PEC que politiza embaixadas gera bate-boca e tem votação adiada no Senado
Senador Esperidião Amin acusou o autor da PEC e também presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, de montar uma operação para fazer a proposta passar; os senadores Humberto Costa e Carlos Portinho pediram vista para a matériaPor Vandson Lima, Renan Truffi e Fabio Murakawa, Valor — Brasília
06/07/2022 13h31 Atualizado há 18 horas
Em uma articulação que uniu o PT e o governo de Jair Bolsonaro, foi adiada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado a polêmica Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que permite a nomeação de parlamentares para o cargo de embaixador sem perda de mandato. O senador oposicionista Humberto Costa (PT-PE) e o líder do governo, Carlos Portinho (PL-RJ), pediram vista – mais tempo de análise – para a matéria.
O autor da PEC é o senador Davi Alcolumbre (União-AP), justamente o presidente da CCJ. A tentativa de Alcolumbre de acelerar o trâmite da matéria de sua autoria no colegiado causou forte discussão com o senador Esperidião Amin (PP-SC), que acusou o presidente de montar uma operação para fazer a PEC passar: segundo o senador catarinense, servidores de ministérios, como das Relações Exteriores, que queriam acompanhar a votação na comissão, estavam sendo barrados na porta. Alcolumbre justificou que a medida estava de acordo com protocolos de prevenção à covid-19 e, no bate-boca, retrucou. “Vossa excelência está passando dos limites. Quando as pessoas querem aparecer, é isto que acontece.”
Amin ainda pediu o apensamento de outra PEC, anterior à de Alcolumbre e que tratava do mesmo tema – a PEC 118/2019, que dispõe sobre a escolha de chefe de missão diplomática. Alcolumbre negou o pedido, que causaria o adiamento da votação. “Não vou deixar uma senadora [Daniella Ribeiro, do PSD-PB], que tem relatório, tem matéria instruída, aguardando. Vamos fazer a deliberação dessa proposta”, justificou. Alcolumbre alegou que a outra PEC sequer tinha relator. Só que ele, como presidente da CCJ, que deveria ter designado a relatoria e não o fez, lembrou Amin.
Como o pedido de vista está previsto no regimento, contudo, não houve o que Alcolumbre pudesse fazer. O prazo não foi determinado nem Alcolumbre deu qualquer indicação de quando pretende colocar a matéria novamente para votação.
O texto sofre fortes críticas de diplomatas por permitir a politização das embaixadas e também conta com a oposição do governo, que ontem se manifestou contrariamente à proposta. Apesar disso, a relatora deu parecer favorável. “Os parlamentares conhecem, como poucos, as reais necessidades do Brasil e de seu povo. São os representantes diretos e eleitos do povo e a possibilidade de exercer a chefia de missões diplomáticas permanentes seria forma de concretização do princípio da soberania popular, verdadeira base do Estado Democrático de Direito. Se os parlamentares podem exercer o cargo de Ministro das Relações Exteriores, por que não poderiam ser chefes de missões diplomáticas permanentes?”, apontou.
A tentativa de votar a PEC ocorre apenas um dia após a realização de uma audiência pública sobre o tema. Ontem, o governo se manifestou oficialmente. Em posicionamento encaminhado aos senadores, a Casa Civil afirma que “a proposta de PEC incorre em incompatibilidade com o exercício da função diplomática; violação de cláusulas pétreas (da Constituição) de separação entre os Poderes Executivo e Legislativo e do voto direto, secreto, universal e periódico”.
Além disso, afirmou o Planalto, o texto, se aprovado, promoverá a “quebra de autonomia entre as câmaras do Congresso Nacional, a vulnerabilidade do regime constitucional de imunidades parlamentares e a violação das competências privativas do Presidente da República”.
“A possibilidade de exercício de cargo diplomático em perspectiva perene afrontaria a essência do mandato parlamentar: elaboração de emendas constitucionais e leis que visam a assegurar os direitos dos cidadãos e fiscalização do Poder Executivo”, argumentou o governo. “A natureza do cargo de Embaixador recomenda distanciamento da política partidária.”
Ainda segundo o governo, o texto “vulnerabiliza o regime constitucional de imunidades parlamentares e viola as competências privativas do Presidente da República”.
“[A proposta] distorce o equilíbrio constitucional entre a competência privativa do Presidente da República de celebrar tratados que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional e a competência exclusiva do Congresso Nacional de sobre eles resolver definitivamente. E enseja relação indevida de subordinação entre as duas casas do Congresso Nacional”, afirmou a Casa Civil.
