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sábado, 6 de julho de 2019

Imperfeições de mercado ou de governo? - Paulo Roberto de Almeida (2015)

        Hoje, num contato através de meu site, alguem me lembrou de um antigo artigo que eu havia escrito alguns anos atrás, ao ler uma opinião do famoso economista, Prêmio Nobel, Robert Shiller, no NYTimes, que me suscitou imediata reação.
Retorno a este tema, do título, porque também me lembro de uma discussão momentosa, num almoço com outros economistas, de mais de um ano atrás, durante o qual eu fiquei absolutamente sozinho ao recusar essa “tese” que encontro perfeitamente absurda, mas que é quase um consenso entre os economistas, sobre as tais “imperfeições dos mercados”, que eu simplesmente não reconheço existirem.
Mercados são mercados, ponto. Esse adjetivo “imperfeitos” é dado por mentes que acreditam que homens sábios podem torná-los melhores do que são na realidade. É a tal da arrogância fatal, de que falam alguns economistas mais sensatos, como Hayek ou Thomas Sowell.
Enfim, alguém me mandou esse meu artigo do qual eu já nem me lembrava mais, e que transcrevo abaixo e creio que pode interessar mais algumas pessoas, por isso eu o posto novamente.
Aguardo as próximas contestações…
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Paulo R. de Almeida
Professor de Economia Política - Programas de Mestrado e Doutorado em Direito
Centro Universitário de Brasília (Uniceub)



Imperfeições dos mercados ou “perfeições” dos governos?

Paulo Roberto de Almeida

O economista e professor da Universidade de Yale Robert Shiller – prêmio Nobel de Economia (2013) e autor do famoso Irrational Exuberance, já em sua terceira edição – publicou, nas páginas do New York Times (8/02/2015), um artigo sobre “Ansiedade e taxas de juros”, no qual ele argumenta, em determinada passagem, que os mercados não são de fato eficientes, uma vez que tendem a amplificar as reações emocionais das pessoas.
Sempre desconfiei das alegações sobre as “falhas de mercado”
A intenção de Shiller não era exatamente a de lançar invectivas contra uma tal de “lógica do mercado”, como fazem certos neófitos, ou de sequer fornecer argumentos aos que se revoltam contra a “ditadura dos mercados”, como também fazem muito frequentemente todos aqueles que não entendem nada de mercados. Ele estava apenas chamando a atenção para a reação exagerada das pessoas em face de determinadas inversões de tendência dos mercados, o que parece absolutamente normal.
Nem os agentes tradicionais de mercado nem os simples cidadãos – que entram e saem dos mercados para conduzir uma operação qualquer – dispõem de todas as informações em volume e na qualidade necessários para tomar suas decisões da melhor forma possível, com total domínio sobre os fatos e amplo conhecimento de causa. Sempre persistem zonas de sombra, quando não áreas inteiras cinzentas, e até territórios obscuros, que induzem esses agentes e os particulares a tomarem decisões erradas, a enveredar por caminhos perigosos, abrindo assim a janela para a formação de bolhas especulativas, ou à simples depreciação de seus ativos, apostando nas ações ou nas moedas “erradas”. Tais fatos, ou movimentos, acontecem, e seria incongruente colocar a culpa nos mercados, que apenas se movimentam sob o impulso de nossas próprias decisões, individuais ou coletivas.
Desde quando comecei a aprender um pouco de economia – bem mais nos cadernos especializados dos grandes jornais do que na leitura dos manuais acadêmicos, justamente – sempre desconfiei das alegações sobre as “falhas de mercado”, que figuram em praticamente todos os livros de micro e macro, com alguns exemplos das principais, para, a partir daí, legitimar as medidas corretivas que os governos tomam para tornar os mercados mais “funcionais”. Os próprios dirigentes políticos, quando não seus assessores econômicos, recorrem a essas figuras de estilo – falhas ou imperfeições de mercado –, para implementar medidas que parecem “racionais”, numa primeira abordagem, mas que depois podem causar mais problemas do que soluções.

