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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 18 de maio de 2020

O presidente perdeu a condição de governar - ex-ministros

O presidente perdeu a condição de governar

Não há como aceitar governante que viola até o sentido básico da decência   

José Carlos Dias
Claudia Costin
José Gregori
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Paulo Sérgio Pinheiro
Paulo Vannuchi
O momento é grave. É hora de dar um basta ao desgoverno. Hoje é preciso falar ao conjunto dos brasileiros, nossa população multiétnica, multirracial, com diversidade cultural e distintas visões políticas, 210 milhões de cidadãs e cidadãos. Hora de falar ao povo, detentor e destinatário dos rumos do país.
Assistimos em 2019 ao desmanche de instituições e estruturas de Estado, em nome de alinhamentos ideológicos e guerras culturais. A partir de fevereiro último, com a chegada da pandemia em nosso território, ao grande desmanche somaram-se ataques à ordem constitucional, à democracia, ao Estado de Direito. Não podem ser banalizados, muito menos naturalizados.

O presidente Jair Bolsonaro retira máscara para falar com jornalistas em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília - Lúcio Tavora - 13.mai.20/Xinhua
Como alertaram os cientistas, a Covid-19 encontraria no Brasil campo fértil para o seu alastramento: um país-continente com enorme desigualdade social e concentração de renda, sistema de saúde fragilizado por cortes e tetos orçamentários, saneamento básico precário, milhões de brasileiros vivendo em bairros, comunidades e distritos sem infraestrutura, sucateamento da educação pública, desemprego na casa das 13 milhões de pessoas e uma economia estagnada. Acrescente-se a esse quadro as características próprias da atual pandemia —um vírus com alta velocidade de transmissão e sintomatologia grave, para o qual ainda não há remédio ou vacina eficazes. ​
Talvez não imune ao vírus, mas com toda certeza imune ao sofrimento humano, o presidente da República, Jair Bolsonaro, tem manifestado notória falta de preocupação com os brasileiros, com o risco das aglomerações que estimula, com a volta prematura ao trabalho, com um sistema de saúde que colapsa aos olhos de todos e até com o número de óbitos pela Covid-19, que totalizam, hoje, muitos milhares de casos —sobre os quais, aliás, já se permitiu fazer ironias grosseiras e cruéis.
Mas a sanha do presidente não para por aí. Enquanto o país vive um calvário, Jair Bolsonaro insufla crises entre os Poderes. Baixa atos administrativos para inibir investigações envolvendo a sua família. Participa de manifestações pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Manipula a opinião pública, e até as Forças Armadas, propagando a ideia de um apoio incondicional dos militares como blindagem para os seus desatinos. Enfim, o presidente deixa de governar para se dedicar à exibição diária de sua triste figura, em pantomimas familiares e ensaios golpistas.
Preocupado com o amanhã e sob o peso do luto, o Brasil precisa contar com um governo que coordene esforços para a superação da crise, começando por ouvir a voz que vem das casas, das pessoas que sofrem, em todas as partes. Não há como aceitar um governante que ouve apenas radicais fanáticos, ressentidos e manipuladores, obcecado que está em exercer o poder de forma ilimitada, em regime miliciano-militar que viola as regras democráticas e até mesmo o sentido básico da decência.
Só resta sublinhar o que já ficou evidente: Jair Bolsonaro perdeu todas as condições para o exercício legítimo da Presidência da República, por sua incapacidade, vocação autoritária e pela ameaça que representa à democracia. Ao semear a intranquilidade, a insegurança, a desinformação e, sobretudo, ao colocar em risco a vida dos brasileiros, seu afastamento do cargo se impõe.
A Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos entende que as forças democráticas devem buscar, com urgência, caminhos para que isso se faça dentro do Estado de Direito e em obediência à Constituição.
José Carlos Dias
Presidente da Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos e ex-ministro da Justiça (governo FHC)
Claudia Costin
Ex-ministra de Administração e Reforma (governo FHC)
José Gregori
Ex-ministro da Justiça (governo FHC)
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), ministro da Administração e Reforma do Estado e ministro da Ciência e Tecnologia (governos FHC)
Paulo Sérgio Pinheiro
Ex-ministro da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos (governo FHC)
Paulo Vannuchi
Ex-ministro de Direitos Humanos (governo Lula). Todos são fundadores e representantes da Comissão Arns

segunda-feira, 30 de junho de 2014

A desintegracao da Siria - Paulo Sergio Pinheiro (FSP)

