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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 27 de maio de 2024

O governo quer ser governo e oposição ao mesmo tempo: taxar e isentar pequenas compras na internet - Rodolfo Borges (O Antagonista)

 

O dilema das bugigangas da filha de Lira

O recuo de um governo gastador sobre a taxação de importações de menos de US$ 50 atesta que a maré virou totalmente contra Lula. Petista recalibrou o discurso, mas seguirá como o maior prejudicado por uma possível aprovação (afinal, a ideia foi de sua equipe).

O presidente Lula recalibrou na quinta-feira, 23, seu discurso sobre a taxação de importações de menos de 50 dólares. A ideia foi proposta por seu próprio governo no ano passado, entre os esforços do Ministério da Fazenda para aumentar a arrecadação federal e fazer frente às promessas de responsabilidade fiscal de um governo gastador.


Depois de a primeira-dama Janja entrar na história para confundir ainda mais um assunto que já é complexo o bastante, o governo abandonou a ideia, que voltou à baila agora por meio de um jabuti patrocinado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL, à direita na foto).


fim da isenção para remessas internacionais de até 50 dólares foi incluído em um projeto sobre outro assunto, o Programa Mover, que trata de descarbonização do setor automotivo e precisa ser votado nesta semana pelo Congresso Nacional para a medida provisória que o instituiu não caducar.

Lira defendeu publicamente o fim das isenções. Sacou uma pesquisa para dizer que são brasileiros de renda A e B os que mais compram de lojas como Shein e Shopee, e já avisou que não pretende abrir mão de votá-lo. Lula foi por outro lado. Disse que pode até vetar o projeto, que seu governo defendia abertamente até outro dia, caso ele venha a ser aprovado.


“A filha do Lira compra”.


“Como você vai proibir as pessoas pobres que querem comprar uma bugiganga? Quando discuti, eu falei pro [vice-presidente Geraldo] Alckmin: ‘tua mulher compra, minha mulher compra, tua filha compra’. Todo mundo compra. A filha do Lira compra”, comentou Lula ao ser questionado sobre o assunto por jornalistas.


O governo segue precisando de dinheiro para manter suas promessas, apesar de ninguém mais acreditar em déficit zero, principalmente porque não demonstra qualquer intenção de gastar menos. Mas a popularidade de Lula despencou, e elevar impostos — ainda que no caso se trate de derrubar uma isenção — no país de pior posição no índice de retorno de bem-estar não vai ajudar em nada a melhorar sua aprovação.


“Não pode o governo querer ser governo e querer ser oposição. O governo quer usufruir da receita e, ao mesmo tempo, dizer que é contra a taxação”, reclamou o deputado Danilo Forte (União-CE), relator do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 em entrevista ao Estadão. O deputado completou:


“Setores da área econômica apoiaram a taxação. Aí vem a orientação da liderança do governo para votar contra porque quer ficar bem com a opinião pública. O governo não pode ser o beneficiário disso e algoz do plenário. Se não quer que o Parlamento faça bomba fiscal, não pode ele próprio criar essa bomba. E justiça seja feita: eu vejo no ministro Haddad espírito público, mas ele não pode ficar com a bola nas costas.”


Sem tolerância para impostos


Pesquisa do Instituto Paraná encomendada pelo PL e divulgada na sexta-feira, 24, apontou que o aumento ou reajuste de impostos foi o item apontado espontaneamente por mais eleitores quando questionados sobre “falhas ou erros que o governo do presidente Lula cometeu ou está cometendo até o momento”.


Foram 6,2% os consultados que disseram isso — o segundo item mais mencionado, por 4,4%, foi “não está controlando a inflação”. São números baixos, mas relevantes por se tratarem do resultado de questionamentos feitos sem apresentar opções. Para se ter uma ideia, o aumento de impostos aparece como falha de lula à frente do item “Está envolvido em boatos de corrupção/ não está combatendo a corrupção”, um tema bem mais popular, destacado por 4,3% dos ouvidos.


O Instituto Paraná aponta também um aumento na proporção de eleitores que apontaram falhas do governo: eram 41,1% em janeiro; agora, são 46,6%.

Empresários


O fim da isenção para as compras de empresas estrangeiras é uma pauta dos empresários brasileiros, que enfrentam dificuldades para competir com mercados menos regulados, como o chinês. Lira mostra disposição para encampar a batalha, mas está claro que Lula já sentiu que a elevação no preço das blusinhas vai cair nas suas costas.


A Câmara promete enfrentar a questão nesta semana. Lira convocou sessão presencial para a segunda-feira, 27, para não perder a semana para o feriado de Corpus Christi, celebrado na quinta-feira, 30. O governo Lula precisa da aprovação do Programa Mover pelo Congresso até sexta-feira, quando vence o prazo da Medida Provisória que o criou — e ele ainda precisa passar pelo Senado.