Mercados livres, perfeitamente funcionais – ainda que causando perdas para uns e outros –, sempre serão infinitamente mais eficientes do que qualquer comitê de salvação pública econômica

Sinto discordar desse tipo de visão, e provavelmente de 90% dos acadêmicos envolvidos nesse tipo de debate, mas me contraponho frontalmente a esse tipo de alegação. Não é que eu não acredite nas “imperfeições” do mercado, pois minha discordância vai bem mais além: eu não acredito é que existam “imperfeições” de mercado, uma vez que esse é o estado natural de existência e de funcionamento dos mercados. Ora, sendo isso natural, não há porque falar em “imperfeições”, como se estas fossem anomalias passíveis de correção pela ação de algum grupo de sábios, ou videntes, como se o mercado, ou os mercados mais precisamente, pudessem funcionar de outra forma como o fazem, com todos os seus movimentos erráticos, esses altos e baixos, essas ondas de otimismo e os vagalhões de pessimismo que os caracterizam sempre e em qualquer circunstância. Volto a repetir: não existem imperfeições de mercado, existem mercados, simplesmente. Tal tipo de afirmação me parece tão evidente que dispensaria qualquer explicação, mas vamos tornar explícito o que acabo de argumentar implicitamente.
O que é o mercado, ou o que são os mercados? Não existe um único mercado, obviamente, mas dezenas, centenas, milhares deles, sempre à disposição de qualquer agente ou um simples trabalhador, sem esquecer os famosos rentistas, que vivem, ao que parece, de especulações nos mercados; todos eles são prontamente atendidos em suas intenções de satisfazer seus desejos ou necessidades, de maneira perfeitamente legal, ou até ilegal e clandestina (para drogas, por exemplo). Os mercados são simples espaços de encontro para trocas bilaterais ou “multilaterais”, e eles existem tanto virtualmente quanto fisicamente, desde que duas ou mais pessoas se disponham a trocar seus ativos por outros, detidos pela outra parte interveniente nesse tipo de “escambo”. Pode ser uma maçã contra uma banana no pátio da escola, ou milhões de dólares numa bolsa qualquer, num agente de câmbio de divisas, ou na compra de bônus governamental de alguma economia emergente. Quaisquer bens ou serviços que sejam objeto de alguma preferência subjetiva quanto ao seu valor são facilmente integrados e integráveis a um mercado qualquer, formal ou informal, de qualquer tipo, dimensão ou “perfeição”. Mercados são perfeitamente ubíquos, mesmo quando invisíveis.
O professor Shiller afirma isto em seu artigo: 

porque os mercados não são realmente muito eficientes, o efeito desses variados fatores [níveis extremos de juros e preços devido à confluência de múltiplos fatores precipitantes, entre eles a ansiedade] tende a ser amplificado pela realimentação emocional. Por exemplo, quando as pessoas começam a ver taxas e preços mudando, algumas delas decidem agir: elas são atraídas ao mercado quando os preços estão subindo, e frequentemente o deixam quando os preços caem. Nós então [suponho que ele esteja falando dos economistas] ficamos surpresos pela extensão da aparente sobre-reação do mercado aos fatores precipitantes que não pensávamos que estivessem realmente na mente de todo mundo.

Ora, não é preciso ser prêmio Nobel de economia para descobrir que existem fatores precipitantes, ou que as pessoas reagem de tal e tal modo ao ver os preços subindo ou descendo nos mercados de valores. Sinto muito dizer isso, mas a afirmação do professor Shiller não faz nenhum sentido, ou então ela expressa exatamente o comportamento das pessoas nos mercados. Por que estes seriam pouco eficientes, então, quando eles estão atuando exatamente como as pessoas os fizeram se movimentar? Para a alta nos momentos otimistas, quando os preços estão subindo, e para a baixa quando há percepção, ou movimento real, de queda. Não é preciso nenhuma exuberância racional para explicar isso, embora as pessoas se comportem exatamente assim, com toda a irracionalidade que permeia qualquer ação humana em face de incertezas, zonas de sombra ou simples desconhecimento das dinâmicas da vida (sejam elas as forças da natureza, ou as forças igualmente imponderáveis da economia).