Diplomatas temem a aprovação relâmpago de um texto que, na visão geral da categoria, pode ter graves consequências para política externa brasileira, sob o risco de submetê-la algumas vezes a motivações políticas e paroquiais conflitantes com os interesses nacionais.
A PEC, além disso, traz um risco concreto de tornar as embaixadas insubordinadas ao Itamaraty. Os diplomatas alegam que, se um senador forte for nomeado para um posto em Washington, Buenos Aires ou Caracas, por exemplo, a tendência é seguir as ordens de seu partido em detrimento das orientações da área correspondente do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
“É um assunto que atinge seriamente e enfraquece a separação dos Poderes”, afirma a embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, presidente da Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros (ABD). “Estamos misturando a política externa com questões locais, com municipais e estaduais, na hora em que a gente libera para parlamentares quaisquer que eles sejam para ocupar chefias de embaixada.”
https://valor.globo.com/google/amp/politica/noticia/2022/07/06/pec-que-politiza-embaixadas-gera-bate-boca-e-tem-votacao-adiada-no-senado.ghtml
PT e governo atuam para adiar votação de proposta polêmica
Proposta é alvo de fortes críticas de diplomatas por permitir a politização das embaixadas
Por Vandson Lima, Fabio Murakawa, Matheus Schuch e Renan Truffi — De Brasília
07/07/2022 05h02 Atualizado há 4 horas
Em uma articulação que uniu o PT e o governo de Jair Bolsonaro, foi adiada para a terça-feira a votação, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, da polêmica proposta de emenda constitucional (PEC) que permite a nomeação de parlamentares para o cargo de embaixador sem perda de mandato. O senador oposicionista Humberto Costa (PT-PE) e o líder do governo, Carlos Portinho (PL-RJ), pediram vista - mais tempo de análise - para a matéria.
O autor da PEC é o senador Davi Alcolumbre (União-AP), presidente da CCJ. A tentativa de Alcolumbre de acelerar o trâmite da matéria de sua autoria no colegiado causou forte discussão com o senador Esperidião Amin (PP-SC), que acusou o presidente de montar uma operação para fazer a PEC passar. Segundo o senador catarinense, servidores de ministérios, como das Relações Exteriores, que queriam acompanhar a votação na comissão estavam sendo barrados na porta. Alcolumbre justificou que a medida estava de acordo com protocolos de prevenção à covid-19.
Amin ainda pediu o apensamento de outra PEC, anterior à de Alcolumbre e que tratava do mesmo tema - a PEC 118/2019, que dispõe sobre a escolha de chefe de missão diplomática.
Alcolumbre negou o pedido, que causaria o adiamento da votação. “Não vou deixar uma senadora [Daniella Ribeiro, do PSD-PB], que tem relatório, tem matéria instruída, aguardando. Vamos fazer a deliberação dessa proposta”, justificou. Alcolumbre alegou que a outra PEC sequer tinha relator. Só que ele, como presidente da CCJ, que deveria ter designado a relatoria e não o fez, lembrou Amin.
O texto é alvo de fortes críticas de diplomatas por permitir a politização das embaixadas. Apesar disso, a relatora deu parecer favorável. “Os parlamentares conhecem, como poucos, as reais necessidades do Brasil e de seu povo. A possibilidade de exercer a chefia de missões diplomáticas permanentes seria forma de concretização do princípio da soberania popular”, justificou. “Se os parlamentares podem exercer o cargo de Ministro das Relações Exteriores, por que não poderiam ser chefes de missões diplomáticas permanentes?”
O líder Portinho reiterou que a posição do governo é “absolutamente contrária” à PEC, que cria em sua avaliação uma “concorrência desleal” com os diplomatas de carreira. “O parlamentar que encerrou as suas funções, é natural que um ou outro seja indicado, sem prejuízo à carreira daqueles que fazem Itamaraty. Mas como regra e sem nenhum limite ao número de parlamentares, eu acho que a gente vai criar uma concorrência desleal com uma carreira tão importante”, argumentou Portinho.
O senador falou à imprensa no Palácio do Planalto, após um almoço com o presidente Jair Bolsonaro e parlamentares da base. A PEC da embaixadas, porém, não foi discutida no encontro, segundo Portinho. “A posição do governo, transmiti ao senador Davi Alcolumbre, é absolutamente contrária. A gente deve prestigiar a formação de carreira do Itamaraty e prestigiar também o voto do eleitor, que elegeu o parlamentar para que exerça sua atividade parlamentar”, finalizou o líder do governo.
