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sábado, 4 de abril de 2015
Crise politica: dois caminhos para o afastamento da presidente - Miguel Reale Jr
...o procurador-geral da República determinar investigação de eventual prevaricação da parte da presidente, pois se sabia ela de irregularidades (como dizem o ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Youssef) nos idos de 2009, ao assumir a Presidência nada teria feito para conter a corrupção, deixando de zelar pela moralidade administrativa ao manter nos cargos os diretores corruptos. Em conclusão, se constatado em investigação que Dilma sabia dos malfeitos e permitiu a continuidade do esquema corrupto, pode-se configurar eventual crime de prevaricação.
O crime comum, ao contrário do crime de responsabilidade, pode derivar de ação ou omissão ocorridas no mandato anterior. O artigo 86, § 4.º, da Constituição diz que o presidente não poderá, no exercício do seu mandato, ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício das suas funções. Ora, se se omite o dever de zelar pela moralidade, tal omissão é própria das funções de presidente, e não estranhas a elas, razão pela qual, se verificada a prevaricação por deixar de conter as irregularidades sabidas na Petrobrás, podem prosperar a investigação e eventual processo criminal contra a presidente.
O segundo caminho, difícil, mas não impossível, é o da renúncia, sendo vital o protesto das ruas e o apoio de entidades representativas. A primeira via, já lembrada e mais desgastante, está na apresentação de ação criminal que, ao ser recebida, afaste a presidente
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Caminhos estreitos
Miguel Reale Júnior *
O Estado de S. Paulo, sábado, 4 de abril de 2015
Vive-se imensa perplexidade. Estamos atônitos diante do País à deriva. A sociedade veio às ruas, não só os eleitores de Aécio, mas uma grande massa aplaudida por muitos e muitos que ficaram em casa tomados, também, pela mesma indignação. Desnudou-se a bandalheira e o País esbraveja.
Em julho de 2005 criou-se o movimento "Da Indignação à Ação", reunindo entidades da sociedade civil. Seu manifesto acentuava: "Punições firmes e proporcionais às faltas praticadas são o único desfecho que os cidadãos brasileiros aceitam para as investigações em curso". Aderiram ao movimento entidades como OAB, OAB-SP, ABI, CNBB, PNBE, Fiesp, Instituto Ethos, Força Sindical, Transparência Brasil, Associação dos Advogados, Instituto dos Advogados de São Paulo, a rede Conectas de Direitos Humanos, o Movimento Democrático do Ministério Público e a Associação do Ministério Público de São Paulo.
Diante do mensalão, aquele movimento expressava terem sido as instituições políticas duramente atingidas, sendo imprescindível, além de investigação séria, com punições firmes e proporcionais às faltas praticadas, mudanças profundas no sistema político e eleitoral. Foram realizadas reuniões, com 500 a 600 participantes, em apoio ao relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio, e ao caseiro Francenildo Santos Costa, cuja conta bancária fora violada.
Como se vê, o movimento teve apoio de entidades significativas, mas pouca adesão dos partidos políticos de oposição, que se omitiram, arregimentando-se público diminuto perto da importância das reivindicações. As punições do mensalão vieram anos depois, mas o PT, que inaugurou o aparelhamento do Estado em grande escala e a obtenção de maiorias no Congresso pela sistemática compra de votos com dinheiro público desviado, firmou-se no poder. Nem bem se denunciou o mensalão, o PT e outros partidos da base aliada ao governo criaram o petrolão e ganharam eleições com "financiamento público" graças aos milhões surrupiados da Petrobrás.
Agora o quadro é outro. Antes não havia rua, havia entidades apoiando, mas não povo, como hoje. De 2005 para cá houve a condenação dos mensaleiros e veio vindo à tona, com o petrolão, sem as desculpas do "golpe da mídia" ou da traição política, a farsa do partido que se dizia ético, mas fez da roubalheira sistemática o modo de governar. A diferença essencial, contudo, está no fenômeno da imensa força de arregimentação da indignação via redes sociais, que apenas começavam a ganhar corpo em 2005, com o Orkut.
Como levar à frente este movimento de milhões de brasileiros? Eis a questão.
Se as redes sociais podem destituir déspotas, como Mubarak, todavia não constituem, por si sós, governos - a se ver o Egito -, pois, deposto o ditador, ganhou as eleições o movimento antidemocrático dos fundamentalistas, afastados depois pelos militares.
