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quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Do que o chanceler acidental escapou: "1ª Turma do STF condena Filipe Martins e mais 4 réus por tentativa de golpe; um foi absolvido" - Flávia Maia Jota

Do que o chanceler acidental escapou: 21 anos de cana, sendo pelo menos dois ou três de cadeia firme, é bravo. Mas daria para reler toda a obra do Schopenhauer... (PRA)

Trama Golpista
1ª Turma do STF condena Filipe Martins e mais 4 réus por tentativa de golpe; um foi absolvido
Supremo totaliza 29 condenações e duas absolvições na ação sobre tentativa de golpe
Flávia Maia

Jota, 16/12/2025
https://www.jota.info/stf/do-supremo/1a-turma-do-stf-condena-filipe-martins-e-mais-4-reus-por-tentativa-de-golpe-um-foi-absolvido?utm_medium=email&utm_campaign=jota_info__ultimas_noticias__destaques_-_17122025&utm_source=RD+Station

Por unanimidade, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu condenar mais cinco réus pela tentativa de golpe que visava manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder. Entre os condenados estão Filipe Martins, ex-assessor da presidência e um dos responsáveis pela minuta do golpista; o general Mário Fernandes, idealizador do plano para matar autoridades e Silvinei Vasques, chefe da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que criou barreiras nas estradas para impedir eleitores de votarem.

Também foram condenados Marília Alencar, ex-diretora de inteligência do Ministério da Justiça – ela foi responsável por ordenar a elaboração de um relatório que teria sido usado para os bloqueios das estradas –, e Marcelo Costa Câmara, coronel da reserva do Exército e ex-assessor de Bolsonaro. De acordo com a acusação, Câmara teria usado o cargo para obter informações sensíveis e sigilosas de interesse do ex-presidente, ele teria fornecido as informações utilizadas no monitoramento de autoridades, como o ministro Alexandre de Moraes.

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Os réus Filipe Martins, Mário Fernandes, Silvinei Vasques e Marcelo Costa Câmara foram condenados pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado por violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, além de deterioração de bem tombado.

Já Marília Alencar foi condenada apenas pelos crimes de organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Os ministros entenderam que há dúvidas sobre a omissão dela nos atos de 8 de janeiro quando ela exerceu o cargo de subsecretária de segurança pública do Distrito Federal.

O único absolvido foi Fernando de Sousa Oliveira por dúvida razoável e falta de comprovação cabal da sua participação. Oliveira exerceu o cargo de Diretor de Operações do Ministério da Justiça e depois o de Secretário-Executivo da Secretaria de Segurança Pública do DF em janeiro de 2023. Oliveira era acusado de assessorar Marília nas ações golpistas dentro do Ministério da Justiça e depois de ser omisso com a segurança nos atos de 8 de janeiro.

Ao todo, o Supremo já condenou 29 dos 31 denunciados – entre eles, o ex-presidente Jair Bolsonaro e os generais Braga Netto e Augusto Heleno. Além de Fernando de Sousa Oliveira, também foi absolvido o general Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira por falta de provas.

Este foi o último núcleo a ser julgado, mas ainda está pendente de análise do STF a denúncia do blogueiro Paulo Figueiredo, que está nos Estados Unidos.

Julgamento
Os ministros da 1ª Turma acompanharam o relator da ação penal, ministro Alexandre de Moraes. Durante o seu voto, Moraes destacou a importância dos julgamentos que condenaram o ex-presidente, militares e membros da administração pública por tentativa de golpe. Ele ressaltou que as punições ocorreram “dentro do devido processo legal”, o que nunca tinha ocorrido antes na história do Brasil.

Moraes afastou as preliminares como nos demais núcleos – impedimento dos ministros, prática de document dump, pesca predatória, invalidade da delação de Mauro Cid, ausência de justa causa, quebra da cadeia de custódia e a competência do STF para julgar o caso.

Moraes rejeitou ainda a irregularidade da prisão de Filipe Martins. Segundo ele, a prisão se deu por possível tentativa de fuga do réu e não pelo mérito da ação penal. Há documentos iniciais das autoridades norte-americanas apontando que ele entrou no país, depois, informações de que ele não entrou. “Há toda uma celeuma dessa entrada ou não”, disse. “Essa questão está sendo investigada de maneira apartada para verificar a veracidade disso”, complementou.

