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terça-feira, 5 de outubro de 2021

Roberto Campos, diplomata, economista e político: o constituinte profeta, livro em sua homenagem - 6/10/2021, 10:00hs (IDP)

 

Como informado na nota acima, participarei, nesta quarta-feira, 6 de outubro, às 10hs, do lançamento virtual do livro preparado em homenagem ao grande estadista brasileiro Roberto Campos, como um dos autores de um dos capítulo, ao lado de colegas acadêmicos (como Arnaldo Godoy, Lênio Streck), advogados, políticos, além do filho e do neto de Roberto Campos.


 O livro contém contribuições de diferente qualidade, mas abrindo com um ensaio de rico conteúdo analítico, da pena de meu colega e amigo Arnaldo Godoy, cujo título já constitui todo um programa: "Roberto Campos: o profeta da catástrofe institucional e dos desacertos econômicos da Constituição de 1988", e fechando com uma contribuição de minha autoria, tratando de todos os artigos publicados na imprensa diária sobre esses desacertos (reunidos na segunda parte do livro), cujo título também é revelador: "
Roberto Campos e a utopia constitucional brasileira", 


Faremos o lançamento nesta quarta-feira, dia 06/10, às 10h, pela plataforma Zoom, mas que pode ser assistido por todos os interessados, neste kink do Youtube: https://youtu.be/YCbGEmoCY_Q

Eis os dados completos da publicação:

Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins (coords.): 

Roberto Campos: diplomata, economista e político – o constituinte profeta 

(São Paulo: Almedina, 2021, 391 p.; ISBN: 978-65-5627-192-7; p. 81-122); disponível no site da Editora (link: https://www.almedina.com.br/produto/roberto-campos-diplomata-economista-e-politico-o-constituinte-profeta-9265 ). 


quinta-feira, 19 de maio de 2016

Velhos e novos movimentos na crise brasileira recente: palestra no IDP - Paulo Roberto de Almeida

Consolidação da palestra e perguntas respostas no debate abaixo, como segue:

Velhos e novos movimentos políticos na crise brasileira recente

Consolidação do texto e das perguntas e respostas num único documento para postagem em Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/303345830_Velhos_e_novos_movimentos_politicos_na_crise_brasileira_recente).

2980. “Velhos e novos movimentos políticos na crise brasileira recente”, Brasília, 18 maio 2016, 15 p. (6 p + 9 p). Notas para participação de debate sobre “Manifestações políticas, a partir de 2013, e a crise brasileira recente”, a convite e sob a coordenação de Danilo Porfírio, professor da graduação e pós-graduação da Escola de Direito de Brasília do Instituto de Direito Público, com a participação de Raul Sturari (Instituto Sagres). Palestra disponibilizada no blog Diplomatizzando, em 19/05/2016, sob o link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/movimentos-politicos-e-crise-politica.html; respostas a perguntas efetuadas na ocasião respondidas posteriormente, disponibilizadas numa sucessão de quatro novas postagens sob os links: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/debate-no-idp-18052016-respostas.html; http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/debate-no-idp-18052016-respostas_19.html; http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/debate-no-idp-18052016-resposta.html e http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/debate-no-idp-4-resposta-pergunta.html

 

Debate no IDP, 4: resposta a pergunta formulada (18/05/2016) - Paulo Roberto de Almeida

Dou continuidade, e termino aqui, minhas respostas a perguntas formuladas por ocasião do debate efetuado no IDP na noite de ontem, sobre o tema das manifestações de rua.


Instituto Brasileiro de Direito Público
Escola de Direito de Brasília

Perguntas: Palestra Manifestações políticas a partir de 2013 e a crise brasileira recente

[Respostas de Paulo Roberto de Almeida a perguntas feitas por ocasião do evento título, no qual efetuei pequena palestra, já divulgada em meu blog Diplomatizzando, disponível no link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/movimentos-politicos-e-crise-politica.html].



5) Paulo, como você visualiza as manifestações dos líderes dos países latinos que não reconhecem o interino. Estas negativas podem ser entendidas como uma forma dos integrantes do Mercosul estarem se protegendo contra uma provável ameaça da entrada das empresas internacionais que poderiam colocar em cheque as economias locais?

PRA: Em primeiro lugar, cabe considerar que não foram “líderes de países latinos” que deixaram de reconhecer, ou formularam críticas, ao governo interino do vice-presidente Michel Temer. Foram apenas alguns países, todos eles pertencentes ao que pode ser chamado de “arco do Foro de São Paulo” – uma organização que reúne os chamados partidos progressistas da América Latina, mas que é de fato controlada pelos comunistas cubanos – e que atuaram, diga-se a verdade, a pedido e sob instruções do partido hegemônico do governo anterior, o do PT, derrocado pelo atual processo de impeachment ainda em curso no Senado Federal.
Foi o PT quem orquestrou essa onda de “manifestações” feitas por apenas alguns governos – os da Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua, assim como da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América/Tratado de Comércio dos Povos (ALBA/TCP), -- bem pelo secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, posteriormente pelo governo de El Salvador, e que mereceu notas de resposta do governo brasileiro através de sua chancelaria, o Itamaraty (ver as notas no site do Itamaraty). São, portanto, manifestações muito restritas que não representam a totalidade, sequer a maioria, dos “líderes latinos”.
Essas “manifestações” não têm, por outro lado, nada a ver com o Mercosul, ou com uma suposta “defesa” contra ameaças de empresas estrangeiras aos mercados locais. Os países do Mercosul – com a exceção da Venezuela chavista, bolivariana, em estado pré-falimentar – são todos capitalistas, ainda que bastante estatizantes, e todos eles com grande abertura econômica para investimentos estrangeiros. Dezenas, centenas de investidores externos já se encontram operando nos mercados internos, no mercado regional e nos fluxos de comércio internacional dentro e a partir desses países, e eles são, em grande medida, preeminentes no comércio exterior do Mercosul, uma vez que já possuem um perfil marcadamente voltado para as trocas internacionais de bens e serviços. Não vejo, portanto, nenhuma ameaça vindo por esse lado, e se existisse, o que é totalmente ilusório, fantasioso, ou fantasmagórico, não teria nada a ver com essas manifestações de alguns poucos líderes políticos orquestrados e incitados, de forma totalmente antipatriótica cabe registrar, pelo próprio PT, contra o governo legítimo do vice-presidente Michel Temer.