Assim, aos movimentos cheios de vitalidade convocadores da ida às ruas, dentre os quais se destaca o Vem Pra Rua, devem agregar-se as organizações institucionalizadas, bem como algumas lideranças políticas a serem partícipes na posição de coadjuvantes. Além do grito contra a corrupção e do "Fora PT, leva Dilma com você!", é preciso clamar pelo reconhecimento dos erros, pelo firme propósito de redução da máquina governamental, a eliminação de metade dos cargos em comissão, a adoção do voto distrital já para vereador em 2016, bem como um esforço em favor da capacitação dos dependentes do Bolsa Família para libertá-los do assistencialismo.
Mas como realizar tais mudanças e criar confiança neste estado terminal do governo? Não há muitas alternativas. O governo é frágil e não se recupera perante a Nação com festival de lugares comuns em entrevista televisiva, nem com golpes baixos de criação de novo partido para enfraquecer o PMDB. Dilma coleciona inimigos a cada passo e, hoje, os investigados presidentes das duas Casas legislativas ditam as regras, enquanto o Executivo patina todo o tempo em terreno movediço.
Restam dois caminhos. O primeiro seria o procurador-geral da República determinar investigação de eventual prevaricação da parte da presidente, pois se sabia ela de irregularidades (como dizem o ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Youssef) nos idos de 2009, ao assumir a Presidência nada teria feito para conter a corrupção, deixando de zelar pela moralidade administrativa ao manter nos cargos os diretores corruptos. Em conclusão, se constatado em investigação que Dilma sabia dos malfeitos e permitiu a continuidade do esquema corrupto, pode-se configurar eventual crime de prevaricação.
O crime comum, ao contrário do crime de responsabilidade, pode derivar de ação ou omissão ocorridas no mandato anterior. O artigo 86, § 4.º, da Constituição diz que o presidente não poderá, no exercício do seu mandato, ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício das suas funções. Ora, se se omite o dever de zelar pela moralidade, tal omissão é própria das funções de presidente, e não estranhas a elas, razão pela qual, se verificada a prevaricação por deixar de conter as irregularidades sabidas na Petrobrás, podem prosperar a investigação e eventual processo criminal contra a presidente.
O segundo caminho, difícil, mas não impossível, é o da renúncia, sendo vital o protesto das ruas e o apoio de entidades representativas. A primeira via, já lembrada e mais desgastante, está na apresentação de ação criminal que, ao ser recebida, afaste a presidente. Em ambas as hipóteses, todavia, impõe-se construir em torno do vice-presidente um governo de união nacional, com pauta mínima desejada pelos movimentos aglutinadores da população.
Dessa maneira, no dia 12 de abril é fundamental voltar às ruas em todo o País, juntamente com representantes de entidades significativas que se somem à massa dos indignados.
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*Advogado, professor titular senior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi Ministro da Justiça.
segunda-feira, 3 de setembro de 2012
Brasil: fascismo penal em construcao - Miguel Reale Jr.
domingo, 8 de abril de 2012
Trajetoria da politica brasileira: breve sintese - Miguel Reale Jr
O discreto charme da moralidade
A artificialidade da base parlamentar, com cerca de 400 deputados, era evidente, pois apenas se instaurara em torno da figura carismática do presidente Lula, o grande eleitor, fazedor de sua sucessora, de governadores, deputados e senadores. Essa artificialidade, verificável a olhos vistos, é fruto de uma constante de nossa vida republicana: a força do poder carismático.
Na República Velha, quando presidentes eram escolhidos unicamente pelos próceres do Partido Republicano, com resultados garantidos pela fraude eleitoral, ter o candidato poder pessoal de sedução era irrelevante. Rui Barbosa, graças à sua inteligência, empolgou por duas vezes a juventude e a classe média: na campanha civilista de 1910 e na disputa com Epitácio Pessoa em 1919. Suas ideias avançadas jamais iriam, logicamente, frutificar nesse sistema político conservador. Na sociedade patriarcal, como poderia ser eleito um homem que pregava, em 1919, aderir à democracia social, propugnando pela felicidade da classe obreira, aplaudindo o socialismo no que trazia de pacificador por aproximar patrões e trabalhadores, reivindicando maior participação política da mulher e ter igualdade de remuneração salarial?