Para Moraes, não há dúvidas da participação do réu Filipe Martins. O magistrado destacou o discurso feito pelo ex-assessor de Bolsonaro na reunião com os chefes das Forças Armadas em 7 de dezembro de 2022. “Aquilo não é discurso, é um manifesto golpista”, afirmou.

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O ministro também reforçou que “não há nenhuma dúvida da culpabilidade” dos réus Marcelo Costa Câmara e do general Mário Fernandes. Os dois foram os responsáveis por monitorar autoridades como Alexandre de Moraes, do STF, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e “neutralizá-los”.

Neste momento, a ministra Cármen Lúcia interrompeu o ministro Alexandre de Moraes para deixar claro que o termo “neutralizar” foi usado no sentido de matar. “Neutralizar é tornar neutro, o que não é o caso. Neste caso, era extirpar”. A ministra afirmou que os golpistas cogitaram envenenar o presidente Lula caso fosse hospitalizado.

Moraes então lembrou que, durante os depoimentos, os réus se desculparam por terem se referido a ele como “professora”. “Se desculparam por ter me chamado de professora, não por terem tentado me matar”, afirmou.

O relator também entendeu o intuito golpista de Silvinei ao criar barreiras nas estradas para impedir eleitores de votarem. “A PRF cruzou os braços para a paralisação de inúmeras rodovias federais”, disse. Moraes lembrou que precisou dar uma decisão para desbloquear as estradas em outra ação sobre greve de caminhoneiros.

Dosimetria das penas
General Mário Fernandes: 26 anos e 6 meses, sendo 24 anos de reclusão, regime inicial fechado, 2 anos e 6 meses de detenção, além de 120 dias-multa (1 salário-mínimo)
Silvinei Vasques: 24 anos e 6 meses, sendo 22 anos de reclusão, regime inicial fechado, 2 anos e 6 meses de detenção, além de 120 dias-multa (1 salário-mínimo)
Marcelo Costa Câmara: 21 anos, sendo 18 anos e 6 meses de detenção, regime inicial fechado, 2 anos e 6 meses de detenção, além de 120 dias-multa (1 salário-mínimo)
Filipe Martins: 21 anos, sendo 18 anos e 6 meses de detenção, regime inicial fechado, 2 anos e 6 meses de detenção, além de 120 dias-multa (1 salário-mínimo)
Marília Ferreira de Alencar: 8 anos e 6 meses de reclusão, além de 40 dias-multa (1 salário-mínimo)
Fernando de Sousa Oliveira: absolvido
Todos os condenados estão incluídos no polo passivo por danos morais coletivos de R$ 30 milhões e ficam inelegíveis. Silvinei Vasques e Marília Ferreira de Alencar perderam o cargo de policial e delegada da Polícia Federal, respectivamente.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Adequações inevitáveis e inadiáveis no serviço diplomático brasileiro - Gustavo Buttes (Jota)

 DIPLOMACIA

Adequações inevitáveis e inadiáveis no serviço diplomático brasileiro

Renovação ainda segue um desafio, mas plano de ações afirmativas avança para ampliar número de mulheres, negros e PCDs no Itamaraty

Gustavo Buttes
JOTA, 16/01/2025
adequações serviço diplomático brasileiro
Fachada do Palácio Itamaraty, em Brasília / Crédito: Ana de Oliveira/AIG-MRE

Há uma máxima no Itamaraty, cunhada pelo ex-chanceler Azeredo da Silveira, segundo a qual “a melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se.” 

Renovar-se segue sendo um desafio para o Ministério das Relações Exteriores (MRE), tanto mais quando as desigualdades marcantes observadas na sociedade brasileira encontram, no Itamaraty, expressão real e insofismável.Entre diplomatas, além do reduzido número de negros em seus quadros, muito levemente mitigado pelas cotas em concursos públicos, também é mínima a presença de mulheres, mantida há décadas em torno de resistentes 23%. Pessoas com deficiência são apenas 1,77%.

Nesse sentido, a Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros (ADB Sindical) saúda a recente divulgação do Plano de Ações Afirmativas (PAA) do MRE, no contexto do Programa Federal de Ações Afirmativas. 

Como primeiro órgão federal a divulgar seu PAA, da mesma forma como já fora, em 2001/2002, o primeiro a promover política de apoio à formação de candidatos negros, convém registrar que esse pioneirismo de hoje é fruto do amadurecimento sindical da categoria e da iniciativa igualmente pioneira das mulheres diplomatas, que criaram em 2023, depois de mais de 10 anos de ação coletiva, a Associação das Mulheres Diplomatas Brasileiras, primeira associação exclusivamente de mulheres em todo o funcionalismo público. De igual modo, outros grupos se organizaram e passaram a pleitear mudanças na estrutura de pessoal do Itamaraty. Somos nós, portanto, buscando a inadiável renovação.

O PAA do MRE traz avanços no tocante à transversalização dos temas de diversidade e inclusão naquilo que são as ações finalísticas. São 16 ações com impacto direto sobre os conteúdos da agenda diplomática brasileira. O Itamaraty incorpora, assim, à política externa brasileira, compromissos louváveis e muito relevantes. Em outras 18 ações referentes à gestão de pessoas e gestão administrativa, há também propostas de inegável mérito.

A preocupação persiste, contudo, no tocante ao processo de implementação de tais medidas, especialmente as últimas. O PAA lançado pelo MRE silencia quanto a metas mensuráveis e prazos para seu cumprimento, além de usar linguagem bem-intencionada, mas genérica. Sem compromisso com resultados vinculantes, as propostas de ação afirmativa arriscam-se a permanecer no plano da retórica, do discurso.

Nosso sindicato irá fazer o monitoramento desse plano para que, no prazo de sua vigência, o Itamaraty possa apresentar mudanças visíveis em sua composição e organização. Iremos cobrar, por exemplo, a presença de negros, mulheres e pessoas com deficiência em funções de chefia no Brasil e nas principais missões no exterior. Hoje, dos 20 postos brasileiros mais importantes, apenas um, a embaixada em Washington, é chefiado por uma mulher. Nenhum é chefiado por um negro.

É preciso mudar tal perfil, por meio de um esforço coletivo para trazer à tona a renovação: das paredes repletas de quadros de homens brancos a marcar a história da diplomacia brasileira vem o inadiável apelo pela diversidade. Entendemos que a inclusão de grupos historicamente vulnerabilizados é pilar essencial para o adequado exercício das competências que cabem ao Itamaraty na formulação e execução da Política Externa Brasileira.

Além do monitoramento do PAA, queremos avançar nas transformações que serão, mais uma vez, a expressão de uma tradição que sabe renovar-se. Entre elas, está a modernização do regime jurídico do MRE, promovendo mudanças estruturais para melhor servir a sociedade brasileira. O fazer diplomático envolve a prestação de um serviço público de alta relevância, mesmo em condições extremamente adversas (guerras, conflagrações internas, crises e catástrofes climáticas e ambientais). Em um mundo em constante transformação, faz-se necessária a devida atualização do arcabouço jurídico que sustenta a atuação diplomática do Brasil.

Em nosso entendimento, as mudanças almejadas devem ser fruto de ampla negociação interna. Para funcionários e funcionárias treinados na diplomacia, a negociação é condição sine qua non para a consecução do objetivo comum de fortalecimento institucional. Tal construção envolve, por parte do MRE, a incorporação e reconhecimento da pertinência da atividade sindical.

A ADB Sindical – um sindicato de diplomatas – reconhece-se, hoje, 50 anos após a célebre máxima de Azeredo da Silveira, como legítima manifestação da renovação comprometida com a excelência da tradição diplomática.logo-jota

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GUSTAVO BUTTES

residente da ADB Sindical na gestão 2024-2026. Primeiro-secretário do Ministério das Relações Exteriores, atualmente está lotado no Departamento de América do Sul. Formado em Relações Internacionais pela Faculdade Santa Marcelina e mestre em Diplomacia pelo Instituto Rio Branco, serviu em Teerã, Milão e Maputo. Aprovado no Concurso de Admissão à Carreira Diplomática em 2010, já atuou em diversas funções também no Brasil, incluindo a Subchefia da Divisão de Imigração. Foi condecorado com a Medalha Mérito Santos-Dumont em 2014.


terça-feira, 19 de março de 2024

A íntegra do relatório da PF que indicia Bolsonaro, Mauro Cid e outros 15 - Flavia Maia, Grasielle Castro (Jota)

 FRAUDE EM CARTÃO DE VACINAÇÃO

A íntegra do relatório da PF que indicia Bolsonaro, Mauro Cid e outros 15

De acordo com a Polícia Federal, os indiciados são suspeitos de fraude em certificado de vacinação contra Covid-19

JOTA, 19/03/2024

O ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e outras 15 pessoas foram indiciados pela Polícia Federal por suspeita de fraude nos certificados de vacinação contra Covid-19. Agora, o processo segue para a Procuradoria-Geral da República, que decide se apresenta denúncia à Justiça ou arquiva o caso. Os crimes atribuídos aos indiciados são: falsidade ideológica de documento público, crime de inserção de dados falsos em sistema de informações, crime de uso de documento ideologicamente falso e associação criminosa. 

