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segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Como a esquerda pode apoiar o fascista do Putin? O antiamericanismo é maior que o antifascismo? - Demetrio Magnoli

 Creio que a esquerda tem, sim, um antiamericanismo tão anacrônico, míope e torpe, que o seu anti-imperialismo se esgota no antiamericanismo, e aceita qualquer coisa que tenha tido sabor de antiamericanismo, mesmo se é o fascismo de esquerda, de uma Venezuela chavista, de uma Nicarágua orteguista, de uma Rússia putinesca.


Stalingrado, versões de uma batalha!

Demétrio Magnoli, sociólogo, doutor em geografia humana pela USP

Folha de S.Paulo, 19/08/2022

 

No 23 de agosto de 1942, 80 anos atrás, começou a Batalha de Stalingrado, ponto de inflexão da guerra mundial no teatro europeu. Desde 2013, Volgogrado reverte a seu antigo nome nos aniversários da batalha crucial. O culto a Stalingrado descortina a evolução do nacionalismo russo, de Stálin a Putin.

 

A primeira versão sobre a batalha fixou-se em 1943, na Conferência de Teerã, quando Churchill passou às mãos de Stálin a Espada de Stalingrado, oferenda do rei George 6º à cidade heroica. Originalmente, a URSS traduziu a vitória como marco da unidade das potências aliadas contra o nazifascismo.

 

Durou pouco. Desde 1947, Stálin ergueu uma segunda versão, adaptada à nova rivalidade da Guerra Fria. Os antigos aliados foram reinterpretados como herdeiros do nazifascismo e a batalha transformou-se na certidão de batismo da Grande Rússia soviética. Duas décadas depois, numa cidade já renomeada, Kruschev inaugurou A Pátria Convoca, a estátua de 85 metros de altura, no estilo do realismo socialista, de uma mulher guerreira empunhando uma espada.

 

Putin, que qualificou a implosão da URSS como "a maior catástrofe geopolítica do século 20", conserva a versão grão-russa sobre a batalha, mas a recobre com uma tintura especial. A sua Grande Rússia substitui as referências comunistas por uma pasta ideológica inspirada no fascismo. No salto, ocupa lugar destacado o filósofo político cristão Ivan Illyn (1883-1954).

 

Illyn foi expulso da Rússia soviética em 1922. No exílio, em Berlim e depois na Suíça, conectou-se aos emigrados russos contrarrevolucionários e abraçou o pensamento fascista. Em 1950, escreveu um ensaio que viria a ser repetidamente citado por Putin. Nele, identificava um "experimento hostil", urdido pelas potências ocidentais, de fragmentação da Rússia num "gigantesco Bálcãs", que seria "enganosamente exibido como supremo triunfo da ‘liberdade’ e da ‘democracia’...".

 

"A propaganda alemã investe dinheiro e esforço singulares no separatismo ucraniano", alertava Illyn. Em 2005, ano do primeiro levante popular ucraniano contra um governo pró-russo, Putin obteve a transferência dos restos mortais do pensador fascista para a Rússia e, quatro anos mais tarde, depositou flores em sua tumba, no monastério Donskoy. Em 2013, o Kremlin indicou o livro "Nossas Tarefas", no qual encontra-se o ensaio, como leitura fundamental para os altos funcionários russos.

 

Segundo Illyn, Hitler cometera o equívoco fatal do ateísmo. As impurezas da modernidade –isto é, o pluralismo e o advento da sociedade civil– teriam exilado Deus e precisariam ser purgadas pela restauração do mundo antigo. A missão redentora caberia a uma nação justa (a Rússia) disposta a seguir um líder descomunal engajado na criação de uma nova totalidade política. Putin tem bons motivos para recomendar a seus cortesãos o estudo da obra de Illyn.

 

Otan? O pretexto inicial para a invasão da Ucrânia sobrevive apenas no discurso do "anti-imperialismo" ocidental. As vozes ligadas ao Kremlin empregam a linguagem exterminista típica do fascismo. Margarita Simonyan, chefe da rede estatal RT, explica que "a Ucrânia não pode continuar a existir. O ex-presidente Dmitri Medvedev refere-se aos ucranianos como "bastardos e degenerados". Vladimir Soloviov, âncora de TV premiado por Putin, prefere a palavra "vermes": "Quando um veterinário desparasita um gato, para ele é uma operação especial, para os vermes é uma guerra e para o gato é uma limpeza".

 

A versão antiocidental da Batalha de Stalingrado contada por Stálin celebrava uma Grande Rússia destinada pela história a ser a URSS. A retificação emanada de Putin glorifica uma Grande Rússia eterna: a espada purificadora que Deus cravará num mundo pecaminoso. A adoração devotada pela extrema direita a Putin é normal. Já a simpatia da esquerda solicita investigação.