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quinta-feira, 26 de junho de 2014

Como o Brasil foi para o Haiti: Ricardo Seitenfus destaca o papel do Foro de S.Paulo

Parceria partidária contribuiu para envolvimento do Brasil no Haiti, diz professor

Para Ricardo Seitenfus, também ex-representante da Organização dos Estados Americanos (OEA) no país caribenho, governo adotou posturas do Foro de São Paulo — rompido com presidente haitiano que caiu em 2004

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Parceria partidária contribuiu para envolvimento do Brasil no Haiti, diz professor

O GLOBO, Domingo, 4 de Maio de 2014

RIO E BRASÍLIA — Dez anos e mais de 30 mil militares depois, as motivações do envolvimento do Brasil na Minustah continuam em debate. Ao longo desta década, a articulação por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU e uma diplomacia pautada por princípios humanistas foram alguns dos motivos comumente levantados na discussão sobre o engajamento brasileiro no Haiti. Mas, para Ricardo Seitenfus, ex-representante da Organização dos Estados Americanos (OEA) no país caribenho e professor de Direito Internacional da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a participação brasileira se deve, em parte, a uma ruptura político-partidária que terminou por contradizer o não intervencionismo previsto na Constituição de 1988.
Em artigo apresentado nesta semana na Universidade George Washington, na capital americana, Seitenfus defende que no centro das posturas brasileiras estão posições adotadas pelo Foro de São Paulo — organização que congrega partidos de esquerda da América Latina, entre eles o PT — antes da aprovação da Minustah pela ONU, em 30 de abril de 2004. Aliado nos anos 1990 do presidente haitiano Jean-Bertrand Aristide — que cai em fevereiro de 2004, desencadeando o surgimento da Minustah —, o Foro rompe com o político e seu partido, a Família Lavalas, em paralelo às contestadas eleições parlamentares de 2000 no Haiti.
Então, a recém-criada Convergência Democrática, uma coalizão oposicionista liderada por Gérard Pierre-Charles, ex-aliado de Aristide, boicota o pleito legislativo e a eleição presidencial daquele ano por considerar que há irregularidades. Aristide acaba chegando à presidência com mais de 90% dos votos. Daí em diante, o Foro de São Paulo passa a denunciar o governo de Aristide, considerado populista, personalista e antidemocrático em documentos públicos do grupo e citados no artigo de Seitenfus. Ao mesmo tempo, endossa a Organização do Povo em Luta (OPL), partido liderado por Pierre-Charles, integrante da Convergência Democrática.
O distanciamento entre o Foro e Aristide culmina em uma resolução publicada pela organização em 17 de fevereiro de 2004, na qual afirma que a crise política haitiana “surge do flagrante desconhecimento das instituições democráticas” pelo governo de Aristide e expressa seu “amplo respaldo político” à OPL num momento em que a Convergência Democrática já defendia a renúncia do presidente haitiano.
— Quando Lula ganha as eleições em 2002, o então secretário-executivo do Foro (Marco Aurélio Garcia) vira seu conselheiro diplomático, e leva para o Palácio do Planalto a posição do Foro. A decisão (da presença brasileira no Haiti) foi tomada no palácio sem sequer consultar (o hoje ministro da Defesa e então chanceler Celso) Amorim, contrariando a postura histórica do Brasil de não intervenção — afirma o professor. — Confesso que participo disso. Eu fui enviado pelo governo brasileiro (foi mediador político em 2004), e agora me dou conta que havia isso antes.
Em seu artigo, Seitenfus faz uma cronologia do que chama de “surpreendente e impensável reviravolta” do governo brasileiro nos dias em torno da saída de Aristide, em 29 de fevereiro de 2004. O professor resgata o comunicado do Grupo do Rio — organização que precede a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) — publicado em 25 de fevereiro de 2004, em que os países-membros “manifestam seu apoio ao Presidente constitucionalmente eleito daquele país, Jean-Bertrand Aristide.” No dia 29, Aristide cai. Em 4 de março, o Brasil comunica que está à disposição da ONU para o envio de militares e o comando das tropas de paz no Haiti.
— O que acontece entre o dia 25 de fevereiro e o dia 4 de março é uma pergunta que ninguém responde — diz o professor, também autor do livro “Haiti: dilemas e fracassos internacionais”, que sai este mês pela editora Unijuí.
Tropas estrangeiras cedem lugar à polícia local
O Brasil sempre teve o contingente militar mais numeroso da Minustah e, com isso, desde o início lidera as forças de paz da missão. Mas, ao mesmo tempo em que o Brasil se apresenta aos haitianos quase sempre de farda e capacete azul, busca cooperar com o Haiti em áreas civis. O resultado, para Seitenfus, é a prisão do Brasil numa contradição.
— Outros países sempre defenderam que, se há uma operação de paz, deve haver imposição da paz. O Brasil sempre lutou para atacar não só as consequências da instabilidade, mas as raízes dos males, sem muito sucesso. Esse foi um dilema que o Brasil carregou ao longo de todo esse período e em outras operações de paz também, como no Timor Leste — diz o professor.
Para o pastor batista André Bahia, que vive no Haiti desde 2012, a Minustah tem buscado um enfoque mais civil neste últimos dois anos, ao mesmo tempo em que a Polícia Nacional Haitiana (PNH) gradativamente assume funções antes a cargo de militares brasileiros e de outros países.
— Em 2012, ainda era possível ver ações do tipo polícia realizada por militares estrangeiros. Os próprios brasileiros, que são responsáveis pela maior parte da capital, realizavam blitzes e patrulhas mais ostensivas. Mas, isso mudou. Vimos o 2º Batalhão Brasileiro da Força de Paz da ONU se despedir da missão realizando uma megaoperação conjunta entre vários órgãos de polícia da ONU e do Haiti, e ao mesmo tempo, do outro lado da rua, apoiando com meios e profissionais uma grande ação humanitária com médicos, educadores, esportistas e capelães voluntários brasileiros, haitianos civis e militares — conta Bahia. — Contudo, ainda há locais que sabidamente a PNH não entra.
Por outro lado, o nome do Brasil também está colado, às vezes, a iniciativas problemáticas. Omar Ribeiro Thomaz, professor de Antropologia da Unicamp e pesquisador do Haiti há 16 anos, cita as dez Unidades de Pronto Atendimento (UPA) prometidas pelo governo brasileiro dias após o terremoto de janeiro de 2010 — nenhuma saiu do papel. Thomaz também menciona falhas no projeto Pró-Haiti, criado com o objetivo anunciado de trazer até 500 estudantes haitianos para universidades públicas brasileiras. Até hoje, vieram 78.
Intenções não concretizadas
A promessa das UPAs deu lugar à construção de três hospitais comunitários de referência, um instituto destinado à reabilitação de pessoas com deficiência e de um laboratório de órteses e próteses. Em nota, o Ministério da Saúde informou que a decisão foi tomada em conjunto com o governo haitiano, com base na realidade do país, “que possui carência de estabelecimentos de saúde para atender à população, em especial em média complexidade”.
A inauguração dos hospitais chegou a ser anunciada para meados de 2013, mas o primeiro deles, assim como o instituto de reabilitação serão inaugurados amanhã, segundo o ministério. Os outros dois estabelecimentos devem começar a funcionar ainda neste semestre. “A mudança de data se deu em função das dificuldades enfrentadas pelo país no início do seu processo de reestruturação após o terremoto, que acabou causando um atraso inicial na liberação dos terrenos cedidos para as obras”, alega o ministério. O governo brasileiro colocou US$ 67,5 milhões na cooperação em saúde com o Haiti, destinados à construção e manutenção dos hospitais, formação de mil agentes comunitários e reforma de laboratórios, entre outras atividades.
Já segundo o Ministério da Educação, a vinda de 500 bolsistas seria para a realização de graduação sanduíche no Brasil, mas este tipo de bolsa “se mostrou inviável”, disse o ministério, em nota. Com isso, “foi acordada a troca de modalidade de bolsa, e os alunos que já estavam aqui foram migrados para a graduação plena”.
Para outros acadêmicos brasileiros que conhecem o Haiti, como o sociólogo Antônio Jorge Ramalho, professor de Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB), o Brasil tem méritos em seu desempenho no Haiti.
— O Brasil projetou sua imagem e bandeira e mostrou capacidade de ação, que é muito relevante. Essa atuação coloca o Brasil como um país respeitado quando se cita operações das Nações Unidas. Não é casual que a ONU, na República Democrática do Congo, onde, pela primeira vez, haverá uma brigada de intervenção, escolheu um general brasileiro (Carlos Alberto dos Santos Cruz, que comandou as tropas da Minustah entre 2006 e 2009). Ele terá autorização para usar a força para impor a paz. Um brasileiro vai comandar essa brigada graças ao bom desempenho do Brasil no Haiti — disse Ramalho, que viveu um ano e meio no Haiti na década passada.
Seitenfus, por sua vez, vê com preocupação um desgaste da imagem do Brasil com a prolongada atuação no Haiti e faz ressalvas à relevância da presença brasileira para o futuro do país caribenho.
— Cada dia que passa com a nossa presença com a cara militar, desgasta mais. Um capital imenso de reconhecimento, respeitabilidade, gastá-lo como nós estamos gastando no Haiti... — diz. — A formação da PNH é exclusividade dos EUA e do Canadá. Eles sabem que quando a ONU for embora, o poder será da PNH. A participação do Brasil nesse processo é muito marginal.
VEJA TAMBÉM
·                INFOGRÁFICO Dez anos da presença brasileira no Haiti