Leia a íntegra do relatório da PF. (231 páginas)

https://drive.google.com/file/d/1-vf9phcsQMh-N9P-c6Jy0Q0PoEHmQ-A2/view

Bolsonaro foi indiciado pela prática do crime de associação criminosa, por ter se associado desde novembro de 2021 até dezembro de 2022 com seu ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, e outros agentes para praticarem crimes de inserção de dados falsos em sistema de informações, especificamente dados de vacinação contra a Covid-19, para emitirem certificados falsos e obterem vantagens indevidas relacionadas a burla de regras sanitárias estabelecidas durante o período de pandemia.

No despacho em que retira o sigilo sobre peças na Petição 10.405, o ministro Alexandre de Moraes destaca que “com o avanço das investigações, a Polícia Federal ‘identificou a constituição de uma associação criminosa para consecução de um fim comum, qual seja, a prática dos crimes de inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas SI-PNI e RNDS do Ministério da Saúde'”. Veja a íntegra.

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2024/03/despacho-10405.pdf

PS PRA: Procurei a página da Polícia Federal em Academia.edu, não encontrei, assim que sou obrigado a postar unicamente em meu nome esta matéria sobre o indiciamentos de bandidos vulgares, que fraudaram simples cartões de vacinação, isto pela burrice doentia do psicopata perverso que recusou a vacina e quis obstá-la aos brasileiros.

Documentos disponíveis neste link: https://www.academia.edu/116450611/Fraude_em_Certificado_de_Vacina_Indiciamento_de_Bolsonaro_2024_


segunda-feira, 12 de junho de 2023

POLÍTICA EXTERNA: A diplomacia ‘repentista’ de Lula - José Eduardo Faria (Jota)

POLÍTICA EXTERNA

A diplomacia ‘repentista’ de Lula

Com a cabeça nos tempos da Guerra Fria, presidente tornou assertiva sua posição à esquerda na economia e na geopolítica

José Eduardo Faria
Jota, 11/06/2023

 

diplomacia de Lula
Lula recebe presidentes sul-americanos em Brasília. Crédito: Ricardo Stuckert/PR

Para um presidente da República inteligente mas pouco instruído que optou por priorizar a política externa, deixando a política interna para seus ministros, os primeiros cinco meses de mandato estão corroendo rapidamente sua autoridade e credibilidade. Com a cabeça nos tempos da polarização da Guerra Fria, Lula tornou assertiva sua posição à esquerda quer na economia quer na geopolítica.  

Na economia, por exemplo, criticou a hegemonia do dólar no comércio mundial, na viagem à China. Também defendeu a criação de uma moeda alternativa ao fim de seu encontro em Brasília com 11 presidentes de países sul-americanos em maio. “Por que hoje um país precisa correr atrás de dólar para exportar, quando ele poderia exportar em sua própria moeda, e os bancos centrais certamente poderiam cuidar disso”, indagou Lula na ocasião, não escondendo a pretensão de ser porta-voz dos interesses da região. 

No plano político, surpreendeu ao afirmar nos Emirados Árabes Unidos que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, é tão culpado quanto o presidente russo, Vladimir Putin, pela invasão da Ucrânia pela Rússia. E, depois de dizer que “a construção da guerra foi mais fácil do que será a saída da guerra, porque a decisão da guerra foi tomada por dois países”, defendeu a criação de uma espécie de G20 político com o objetivo de restabelecer a paz naquela região. 

Além disso, durante o encontro com os líderes sul-americanos, também surpreendeu ao conceder ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, uma reunião fora da agenda oficial. Na ocasião, afirmou que esse país – classificado pelos relatórios da OEA como “um regime autocrático e sem garantias de liberdades fundamentais” – estaria sendo alvo de “narrativas, em referência às afirmações de que é uma ditadura”. E criticou Washington por desclassificar a legitimidade de Maduro e impor sanções contra seu regime. No dia seguinte, o presidente do Uruguai, um conservador, e do Chile, um esquerdista, protestaram. Não se pode tapar o sol com a peneira, violação de direitos humanos não é narrativa, alegaram. 

Muitas foram as críticas sobre os equívocos e bobagens que Lula vem cometendo e falando em matéria de política externa. Uma das mais felizes foi a do diplomata brasileiro Marcos Azambuja, ex-embaixador na França e na Argentina e ex-secretário-geral do Itamaraty. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, ele lembrou, no plano formal, que diplomacia é feita com “palavras medidas milimetricamente, com precisão conceitual e rigor semântico”. E também disse que Lula vem primando pela desatenção à linguagem e pela imprecisão conceitual. “Não pode improvisar linguagem em temas de terreno minado”, como os de política externa. No plano substantivo, Azambuja enfatizou que a falta de “disciplina das ideias” do presidente está levando o Brasil a ter uma política externa “espontânea e improvisada”, o que tende a reduzir a estatura internacional do país. 

Como as críticas foram respeitosas e procedentes, e Lula ainda tem três anos e meio de mandato, o mais sensato é que ele as ouça enquanto é tempo. Sem ser pretensioso nem professoral, eu sugeriria a ele que aproveitasse uma manhã de sábado e se concentrasse por pelo menos meia hora na leitura de um discurso pronunciado na tribuna da Câmara em 26 de agosto de 1959 por um deputado que mais tarde seria ministro das Relações Exteriores e da Fazenda. Trata-se de San Tiago Dantas, e sua fala disse respeito a uma reunião de chanceleres sul-americanos da qual participou. Ocorrida no Chile, ela foi convocada para discutir uma política externa dos países da América do Sul capaz de defender a democracia em plena Guerra Fria.

A base do documento aprovado foi a proposta brasileira, apresentada pelo então titular do Itamaraty, ministro Horácio Lafer. A proposta enfatizava a importância do império da lei, da independência dos Poderes e do controle da legalidade dos atos de governo. Defendia eleições livres e classificava como antidemocrática a perpetuação dos governantes no poder. Enfatizava a importância dos direitos individuais, do direito de manifestação do pensamento e da liberdade de imprensa.

O argumento básico do documento era que apenas com base nesses princípios os governos sul-americanos conseguiriam adotar políticas capazes de promover o desenvolvimento econômico, reduzir desigualdades sociais e assegurar a independência dos povos. “Se o florescimento da democracia na comunidade regional depende do desenvolvimento econômico e se este por sua vez depende da cooperação internacional, é claro que entre esta e o fortalecimento da democracia há uma relação de causalidade indisfarçável, à qual cumpre dar adequada expressão jurídica”, concluiu San Tiago, um nome até hoje respeitado por suas posições avançadas em seu tempo, ao justificar e defender a posição  brasileira. 

Publicado em 1983 pela Câmara na série Perfis Parlamentares, um livro com 695 páginas, esse discurso tem 16 páginas. Mas, se concentrar atenção somente nas páginas 281, 282 e 283, Lula poderá seguir, para seu próprio sucesso político e em benefício do país, o conselho de Azambuja: “Na defesa de valores e de interesses os países precisam usar da sobriedade nas palavras e na moderação no tom; com valores, interesses, sobriedade e moderação costuma-se errar menos”, disse ele, após propor ao presidente que não se comporte mais como um repentista – o cantor nordestino que responde com naturalidade o verso que virá enquanto ainda está cantando o verso anterior. “Na diplomacia, esse é um exercício perigoso”, concluiu.

domingo, 9 de outubro de 2022

O risco nuclear na atual confrontação estratégica - Paulo Fernando Pinheiro Machado (Jota)

DIÁRIOS DE UM DIPLOMATA

O maior risco para o vencedor das eleições

Quem quer que vença o pleito de 30 de outubro encontrará um cenário internacional muito perigoso

PAULO FERNANDO PINHEIRO MACHADO

JOTA, 09/10/2022 05:10


“A liberação da energia atômica mudou tudo, exceto nossa maneira de pensar... a solução para este problema está no coração da humanidade. Se eu soubesse, teria me tornado um relojoeiro.”

Albert Einstein

O primeiro turno das eleições presidenciais no domingo passado (2/10) revelou um país profundamente dividido e polarizado. Dois campos emergiram nitidamente, com visões de mundo, valores e propostas distintas para o país. Os desaIos que se apresentam, contudo, são únicos e concretos, isto é, eles existem independente da visão de mundo do partido dominante no momento. Essa é a diferença entre os assuntos de governo e os de Estado. Para os últimos, a ideologia é irrelevante.