De fato, como a diplomacia brasileira vem dizendo desde o início, não existe solução militar ao problema da Síria, e que a solução teria de ser política, ou diplomática. O problema é que nenhum dos lados pretende sentar-se à mesa para debater politicamente, nem os próprios contendores pretendem, podem, ou querem realmente uma resposta e uma solução política. De diplomacia, então, nem falar. A única "solução" em vista, portanto, é o esgotamento dos dois lados numa insana guerra, que não se sabe se é civil, étnica, tribal, religiosa, partidária, ou qualquer outra coisa. O país está destruído e a população destroçada sobretudo em suas esperanças de ter uma vida normal.
E tudo começou porque um ditador pretendeu manter-se no poder ante os protestos pacíficos de cidadãos por uma abertura política e por mais democracia. Massacrados estes, o caminho estava aberto para os fundamentalistas.
Ditadores, por mais que pretendam "unir" o país, sempre colocam seus interesses pessoais acima dos da nação, e por isso devem ser afastados pela pressão da comunidade internacional. Como isso não foi possível na Síria, temos essa situação de caos absoluto.
Paulo Roberto de Almeida

A DESINTEGRAÇÃO DA SÍRIA
Estratégias da ilusão
Paulo Sérgio Pinheiro
Presidente da comissão independente internacional de investigação da ONU sobre a República Árabe da Síria
Folha de SP, 29/06/2014

A ameaça de guerra no Oriente Médio está cada vez mais próxima. O conflito no Iraque terá repercussão devastadora na Síria e nos países vizinhos
No quarto ano do conflito armado, milhões de sírios ainda sofrem com a perda de familiares em bombardeios aéreos, com a violência em centros de detenção, com desaparecimentos e fome. Mais de 150 mil pessoas perderam a vida.
A incapacidade de proteger os civis dos bombardeios das forças governamentais sírias e dos ataques dos grupos não estatais armados levou a um sofrimento indizível.
Estima-se que 9,3 milhões de sírios têm necessidade de assistência humanitária urgente, com 4,25 milhões de deslocados internamente e 2,8 milhões de refugiados em países vizinhos. A expressiva maioria são mulheres e crianças.
A infraestrutura básica do país foi destroçada. Escolas foram reduzidas a escombros ou ocupadas pelas forças armadas. Hospitais foram invadidos. Bairros residenciais estão destruídos. Alimentos, água e eletricidade foram cortados para infligir sofrimento a populações civis. A guerra teve um impacto devastador sobre a economia do país.
Como meu colega Lakhdar Brahimi afirmou antes de renunciar a suas funções de enviado conjunto da ONU e da Liga Árabe, a Síria está a ponto de se tornar um "Estado falido, com senhores da guerra por toda parte", e o conflito não ficará restrito às fronteiras do país.
A guerra na Síria atingiu um ponto de inflexão que ameaça toda a região. O governo sírio e os grupos armados na oposição têm levado a violência ao paroxismo. Todos desrespeitam flagrantemente as regras dos direitos humanos. Uma impunidade generalizada campeia.
Combatentes e cidadãos são torturados até a morte dentro de centros de detenção, homens são decapitados e alguns crucificados em praça pública, mulheres vivem com o estigma do abuso sexual e as crianças são recrutadas pelas forças de combate.
Escolhas cotidianas como ir ou não à mesquita para as orações, ir ou não ao mercado para fazer compras de comida ou levar ou não as crianças à escola para que deem continuidade a seus estudos se tornaram decisões de vida ou morte.
Como as partes em conflito chafurdam na ilusão de que a vitória militar está a seu alcance, Estados com influência no conflito renunciaram a trilhar a via para uma solução política. Alguns continuam a fornecer armas, artilharia e aviação para o governo ou contribuem com assistência logística e estratégica. Outros países e indivíduos apoiam os grupos armados não estatais com doações financeiras, armas e treinamento. Alimentam, assim, uma guerra por delegação, uma "proxy war" de potências dentro da Síria.
A ameaça de uma guerra regional no Oriente Médio está cada vez mais próxima. O conflito armado que se alastra no Iraque terá repercussão devastadora na Síria e em outros países limítrofes.
O aspecto mais alarmante tem sido o aumento da ameaça sectária, consequência direta da dominação de grupos extremistas como o Estado Islâmico no Iraque e no Levante, o EIIL. Seus combatentes radicais atacam não somente as comunidades sunitas que não se submetem a seu controle, mas também minorias como os xiitas, alauítas, cristãos, armênios, drusos e curdos, todos considerados apóstatas ou infiéis que devem ser abatidos.
Diante das ilusões desse triunfalismo belicoso generalizado por todas as partes, deve-se continuar a insistir que não há solução militar para o conflito. Desde o início, a única via sempre foi e continua sendo uma negociação diplomática, política, que inclua todos os países com influência na região, desde o Irã até a Arábia Saudita.
Os povos da Síria têm o direito de exigir da comunidade internacional, pelas oportunidades perdidas de terminar o conflito e pelo sofrimento a eles imposto, que a paz não continue a lhes ser negada.

PAULO SÉRGIO PINHEIRO, 70, é presidente da comissão independente internacional de investigação da ONU sobre a República Árabe da Síria. Foi secretário de Estado de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso.