindicatos, o que durar mais.
O processo de
impeachment vai ser provavelmente confirmado pelo Senado, com o que diminuirá
sensivelmente o financiamento de muitas ONGGs, e de vários movimentos que
viviam de transferências públicas algo obscuras, mas não parece capaz de reduzir
a divisão política entre os muitos movimentos, velhos ou novos, que se
organizam de acordo aos dois polos antinômicos herdados do Iluminismo europeu e
da Revolução Francesa, a saber, de um lado o liberalismo de corte
individualista, de outro as demandas por igualdade de cunho social ou
coletivista. Esta divisão, que toma apoio em filosofias claramente opostas
quanto às formas possíveis de organização econômica e social, promete durar
pelo futuro indefinido: numa ponta se situam os partidários dos livres mercados
e da iniciativa privada, na outra os proponentes de uma forte ação estatal para
corrigir o que é percebido como desigualdades criadas naturalmente pela ação
desses mercados livres, e que portanto necessitam do Estado para domar mercados
e diminuir as desigualdades por via de uma ação distributiva a partir do alto.
Não creio que essa
divisão fundamental venha a diminuir no futuro previsível, ainda que os antigos
partidários do coletivismo econômico, especificamente em sua forma socialista
centralizada, tenham sido constantemente frustrados pela incapacidade do
intervencionismo estatal em suas modalidades mais extremadas produzir o quantum
de igualdade e de prosperidade como apregoado pelos pais fundadores da
doutrina. Mas mesmo os liberais, aparentemente triunfantes na grande luta do
século XX entre os socialistas e os defensores de economias de mercado, não
estão perto de recolher esse triunfo ilusório, pois em todas as partes, mesmo
nas economias de mercado mais avançadas, o Estado assumiu enormes
responsabilidades, e controla uma parte cada vez maior da riqueza produzida
pela sociedade civil.
Tudo isso é conhecido,
desde longos anos, pelos cientistas políticos e pelos economistas de diferentes
escolas, e não apresenta grandes novidades para fins deste nosso debate. A
intenção, como dito no objetivo geral, é avaliar a ação desses grupos, ou
movimentos, na crise brasileira recente. Pois bem, vamos a ela. O que poderia
ser dito sobre a participação dos “movimentos de rua”, ou assimilados a tal no
processo brasileiro recente?
Obviamente que as
contribuições, transferências e subsídios concedidos pelos governos
lulopetistas às suas correias de transmissão na chamada sociedade civil não são
responsáveis pela crise econômica, pelo menos em sua parte fiscal. Dados
disponíveis a esse respeito indicam que a “bolsa banqueiro” – ou se quisermos,
os juros da dívida pública, mas que já faz parte do panorama fiscal desde
longos anos, pelo menos desde a independência – assim como a “bolsa
empresário”, ou “bolsa BNDES”, esta sim uma inovação, ou o seu reforço
extraordinário nos últimos anos, provocaram, junto com as desgravações
setoriais e subsídios enormes a programas específicos, o imenso descalabro
fiscal que precipitou a crise econômica em que vivemos atualmente. Mas o apoio
a supostos “movimentos de rua” alinhados com o governo, muitos deles atuando de
maneira mercenária – a chamada turma da mortadela – são um componente relevante
na crise política, uma vez que eles mantêm, depois da derrota no Congresso, a
pressão das ruas e entre os chamados formadores de opinião, que são geralmente
jornalistas ou gramscianos de academia (ou seja, professores simpáticos a causa
petista).
Essa realidade vai
continuar, pelo menos enquanto o pessoal da mortadela for alimentado, ou
financiado, e enquanto os apoiadores ideológicos – isto é, os jornalistas e os
professores alinhados – estiverem convencidos de que é possível esperar uma
volta do partido hegemônico da esquerda, ou seja, o PT, que funciona como um hub, ou seja, um núcleo central, com
tentáculos e satélites espalhados por toda a sociedade civil (os mesmos, aliás,
que aparelharam extensivamente o Estado nos anos lulopetistas). Não podemos nos
enganar nesse particular: os chefes daquilo que foi descrito como uma
organização criminosa podem ter sido expulsos do poder central, mas seus
apoiadores continuando ocupando postos no governo e no Estado em todas as
esferas e níveis da federação, e toda a imensa rede de sustentação, que não é
constituída apenas pelos movimentos de rua, ou assemelhados, são ainda
extremamente relevantes, eu diria até estratégicos, para a manutenção da
ideologia que motivou essa conquista do Estado na década passada. As
mentalidades continuam preservadas e ainda bastante fortes, não só nas
instituições de ensino, em diversos níveis, mas sobretudo nos sindicatos e nessas
organizações sociais que são, ainda são, sustentadas pelo governo mediantes
diferentes canais de transferência de recursos.
Do outro lado, podemos
sinalizar a existência de velhos grupos saudosistas do antigo regime militar,
mas sobretudo a emergência dos novos movimentos classificados como de “direita”,
o que eu considero fundamentalmente equivocado. A sociedade civil espontânea,
ou seja, aquela não organizada nesses movimentos tradicionais, evoluiu bastante
no Brasil, desde o início do governo petista, que conseguiu conquistar uma
parte da classe média com sua mensagem pela ética na política, de justiça
social, de redistribuição de renda e de serviços públicos fornecidos em caráter
universal ou focados em grupos específicos (as chamadas minorias sociais,
geralmente raciais ou sexuais). Essa mesma sociedade se deu conta, no decurso
dos últimos anos, e talvez desde a denúncia do Mensalão, que havia um outro PT,
uma outra esquerda que ela não conhecia: uma organização centrada em seu
interesse próprio, operando o completo aparelhamento do Estado e envolvida em
rumorosos casos de corrupção que serviu para quebrar o encanto com os antigos “justiceiros
sociais”. Tudo isso explodiu nas eleições de 2014, percebidas como “estelionato
eleitoral”, o que logo após foi confirmado pela mudança completa de política
econômica e pela revelação do imenso déficit causado nas contas públicas pela
política irresponsável conduzida nos últimos anos.
Tudo isso serviu de
estopim para os novos movimentos de rua, que congregam aquilo que eu chamo de
cidadania ativa, consciente e crítica: é esta cidadania, basicamente os
coxinhas de classe média, pequenos empresários, jovens não contaminados pelo marxismo
vulgar da academia gramsciana, que constituiu os mais famosos movimentos desta
fase, o Movimento Brasil Livre e o Vem Prá Rua, além de outros menos
conhecidos. São eles que, junto com a República de Curitiba, empurraram o
Congresso para o impeachment, e são eles talvez figurem no novo panorama político
do Brasil. Este é um cenário novo, de transição. Mas não tenho dons de adivinho
para prever o que vai acontecer nos próximos meses, ou até 2018, quando
deveremos renovar todas as expressões políticas mais importantes no executivo e
no legislativo.
Seguiremos atentos...
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Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 18 de maio de 2016
2980. “Velhos e novos movimentos
políticos na crise brasileira recente”, Brasília, 18 maio 2016, 6 p. Notas para
participação de debate sobre “Manifestações políticas, a partir de 2013, e a
crise brasileira recente”, a convite e sob a coordenação de Danilo Porfírio,
professor da graduação e pós-graduação da Escola de Direito de Brasília do
Instituto de Direito Público, com a participação de Raul Sturari (Instituto
Sagres).