Um dos principais desaIos externos que se apresentará ao próximo governo, independente de quem ocupe o Palácio do Planalto, refere-se à segurança internacional e à proliferação nuclear. O risco de uma catástrofe termonuclear está em seu ponto mais alto e a humanidade precisará de uma dose muito grande de diplomacia para navegar as águas conturbadas da nova era global. 2023 prenuncia-se como um ano particularmente desaIador.

O momento atual é de risco inédito, se comparado a períodos anteriores, porque os regimes de não proliferação que vigoravam entre as superpotências nucleares ou não existem mais ou não são mais eIcazes contra as novas tecnologias. O regime que vigorava durante a Primeira Guerra Fria tinha por base o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), assinado em 1968 e que se estrutura em três eixos: prevenir a proliferação de armas nucleares; promover a cooperação para o uso pacíIco da energia nuclear; e buscar um desarmamento nuclear geral e completo.Tendo esse arcabouço como pano de fundo, as duas superpotências da época, os EUA e a URSS, iniciaram um diálogo para o controle e a redução dos seus arsenais nucleares, o que serviu de estrutura e balizamento para a corrida nuclear, que ocorria dentro de parâmetros pré-estabelecidos. Ou seja, havia regras no jogo nuclear.As duas rodadas mais signiIcativas de diálogo e acordos bilaterais entre as superpotências Icaram conhecidas como Strategic Arms Limitation Talks (SALT). A primeira rodada, em 1969, foi bastante signiIcativa e levou a assinatura do Tratado Anti-Mísseis Balísticos (ABM). A segunda rodada, em 1979, teve menos resultados concretos, mas as duas superpotências mantiveram o diálogo ao longo dos anos 1990, que levou aos Tratados de Redução de Armas Estratégicas (START, na sigla em inglês).

A maioria desses tratados bilaterais já expirou, sendo que o último deles, o chamado New START, que entrou em vigor em 2011 e estava previsto para expirar em 2021, foi estendido até 2026, para que se concluam as negociações do START III. O New START, em linhas gerais, propõe uma redução pela metade dos arsenais nucleares estratégicos e estabelece mecanismos de controle e veriIcação de ambos os lados.

Mas isso é apenas uma parte da história. E, com o rápido avanço tecnológico, uma parte cada vez menos relevante dela. Esses regimes de desarmamento e não- proliferação têm por base a redução de armamentos classiIcados como “estratégicos”, isto é, ogivas nucleares, artefactos de alto custo de manutenção e de fácil contagem e veriIcação. Eles não se referem aos armamentos ditos “táticos”, isto é, aqueles de menores proporções e nos mais variados formatos, desenvolvidos para serem utilizados em operações de impacto restrito. Alguns deles, como o famoso W-54 Davy Crockett, podem ser operados por um único soldado. Não é necessária muita imaginação para que a leitora possa avaliar o potencial destrutivo que o rápido desenvolvimento de drones traz para o cenário atual. A humanidade está, de fato, em uma nova e perigosíssima era de proliferação nuclear.

O debate acerca da viabilidade ou não do emprego tático de armas nucleares já foi objeto desta coluna. Em linhas gerais, o uso estratégico de um arsenal nuclear se refere ao seu emprego em proporções tais que impeça ou a entrada ou a continuidade de um adversário em determinado conkito, pela destruição de uma cidade inteira, ou de uma infraestrutura essencial, como foi o caso em Hiroshima e Nagasaki, por exemplo. Já o emprego tático se refere à utilização desses armamentos de maneira mais restrita, focada na consecução de objetivos militares especíIcos, como a tomada ou a manutenção do controle de determinada área, com o seu emprego reservado ao campo de batalha.

O problema é que a distinção entre o campo de batalha e as áreas civis foi paulatinamente borrada ao longo do século 20, fazendo com que todo o conkito se tornasse, potencialmente, um conkito total. Na teoria, o emprego tático de armas nucleares é uma possibilidade lógico- abstrata. Na realidade, como sempre, a teoria é outra: não parece razoável supor que o emprego tático, uma vez disparado, não leve a uma escalada completa, que acabaria por condenar a humanidade a um Armageddon termonuclear.