Assim, Rui, já glorificado como a Águia de Haia, comovia e envolvia apenas a incipiente classe média, pela força de sua inteligência e pela modernidade de suas propostas, sem ter o estadista nenhuma nuance de sedução demagógica.
A partir da Revolução de 1930 surgem, então, na vida política os líderes carismáticos. Getúlio Vargas, candidato derrotado à Presidência, traduz a exigência, nascida no movimento tenentista, de se garantir a verdade eleitoral, mas acaba por instaurar uma ditadura. Ao falar às massas recebe legitimação pelo reconhecimento entusiástico dos trabalhadores, criando-se uma ligação pessoal entre o chefe de Estado e o grosso da população, sob o domínio de afeição confiante. Getúlio, o pai dos trabalhadores, é consagrado presidente acima das liberdades democráticas. Deposto em 1945, retorna em 1950 com quase maioria absoluta dos votos. Jânio Quadros é outro líder carismático que, com a vassourinha, promete varrer a sujeira da política brasileira. Collor, o caçador de marajás, denunciador da corrupção do governo Sarney, é um líder carismático que, sem partido, vem a derrotar fragorosamente todos os caciques: Ulysses, Brizola, Aureliano Chaves, Mário Covas.
O voo do chefe carismático pode ser breve ou longo. Os partidos políticos dar-lhe-ão respaldo para poderem usufruir vantajosamente a sua proximidade com o líder, como beneficiários do prestígio do condutor das massas, enquanto houver popularidade. Se esta decresce, começa-se a abandonar o barco. Jânio e Collor tiveram na Presidência passagens meteóricas, deixados à deriva em seus devaneios de poder absoluto.
Na nossa História recente, dois presidentes não tinham o carisma dos demagogos, mas possuíam charme e programa: Juscelino, o peixe vivo, com a proposta de 50 anos em 5; Fernando Henrique, o intelectual político, degolador da inflação, trazia o plano de modernização da economia e programas iniciais de distribuição de renda. Sucede que em geral carisma não se transmite a candidatos correligionários, muito menos charme.
Lula, depois de três derrotas, soube se preparar para ganhar e pôde encarnar a figura do líder carismático que é, com projeto de poder de longa distância. Adaptou-se às necessidades de conter a inflação e teve como carro-chefe o programa Bolsa-Família. Com astúcia, navegou nas águas turvas do mensalão e "macunainamente" usou da "virtude" política da incoerência para se sair bem com uns e outros. No segundo mandato cresceu em popularidade, seja porque a população da classe E, graças ao Bolsa-Família, ascendeu à classe D, seja porque parcelas da classe C assomaram, em vista do boom econômico mundial, a níveis mais elevados de consumo.
O sucesso econômico e o dom natural de sedução de Lula o transformaram num líder cuja força atraiu inimigos e militantes políticos de toda ordem, ansiosos por serem seus seguidores e virem a integrar a mesma base política, com manifesto interesse eleitoral. Lula conseguiu, de forma rara, eleger a sua sucessora, uma novata na refrega eleitoral, mais gerente do que prócer política.
Assim, Dilma herdou a Presidência e a dita base parlamentar composta por políticos ávidos das benesses viabilizadas para os seguidores do chefe carismático. Este o único cimento a amalgamar tantos interesses contrários.
O destino, todavia, fez o líder, espécie de missioneiro, cair doente, com duvidosa participação efetiva no futuro processo político. Neste quadro, sem verbas e cargos para justificar o apoio ao governo, afloram, ainda por cima, na base parlamentar ressentimentos em vista das demissões por corrupção, longe da condescendência anterior, do período lulista, quando se passava a mão na cabeça dos "aloprados".
Neste momento, sem a certeza de Lula ser um protagonista no cenário político, Dilma vê-se no meio de uma crise que poderá acalmar no varejo com a liberação de verbas, como se deu para a aprovação da Lei da Copa. A presidente, no entanto, diz não pretender instalar a adesão ao "toma lá, dá cá". Em suma, Dilma herdou a Presidência, mas não o carisma e, ao contrário de Juscelino e de Fernando Henrique, não tem um programa de governo que empolgue.
Sua única arma disponível é a resistência ao sistema do "dando é que se recebe", que poderá entusiasmar a classe média. Mas surge a dúvida: será suficiente, no Brasil, o discreto charme da moralidade para se conseguir governar?
Advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça