Petite randonnée en Europe:
en Côte d’Azur, avec les impressionistes...
Paulo Roberto de Almeida
(Feito em Lyon, 29/01/2012)
Girona, a
cidade setentrional mais importante da Espanha mediterrânea, foi nossa última
etapa nesse país: deixando o hotel, pela manha, ainda visitamos a cidade,
embora rapidamente, antes de retomar a autoestrada para finalmente cumprir nosso
objetivo principal: a Provence e a Côte d’Azur, na França mediterrânea. Eu
teria preferido viajar pelas pequenas estradas perto da costa, para refazer o
caminho dos últimos combatentes brasileiros que participaram da guerra civil
espanhola, da qual se retiraram, finalmente, em abril de 1939, junto com o que
restou do exército e do governo republicano derrotados pelas forças
franquistas. Eles se retiram por Figueras, depois Port-Bou, a fronteira
imediatamente situada em frente à costa francesa, e ficaram internado num campo
improvisado nas areias de Argelès-sur-Mer, até o início da guerra europeia
(quando tomaram destinos diversos). Já escrevi sobre isso e meu trabalho é este:
“Brasileiros na Guerra Civil Espanhola, 1936-1939:
combatentes brasileiros na luta contra o fascismo”, revista Sociologia e Política (Curitiba, PR; ano
4, nº 12, junho 1999, Dossiê: Política Internacional, pp. 35-66; ISSN 0104-4478; link: http://www.revistasociologiaepolitica.org.br/revista12/).
Relação de Trabalhos n° 608. Efetuada versão resumida do artigo, publicada sob
o título de “O Brasil e a Guerra Civil Espanhola:
Participação de brasileiros no conflito” in Hispanista
(vol. 2, nº 5, abril-maio-junho 2001; ISSN 1676-9058; link: http://www.hispanista.com.br/revista/artigo37esp.htm).
O roteiro
político-sentimental ficou para outra oportunidade, e viajamos sem parar pela
Autoestrada do Sol, passando por cidades que conhecíamos bem do sul da França.
Ultrapassamos Marselha, Toulon e adentramos no Var, pouco antes dos Alpes
Maritimes, onde está Nice, a antiga Nizza dos italianos despossuídos por
Napoleão. No final da tarde, depois de 550 kms de estrada, aproximadamente,
resolvemos ir em direção ao mar, escolhendo Saint Raphael, próximo a Saint
Tropez, como nosso local de repouso e base de viagens. O hotel escolhido foi o
Marina, da rede Best Western (a preços praticamente parisienses: 165 euros por
noite, e resolvemos ficar só duas...).
Bem, como é
nosso costume, e o sacrifício oblige,
resolvemos nos dedicar a nosso esporte favorito: gastronomia. O próprio hotel
tem um restaurante reconhecido, o Quai St. Raphael, e lá fomos nós. Eu fui de
gambas finement persillées, e estavam realmente boas, quase italianas, como eu
mesmo diria, e me repetiria; Carmen Lícia preferiu um Loup de Mer entier,
grillé à la braise, do qual o maître
fez questão de retirar a espinha para ela; como vinho um blanc, Côtes de
Provence, Domaine des Planes, produzido a Roquebrune-sur-Argens, um village perto dali (por que passamos
numa das nossas incursões). Mais sobremesa, café, etc., ficou tudo por 61
euros, o que achei razoável, tendo em vista o prazer gustativo, olfativo e
bebitivo, se ouso a expressão.
Na manhã
seguinte saímos em direção a Saint Tropez, para visitar um museu identificado.
Antes, porém, como ninguém é de ferro, paramos para almoçar em Sainte Maxime,
um village dependente de Fréjus,
alguns quilômetros adiante, na costa. Em face do chamado embarras du choix, preferimos um restaurante italiano: San Marco. Eu
fui de tagliatelli ai frutti di mare
(ou aux fruits de mer, como estava no
cardápio); Carmen Lícia pediu um escalopino
di vitello alla milanese, também acompanhado de tagliatelli. Para beber, duas taças de Côtes de Provence, blanc et
rouge; total: 48 euros, apenas (apenas?).