  FIM

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 19/05/2016

Debate no IDP (18/05/2016: Resposta a pergunta formulada, 3 - Paulo Roberto de Almeida

Dou continuidade a minhas respostas a perguntas formuladas no debate de ontem à noite na palestra-debate no IDP, já objeto de duas postagens anteriores.


Instituto Brasileiro de Direito Público
Escola de Direito de Brasília

Perguntas: Palestra Manifestações políticas a partir de 2013 e a crise brasileira recente

[Respostas de Paulo Roberto de Almeida a perguntas feitas por ocasião do evento título, no qual efetuei pequena palestra, já divulgada em meu blog Diplomatizzando, disponível no link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/movimentos-politicos-e-crise-politica.html].


4) Até que ponto podemos considerar que movimentos como MST, MTST, MAB [?] se tornaram grupos violentos e armados similares aos grupos armados pelo governo da Venezuela e podem representar um perigo real? O fluxo de recursos públicos cessou com a suspensão do governo do PT?

PRA: O século XX, que começou sob o signo da chamada belle époque, ou segunda onda de globalização (terço final do século XIX e início do XX, até 1913), foi um dos mais violentos jamais vistos em qualquer época. Recomendo a este propósito a leitura do livro do historiador britânico (escocês) Niall Ferguson, The War of the World (não sei se já traduzido para o português), que retrata muito bem toda a extensão da tragédia que foram os dois grandes conflitos globais, primeira e segunda guerras mundiais, e as diversas outras guerras devastadoras de caráter mais localizado (invasão da Mandchúria, em 1931, e depois da China, em 1937, pelos militaristas japoneses, a invasão da Etiópia pelos italianos, nos anos 1930, a guerra civil espanhola entre 1936 e 1939, e outros conflitos menores, inclusive na própria América Latina, como a guerra do Chaco, entre Paraguai e Bolívia).
Mas, o que o século XX também produziu foram ideologias coletivistas, de caráter profundamente antiliberal, ou autoritário, e mesmo totalitário, representados pelo bolchevismo (ou socialismo soviético) e pelo fascismo, primeiro italiano, sob Mussolini (de 1922 a 1943), depois alemão, ou nazista, sob Hitler (1933-1945), ou ainda pelo militarismo japonês da mesma época, e em certa medida também por outros experimentos de nacionalismo autoritário (Estado Novo em Portugal, e depois no Brasil, em 1937, respondendo a supostas ameaças de dominação comunista ou de inspiração direitista, integralista).
Esses movimentos se alimentaram de milícias armadas, de movimentos políticos extremamente violentos, baseados na organização de grupos de autodefesa, ou de ataque aos inimigos políticos, de classe (como no socialismo soviético) ou de raça (como no nazismo hitlerista). Eu vejo esses movimentos referidos no Brasil (MST, MTST) como potenciais grupos armados em forma de milícia, que são herdeiros da mesma tradição putchista, golpista, contestadores violentos da ordem legal-democrática, que já vimos em todos esses experimentos de “engenharia social” que redundaram nos mais dramáticos episódios de violência a que assistimos no decorrer do século XX. Não tenho nenhuma dúvida, por exemplo, de que o MST não é uma organização voltada para a reforma agrária, que é a sua suposta legitimidade política, e sim um movimento de tipo bolchevique, ou neobolchevique, voltado para a tomada de poder, segundo um modelo eventualmente leninista, mas talvez maoísta (guerra camponesa), o que, nas condições do Brasil atual (ou mesmo de algumas décadas atrás, quando o MST foi constituído) é totalmente contrário a valores e princípios da ordem democrática que tentamos criar e consolidar no país. O MTST pode ser uma tentativa de reprodução do mesmo modelo do MST em condições urbanas, e de fato eles reproduzem as mesmas táticas: ocupações ilegais, obstrução de vias de comunicação, invasão de prédios públicos e propriedades privadas, destruição do patrimônio público ou privado, total desrespeito à lei e à ordem e todo tido de contravenções antidemocráticas que é possível esperar de agrupamentos desse tipo.
Mas o Brasil não alcançou, e nem deverá alcançar – uma vez que as FFAA não deverão permitir – o estágio já alcançado pela Venezuela, onde é o próprio governo autoritário – aliás teleguiado pelos comunistas cubanos – que arma milícias armadas, os chamados “coletivos”, que são grupos violentos, subsidiados, mantidos, armados pelo próprio governo para intimidar, ou até matar, adversários políticos e até civis inocentes. Isso é uma reprodução exata do que fizeram os fascistas italianos e os nazistas alemães desde os anos 1920, fenômenos reproduzidos em outras escalas em outros países, como entre os falangistas espanhóis, ou milícias populares em outros países (sempre com intenções golpistas, putchistas, ou revolucionárias).
Não temos uma informação clara sobre o fluxo de verbas que o governo do PT destinava, sempre destinou, a esses movimentos ditos sociais, mas que são correias de transmissão desse partido que eu classifico como neobolchevique (pelo menos para uma parte de seus dirigentes, os “guerrilheiros reciclados”), e que ainda pode continuar sob formas diversas (cestas básicas para supostos “agricultores familiares”, por exemplo, na verdade, “laranjas” do MST ou de movimentos similares). Se presume que o novo governo, sob a presidência temporária do vice-presidente Michel Temer, interrompa esses fluxos absolutamente escandalosos, e em grande medida ilegais, recebidos por essas organizações de fachada, correias de transmissão de um partido com vocação profundamente autoritária, ao estilo leninista. Eles ainda podem receber recursos do exterior, de forma legal (ONGs de países desenvolvidos, por exemplo, que pensam estar apoiando projetos legítimos de “reforma agrária”), ou até mesmo ilegal (já se falou, por exemplo, de dinheiro cubano, chavista-venezuelano, ou mesmo das FARC, a narco-guerrilha colombiana). Em todo caso, a democracia brasileira tem o direito de se defender contra grupos armados ou violentos que atentam contra a paz social, os direitos legítimos de proprietários de imóveis, ou até contra o próprio Estado.


Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 19/05/2016

(a continuar...)

Debate no IDP (18/05/2016): Respostas a perguntas formuladas, 2 - Paulo Roberto de Almeida

Dou continuidade à tentativa de responder adequadamente às perguntas formudas por ocasião do debate ocorrido ontem, 18/05/2016, no IDP, como abaixo indicado.


Instituto Brasileiro de Direito Público
Escola de Direito de Brasília

Perguntas: Palestra Manifestações políticas a partir de 2013 e a crise brasileira recente

[Respostas de Paulo Roberto de Almeida a perguntas feitas por ocasião do evento título, no qual efetuei pequena palestra, já divulgada em meu blog Diplomatizzando, disponível no link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/movimentos-politicos-e-crise-politica.html].



3) É possível, de fato, a existência em um Brasil pluralista, tal qual se configura, uma dinâmica de Direita, que não observa de fato a necessidade de todos os brasileiros? É necessária a polarização, ou é necessária a observância de que todos, de fato, são em algum grau minoria? Como se pode, se possível, derramar menos sangue?

PRA: Em primeiro lugar, permito-me observar que não vejo, no atual momento político brasileiro, ameaças de “derramamento de sangue”. A Venezuela, sim, corre esse risco, mas no Brasil, a despeito da polarização atual – provocada, inteiramente, diga-se de passagem, pelos opositores ao processo legal e constitucional de impeachment – não parece haver o perigo de enfrentamentos armados ou manifestações muito violentas.
Em segundo lugar, creio que o Brasil já constitui uma democracia pluralista, ainda que uma democracia de baixa qualidade (pelos enormes problemas de governança, de segurança pública, de deformações nos sistemas eleitoral, pela corrupção disseminada em amplas esferas do setor público, etc.). Não vejo, por outro lado, nenhuma dinâmica de “direita”, ainda que possam existir personagens e atores políticos que se identificam dessa forma, mas são raros, raríssimos, praticamente inexistentes.
O cenário político nacional é amplamente dominando por partidos que pertencem, ou dizem pertencer, a correntes progressistas, reformistas, socialdemocratas, quando não claramente de esquerda, alguns abertamente socialistas, outros absurdamente “comunistas”, como o anacrônico PCdoB e outra seitas de extrema-esquerda. Mesmo o chamado partido de direita, antigamente PFL (Partido da Frente Liberal), modernamente DEM (ou Democratas) se pretende um partido “social liberal”, ou seja, de inspiração liberal, mas consciente de que essa corrente precisa de alguma forma se justificar “socialmente” em face do eleitorado, o que redunda, para praticamente TODOS os partidos um apelo a soluções estatais para a resolução dos imensos problemas sociais brasileiros. O único, até aqui, partido que proclama abertamente as virtudes do liberalismo econômico clássico, e que pretende soluções de mercado para a maior parte desses problemas é o partido NOVO, ainda que o PSL também pretenda aderir ao credo liberal.
Não vejo, portanto, nenhuma “dinâmica de Direita”, e não vejo polarização sendo criada artificialmente pela maior parte dos partidos políticos. De fato, há essa divisão, mas ela é feita, sempre foi feita, continua sendo feita, pelo partido que foi, durante muito tempo, socialmente e eleitoralmente hegemônico no país, o Partido dos Trabalhadores, PT, que sempre apoiou sua publicidade nessa divisão artificial, mentirosa e fraudulenta, entre o “povo” e as “elites”, entre “nós” (eles) e “eles” (todos nós, não membros e não militantes do PT). No momento atual, em que esse partido hegemônico (até pouco tempo) se vê alijado do poder – por ter cometido crimes eleitorais, crimes comuns, e dirigido um vasto esquema de corrupção como nunca antes se viu no país, possivelmente no hemisfério, talvez no mundo –, ele dá início, ou intensifica uma campanha mais uma vez viciosa, temerária, negativa e mais uma vez fraudulenta, de divisão do país, e de aposta na fratura política para eventualmente recolher apoio eleitoral mais adiante. Seu Diretório Nacional pretende continuar denunciando como “golpe”, ou como “governo ilegítimo” o mandato transitório, ou temporário, do vice Michel Temer, enquanto dura o processo de impeachment, no Senado, e disse que vai fazer uma oposição completa, total, a todas as medidas do governo, ou seja, a todo o esforço de reconstrução econômica e política, depois que eles conduziram o que eu chamo de Grande Destruição no país (ver meu artigo: The Great Destruction in Brazil: How to Downgrade an Entire Country in Less Than Four Years”, Mundorama (n. 102, 1/02/2016, ISSN: 2175-2052; link: http://www.mundorama.net/2016/02/01/the-great-destruction-in-brazil-how-to-downgrade-an-entire-country-in-less-than-four-years-by-paulo-roberto-de-almeida/).
Em resumo, o Brasil já é pluralista, e a maior parte da população quer um país pluralista, com todas as correntes de opinião e movimentos político-partidários com total liberdade de expressão, mas alguns, sempre da esquerda (já que não existe direita no Brasil, ou pelo menos não como expressão real, com implantação social), querem e conduzem uma campanha de divisão, de polarização.


Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 19/05/2016

Debate no IDP (18/05/2016), Respostas a perguntas formuladas, 1 - Paulo Roberto de Almeida

Permito-me postar abaixo, respostas a duas das diversas perguntas formuladas por ocasião da palestra-debate:
Manifestações políticas a partir de 2013 e a crise brasileira recente
(ver aqui: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/movimentos-politicos-e-crise-politica.html),
sem a identificação de seu formulador: 
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 19/05/2016


Instituto Brasileiro de Direito Público
Escola de Direito de Brasília

Perguntas: Palestra Manifestações políticas a partir de 2013 e a crise brasileira recente

[Respostas de Paulo Roberto de Almeida a perguntas feitas por ocasião do evento título, no qual efetuei pequena palestra, já divulgada em meu blog Diplomatizzando, disponível no link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/movimentos-politicos-e-crise-politica.html].

1) O quanto Michel Temer pode se afastar do programa de governo que o elegeu junto com Dilma, sem perder legitimidade?

PRA: Campanhas eleitorais são conduzidas, na maior parte das vezes, com apoio em vagas promessas dos candidatos, que costumam anunciar tudo de bom para sua audiência cativa, os eleitores, que constituem uma imensa massa de cidadãos, a maior parte contribuintes compulsórios das receitas de governo (e uma pequena parte de dependentes ou excluídos do mercado de trabalho), e que deverão, de uma forma ou de outra, financiar eles mesmos, direta ou indiretamente, todas as supostas realizações prometidas, muitas vezes de forma demagógica pelos ditos candidatos. Não devemos nunca esquecer, em primeiro lugar, que o governo não produz um único centavo de riqueza; toda agregação de valor numa determinada economia é feita pelos agentes primários da criação de riqueza, empresários e trabalhadores empregados, que têm, ou veem, uma parte da renda criada com suas atividades apropriada pelo governo – por meio de tributações diversas, diretas e indiretas, como impostos, taxas, contribuintes, recolhimentos compulsórios sobre determinados serviços, etc. – que pode, depois, pela via orçamentária, prestar aqueles serviços demandados pela população e, em princípio, devidos pelo Estado. Digo em princípio porque não necessariamente precisaria ser assim: muitos dos serviços utilizados pelos cidadãos podem ser diretamente comprados nos mercados – como de fato o são em diversos casos – pelos cidadãos: saúde, educação, transportes, habitação, segurança, aposentadoria, etc. Não há quase nada que o Estado “forneça” ao cidadão que não possa ser objeto de uma transação legítima feita diretamente pelos cidadãos em mercados livres, com exceção (e ainda assim sob condições especiais) de defesa nacional, relações exteriores, garantia de justiça (e a devida segurança nos contratos e transações) e algumas grandes obras de infraestrutura de longa maturação (como barragens, estradas, portos, etc., que mesmo assim são contratadas pelo Estado junto a provedores privados de construção e manutenção).
Esta longa introdução é necessária para dizer que não há nada, absolutamente nada que um candidato possa prometer aos eleitores – ou seja, seu “programa de governo” – que não passe, necessariamente pela “extração” de recursos da própria sociedade. E esses “programas de governo”, como já dito, são em grande parte mentirosos ou demagógicos. Um candidato, se for são de espírito, jamais vai dizer aos seus eventuais eleitores, algo do gênero: “Ouçam aqui idiotas: eu vou prometer uma longa série de realizações, aumento da renda, emprego garantido, facilidades para comprar a casa, serviços públicos gratuitos, mas tudo isso será financiado por vocês mesmos, por meio dos impostos já arrecadados, ou novos que eu terei de criar se eu quiser realmente cumprir o que estou prometendo. E se não der para cobrar mais impostos, eu vou simplesmente aumentar a dívida pública, que será paga por vocês, algum dia, e os juros imediatamente, e será também deixada para seus filhos e netos.”
Acredito que nenhum candidato é louco o suficiente para dizer claramente O QUE OCORRE, de fato, em qualquer processo eleitoral e, depois, de governo. Como ninguém assume a realidade, os “programas de governo” são geralmente enganosos, uma vez que os candidatos não esclarecem os cidadãos que TUDO AQUILO que ele pretende oferecer aos eleitores poderia ser simplesmente comprado por eles, segundo sua própria escolha e vontade, em mercados livres, em lugar de passar pela geralmente custosa intermediação do governo (que consome com sua própria máquina boa parte desses recursos arrecadados, para sua própria manutenção: burocratas que ficam, assim, encarregados de satisfazer os desejos dos eleitores, mas que também custam, e muito, à sociedade). Ou seja, TODOS, cidadãos contribuintes ou não, estariam numa melhor situação de bem estar se passassem a usar a sua própria renda para decidir o que fazer com ela, em lugar de “emprestá-la” (compulsoriamente) ao Estado, para que este possa decidir, de forma correta ou não, o que fazer com esses recursos.
Pois bem, chegando ao caso brasileiro, o que ocorreu nas eleições de 2014? O que foi claramente observado é que a candidata à reeleição prometeu continuar com suas promessas mirabolantes de aumento do emprego, combate à inflação, bolsas e subsídios diversos (FIES, Pró-Uni, Minha Casa, etc.), acusando o adversário de pretender acabar com todas essas “generosidades” do governo. O papel do vice-candidato nessa chapa foi mínimo, para não dizer inexistente: não há registro do candidato a vice, Michel Temer, repetindo na televisão ou nos anúncios publicitários, as promessas mirabolantes da sua cabeça de chapa, dominada amplamente pela máquina eleitoral do PT. O PMDB foi um importante partido de apoio – uma vez que possui imensa capilaridade no país inteiro – mas não teve, por assim dizer, papel estratégico na definição desse “programa de governo”, ou na condução efetiva da campanha eleitoral.
A própria candidata reeleita por estreita margem de votos sobre o adversário começou, aliás, a se afastar de seu programa de governo imediatamente após a eleição, sem sequer esperar o início de seu novo (segundo) mandato. Isso porque a situação econômica – em primeiro lugar orçamentária – já era periclitante, para não dizer caótica, requerendo a adoção de medidas imediatas para combater o desequilíbrio nas contas públicas. Não é preciso mencionar tampouco – como amplamente comprovado pelas investigações do TCU e de outros órgãos de controle – que as contas já vinham sendo fraudadas há muito tempo, com a adoção da chamada “contabilidade criativa”—na verdade destrutiva – cometida pela presidente e seus assessores econômicos. Ou seja, quem não cumpriu em primeiro lugar o seu “programa de governo” foi a presidente reeleita, e isto precisa ficar muito claro, para que justamente não se afirme que o vice-presidente empossado provisoriamente, Michel Temer, de estar se afastando desse “programa” absolutamente irrealista e construído sobre mentiras deliberadas.
Quem perdeu legitimidade – e até as honorabilidade, e portanto as condições para continuar presidindo o país – foi a presidente reeleita, que se elegeu por meio do que já foi designado como “estelionato eleitoral”, uma vez que enganou não apenas seus próprios eleitores como toda a população do Brasil. Por isso ele está sendo processada, e deverá ser punida com a perda do mandato, o que é absolutamente necessário se o Brasil quer restaurar o devido processo legal. Recomendo, a este título, o artigo do economista Roberto Macedo, “Os crimes de Dilma e a cassação de sua CNHP”, publicado no jornal O Estado de São Paulo de 19/05/2016 (disponível neste link: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,os-crimes-de-dilma-e-a-cassacao-de-sua-cnhp,10000052156). Michel Temer está tentando, simplesmente, reconstruir as condições de governabilidade no Brasil, destruídas por Dilma e sua equipe.

2) Como o Brasil pode recuperar sua credibilidade no âmbito externo?

PRA: Muito simples: fazendo uma governança correta, com o respeito ao devido processo legal – o que implica, no plano interno, contas públicas fiáveis – e à palavra dada. No plano externo, a diplomacia governamental precisa exibir, justamente, credibilidade, o que eu discuti neste artigo recentemente publicado: “Epitáfio do lulopetismo diplomático”, O Estado de S. Paulo (17/05/2016; link: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,epitafio-do-lulopetismo-diplomatico,10000051687), reproduzido no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/epitafio-do-lulopetismo-diplomatico.html). Os governos do PT retiraram credibilidade à política externa e à diplomacia brasileira alinhando o país com ditaduras desprezíveis e regimes falidos, e isolando economicamente o Brasil do mundo, numa canhestra política econômica de construção de “campeões nacionais” à custa de subsídios públicos, o que revelou-se totalmente equivocado.

(a continuar...)

Movimentos politicos e crise politica no Brasil: um debate no IDP (Brasilia), 18/05/2016 - Paulo Roberto de Almeida

Como anunciado nesta minha postagem: 
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/manifestacoes-politicas-partir-de-2013.html
participei ontem, 18/05/2016, de uma palestra-debate, no Instituto de Direito Público, em Brasília, sobre os chamados "movimentos de rua", e suas manifestações políticas, como "causa ou sintoma" da crise brasileira recente, ainda em curso, aliás, embora já numa fase de governo transitório.

