O presidente da Academia Internacional de Direito e Economia, Ney Prado, instituição criada a partir de ideia de Roberto Campos, publicou, em 24 de outubro de 2017, um artigo no Estadão, reproduzindo frases do grande diplomata, economista e estadista, sobre a esquizofrenia econômica da Constituição, opinião que também partilho, como demonstrado por alguns dos trabalhos meus coletados neste volume.
Estrutura Constitucional e Interface Internacional do
Brasil: Relações internacionais,
política externa e Constituição, Brasília, 29 janeiro 2018, 146 p. Compilação seletiva
de ensaios sobre essa temática, elaborados depois de 1996, como complemento ao
livro Parlamento e Política Externa
(1996). Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/35779830/Estrutura_constitucional_e_interface_internacional_do_Brasil),
informado no Diplomatizzando (https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/01/as-relacoes-constitucionais-e-estrutura.html).
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de fevereiro de 2018
Transcrevo o artigo em questão:
A Constituição de 1988 na visão de
Roberto Campos
Uma mistura de dicionário de utopias e regulamentação
minuciosa de efêmero’
Ney Prado*,
O Estado de S.Paulo, 24 Outubro 2017
A esta altura, após 29 anos de vigência, o
texto constitucional já recebeu abundantes apreciações de vários segmentos da
sociedade brasileira e avaliações críticas dos setores político, econômico e
jurídico, dando-nos um panorama razoavelmente diversificado de seus aspectos,
tanto os positivos quanto negativos. Para atender a propósito do tema, julgo
importante mencionar frases extraídas de algumas obras de Roberto Campos que
retratam sua visão sobre a Carta de 1988.
“O problema brasileiro nunca foi fabricar
Constituições, sempre foi cumpri-las. Já demonstramos à saciedade, ao longo de
nossa história, suficiente talento juridicista – pois que produzimos sete
Constituições, três outorgadas e quatro votadas – e suficiente indisciplina
para descumpri-las rigorosamente todas!”
“A Constituição brasileira de 1988, triste
imitação da Constituição portuguesa de 1976, oriunda da Revolução dos Cravos,
levou ao paroxismo e mania das Constituições dirigentes ou intervencionistas.
Esse tipo de Constituição, que se popularizou na Europa após a Carta Alemã de
Weimar de 1919, representou, para usar a feliz expressão do professor Paulo
Mercadante, um avanço do retrocesso.”
“Nossa Constituição é uma mistura de
dicionário de utopias e regulamentação minuciosa de efêmero; é, ao mesmo tempo,
um hino à preguiça e uma coleção de anedotas; é saudavelmente libertária no
político, cruelmente liberticida no econômico, comoventemente utópica no social;
é um camelo desenhado por um grupo de constituintes que sonhavam parir uma
gazela.”
“No texto constitucional, muito do que é
novo não é factível e muito do que é factível não é novo”.
“Da ordem social – exibem-se duas
características fundamentais do socialismo: despotismo e utopia. (...) Exemplos
de despotismos são os dispositivos relativos à educação e à previdência social.
Quanto à educação, diz-se que ela é dever do Estado, com a colaboração da
sociedade. É o contrário. Ela é dever da família, com a colaboração do Estado.
(...) Outro exemplo de despotismo é a previdência estatal compulsória. Todos
devem ser obrigados a filiar-se a algum sistema previdenciário, para não se
tornarem intencionalmente gigolôs do Estado.”
“Na ordem econômica, nem é bom falar.
Discrimina contra investimentos estrangeiros, marginalizando o Brasil na
atração de capitais. Na Constituição de 1988, a lógica econômica entrou em
férias.”
“A cultura antiempresarial subestima a
importância fundamental do empresário na criação de riquezas. Para os
constituintes, o trabalhador é um mártir; o empresário um ser antissocial, que
tem de ser humanizado por imposição dos legisladores; o investidor estrangeiro,
um inimigo disfarçado. Nada mais apropriado para distribuir a pobreza e desestimular
a criação de riqueza. A Constituição promete solução indolor para a pobreza.”
“É difícil exagerar os malefícios desse
misto de regulamentação trabalhista e dicionário de utopias em que se
transformou nossa Carta Magna. Na Constituição, promete-nos uma seguridade
social sueca com recursos moçambicanos. Esse país ideal é aquele onde é mais
fácil divorciar-se de uma mulher do que despedir um empregado.”
“No plano político, há o hibrismo entre
presidencialismo e parlamentarismo. No plano congressual, levou a um anárquico
multipartidarismo.”
“Aos dois clássicos sistemas de governo – o
presidencialista e o parlamentarista – o Brasil acaba, com originalidade, de
acrescentar mais um – o promiscuísta.”
“A Constituição dos miseráveis, como diz o
dr. Ulysses, é uma favela jurídica onde os três Poderes viverão em
desconfortável promiscuidade.”
“Os estudiosos do Direito Constitucional
aqui e alhures não buscarão no novo texto lições sobre a arquitetura
institucional, sistema de governo ou balanço de Poderes. Em compensação,
encontrarão abundante material anedótico.”
“Aliás, a preocupação dos Constituintes não
foi facilitar a criação de novos empregos, e sim garantir mais direitos para os
já empregados.”
“O modelo monopolista sindical que temos é
fascista. Conseguimos combinar resíduos de corporativismo fascista com o
mercantilismo colonial, e acabamos reduzidos à condição de súditos, não de
cidadãos.”
“A palavra produtividade só aparece uma vez
no texto constitucional; as palavras usuário e eficiência figuram duas vezes;
fala-se em garantias 44 vezes, em direito, 76 vezes, enquanto a palavra deveres
é mencionada apenas quatro vezes.”
“Segundo a Constituição, os impostos são
certos, mas há duvidas quanto à morte, pois o texto garante aos idosos o
direito à vida. (...) “Diz-se também que a saúde é direito de todos. Os idosos,
como eu, sabem que se trata de um capricho do Criador...”
“Que Constituição no mundo tabela juros,
oficializa o calote, garante imortalidade aos idosos, nacionaliza a doença e dá
ao jovem de 16 anos, ao mesmo tempo, o direito de votar e de ficar impune nos
crimes eleitorais? Nosso título de originalidade será criarmos uma nova teoria
constitucional: a do progressismo arcaico.”
“Essas rápidas pinceladas talvez nos deixem
realmente convencidos de que o País tem pendente uma questão de urgência
urgentíssima: reformar a Constituição e retirar o País do claustro, a fim de
que os brasileiros respirem os ares do novo mundo em gestação.”
Em conclusão, gostaria de enfatizar minha
plena identidade com o pensamento liberal de Roberto Campos por seus
incontáveis méritos, de forma e conteúdo. Acrescento, todavia: nossa Constituição
tem reconhecidamente vícios e virtudes. Mas, necessária ou não, progressista ou
retrógrada, boa ou má, bem-vinda ou não, estamos diante de um fato jurídico
inarredável, qualquer que seja a avaliação de seu conteúdo e a inclinação
política do intérprete.
*Desembargador federal do trabalho
aposentado, é presidente da Academia Internacional de Direito e Economia