Musée de l'Annonciade, Saint Tropez, Côte d'Azur, France
Depois,
fomos a nosso objetivo principal: o Musée de l’Annonciade, bem no porto velho
de Saint Tropez, numa antiga igreja reformada em meados dos anos 1950. Não sei
se a Brigitte Bardot frequentou o museu, que já estava aberto quando ela fazia
furor nas praias não longe dali, mas ele vale uma visita, não tanto pelos
quadros em si, mas pelo leque de artistas consagrados que ali comparecem com
dois ou três quadros cada um. Realmente impressionante a amostra, embora, como
eu digo, os quadros não estão entre os mais famosos dos impressionistas; mas
praticamente 95% dos nomes mais famosos estão ali presentes.
Em St. Paul de Vence
No dia
seguinte, já com as coisas empacotadas novamente, e o sol ainda brilhando,
saímos (depois de passar no correio) para o objetivo principal: Saint Paul de
Vence, e sua Fundação Maeght, uma outra coleção impressionante de
impressionistas, se ouso a redundância, mas também comportando uma amostra
variada de artistas contemporâneos, com forte ênfase no catalão Miró, que viveu
nessa aldeia durante uma boa parte da sua vida.
Para não
destoar do costume, antes de visitar a Fundação, almoçamos perto dali, no
Restaurant La Terrasse sur Saint Paul (20, chemin des Trions); desta vez, fui
eu quem comi Loup grillé, mas tive de retirar eu mesmo as espinhas, que não
eram muitas. Antes um aperitivo à base de pasta de azeitona preta; os vinhos
foram Muscadet e Bordeaux. Esses lautos almoços, ou jantares, estão destruindo
minha linha retilínea, se vocês me permitem a expressão um tanto enganadora.
Um Miró farseur
Já
conhecíamos a Fundação Maeght, mas desta vez estávamos sem tempo contado, como
em outras viagens, por isso foi o ideal para percorrer calmamente suas várias
salas e jardins (o labirinto de Miró, como designado), com muitas escultura de
Calder e outros artistas conhecidos. Muitas fotos, não das obras, mas da
construção, da arquitetura, das estátuas de jardim.
Dali, fomos
visitar um outro impressionista, mas um gigante da escola, Renoir, que tinha
uma casa em Cagnes-sur-Mer, numa colina acima da cidade. Era uma residência atelier,
que ele alternava (nos meses de inverno) com sua outra casa a oeste de Paris,
mas perfeitamente equipada para abrigar toda a sua família e artistas
visitantes, que foram muitos nas duas décadas finais de sua vida, quando Renoir
já era um ícone da pintura francesa contemporânea. Acabei roubando duas laranjas do jardim de Renoir, mas que, ao provar, revelaram-se muito amargas: bem feito, ninguém mandou praticar maus hábitos.
No retorno,
subimos ao Bourg Medieval de Cagnes, encarapitado numa colina e com muitas
casas antigas e ruelas tortas. O Cercle des Amis local organiza anualmente um
campeonato internacional de “boules carrées”, a crer num cartaz formalmente
colado na parede de sua sede. Gostaria de assistir a um campeonato desse tipo,
mas ele só se desenvolve em agosto, ainda acreditando-se na palavra dos
“cagneux”.
Cumprida a etapa na Côte de Azur, começamos novamente a subir pela
Provence. Nesse dia, 26 de janeiro, dormimos em Cavaillon, a caminho de Gordes,
nosso próximo objetivo. O jantar foi no Novotel, à base de spaghetti aux fruits de mer, meu fetiche gastronômico.
Gordes é,
provavelmente, uma das mais belas cidades medievais e renascentistas de toda a
França, encarapitada, como muitas outras, na montanha, com um belo sol
iluminando todas as paredes e janelas de suas muitas casas de pedra e de
alvenaria. Os caminhos são estreitos, especialmente o que leva à Abbaye de
Sénanque, nossa finalidade de viagem nessa etapa, a cerca de dez kms da aldeia.
Para “matar
o tempo”, antes da visita à abadia, só permitida pela tarde, nos sacrificamos
mais uma vez no restaurant et hostellerie Le Provençal, bem na praça principal
de Gordes. Menu a 24 euros, e eu comecei com salade de chèvre chaud, com
tomates sèches; depois colin (um peixe, para quem não sabe), en papillote croustillante
et legumes e arroz; o vinho escolhido foi um do próprio Louberon, a região onde
estávamos, um Chateau Les Eydins, appelation d’origine controlée, 2009; depois
ainda tive um plateau de fromages au choix, e um café; preço final, para os
dois: 56 euros.