A tentativa de votar a PEC ocorreu apenas um dia após a realização de uma audiência pública sobre o tema. Ontem, o governo se manifestou oficialmente. Em posicionamento encaminhado aos senadores, a Casa Civil afirma que “a proposta de PEC incorre em incompatibilidade com o exercício da função diplomática; violação de cláusulas pétreas [da Constituição] de separação entre os Poderes Executivo e Legislativo e do voto direto, secreto, universal e periódico”.
A PEC, além disso, traz um risco concreto de tornar as embaixadas insubordinadas ao Itamaraty. Os diplomatas alegam que, se um senador forte for nomeado para um posto em Washington, Buenos Aires ou Caracas, por exemplo, a tendência é seguir as ordens de seu partido em detrimento das orientações da área correspondente do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
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PEC: agora é a das Embaixadas! Nossa Constituição virou a Casa da Mãe Joana
José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco (1845-1912), deve estar se revirando no túmulo, coitado
Ricardo Kertzman
07/07/2022 06:00
Davi Alcolumbre, presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, incluiu na pauta de ontem - como se o mundo estivesse acabando e nada mais importante existisse - quarta-feira (6/7), a chamada PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das Embaixadas, que permite que deputados e senadores ocupem cargos nas embaixadas brasileiras, sem a necessidade da perda do mandato.
José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco (1845-1912), deve estar se revirando no túmulo, coitado. Patrono da diplomacia brasileira, dá nome ao histórico e prestigiado Instituto, criado em 1945 por ocasião do centenário de seu nascimento, referência mundial na formação e aperfeiçoamento da atividade diplomática, reconhecido mundialmente como escola de excelência para os diplomatas.
‘A seleção para a carreira diplomática, a cargo exclusivamente do Instituto, é uma das mais tradicionais do País, tendo-se realizado anualmente – em alguns casos até duas vezes por ano – desde 1946. Da primeira turma a ingressar no Instituto, naquele ano, até hoje, formaram-se mais de dois mil diplomatas, os quais ingressaram invariavelmente por meio de processo seletivo’, é o que informa o site do Instituto. E mais:
‘O Instituto Rio Branco é responsável, ainda, pela realização do Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas e do Curso de Altos Estudos, obrigatórios para os diplomatas que almejam a ascensão na carreira. Desde a classe inicial de terceiro secretário até o topo da carreira diplomática, o Instituto Rio Branco responsabiliza-se por selecionar, formar e aperfeiçoar um corpo de servidores coeso, coerente com a tradição da política externa brasileira’.
Bem, ao que parece, Alcolumbre não está nem um pouco interessado ou preocupado com tudo isso. De olho em uma futura boquinha - para ele e seus apaniguados - quer, com a PEC, permitir o loteamento político nas representações brasileiras no exterior. Em tempo: Jair Bolsonaro, o verdugo do Planalto, já quis emplacar o filho Eduardo, o Dudu Bananinha, na embaixada brasileira nos EUA, afinal, tinha grande experiência em fritar hambúrgueres.
O excelente jornalista Eduardo Oinegue, da Band News, lembrou em seu comentário que a primeira Carta, de 1824, bem como a segunda, de 1891, tiveram apenas uma emenda cada. Já a atual, de 1988, com a provável aprovação da tal ‘PEC Kamikase’, receberá sua 123ª emenda - algo como uma a cada cem dias. Ou seja, não é mais uma Constituição, mas uma espécie de diário, escrito por adolescentes durante as férias escolares.
Oinegue foi adiante: ‘a Constituição americana tem 235 anos e recebeu 27 emendas, o que dá uma mudança a cada oito anos e oito meses. Tudo nesse País (Brasil) se resolve com PEC. Tem mais de mil tramitando no Congresso’. Eis aí, meus caros. Na mosca! Nossos políticos transformaram PEC em discussão de cabaré, e a Constituição Federal, na Casa da Mãe Joana. Isso para não dizer… zona!
https://istoe.com.br/nossa-constituicao-virou-a-casa-da-mae-joana/
PEC que permite parlamentar assumir embaixada é 'totalmente lesiva aos interesses nacionais'
Míriam Leitão repercute criação de PEC que permite parlamentar ocupar embaixada sem renunciar mandato: 'proposta é muito ruim, um absurdo completo'. 'Se isso for aprovado, isso é um tiro no coração da diplomacia profissional brasileira', diz a comentarista.