domingo, 26 de agosto de 2012

Bondades la, e aqui...: Exercito salvando pessoas

Tem gente que acha que o Exército brasileiro deveria dispensar o mesmo tipo de atenção com os brasileiros humildes, quando acontece este tipo de tragédia no próprio Brasil...


Tropas brasileiras socorrem vítimas de tempestade no Haiti

Haiti – BBC – 26/08/2012.

Desabrigados fogem de áreas alagadas pela tempestade tropical Isaac em Porto Príncipe
Tropas brasileiras em missão de paz no Haiti já identificaram mais de 1.200 pessoas em situação de emergência em Porto Príncipe, devido à passagem da tempestade tropical Issac pelo Haiti.
Bases do Brasil no Campo Charlie – a maior instalação militar da ONU no mundo – e em Cité Soleil foram parcialmente destelhadas e perderam boa parte de sua capacidade de comunicação devido a ventos cuja velocidade ultrapassa 100 km/h.
“Caíram muitas árvores e postes de luz. Algumas portas dos alojamentos foram danificadas, uma foi até arrancada, e houve muito destelhamento. Estamos agora reinstalando as antenas de rádio para retomar as comunicações. A internet não está funcionando”, afirmou à BBC Brasil o tenente-coronel Rubens Costa Neto, porta-voz do Brabatt 1, um dos batalhões brasileiros no país.
O pico da tempestade ocorreu na madrugada, quando era possível transitar pela cidade apenas em blindados anfíbios. Apesar dos estragos nas bases brasileiras, segundo ele, as tropas continuam em condições de atuar e inciaram na manhã deste sábado um processo de identificação das regiões mais atingidas.
Após o levantamento, operações de socorro devem ser iniciadas sob o comando das agências de ajuda humanitária da ONU e do governo haitiano.
Até a tarde de sábado, ao menos quatro mortes foram notificadas à organização britânica Oxfam. Apenas uma delas foi confirmada, a de uma menina soterrada no desabamento de um muro.
Segundo Costa Neto, parte de uma companhia de engenharia brasileria chegou a ser despachada para Les Cayes, a cidade no sul do país onde esperava-se os maiores danos. Contudo, eles não se confirmaram.
Aproximadamente 400 mil pessoas ainda vivem em tendas e acampamentos improvisados no país após terem perdido suas casas no terremoto de janeiro de 2010, que matou cerca de 300 mil pessoas.
Há dois dias, quando a tempestade Isaac se aproximava, a ONU levou cerca de 80% dos moradores de acampamentos para abrigos de tempestade feitos de alvenaria, segundo a entidade.
Áreas afetadas
Mas, segundo Costa Neto, cerca de 700 novos desabrigados foram identificados na favela de Cité Soleil e 500 no bairro industrial de Sonapi. “Muitas construções foram afetadas nessas regiões. Os moradores estão em situação de calamidade”, disse