E Lira já deixou claro que não pretende tirar o jabuti que derruba a isenção de dentro do projeto apoiado pelo Palácio do Planalto, mesmo contra a indicação de petistas e até de deputados da oposição, que não pretendem encampar uma batalha que o próprio governo não está disposto a travar. A semana de feriado será curta em Brasília, mas animada.


Rodolfo Borges - colunista

O Antagonista - Jornalismo vigilante

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Livros digitais: um mercado florescente - Rodolfo Borges (El Pais)

LIVROS DIGITAIS
Eles publicaram os próprios livros e descobriram não precisar de editoras

Autopublicação, que atrai até famosos como Paulo Coelho, ganha espaço com crise do mercado editorial. Autores mais lidos de plataformas como o Kindle chegam a ganhar 50.000 reais em um mês

MAIS INFORMAÇÕES

John Kennedy Toole ganhou o prêmio Pulitzer de ficção de 1981 por A Confederacy of Dunces (Uma confraria de tolos), mas não pôde celebrar. Doze anos antes, o autor do livro que se tornaria uma referência de Nova Orleans tinha tirado a própria vida, sem conseguir lidar com a rejeição do editor Robert Gottlieb a sua obra. A trágica história de Toole, conhecida porque sua mãe persistiu anos depois no projeto de publicar o livro, soa distante numa época em que é possível publicar livros por conta própria sem qualquer custo — e quando fazê-lo pode ser até melhor (e mais rentável) do que aguardar por editoras que possivelmente não teriam tempo ou dinheiro para sequer avaliá-los.
A economista Eliana Cardoso, já com dois livros de ficção publicados pela Companhia das Letras, chegou a buscar uma editora para publicar o terceiro, Dama de paus. Diante da negativa, partiu para o Kindle Direct Publishing (KDP), plataforma de autopublicação da Amazon que chegou ao Brasil em 2012. Meses depois, a escritora recebeu a notícia de que tinha ganhado o concurso anual promovido pela gigante do varejo desde 2016 no Brasil. "É um luxo ter o livro revisto e editado por uma grande editora. Por outro lado, a autopublicação através do KDP é uma saída espetacular", celebra Cardoso, que embolsou o prêmio de 30.000 reais e verá seu livro impresso pela editora Nova Fronteira. Ela conta que o aplicativo de edição disponibilizado pela Amazon é muito fácil de usar, que o processo não apresenta nenhum custo para o autor e que cabe a ele definir o valor a ser cobrando, do qual ele pode ficar com até 70% do preço de capa — as editoras costumam repassar cerca de 10% para seus autores por livros físicos e 25% pelos digitais.
O negócio é tão bom que até escritores de grande sucesso, como Paulo Coelho, publicam seus livros pela plataforma. Enquanto a Companhia das Letras distribui seus livros físicos no Brasil, os e-books são vendidos diretamente pela Amazon em todo o mundo (com exceção dos EUA), o que lhe permite ficar com 35% do valor de cada volume, já que a venda não é exclusiva da Amazon. Gerente para o KDP da Amazon no Brasil, Talita Taliberti destaca que outros sucessos literários, como Mário Sergio Cortella e Augusto Cury, também já publicaram pela ferramenta, e diz que da lista dos 100 livros mais vendidos pela empresa no Brasil, em torno de 30 costumam ser de autopublicação.
Entre eles dificilmente não estará um livro de Nana Pauvolih, uma professora que trocou as aulas de história pelo sucesso literário (e financeiro) em 2013. Em seu segundo mês de KDP, a autora de literatura erótica já ganhava mais do que nos seus dois empregos como professora, nas redes pública e privada do Rio de Janeiro. O sucesso de livros como A coleira e de séries como Redenção acabou chamando a atenção da agente literária Luciana Villas-Boas, que fez a ponte da autora com editoras como Rocco e Planeta, que hoje publicam suas obras. Sete anos depois de começar a publicar suas histórias em blogs, Pauvolih conta 29 livros, 25 deles autopublicados, e mais de 100.000 e-books vendidos — além disso, a mencionada série Redenção está para virar minissérie da Rede Globo.
Autores de sucesso como Nana Pauvolih podem ganhar até 20.000 reais mensais, com picos de 50.000 reais em um bom mês de lançamento, mas precisam se empenhar na divulgação das próprias obras, ressalva Janice Diniz, outra autora independente de sucesso. Ex-professora de português, a autora de livros sobre histórias com cowboys como Casamento sem amor calcula em cerca de 48 os seus títulos publicados. "Publico mês sim, mês não. Só no último ano [2018], quando tive de escrever para a Happer Collins, que eu fiquei três meses sem publicar", conta.
Hoje, Diniz publica pelo selo Harlequin da editora, com quem tem contrato até 2020, mas diz que vive bem desde 2015 apenas com os rendimentos da autopublicação. “Peguei todas as fases do preconceitos. De autora independente, em relação à literatura erótica e ao livro digital”, lembra a autora, que começou sua carreira literária pagando para imprimir seus livros. "Era inviável. Não tinha lucros, só gastos. E eu ainda comecei com uma trilogia. Tinha de manter um estoque dos dois primeiros e ainda pagar pela impressão do terceiro", conta. Ela estava quase desistindo de se tornar escritora quando surgiu a possibilidade de publicar em meio digital.
Hoje, Janice Diniz conta com o auxílio de três amigas para administrar os cerca de 100 grupos de Facebook utilizados para divulgar sua obra, que, para ela, está acomodada confortavelmente na plataforma de publicação da Amazon. A escritora diz que até tentou utilizar outra opção, a Kobo Writing Life, mas o fato de os valores das vendas serem repassados aos autores apenas duas vezes por ano a afastou — já o KDP repassa os valores mensalmente e ainda remunera os autores por página lida, a partir de um fundo global que hoje gira em torno de 88 milhões de reais. A eficiência da Amazon, cujo serviço de venda direta chegou ao Brasil neste ano, contrasta com a crise do mercado editorial brasileiro.

Mercado editorial

No ano passado, Saraiva e Livraria Cultura, duas da maiores redes de varejo de livros do país pediram recuperação judicial — a Cultura, aliás, é a representante da plataforma Kobo no Brasil. O mesmo ocorreu com a distribuidora BookPartners. Além disso, a rede de livrarias Laselva, que tinha pedido recuperação judicial em 2013, enfim decretou falência em 2018. A crise obviamente reverbera nas editoras, que não recebem os pagamentos devidos. Quando pediu recuperação judicial, a Saraiva informou à Justiça ter uma dívida de 675 milhões de reais.
Foi nesse contexto que a editora Cosac Naify fechou as portas melancolicamente em 2015. Um ano depois, em mais uma demonstração de força, a Amazon comprou parte do passivo, de 230.000 livros, e poupou a falida editora do fardo de estocá-los, mas não do desconforto de lidar com as notícias de que a outra parte do acervo teria de ser destruída e transformada em aparas.
Ao lamentar em seu blog os "dias mais difíceis" para os livros no Brasil, o presidente do Grupo Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, escreveu em novembro do ano passado que "as editoras ficaram sem 40% ou mais dos seus recebimentos" por conta da crise nas redes de livrarias. "Passei por um dos piores momentos da minha vida pessoal e profissional quando, pela primeira vez em 32 anos, tive que demitir seis funcionários que faziam parte da Companhia há tempos", escreveu o editor, acrescentando linhas depois: "Numa reunião para prestar esclarecimentos sobre aquele triste e inédito acontecimento, uma funcionária me perguntou se as demissões se limitariam àquelas seis. Com sinceridade e a voz embargada, disse que não tinha como garantir".
Numa situação dessas, não é de se espantar que um autor estreante como J. L. Amaral tenha buscado refúgio na autopublicação. Após trabalhar 20 anos como bancário, esse publicitário por formação resolveu parar tudo para tentar uma carreira literária. Em janeiro de 2017, enviou seu Entre pontos para cinco editoras. Em setembro daquele ano, como não tinha recebido nenhuma resposta, resolveu publicar o livro por conta própria, no KDP. Três meses depois, estava entre os finalistas do Prêmio Kindle daquele ano. “Enquanto o mercado não se estabilizar, vai ser difícil ter um espaço à sombra”, constata o autor, que publicou Borboletas azuis pela mesma plataforma no ano passado e, enquanto escreve o terceiro livro, tenta aprimorar sua formação como escritor e roteirista.
Em contraste com as redes físicas de livros, os ambientes virtuais têm celebrado crescimento. A Amazon não revela seus números, mas só no prêmio promovido neste ano foram 1.500 livros inscritos. O Clube de Autores, que permite publicar livros digitais e físicos, diz lançar 40 obras por dia em sua plataforma e celebrou no ano passado um crescimento de 30%, como registra o portal Publishnews. A Bibliomundi, outra plataforma digital, publicou 931 livros no ano passado e diz que dobrou seus registros de autores independentes. São poucos, contudo, os que conseguem andar com as próprias pernas no mundo da literatura. Eliana Cardoso, que ganhou o último Prêmio Kindle, confessa expectativa quando à relação que pode vir a desenvolver com a Nova Fronteira após a publicação de Dama de paus, mas seu próximo projeto literário, um livro infantil, já tem destino certo: o Kindle Direct Publishing. “A Nova Fronteira não está trabalhando nesta área, e o KDP oferece um aplicativo só para livros infantis”.