Medidas governamentais de “correção” dos mercados sempre serão imperfeitas

Tenho para mim que os mercados são perfeitamente eficientes e altamente perfeitos, uma vez que eles reagem exatamente em função de como as pessoas atuam neles, ou seja, investindo ou se retirando, trocando ativos ou permanecendo paradas, e tudo isso é feito de maneira perfeitamente descoordenada, anárquica mesma, como devem ser mercados altamente funcionais. Agora, se você pretende que o mercado funcione de uma determinada maneira, e não possa refletir os movimentos das pessoas, então coloque alguns burocratas de governo para vigiá-lo, para corrigi-lo, para discipliná-lo de algumas “imperfeições” detectadas por esses mesmos burocratas. O mais provável é que eles estejam atuando a mando de “gestores” mais poderosos, que por sua vez decidiram empreender alguma ação corretiva porque alguns agentes de mercado decidiram que ele só poderia se movimentar numa direção, e não em outra: geralmente mantendo o câmbio em determinado patamar, determinadas ações imunes aos resultados efetivos da empresa, mercadorias em certo nível de preços do que a sua oferta mais abundante, ou escassa, o determinaria, pelo livre movimento de produtores e de compradores nesses mercados específicos, etc.; escolha qualquer um dos casos.
A legitimação é sempre a mesma: como os mercados não são “eficientes”, os sábios do governo (com seus conselheiros econômicos por trás) resolvem “ajudá-los” impondo certas regras, ou limitando o ingresso de outros participantes. Barreiras ao ingresso de novos competidores é sempre uma maneira “eficiente” de preservar os ganhos dos poucos participantes de algum cartel qualquer, e isso é feito não apenas nos mercados “livres”, mas também em regime de concessões públicas (transportes, por exemplo) ou no comércio exterior (pelas tarifas ou mediante normas técnicas, que se tornam regulações compulsórias, como as nossas famosas tomadas “jabuticabas”). O resultado de tudo isso é que sempre haverá ganhos para alguns – até que o dinheiro do regulador acabe, pelo menos – e perdas para os demais, pelo menos enquanto durar a festa, ou seja, enquanto a dinâmica do mercado não se vingar de seus “corretores” (o que ele sempre acaba fazendo, mais cedo ou mais tarde). O exemplo mais patente dessa realidade é o câmbio: a Venezuela e a Argentina que o digam.
O fato singelo é o seguinte: mercados livres, perfeitamente funcionais – ainda que causando perdas para uns e outros –, sempre serão infinitamente mais eficientes do que qualquer comitê de salvação pública econômica, e isto por uma razão muito simples. Os mercados reagem imediatamente à entrada e saída de pessoas – ou de bens e serviços – em seus espaços de intercâmbios, permitindo assim que alguns realizem ganhos, que outros contabilizem suas perdas, e todos procuram se ajustar rapidamente, o que torna o sistema sempre muito eficiente e quase “perfeito”, ao sinalizar pelos preços quais são as expectativas de ganhos (oxalá) ou induzindo à redução das perdas. Quando o comitê de sábios intervêm, ele não pode fazê-lo de maneira dirigida, ou pessoal, mas estabelecendo regras genéricas, digamos assim, contemplando toda uma categoria de transações, e não a movimentação individual dos agentes. Eles ainda precisam fazê-lo por via legislativa ou mediante resoluções administrativas, que sempre são muito lentas a serem implementadas, e mais lentas ainda a serem modificadas.
Resulta de tudo isso que medidas governamentais de “correção” dos mercados sempre serão imperfeitas, limitadas, parciais, insuficientes e, no limite, estúpidas, para tratar da diversidade de situações que emerge das interações dinâmicas, racionais ou irracionais, entre pessoas e corporações transacionando nos mercados. Quanto mais livres forem estes últimos, todos buscarão o seu benefício individual – como aliás dizia Adam Smith por meio de sua famosa alegoria da “mão invisível”, que não é uma teoria e sim uma simples constatação de bom senso – e ninguém supostamente será punido pela ineficiência ou imperfeição de qualquer mercado, uma vez que todos permanecem perfeitamente livres para entrar e sair de algum deles quando assim o desejarem. De resto, quaisquer que sejam as eventuais “imperfeições” ou a ineficiência dos mercados, elas sempre serão infinitamente mais benignas, e menos prejudiciais, do que as ações dos governos, que tendem a criar camisas de força nos mercados o que só acaba ou sufocando-os ou produzindo o conhecido fenômeno dos “contraventores de regras”.
Pense bem: qual das situações você prefere? Portanto, quando alguém vier lhe falar numa tal de “lógica de mercado”, ou de que é preciso corrigir alguma imperfeição detectada, responda logo: “Tudo bem: o mercado não possui nenhuma lógica, mas ela sempre será superior à de qualquer governo; no mais, não mexa com o meu mercado, está bem assim?”. O mundo seria bem simples sem os arquitetos da vontade alheia e sem todos esses engenheiros sociais tentando tornar a nossa vida mais “simples”…