“Na sexta-feira todos foram orientados a não deixarem suas casas. O tempo melhorou na manhã de hoje (sábado) mas voltou a piorar agora de tarde. Está chovendo muito forte as áreas alagadas devem aumentar”, afirmou.
Segundo ele, a tempestade começa a deixar o país, mas a chuva continua forte. Diversas regiões da capital estão alagadas.
A Comissão de Ajuda Humanitária e Proteção Civil da União Europeia monitora a situação e deve acionar equipes de socorro. A entidade afirmou que os ventos chegaram à velocidade de 375 km/h no centro da tempestade.
A comunidade internacional deve ajudar o governo do Haiti no socorro aos desabrigados. Há reserva de alimentos para 300 mil pessoas, estoque de água para 400 mil e abrigos de emergência para atender 70 mil famílias.
Além das equipes das agências humanitárias, 5.700 fuzileiros estão de prontidão nas bases da ONU aguardando o fim da tempestade. Eles devem garantir a segurança das equipes de socorro e impedir eventuais ações criminosas nas áreas mais afetadas.
A tempestade Isaac agora se dirige para Cuba. Especialistas estimam que em seguida ela atinja a Flórida, nos Estados Unidos.
Disponível em:

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Haiti: uma tragedia de erros, omissoes e conveniencias

Já publiquei, neste blog (aqui), os principais materias relativos ao chamado "affair Seitenfus".
Poderia comentar mais, substantivamente, sobre suas declarações anteriores e estas novas, mas vou fazê-lo em outra oportunidade.
Paulo Roberto de Almeida

TERREMOTO NO HAITI
Fabrícia Peixoto
Da BBC Brasil em São Paulo, 29.12.2010

Afastado, representante da OEA critica ONGs e missão de paz no Haiti

Representante da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti há dois anos, o brasileiro Ricardo Seitenfus deverá ser oficialmente destituído do cargo em breve – decisão que ele mesmo interpreta como resposta a sua “postura crítica” em relação ao papel da comunidade internacional na recuperação do país caribenho.
Seitenfus questiona o papel das tropas da ONU no Haiti e o dos principais países doadores.
O estopim teria sido uma entrevista ao jornal suíço Le Temps, na qual o brasileiro questiona não apenas o papel das tropas da ONU no Haiti, como também dos principais países doadores.
“A Minustah (Missão de Paz da ONU) não pode ser tratada como se fosse uma verdade divina, como se não pudesse ser objeto de reservas”, disse Seitenfus em entrevista à BBC Brasil.
Devastado por um terremoto em janeiro, que deixou mais de 200 mil mortos, o Haiti enfrenta agora uma crise eleitoral: ainda não se sabe como e quando se dará o segundo turno da eleição presidencial, inicialmente marcada para meados de janeiro.
Para o brasileiro, a comunidade internacional está “decidindo” pelo governo do Haiti no processo de reconstrução e as acusações de corrupção no governo local fazem parte de um “discurso ideológico”.