Note, cara leitora, que o maior risco não é o da margem de erro previamente calculada na mesa de poker das relações internacionais, mas sim o do engano não previsto, do banal não antecipado. Tome- se, por exemplo, o famoso “incidente Petrov”, batizado com o sobrenome do Tenente-Coronel soviético que poupou bilhões de vidas em 1983. No dia 26 de setembro daquele ano, o sistema de monitoramento nuclear da URSS reportou a entrada em território soviético de 5 mísseis intercontinentais norte-americanos, disparando instruções automáticas de retaliação nuclear completa, segundo a doutrina de segurança da época. O oIcial de plantão no momento, Stanislav Petrov, decidiu contrariar a doutrina e não reportou o incidente para os seus superiores. Vale notar que a doutrina previa retaliação automática, porque, em caso de um ataque nuclear, não haveria tempo de veriIcar a correção do sistema de monitoramento eletrônico.

E eis que, de fato, tratava-se de um alarme falso. O sistema, por uma falha técnica, havia confundido o rekexo do sol nas nuvens com mísseis balísticos. Se Petrov não tivesse descumprido suas orientações, estima-se que cerca de 400 milhões de pessoas teriam perecido diretamente pelas explosões nucleares e mais 2 bilhões teriam morrido de fome devido ao impacto na agricultura que o aquecimento global causado pelas armas teria gerado. O episódio foi recontado no documentário dinamarquês de 2015, “O homem que salvou o mundo”. Altamente recomendável.

Quem quer que vença o pleito presidencial de 30 de outubro, independente da posição ideológica, terá de enfrentar um cenário internacional muito mais inseguro, no qual o rápido avanço tecnológico aliado à ausência de regimes internacionais compatíveis de desarmamento e não proliferação torna a hipótese de um holocausto nuclear uma possibilidade cada vez mais premente. E o risco maior, cara leitora, não é o do emprego intencional, maléIco de armas de destruição em massa, mas sim o do erro puro e simples. Cuiusvis hominis est errare, nullius nisi

insipientis in errore perseverare.[1]

[1] Qualquer um pode cometer um erro, mas

somente um tolo persevera no mesmo erro.

PAULO FERNANDO PINHEIRO MACHADO – Diplomata, advogado e escritor, autor de “Centelhas de Tempestade: a diplomacia em um mundo em transformação" (Saraiva), “Ideias e Diplomacia: o Visconde do Uruguai e o nascimento da política externa brasileira – 1849-1853” (Lisbon Press) e de “Linha de Água” (Só Livro Bom). As opiniões expressas no presente artigo são de caráter exclusivamente pessoal, não se confundindo, necessariamente, com a de qualquer instituição a que porventura o autor se filie.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Repúdio geral às mentiras do Estrume presidencial - Associações de juízes, OAB e IAB defendem voto eletrônico e criticam Bolsonaro

Associações de juízes, OAB e IAB defendem voto eletrônico e criticam Bolsonaro

Entidades fazem severas críticas às novas declarações do presidente feitas em reunião com embaixadores

voto eletrônico
Jair Bolsonaro fala a embaixadores / Crédito: Clauber Cleber Caetano/PR

As principais associações nacionais da magistratura e da advocacia divulgaram, na segunda (18/7) e nesta terça-feira (19/7), notas públicas em defesa do sistema eletrônico de votação adotado pelo país desde 1996, com severas críticas às novas declarações do presidente Jair Bolsonaro feitas em reunião por ele promovida com embaixadores de vários países, na qual reiterou o seu “propósito em deslegitimar os poderes constituídos, as urnas eletrônicas que o elegeram e o papel da imprensa”.

A citação acima está na nota oficial do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), assinada por Sydney Sanches, para quem “amanifestação irresponsável do presidente envergonha o País diante da comunidade internacional, desinforma a opinião pública e visa a delinear um cenário de instabilidade institucional, que venha a motivar um inadmissível ato de ruptura constitucional”.

As outras manifestações oficiais foram das seguintes instituições: Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB); Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

A seguir, destaques das citadas manifestações:

AMB

O sistema de votação eletrônico implantado no Brasil é considerado um modelo de sucesso em todo o mundo, continuamente testado por organismos internacionais autônomos. Nunca se comprovou a existência de fraudes, apesar das verificações públicas a que as urnas eletrônicas são submetidas periodicamente.