domingo, 22 de março de 2015

Imperfeicoes de mercado e "perfeicoes" de governos: o que vc prefere? - Paulo Roberto de Almeida

A "revista mais completa do Brasil", Dom Total, publicou meu artigo do mês passado em que eu discuto essa questão dos mercados imperfeitos.
Para mim, eles são totalmente perfeitos: fazem sempre o que as pessoas que o movimentam querem que eles façam...
Paulo Roberto de Almeida

Colunas Paulo Roberto de Almeida

20/03/2015  |  domtotal.com

Imperfeições dos mercados ou “perfeições” dos governos?: quais são suas preferências

Não existem imperfeições de mercado, existem mercados, simplesmente.
O economista e professor da Universidade de Yale Robert Shiller – prêmio Nobel de Economia (2013) e autor do famoso Irrational Exuberance, já em sua terceira edição – publicou, nas páginas doNew York Times (8/02/2015), um artigo sobre “Ansiedade e taxas de juros”, no qual ele argumenta, em determinada passagem, que os mercados não são de fato eficientes, uma vez que tendem a amplificar as reações emocionais das pessoas (ver o original do artigo, “Anxiety and Interest Rates: How Uncertainty Is Weighing on Us”, neste link:http://www.nytimes.com/2015/02/08/upshot/anxiety-and-interest-rates-how-uncertainty-is-weighing-on-us.html?emc=edit_tnt_20150207&nlid=13125452&tntemail0=y&_r=0&abt=0002&abg=1).
A intenção de Shiller não era exatamente a de lançar invectivas contra uma tal de “lógica do mercado”, como fazem certos neófitos, ou de sequer fornecer argumentos aos que se revoltam contra a “ditadura dos mercados”, como também fazem muito frequentemente todos aqueles que não entendem nada de mercados. Ele estava apenas chamando a atenção para a reação exagerada das pessoas em face de determinadas inversões de tendência dos mercados, o que parece absolutamente normal
Nem os agentes tradicionais de mercado nem os simples cidadãos – que entram e saem dos mercados para conduzir uma operação qualquer – dispõem de todas as informações em volume e na qualidade necessários para tomar suas decisões da melhor forma possível, com total domínio sobre os fatos e amplo conhecimento de causa. Sempre persistem zonas de sombra, quando não áreas inteiras cinzentas, e até territórios obscuros, que induzem esses agentes e os particulares a tomarem decisões erradas, a enveredar por caminhos perigosos, abrindo assim a janela para a formação de bolhas especulativas, ou à simples depreciação de seus ativos, apostando nas ações ou nas moedas “erradas”. Tais fatos, ou movimentos, acontecem, e seria incongruente colocar a culpa nos mercados, que apenas se movimentam sob o impulso de nossas próprias decisões, individuais ou coletivas.
Desde quando comecei a aprender um pouco de economia – bem mais nos cadernos especializados dos grandes jornais do que na leitura dos manuais acadêmicos, justamente – sempre desconfiei das alegações sobre as “falhas de mercado”, que figuram em praticamente todos os livros de micro e macro, com alguns exemplos das principais, para, a partir daí, legitimar as medidas corretivas que os governos tomam para tornar os mercados mais “funcionais”. Os próprios dirigentes políticos, quando não seus assessores econômicos, recorrem a essas figuras de estilo – falhas ou imperfeições de mercado –, para implementar medidas que parecem “racionais”, numa primeira abordagem, mas que depois podem causar mais problemas do que soluções.
Sinto discordar desse tipo de visão, e provavelmente de 90% dos acadêmicos envolvidos nesse tipo de debate, mas me contraponho frontalmente a esse tipo de alegação. Não é que eu não acredite nas “imperfeições” do mercado, pois minha discordância vai bem mais além: eu não acredito é que existam “imperfeições” de mercado, uma vez que esse é o estado natural de existência e de funcionamento dos mercados. Ora, sendo isso natural, não há porque falar em “imperfeições”, como se estas fosse anomalias passíveis de correção pela ação de algum grupo de sábios, ou videntes, como se o mercado, ou os mercados mais precisamente, pudessem funcionar de outra forma como o fazem, com todos os seus movimentos erráticos, esses altos e baixos, essas ondas de otimismo e os vagalhões de pessimismo que os caracterizam sempre e em qualquer circunstância. Volto a repetir: não existem imperfeições de mercado, existem mercados, simplesmente. Tal tipo de afirmação me parece tão evidente que dispensaria qualquer explicação, mas vamos tornar explícito o que acabo de argumentar implicitamente.