Criou-se uma comissão internacional para a recuperação do Haiti que até hoje está procurando suas verdadeiras funções.
Ricardo Seitenfus


“Se a gente imagina que pode fazer isso (reconstruir o país) por meio da Minustah e por meio das ONGs, nós estaremos enganando os haitianos e enganando a opinião pública mundial”, diz.

BBC Brasil – O senhor já foi comunicado oficialmente sobre sua destituição do cargo?
Ricardo Seitenfus – Não, ainda não. Eu tinha decidido não tirar férias agora em dezembro, para estar no Haiti nessa fase delicada da eleição. Mas o secretário-geral (José Miguel Insulza) pediu para que eu tirasse as férias. Concluo que nos dois meses, de fevereiro e de março, previstos para que eu ficasse no Haiti, não ficarei mais.
Mas esse não é o problema. O mais grave é o que está acontecendo agora: o representante da OEA não está no Haiti durante uma crise eleitoral. E eu tenho uma capacidade de diálogo com o governo haitiano que ninguém na OEA tem e que poucas pessoas da comunidade internacional têm.

BBC Brasil – O senhor está no Haiti há dois anos. Houve algum fato mais recente que o tenha levado a adotar essa postura mais crítica?
Seitenfus – Logo após o terremoto, foi feito um trabalho excepcional. Na medida do possível, os haitianos receberam ajuda, socorros... Foi feito um mutirão internacional que foi positivo. No entanto, terminada a urgência, as coisas começaram a não funcionar como deveriam. Em março, houve uma reunião com os doadores, em Nova York, na qual foram recolhidos US$ 11 bilhões para o Haiti. Acontece que esses recursos não chegaram ao país.
Criou-se uma comissão internacional para a recuperação do Haiti que até hoje está procurando suas verdadeiras funções. Enfim, as promessas da comunidade internacional não foram cumpridas. E enquanto isso, a situação dos desabrigados continua a mesma.

A acusação de corrupção faz parte de um discurso ideológico. Não existe corrupção, existe percepção de corrupção.
Ricardo Seitnefus


BBC Brasil – Isso tudo mudou sua visão dos fatos?
Seitenfus – Eu diria que houve uma tomada de consciência progressiva quanto às nossas limitações e, por que não dizer, de nossos fracassos no Haiti... digo, nós da comunidade internacional.
Além disso, no dia 28 de novembro, dia da eleição, foi discutido na reunião do Core Group (países doadores, OEA e Nações Unidas), algo que me pareceu simplesmente assustador. Alguns representantes sugeriram que o presidente René Preval deveria sair do país e que deveríamos pensar em um avião para isso. Eu ouvi isso e fiquei estarrecido.
O primeiro-ministro do Haiti, Jean-Max Bellerive, chegou e logo disse que não contassem com ele para qualquer solução à margem da Constituição e perguntou se o mandato do presidente Preval estava sendo negociado. E foi um silêncio na sala.
Ao meu lado estava o Albert Randim, secretário-adjunto da OEA, ou seja, eu não poderia falar, já que a OEA estava sendo representada por ele. Mas frente ao silêncio dele e dos demais, eu pedi a palavra e lembrei da existência da carta democrática interamericana e que qualquer discussão sobre o mandato do presidente Preval, para mim, seria um golpe. Me surpreendi muito com o fato de o secretário-adjunto da OEA ficar em silêncio diante da possibilidade de encurtamento do mandato de um presidente legitimamente eleito.

BBC Brasil – Mas muitos defendem um governo provisório como solução ao impasse eleitoral no país...
Seitenfus – Eu sempre fui contrário. Um governo provisório não teria legitimidade das urnas e seria o reconhecimento do nosso fracasso. Se depois de quase sete anos (da Missão de Paz no Haiti) nós não conseguimos organizar uma transferência de poder de forma democrática, eu me pergunto como podemos fazer uma avaliação positiva da presença da comunidade internacional, que veio trazer a democracia ao país.