A jovem democracia brasileira possui instituições fortes o suficiente para atravessar os momentos de disputas eleitorais. A garantia da soberania da vontade popular é a condutora das ações das instituições do Estado brasileiro, especialmente da Justiça Eleitoral.

O trabalho realizado pelos ministros e ministras do TSE, responsáveis maiores pela condução do pleito, não pode ser vilipendiado às vésperas das eleições, sendo inadmissíveis ataques pessoais aos principais atores da justiça brasileira.

OAB

A OAB reitera sua confiança no sistema eleitoral brasileiro, na Justiça Eleitoral e no modelo eletrônico de votação adotado em nosso país, reconhecido internacionalmente como eficiente e confiável. Desde 1996, a urna eletrônica é usada nas eleições sem que haja nenhum registro ou indício de fraude, com as votações resultando nas eleições de políticos dos diversos partidos e ideologias que coexistem no país.

As ministras e os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contam com a confiança e o apoio da OAB para seguir em sua missão de organizar e assegurar a realização das eleições. Os diversos integrantes do tribunal têm sempre adotado as providências necessárias para manter atualizadas as resoluções eleitorais e também as tecnologias empregadas a cada votação, em um processo de amadurecimento que promove a continuidade da segurança do modelo brasileiro, seguindo padrões científicos e de segurança comprovados.

Ajufe

Por opção do legislador constituinte, atribuiu-se ao TSE o papel de condutor e árbitro dos processos eleitorais, incumbência que vem sendo por ele exercida de forma absolutamente republicana e eficiente ao longo dos anos.

O exemplo máximo dessa eficiência foi a implantação e aperfeiçoamento das urnas eletrônicas, que, desde 1996, vem garantindo a mais absoluta legitimidade da vontade popular, sem qualquer indício efetivo de irregularidades na sua utilização, sendo, por mais de uma vez, inclusive por meio do Congresso Nacional, rechaçada a necessidade de adoção do voto impresso.

Portanto, como vem acontecendo em todas as eleições prévias, reafirma-se a certeza de que o resultado da vontade popular será respeitado, independentemente de quem venha a ser eleito ou eleita aos cargos em disputa.

Por fim e desde logo, rechaça-se qualquer tentativa de impugnação a tal resultado fora das vias adequadas, ou seja, aquelas admitidas pelo ordenamento jurídico, garantida a independência do Poder Judiciário e a soberania do voto popular.

IAB

O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) vem reafirmar o seu compromisso em defender, de forma intransigente, o processo eleitoral para escolha democrática dos candidatos, por meio do voto eletrônico, que vem sendo consagrado no País e sob a jurisdição exclusiva da Justiça Federal.

As declarações do presidente da República, proferidas em reunião por ele convocada com embaixadores de vários países, onde repetiu o discurso sem provas e infundado de questionamento ao processo eleitoral e, mais uma vez, atacou os ministros do STF e do TSE, confirmam seu reiterado propósito em deslegitimar os poderes constituídos, as urnas eletrônicas que o elegeram e o papel da imprensa.

A manifestação irresponsável do presidente envergonha o País diante da comunidade internacional, desinforma a opinião pública e visa a delinear um cenário de instabilidade institucional, que venha a motivar um inadmissível ato de ruptura constitucional.

Neste momento sensível da história brasileira, é dever das instituições da sociedade civil defender a lisura do processo eleitoral eletrônico e depositar integral confiança na condução do TSE, a fim de garantirmos a segurança da institucionalidade da transição democrática decorrente do resultado das eleições.

Afirmaremos sempre que é imperativo o respeito ao Estado Democrático de Direito fundamentado na soberania, no exercício da cidadania e no pluralismo político, e não iremos desistir de denunciar e combater qualquer manifestação que venha a alimentar o descrédito às eleições e à democracia.

Anamatra

A Anamatra está convicta de que ações que promovam a violação da democracia serão sempre combatidas fortemente pelos agentes públicos e políticos competentes e pela opinião pública nacional. Contudo, é sempre importante alertar a sociedade e apresentar seu posicionamento neste momento em que falsas afirmações são feitas pela autoridade máxima do Poder Executivo a respeito do sistema eleitoral brasileiro.

Nesse sentido, a Anamatra expressa confiança no Poder Judiciário brasileiro, em seus Ministros, no Supremo Tribunal Federal, no Tribunal Superior Eleitoral, no sistema eleitoral brasileiro e em nossas urnas eletrônicas, modelo para o mundo.

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