O que é o mercado, ou o que são os mercados? Não existe um único mercado, obviamente, mas dezenas, centenas, milhares deles, sempre à disposição de qualquer agente ou um simples trabalhador, sem esquecer os famosos rentistas, que vivem, ao que parece, de especulações nos mercados; todos eles são prontamente atendidos em suas intenções de satisfazer seus desejos ou necessidades, de maneira perfeitamente legal, ou até ilegal e clandestina (para drogas, por exemplo). Os mercados são simples espaços de encontro para trocas bilaterais ou “multilaterais”, e eles existem tanto virtualmente quanto fisicamente, desde que duas ou mais pessoas se disponham a trocar seus ativos por outros, detidos pela outra parte interveniente nesse tipo de “escambo”. Pode ser uma maçã contra uma banana no pátio da escola, ou milhões de dólares numa bolsa qualquer, num agente de câmbio de divisas, ou na compra de bônus governamental de alguma economia emergente. Quaisquer bens ou serviços que sejam objeto de alguma preferência subjetiva quanto ao seu valor são facilmente integrados e integráveis a um mercado qualquer, formal ou informal, de qualquer tipo, dimensão ou “perfeição”. Mercados são perfeitamente ubíquos, mesmo quando invisíveis.
O professor Shiller afirma isto em seu artigo: “porque os mercados não são realmente muito eficientes, o efeito desses variados fatores [níveis extremos de juros e preços devido à confluência de múltiplos fatores precipitantes, entre eles a ansiedade] tende a ser amplificado pela realimentação emocional. Por exemplo, quando as pessoas começam a ver taxas e preços mudando, algumas delas decidem agir: elas são atraídas ao mercado quando os preços estão subindo, e frequentemente o deixam quando os preços caem. Nós então [suponho que ele esteja falando dos economistas] ficamos surpresos pela extensão da aparente sobre-reação do mercado aos fatores precipitantes que não pensávamos que estivessem realmente na mente de todo mundo.”
Ora, não é preciso ser prêmio Nobel de economia para descobrir que existem fatores precipitantes, ou que as pessoas reagem de tal e tal modo ao ver os preços subindo ou descendo nos mercados de valores. Sinto muito dizer isso, mas a afirmação do professor Shiller não faz nenhum sentido, ou então ela expressa exatamente o comportamento das pessoas nos mercados. Por que estes seriam pouco eficientes, então, quando eles estão atuando exatamente como as pessoas os fizeram se movimentar? Para a alta nos momentos otimistas, quando os preços estão subindo, e para a baixa quando há percepção, ou movimento real, de queda. Não é preciso nenhuma exuberância racional para explicar isso, embora as pessoas se comportem exatamente assim, com toda a irracionalidade que permeia qualquer ação humana em face de incertezas, zonas de sombra ou simples desconhecimento das dinâmicas da vida (sejam elas as forças da natureza, ou as forças igualmente imponderáveis da economia).
Tenho para mim que os mercados são perfeitamente eficientes e altamente perfeitos, uma vez que eles reagem exatamente em função de como as pessoas atuam neles, ou seja, investindo ou se retirando, trocando ativos ou permanecendo paradas, e tudo isso é feito de maneira perfeitamente descoordenada, anárquica mesma, como devem ser mercados altamente funcionais. Agora, se você pretende que o mercado funcione de uma determinada maneira, e não possa refletir os movimentos das pessoas, então coloque alguns burocratas de governo para vigiá-lo, para corrigi-lo, para discipliná-lo de algumas “imperfeições” detectadas por esses mesmos burocratas. O mais provável é que eles estejam atuando a mando de “gestores” mais poderosos, que por sua vez decidiram empreender alguma ação corretiva porque alguns agentes de mercado decidiram que ele só poderia se movimentar numa direção, e não em outra: geralmente mantendo o câmbio em determinado patamar, determinadas ações imunes aos resultados efetivos da empresa, mercadorias em certo nível de preços do que a sua oferta mais abundante, ou escassa, o determinaria, pelo livre movimento de produtores e de compradores nesses mercados específicos, etc.; escolha qualquer um dos casos.
A legitimação é sempre a mesma: como os mercados não são “eficientes”, os sábios do governo (com seus conselheiros econômicos por trás) resolvem “ajudá-los” impondo certas regras, ou limitando o ingresso de outros participantes. Barreiras ao ingresso de novos competidores é sempre uma maneira “eficiente” de preservar os ganhos dos poucos participantes de algum cartel qualquer, e isso é feito não apenas nos mercados “livres”, mas também em regime de concessões públicas (transportes, por exemplo) ou no comércio exterior (pelas tarifas ou mediante normas técnicas, que se tornam regulações compulsórias, como as nossas famosas tomadas “jabuticabas”). O resultado de tudo isso é que sempre haverá ganhos para alguns – até que o dinheiro do regulador acabe, pelo menos – e perdas para os demais, pelo menos enquanto durar a festa, ou seja, enquanto a dinâmica do mercado não se vingar de seus “corretores” (o que ele sempre acaba fazendo, mais cedo ou mais tarde). O exemplo mais patente dessa realidade é o câmbio: a Venezuela e a Argentina que o digam.
O fato singelo é o seguinte: mercados livres, perfeitamente funcionais – ainda que causando perdas para uns e outros –, sempre serão infinitamente mais eficientes do que qualquer comitê de salvação pública econômica, e isto por uma razão muito simples. Os mercados reagem imediatamente à entrada e saída de pessoas – ou de bens e serviços – em seus espaços de intercâmbios, permitindo assim que alguns realizem ganhos, que outros contabilizem suas perdas, e todos procuram se ajustar rapidamente, o que torna o sistema sempre muito eficiente e quase “perfeito”, ao sinalizar pelos preços quais são as expectativas de ganhos (oxalá) ou induzindo à redução das perdas. Quando o comitê de sábios intervêm, ele não pode fazê-lo de maneira dirigida, ou pessoal, mas estabelecendo regras genéricas, digamos assim, contemplando toda uma categoria de transações, e não a movimentação individual dos agentes. Eles ainda precisam fazê-lo por via legislativa ou mediante resoluções administrativas, que sempre são muito lentas a serem implementadas, e mais lentas ainda a serem modificadas.
Resulta de tudo isso que medidas governamentais de “correção” dos mercados sempre serão imperfeitas, limitadas, parciais, insuficientes e, no limite, estúpidas, para tratar da diversidade de situações que emerge das interações dinâmicas, racionais ou irracionais, entre pessoas e corporações transacionando nos mercados. Quanto mais livres forem estes últimos, todos buscarão o seu benefício individual – como aliás dizia Adam Smith por meio de sua famosa alegoria da “mão invisível”, que não é uma teoria e sim uma simples constatação de bom senso – e ninguém supostamente será punido pela ineficiência ou imperfeição de qualquer mercado, uma vez que todos permanecem perfeitamente livres para entrar e sair de algum deles quando assim o desejarem. De resto, quaisquer que sejam as eventuais “imperfeições” ou a ineficiência dos mercados, elas sempre serão infinitamente mais benignas, e menos prejudiciais, do que as ações dos governos, que tendem a criar camisas de força nos mercados o que só acaba ou sufocando-os ou produzindo o conhecido fenômeno dos “contraventores de regras”.
Pense bem: qual das situações você prefere? Portanto, quando alguém vier lhe falar numa tal de “lógica de mercado”, ou de que é preciso corrigir alguma imperfeição detectada, responda logo: “Tudo bem: o mercado não possui nenhuma lógica, mas ela sempre será superior à de qualquer governo; no mais, não mexa com o meu mercado, está bem assim?”. O mundo seria bem simples sem os arquitetos da vontade alheia e sem todos esses engenheiros sociais tentando tornar a nossa vida mais “simples”...