O poster feito a propósito do evento, como acima reproduzido, serve para esclarecimento de seus termos, que já delimitavam os objetivos da palestra-debate, e foram por mim desenvolvidos no texto que segue abaixo, como informação do que penso a respeito desses velhos (que não são "de rua", mas que podem estar na rua) e novos movimentos (que estes sim, são de rua), que tiveram, os últimos, um papel decisivo no processo de impeachment (junto com a chamada "República de Curitiba"), e que têm, os primeiros, um papel igualmente relevante na luta de "retaguarda" (ou de resistência ao que eles designam como "golpe", o que é uma farsa) mantida pelo grupo hegemônico afastado agora do poder para não ser escorraçado de vez do governo.
Creio que o que eu escrevi abaixo revela claramente o que penso sobre uns e outros movimentos, mas permito-me agregar, nesta curta introdução que, por falta de tempo (e eu não sabia dessas limitações), não pudemos responder a todas as demandas da audiência. Como eu sempre me comprometo com respostas a perguntas efetuadas pelos presentes, vou postar, sequencialmente, minhas respostas a algumas dessas perguntas que me foram dirigidas.
Paulo Roberto de Almeida


Velhos e novos movimentos políticos na crise brasileira recente

Paulo Roberto de Almeida
 [Notas para participação de debate sobre “Manifestações políticas, a partir de 2013, e a crise brasileira recente”, para debate no Instituto de Direito Público, em 18/05/2016]