QUINTA, 07/07/2022, 07:57
https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/380439/pec-que-permite-parlamentar-assumir-embaixada-e-to.htm
As razões do silêncio do ministro Carlos França sobre a PEC dos embaixadores
06/07/2022 • 16:59
Por Malu Gaspar e Rafael Moraes Moura
Depois de uma manhã de embates no Senado sobre a proposta de emenda constitucional (PEC) que permite a parlamentares serem embaixadores do Brasil no exterior sem abrir mão do próprio mandato, a pergunta que não quer calar em Brasília é: por que o chanceler Carlos França até agora não se manifestou publicamente sobre o assunto?
Desde que a emenda assinada pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil - AP) começou a tramitar, em outubro passado, não se ouviu nenhuma palavra de França a respeito.
A postura do ministro das Relações Exteriores provoca estranhamento porque a emenda representa um duro golpe na histórica blindagem da carreira diplomática criada pela Constituição de 1988.
Diplomatas dos mais diversos setores e graus hierárquicos estão em polvorosa contra a medida, que foi discutida hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e deve ser votada na semana que vem.
Para eles, a emenda não apenas fere o princípio constitucional da separação de poderes, mas também pode provocar uma queda na eficiência e na qualidade do serviço diplomático e, por extensão, da nossa política externa. Na prática, abriria as portas do Itamaraty, que hoje é uma instituição de Estado, ao loteamento político.
Mas embora França não comente o assunto em público, no seu entorno ninguém tem dúvidas sobre os motivos que o calaram. O mais importante foi a pressão do grupo de Alcolumbre, que fez chegar ao ministro um recado bem claro: se fizer oposição aberta e pública ao projeto, terá problemas quando sair do Itamaraty e for tentar uma vaga em uma embaixada.
O chanceler já sinalizou a vários aliados no governo que gostaria de ser embaixador em Londres depois que este mandato presidencial terminar.
O segundo motivo é a orientação do próprio governo. O Palácio do Planalto é contra a PEC e já se manifestou a respeito em uma nota técnica, mas decidiu não entrar na disputa com Alcolumbre e o Centrão por causa da proposta e determinou a França que não crie marola.
Alcolumbre voltou cheio de poder da geladeira política em que estava, após a derrota na tentativa de impedir André Mendonça de ser aprovado para uma vaga no Supremo – e, agora, quer compensações.
Ele pretende ser candidato à presidência do Senado em 2023 e quer usar a PEC dos Embaixadores como bandeira de campanha.
O silêncio do obediente ministro Carlos França impressionou até mesmo a relatora da PEC, Daniella Ribeiro (PSD-PB), que já deu seu parecer favorável.
Daniella disse que, até agora, só teve uma conversa de cerca de 5 minutos com o chanceler, no mês passado, em que ele quis saber mais detalhes da proposta – mas sem emitir juízo de valor ou apresentar qualquer argumento contra a iniciativa. Fez apenas perguntas genéricas.
"Sempre me mantive muito aberta ao diálogo. Por isso mesmo, aproveito para ressaltar meu estranhamento por parte do Ministério das Relações Exteriores e do nosso representante maior (Carlos França) pela falta de interesse em busca da discussão com essa relatora", disse a senadora durante a audiência pública realizada ontem – à que o chanceler faltou por estar na reunião do G-20, na Indonésia.
Hoje, em conversa com a equipe da coluna, ela reforçou a pressão. “Onde houve manifestação pública do ministro, que seria a voz em defesa dos diplomatas? Causa estranheza o silêncio do chanceler brasileiro. Mesmo a nota técnica da Casa Civil só apareceu após minha cobrança na audiência pública”, afirmou a senadora à equipe da coluna.
Depois da pressão de diplomatas e de políticos, o Ministério das Relações Exteriores emitiu uma nota pública contra a proposta bastante tímida e cheia de ressalvas.
Na manifestação da Casa Civil enviada ao Senado, o ministério destaca que o Itamaraty também se manifestou internamente contrário à proposta. “A chefia de missão diplomática tem natureza distinta daquela de ministro de Estado. A natureza do cargo de Embaixador recomenda distanciamento da política partidária”, alegou o Itamaraty.
A equipe da coluna enviou dez perguntas sobre a PEC ao chanceler brasileiro, mas o Itamaraty se limitou a informar que a nota à imprensa divulgada "reflete a posição" do chanceler.
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/os-motivos-que-calaram-o-chanceler-carlos-franca-sobre-pec-dos-embaixadores.html