Paulo Roberto de Almeidaé doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984). Diplomata de carreira desde 1977, exerceu diversos cargos na Secretaria de Estado das Relações Exteriores e em embaixadas e delegações do Brasil no exterior. Trabalhou entre 2003 e 2007 como Assessor Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Autor de vários trabalhos sobre relações internacionais e política externa do Brasil. 

 
 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Inovacao: os burocratas fariam melhor que os capitalistas individualmente? - Robert Shiller

O governo brasileiro cria mais uma estatal, a Embrapii, achando que vai fazer para a indústria o que foi feito para a agricultura, com a Embrapa.
Ele se engana redondamente, e só vai gastar dinheiro da sociedade inutilmente.
Abaixo o artigo de Robert Shiller sobre como a inovação é basicamente uma questão melhor deixada aos empreendedores individuais.
Paulo Roberto de Almeida

ECONOMIC VIEW
By ROBERT J. SHILLER
The New York Times,18/08/2013

An economist says his own experience in starting a business has helped shape his thinking on the subject of capitalism and culture.

CAPITALISM is culture. To sustain it, laws and institutions are important, but the more fundamental role is played by the basic human spirit of independence and initiative.
  The decisive role of the “spirit of capitalism” is an old concept, going back at least to Max Weber, but it needs refreshing today with new evidence and new thinking. Edmund S. Phelps, a professor of economics at Columbia University and a Nobel laureate, has written an interesting new book on the subject. It’s called “Mass Flourishing: How Grassroots Innovation Created Jobs, Challenge and Change” (Princeton University Press), and it contains a complex new analysis of the importance of an entrepreneurial culture.
  Professor Phelps discerns a troubling trend in many countries, however, even the United States. He is worried about corporatism, a political philosophy in which economic activity is controlled by large interest groups or the government. Once corporatism takes hold in a society, he says, people don’t adequately appreciate the contributions and the travails of individuals who create and innovate. An economy with a corporatist culture can copy and even outgrow others for a while, he says, but, in the end, it will always be left behind. Only an entrepreneurial culture can lead.
  Is the United States really becoming corporatist? I don’t entirely agree with such a notion. Even so, President Obama has been talking a lot about innovation as a job creator this year, and while some of his intentions may be good, I’m afraid that some of his proposals look a little corporatist, and might suppress individual initiative.
  In his State of the Union address in January, for example, the president proposed that the government should create 15 new “innovation institutes,” modeled on a public-private partnership that he helped start in Youngstown, Ohio, that is devoted to developing 3-D printers. There was more in this vein in his administration’s 2014 budget, offered in April. And in a  speech on July 30 in Chattanooga, Tenn., Mr. Obama suggested extending the number of innovation institutes to 45, or almost one for every state. The institutes, he said, would be “getting businesses, universities, communities all to work together to develop centers of high-tech industries all throughout the United States.”
  Will such measures work? Should the government really be trying to start a 3-D printer center? And why in Youngstown? It is easy to be skeptical of such a plan, especially when it was started in a swing state just before the presidential election. Web sites of the two senators and two representatives introducing bills this month  supporting the president’s latest proposals are suggesting, in not-too-subtle terms, that the legislation would bring jobs to their own states.
  Successful companies aren’t usually started this way. Professor Phelps, citing a McKinsey study, suggests that in free-market capitalism, “from 10,000 business ideas, 1,000 firms are founded, 100 receive venture capital, 20 go on to raise capital in an initial public offering, and two become market leaders.” It is easy to doubt, as Professor Phelps does, that the odds are favorable for a Youngstown 3-D printer center.