BBC Brasil – Então suas críticas também se estendem à missão de paz?
Seitenfus - Depois do terremoto, a natureza dos desafios haitianos mudou completamente. Estamos diante de um dos maiores desafios... É uma aventura humana reconstruir um país com 10 milhões de habitantes e destruído por uma catástrofe natural. Temos 1,5 milhão de pessoas nas ruas, com 80% de desemprego, a epidemia de cólera.
Não podemos nos restringir aos desafios imaginados em 2004 (início da missão), mesmo erradamente, como uma questão de segurança. A situação é muito mais complicada e exige mais do que uma operação de paz.

BBC Brasil – Mas o governo brasileiro, por exemplo, tem sido contrário a mudanças no mandato da missão... A que se deve essa posição, na sua opinião?
Seitenfus - O sistema internacional não tem instrumentos para enfrentar uma situação como a do Haiti. Temos que trocar de Conselho. Temos que tirar o assunto do Conselho de Segurança e mudá-lo para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
E sobretudo, temos que pensar que o desenvolvimento do Haiti tem que ser feito pelos haitianos. Se a gente imagina que pode fazer isso por meio da Minustah e por meio das ONGs, nós estaremos enganando os haitianos e enganando a opinião pública mundial.

BBC Brasil – Não está se dando o espaço devido ao governo haitiano nesse processo?
Seitenfus - Nem ao governo, nem à sociedade haitiana. O fato de ser solidário não é ser substituto de alguém, é acompanhar alguém. E nós estamos decidindo por eles. Agora estamos nos metendo no processo eleitoral. Deixem as instituições haitianas resolverem seus próprios problemas.

Nenhum país aceitaria o que os haitianos são obrigados a aceitar.
Ricardo Seitenfus


BBC Brasil – Mas existem acusações de corrupção envolvendo a transferência de recursos para o governo haitiano, em episódios anteriores, não? O país não tem certas limitações institucionais?
Seitenfus - Eles têm limitações por nossa culpa. Transferimos todos os recursos via ONGs e não por meio das instituições haitianas. Sem dúvida o Estado haitiano é muito debilitado e ficou pior ainda depois do terremoto, perdendo 30% de seus quadros.
O que temos de fazer? Ter políticas de acompanhamento do Haiti que permitam que esses quadros permaneçam no país. A acusação de corrupção faz parte de um discurso ideológico. Não existe corrupção, existe percepção de corrupção. O Haiti não tem como ser corrupto porque o Estado não possui recursos.
O que se pode questionar é como se administram os recursos que as ONGs recolhem sem prestar contas a ninguém. Esta sim é a grande questão. Faço uma distinção do trabalho que foi feito na emergência, mas essa não pode ser uma política permanente de substituição do Estado pelas ONGs. O Haiti é o Haiti, não é Haitong. Nenhum país aceitaria o que os haitianos são obrigados a aceitar.

BBC Brasil – E qual o papel do Brasil nesse processo?
Seitenfus - O Brasil tem uma responsabilidade muito grande, porque é a primeira vez que temos uma missão de paz tão longa e tão cara para nós, onde pretendemos mostrar uma forma diferenciada de atuar.
O Brasil deveria aproveitar que haverá um novo governo no Haiti e um novo governo no Brasil e fazer um balanço de seis anos e meio de Minustah. Não estou apregoando que o Brasil deva amanhã recolher suas tropas. Isso se faz depois de uma longa discussão, inclusive com o governo haitiano e com as Nações Unidas.
A não discussão é que é o grande erro. Como se a Minustah fosse uma verdade divina, uma iluminação do céu, como se não pudesse ser objeto de reservas. Tenho uma percepção de que a qualidade de uma operação de paz é inversamente proporcional ao tempo de sua duração. Quanto mais uma missão de paz se estende no tempo, menor qualidade ela tem. As boas missões de paz são as curtas missões de paz.