O objetivo geral deste evento foi descrito como sendo o de “analisar os movimentos de rua (sic) como causa ou sintoma da crise política”. Em outros termos, os chamados “movimentos de rua” estariam de alguma forma associados à presente crise política, o que me parece apenas parcialmente correto. Para isso vou fazer qualificações aos conceitos de “movimentos” e de “de rua”, bem como aos de “causa ou sintoma”, e por fim a isso que chamamos de “crise política”. Cada um desses termos merece uma qualificação muito bem feita, se é que eu preciso atender ao que se anunciou como “objetivo geral”, deste encontro, cuja organização eu agradeço a meu amigo Danilo Porfírio, o nosso Pancho Villa do Direito, não que ele seja um revolucionário radical, mas que ele tem o perfil do mexicano, embora armado apenas das pistolas do Direito.
Movimentos, de rua ou não, são geralmente identificados a ONGs, ou seja, organizações não governamentais, o que redundaria a dizer que são associações de interesses específicos que brotam da própria sociedade civil e que, no mais das vezes, são independentes do, quando não opostas ao Estado. Mas, no Brasil, país da mil jabuticabas em profusão, essas ONGs tem uma curiosa tendência a virarem quase que imediatamente ONGGS, ou seja, organizações não governamentais governamentais, no sentido em que elas vivem em função de recursos do Estado, não da sociedade que as viu supostamente brotar, e algumas, aliás, são constituídas expressamente com esse objetivo: sugar recursos dos cidadãos através do Estado, que as patrocina e as mantém.
A maior parte dos movimentos assim constituídos não tem nada a ver com a atual crise política, pois estão na paisagem há algum tempo já, sugando os recursos do Estado há muitos anos, talvez décadas. Foi por isso que eu fiz a distinção entre velhos e novos movimentos políticos, pois os que surgiram supostamente no bojo da atual crise política, e que ainda estão usando fraldas e tomando mamadeira, têm muito pouco a ver com seus congêneres já de barba e bigode, várias de cabelos brancos, quando não com muitos militantes aposentados nas “lutas sociais”.
Impossível catalogar todos os movimentos ditos sociais, ou “de rua”, que existem no Brasil: eles são centenas, milhares, tanto mais números quanto é generoso o governo que arranca dinheiro do Estado, ou seja, de todos os cidadãos, para distribuir esse maná apenas para alguns cidadãos que são mais iguais que outros, ou seja, os membros de ONGGs que possuem essa faculdade especial de manter boas relações com membros de um determinado governo.
Nem todas as ONGs são oportunistas a esse ponto: muitas são efetivamente sociais ou se dedicam a finalidades sociais relevantes, causas humanitárias, ou até salvar o planeta de seu muitos males causados, como não poderia deixar de ser, pela ambição e ganância capitalista por mais lucros, em detrimento do bem estar dos trabalhadores, do meio ambiente e até da paz social, concentradores perversos como são todos os sistemas capitalistas existentes neste nosso planetinha redondo.
Uma consulta a uma rede, ou associação-guarda-chuva de organizações sociais “velhas”, ou seja, constituídas em fases bem anteriores à atual crise política, a REBRIP, Rede Brasileira pela Integração dos Povos, criada em 2001 para lugar contra esses mesmos capitalistas perversos, permite verificar que sua lista de membros ou associados conta com não menos de setenta outras ONGs, associações, sindicatos, movimentos, ou grupos de interesses muito diversos, e que coincidem justamente na luta pelos direitos coletivos, da natureza social ou política, com uma forte nas ações anticapitalistas e anti-imperialistas. Segundo seu próprio site, a REBRIP é apoiada pela OXFAM, Oxford Famine Relief (em sua origem, na Inglaterra da Segunda Guerra), pela sempre tão generosa Comissão Europeia e pela Ford Foundation, uma organização capitalista anticapitalista como se vê. Por acaso, sua secretaria executiva é abrigada pela CUT nacional, com sede em São Paulo.
Esses “movimentos de rua” não são todas as associações ou grupos que se mobilizam em torno do governo, do governo petista em especial: são muitas outras que comparecem, para ser mais exato, na folha de pagamentos do governo, entre elas as mais famosas, como MST, MTST, UNE, sem mencionar as dezenas, talvez centenas de entidades que se situam no plano da mobilização em redes virtuais e que se dedicam, justamente, à conexão de todas essas entidades em favor das mesmas causas que favoreciam o governo suspenso do lulopetismo, em especial na área de comunicação: são os chamados blogueiros sujos, além de alguns importantes veículos digitais ou mesmo impressos, que também figuram entre os beneficiários do maná governamental. No lado oposto, ou seja, movimentos contrários a essas correias de transmissão do mesmo arquipélago da esquerda, não existem forças similares ou sequer equivalentes.
Sabe-se que existe uma associação mais recente de organizações que poderiam ser classificadas como de direita, elas sim produtos ou sintomas da crise política, a Aliança Nacional dos Movimentos Democráticos em cuja lista figuram cerca de meia centena, mais exatamente 48 organizações de orientações diversas, mas todas elas centradas na luta contra a corrupção, em favor da reforma política-eleitoral, pela responsabilidade fiscal, pela escola sem ideologia e outros objetivos assemelhados. Mas, sintomaticamente, dela não fazem parte os dois principais movimentos que organizaram, com a ajuda de várias outras organizações – inclusive seres bizarros que pediam uma intervenção militar constitucional para acabar com o governo corrupto e inepto do PT –, as gigantescas manifestações que mobilizaram milhões de pessoas em todo o Brasil, o MBL, Movimento Brasil Livre, e o VPR, que não é a antiga Vanguarda Popular Revolucionária do finado capitão Lamarca, mas o Vem Prá Rua.
Se quisermos ser maniqueístas poderíamos chamar os primeiros de mortadelas e os segundos de coxinhas, mas esses dois termos, aparentemente pejorativos (mas o de coxinhas foi bem absorvido pelos próprios), não refletem todos os matizes dessas duas grandes agrupações de movimentos que são classificados, grosso modo, pela imprensa burguesa (ou golpista, à escolha), como sendo, de um lado, “progressistas”, ou de esquerda, e, de outro, direitistas ou conservadores. Não vamos entrar aqui num debate sobre esses termos, mas voltar para aqueles do nosso objetivo geral.
Os coxinhas são indiscutivelmente movimentos de rua, pois expressam a santa indignação da classe média, ou das elites, como quiserem, pela situação de crise econômica, e de impasses políticos, a que o Brasil foi conduzido desde o primeiro mandato de Dilma Rousseff, e com maior acuidade e dramaticidade, a partir de sua vitória apertada em 2014. O desenlace atual não restabeleceu a paz social, ou um entendimento político, pois os movimentos ditos progressistas prometem continuar se opondo ao governo transitório, ou temporário, de Michel Temer, e o próprio PT acaba de declarar que vai opor-se terminantemente ao governo golpista deste último. Os coxinhas, por sua vez, continuam a pedir a punição dos políticos corruptos, mas ainda não programaram nenhuma grande manifestação para esta estação outonal. Eles estão, aparentemente satisfeitos com o que foi alcançado até aqui, mas continuam vigilantes para o que der e vier. As ruas, no momento, estão sendo ocupadas pelos chamados movimentos de esquerda, pelo menos enquanto houver mortadela e dinheiro dos sindicatos, o que durar mais.
O processo de impeachment vai ser provavelmente confirmado pelo Senado, com o que diminuirá sensivelmente o financiamento de muitas ONGGs, e de vários movimentos que viviam de transferências públicas algo obscuras, mas não parece capaz de reduzir a divisão política entre os muitos movimentos, velhos ou novos, que se organizam de acordo aos dois polos antinômicos herdados do Iluminismo europeu e da Revolução Francesa, a saber, de um lado o liberalismo de corte individualista, de outro as demandas por igualdade de cunho social ou coletivista. Esta divisão, que toma apoio em filosofias claramente opostas quanto às formas possíveis de organização econômica e social, promete durar pelo futuro indefinido: numa ponta se situam os partidários dos livres mercados e da iniciativa privada, na outra os proponentes de uma forte ação estatal para corrigir o que é percebido como desigualdades criadas naturalmente pela ação desses mercados livres, e que portanto necessitam do Estado para domar mercados e diminuir as desigualdades por via de uma ação distributiva a partir do alto.
Não creio que essa divisão fundamental venha a diminuir no futuro previsível, ainda que os antigos partidários do coletivismo econômico, especificamente em sua forma socialista centralizada, tenham sido constantemente frustrados pela incapacidade do intervencionismo estatal em suas modalidades mais extremadas produzir o quantum de igualdade e de prosperidade como apregoado pelos pais fundadores da doutrina. Mas mesmo os liberais, aparentemente triunfantes na grande luta do século XX entre os socialistas e os defensores de economias de mercado, não estão perto de recolher esse triunfo ilusório, pois em todas as partes, mesmo nas economias de mercado mais avançadas, o Estado assumiu enormes responsabilidades, e controla uma parte cada vez maior da riqueza produzida pela sociedade civil.
Tudo isso é conhecido, desde longos anos, pelos cientistas políticos e pelos economistas de diferentes escolas, e não apresenta grandes novidades para fins deste nosso debate. A intenção, como dito no objetivo geral, é avaliar a ação desses grupos, ou movimentos, na crise brasileira recente. Pois bem, vamos a ela. O que poderia ser dito sobre a participação dos “movimentos de rua”, ou assimilados a tal no processo brasileiro recente?