  How you view the innovation institutes, and the topic of capitalism and culture, may depend on your own experience. Many people have never seen the hatching of a successful business idea. That makes it hard to judge the subtle changes that may be occurring in the nation’s culture and in its potential for innovation.
  My own business experience has certainly helped shape my thinking. Yale, like many other universities, sensibly allows its professors to spend limited time in business, providing the opportunity for faculty members to gain valuable experience outside of the ivory tower and to offer their technical skill to the business world.
  In 1991, I started a business with Karl Case, an economics professor at Wellesley College, and Allan Weiss, a former student of mine at Yale. We called it Case Shiller Weiss, Inc., and it was devoted to an innovation we dreamed up. The idea was a new “repeat sale” home price index — which would track the changes in the value of the same houses over time. 
  At the time, this was an entirely new line of business. And, at first, that posed a problem: we were spectacularly unsuccessful in raising money. We talked to venture capitalists and their committees, to no avail. They just didn’t seem to get our business plan. We must have appeared odd to them — overly academic, perhaps. One remarked that we’d do better proposing a new shopping center. 
  But we went ahead with our idea anyway. At first, Allan worked without pay. A friend of Professor Case, Chuck Longfield, contributed some money. And in 1995, I took out a home equity line of credit on my house in New Haven so I could personally lend more money to help keep our business afloat. The experience was stressful, especially when adding it to the burdens of my main job, as a professor. I have much to thank my wife, Virginia, for her tolerance of my overwork and my worrying, and for allowing me to put our family savings at risk. 
  In the end, our business was successful, and I think a big part of it was that we relied on our own ideas and energy and, to a large extent, our own money. In 2002, we sold the business to Fiserv Inc., then licensed Standard & Poor’s to create what are now known as the S&P/Case-Shiller Home Price Indices. In 2006, the Chicago Mercantile Exchange began trading futures on 11 of our indexes. Fiserv sold the index business to CoreLogic early this year. 
  In short, our business made its mark without any help from the government.
  This little real-life experiment convinces me that committees of experts, even at smart venture capital firms, will often not recognize real innovation. I think that America’s business success through the decades has occurred because we have so many people with specialized knowledge who are willing to put their money, time and resources on the line for ideas that can’t be proved to a committee. 
  THAT experience may also help explain why I think the new crowdfunding initiative, started by the Jobs Act that the president signed last year, is an exciting step forward. It’s all about finding and mobilizing people who really understand specific, hard-to-prove ideas for important investments.
  At the same time, other of my experiences incline me to think that government-appointed committees of experts can help set the stage for an entrepreneurial culture, under certain limited circumstances. 
  Long before I started any commercial ventures of my own, I received some federal government support — in the form of National Science Foundation research grants, awarded to me decades ago as a young professor. They allowed me to do research, and though it was not directly related to my later business endeavors, the process developed my expertise and reinforced a sense of entrepreneurial opportunity. 
  These grants were awarded competitively, based on the quality of the proposals, and gave me experience with a system focused on creating opportunities for those who try hard. Later, from 1983 to 1985, I evaluated others’ proposals when I served on the foundation’s panel for economics. Observing the process from the government side convinced me that the foundation really works. Maybe it’s because the panelists are chosen from successful scientists, who serve anonymously out of public spirit. 
  In any case, as Professor Phelps has argued, direct government involvement in capitalism is a delicate thing. The system’s success depends on subtle cultural factors — and these require careful nurturing. ■

Robert J. Shiller is Sterling Professor of Economics at Yale.

PUBLISHED AUGUST 17, 2013 
http://www.nytimes.com/2013/08/18/business/why-innovation-is-still-capitalisms-star.html