A abadia de
Sénanques foi construída pelos cistercianos no século XII, e conseguiu sobreviver
(mas mal) a guerras de religião e à própria revolução francesa, não sem enormes
desgastes em sua estrutura e patrimônio econômico. Hoje existem apenas sete
monges ali residindo, supostamente em regime de clausura. Digo supostamente
porque consegui encontrar dois no corredor e começamos uma conversa agradável,
em italiano: sim os dois eram da Itália, um deles de Pisa, na Toscana (onde já
estivemos várias vezes) e outro conhecia o Brasil. Acho que eles romperam a
clausura porque são italianos, e não conseguem viver sem falar.
Em todo
caso, foi uma boa surpresa, numa visita que teria ficando, essencialmente, em
paredes quase nuas, grandes salas geladas e sombrias, mas com muita história em
todas as partes, como nos explicou a guia que nos acompanhava. Acho que a
deixei perturbada, fazendo muitas perguntas sobre a “economia política” dos
monges trapistas, apenas para descobrir, depois, que eles também se
globalizaram e viraram capitalistas do turismo. A livraria e loja de souvenirs da abadia vendia uma
quantidade incrível de produtos, todos da melhor qualidade, a começar pela
lavanda, produzida ali mesmo. Compramos um vidrinho, e mais alguns livros, que
ninguém é de ferro também nesse particular.
Eu preferi
estudar as regras monásticas e saí com uma coleção completa de Règles des
moines, incluindo Pacôme, Agostinho, Benedito, Francisco de Assis e as do Monte
Carmel. Pronto, agora posso estudar as 73 regras de São Benedito, e quem sabe
fazer outras tantas para orientar a vida dos diplomatas, que são tão monásticos
quanto. O outro livro que comprei foi de Petrarca, que morou na região, e compôs,
em latim, uma série de ensaios “contra a boa e a má sorte” (de 1366). Pode ser
que existam alguns bons conselhos para nós mesmos, setecentos anos depois...;
em todo caso, entre os remédios “contra a boa sorte”, existem recomendações
quanto à “abundância de livros”, o que para mim é realmente um problema.
Imediatamente após, tem outra sobre a “reputação dos escritores” e creio que
Petrarca pensava na sua própria; vou verificar para ver se tem algum bom
conselho em minha intenção. Depois relato o que aprendi...
De retorno a
Gordes, ainda visitamos algumas ruelas, mas o castelo da cidade, reformado pelo
arquiteto húngaro Paul Vasárely, estava infelizmente fechado para visitas, até
o começo do verão, o que é uma pena. Compramos alguns postais, tomei mais um
café e retomamos o caminho da estrada provincial na saída da cidade, já com o
marcador a mais de 26 mil kms, o que significa que ultrapassei 5 mil kms de
randonnée europeia.
Como o tempo
estava se fechando, resolvemos vir direto a Lyon, uma bela cidade do interior
da França, de onde escrevo estas notas.
Aqui em
Lyon, cidade também conhecida de outras etapas, visitamos essencialmente o
museu dos tecidos e da seda, onde ocorria uma exposição especial sobre os
vestidos da virgem Maria, na França e na Espanha: uma coleção muito
interessante de roupas refinadíssimas, que coloca a virgem Maria na altura das
melhores modelos de moda de todos os tempos. Antes, porém, nosso passatempo
favorito: um almoço num “Restaurant des Vosges”; comida simples, apenas por instinto
de sobrevivência; nem tomei vinho. Mas descontei logo mais a noite, com uma
garrafa quase inteira de vinho da região, com um queijo de cabra também quase
inteiro, e uma baguette quase inteira (estou exagerando, eu sei), mais quatro
ou cinco mandarines deliciosas. No quarto tem uma máquina de Nespresso, várias
vezes acionada, para diversos tipos de café. Hotel caro tem dessas compensações...
Como o tempo
se fecha, com ameaça de neve e gelo por todo lado, resolvemos ir para Paris,
para pelo menos degustar nosso zero grau em baixo das cobertas, sem pensar em
ficar inventando passeios e descobertas gastronômicas. Mas isso eu contarei
depois, quando me estabelecer em Paris. Por enquanto, encerro esta randonnée, e retomo meus “séjours en
academie”.
Paulo Roberto de Almeida