Obviamente que as contribuições, transferências e subsídios concedidos pelos governos lulopetistas às suas correias de transmissão na chamada sociedade civil não são responsáveis pela crise econômica, pelo menos em sua parte fiscal. Dados disponíveis a esse respeito indicam que a “bolsa banqueiro” – ou se quisermos, os juros da dívida pública, mas que já faz parte do panorama fiscal desde longos anos, pelo menos desde a independência – assim como a “bolsa empresário”, ou “bolsa BNDES”, esta sim uma inovação, ou o seu reforço extraordinário nos últimos anos, provocaram, junto com as desgravações setoriais e subsídios enormes a programas específicos, o imenso descalabro fiscal que precipitou a crise econômica em que vivemos atualmente. Mas o apoio a supostos “movimentos de rua” alinhados com o governo, muitos deles atuando de maneira mercenária – a chamada turma da mortadela – são um componente relevante na crise política, uma vez que eles mantêm, depois da derrota no Congresso, a pressão das ruas e entre os chamados formadores de opinião, que são geralmente jornalistas ou gramscianos de academia (ou seja, professores simpáticos a causa petista).
Essa realidade vai continuar, pelo menos enquanto o pessoal da mortadela for alimentado, ou financiado, e enquanto os apoiadores ideológicos – isto é, os jornalistas e os professores alinhados – estiverem convencidos de que é possível esperar uma volta do partido hegemônico da esquerda, ou seja, o PT, que funciona como um hub, ou seja, um núcleo central, com tentáculos e satélites espalhados por toda a sociedade civil (os mesmos, aliás, que aparelharam extensivamente o Estado nos anos lulopetistas). Não podemos nos enganar nesse particular: os chefes daquilo que foi descrito como uma organização criminosa podem ter sido expulsos do poder central, mas seus apoiadores continuando ocupando postos no governo e no Estado em todas as esferas e níveis da federação, e toda a imensa rede de sustentação, que não é constituída apenas pelos movimentos de rua, ou assemelhados, são ainda extremamente relevantes, eu diria até estratégicos, para a manutenção da ideologia que motivou essa conquista do Estado na década passada. As mentalidades continuam preservadas e ainda bastante fortes, não só nas instituições de ensino, em diversos níveis, mas sobretudo nos sindicatos e nessas organizações sociais que são, ainda são, sustentadas pelo governo mediantes diferentes canais de transferência de recursos.
Do outro lado, podemos sinalizar a existência de velhos grupos saudosistas do antigo regime militar, mas sobretudo a emergência dos novos movimentos classificados como de “direita”, o que eu considero fundamentalmente equivocado. A sociedade civil espontânea, ou seja, aquela não organizada nesses movimentos tradicionais, evoluiu bastante no Brasil, desde o início do governo petista, que conseguiu conquistar uma parte da classe média com sua mensagem pela ética na política, de justiça social, de redistribuição de renda e de serviços públicos fornecidos em caráter universal ou focados em grupos específicos (as chamadas minorias sociais, geralmente raciais ou sexuais). Essa mesma sociedade se deu conta, no decurso dos últimos anos, e talvez desde a denúncia do Mensalão, que havia um outro PT, uma outra esquerda que ela não conhecia: uma organização centrada em seu interesse próprio, operando o completo aparelhamento do Estado e envolvida em rumorosos casos de corrupção que serviu para quebrar o encanto com os antigos “justiceiros sociais”. Tudo isso explodiu nas eleições de 2014, percebidas como “estelionato eleitoral”, o que logo após foi confirmado pela mudança completa de política econômica e pela revelação do imenso déficit causado nas contas públicas pela política irresponsável conduzida nos últimos anos.
Tudo isso serviu de estopim para os novos movimentos de rua, que congregam aquilo que eu chamo de cidadania ativa, consciente e crítica: é esta cidadania, basicamente os coxinhas de classe média, pequenos empresários, jovens não contaminados pelo marxismo vulgar da academia gramsciana, que constituiu os mais famosos movimentos desta fase, o Movimento Brasil Livre e o Vem Prá Rua, além de outros menos conhecidos. São eles que, junto com a República de Curitiba, empurraram o Congresso para o impeachment, e são eles talvez figurem no novo panorama político do Brasil. Este é um cenário novo, de transição. Mas não tenho dons de adivinho para prever o que vai acontecer nos próximos meses, ou até 2018, quando deveremos renovar todas as expressões políticas mais importantes no executivo e no legislativo.
Seguiremos atentos...


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Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 18 de maio de 2016 

2980. “Velhos e novos movimentos políticos na crise brasileira recente”, Brasília, 18 maio 2016, 6 p. Notas para participação de debate sobre “Manifestações políticas, a partir de 2013, e a crise brasileira recente”, a convite e sob a coordenação de Danilo Porfírio, professor da graduação e pós-graduação da Escola de Direito de Brasília do Instituto de Direito Público, com a participação de Raul Sturari (Instituto Sagres).