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quarta-feira, 20 de maio de 2020

Livros digitais: um mercado florescente - Rodolfo Borges (El Pais)

LIVROS DIGITAIS
Eles publicaram os próprios livros e descobriram não precisar de editoras

Autopublicação, que atrai até famosos como Paulo Coelho, ganha espaço com crise do mercado editorial. Autores mais lidos de plataformas como o Kindle chegam a ganhar 50.000 reais em um mês

MAIS INFORMAÇÕES

John Kennedy Toole ganhou o prêmio Pulitzer de ficção de 1981 por A Confederacy of Dunces (Uma confraria de tolos), mas não pôde celebrar. Doze anos antes, o autor do livro que se tornaria uma referência de Nova Orleans tinha tirado a própria vida, sem conseguir lidar com a rejeição do editor Robert Gottlieb a sua obra. A trágica história de Toole, conhecida porque sua mãe persistiu anos depois no projeto de publicar o livro, soa distante numa época em que é possível publicar livros por conta própria sem qualquer custo — e quando fazê-lo pode ser até melhor (e mais rentável) do que aguardar por editoras que possivelmente não teriam tempo ou dinheiro para sequer avaliá-los.
A economista Eliana Cardoso, já com dois livros de ficção publicados pela Companhia das Letras, chegou a buscar uma editora para publicar o terceiro, Dama de paus. Diante da negativa, partiu para o Kindle Direct Publishing (KDP), plataforma de autopublicação da Amazon que chegou ao Brasil em 2012. Meses depois, a escritora recebeu a notícia de que tinha ganhado o concurso anual promovido pela gigante do varejo desde 2016 no Brasil. "É um luxo ter o livro revisto e editado por uma grande editora. Por outro lado, a autopublicação através do KDP é uma saída espetacular", celebra Cardoso, que embolsou o prêmio de 30.000 reais e verá seu livro impresso pela editora Nova Fronteira. Ela conta que o aplicativo de edição disponibilizado pela Amazon é muito fácil de usar, que o processo não apresenta nenhum custo para o autor e que cabe a ele definir o valor a ser cobrando, do qual ele pode ficar com até 70% do preço de capa — as editoras costumam repassar cerca de 10% para seus autores por livros físicos e 25% pelos digitais.
O negócio é tão bom que até escritores de grande sucesso, como Paulo Coelho, publicam seus livros pela plataforma. Enquanto a Companhia das Letras distribui seus livros físicos no Brasil, os e-books são vendidos diretamente pela Amazon em todo o mundo (com exceção dos EUA), o que lhe permite ficar com 35% do valor de cada volume, já que a venda não é exclusiva da Amazon. Gerente para o KDP da Amazon no Brasil, Talita Taliberti destaca que outros sucessos literários, como Mário Sergio Cortella e Augusto Cury, também já publicaram pela ferramenta, e diz que da lista dos 100 livros mais vendidos pela empresa no Brasil, em torno de 30 costumam ser de autopublicação.
Entre eles dificilmente não estará um livro de Nana Pauvolih, uma professora que trocou as aulas de história pelo sucesso literário (e financeiro) em 2013. Em seu segundo mês de KDP, a autora de literatura erótica já ganhava mais do que nos seus dois empregos como professora, nas redes pública e privada do Rio de Janeiro. O sucesso de livros como A coleira e de séries como Redenção acabou chamando a atenção da agente literária Luciana Villas-Boas, que fez a ponte da autora com editoras como Rocco e Planeta, que hoje publicam suas obras. Sete anos depois de começar a publicar suas histórias em blogs, Pauvolih conta 29 livros, 25 deles autopublicados, e mais de 100.000 e-books vendidos — além disso, a mencionada série Redenção está para virar minissérie da Rede Globo.
Autores de sucesso como Nana Pauvolih podem ganhar até 20.000 reais mensais, com picos de 50.000 reais em um bom mês de lançamento, mas precisam se empenhar na divulgação das próprias obras, ressalva Janice Diniz, outra autora independente de sucesso. Ex-professora de português, a autora de livros sobre histórias com cowboys como Casamento sem amor calcula em cerca de 48 os seus títulos publicados. "Publico mês sim, mês não. Só no último ano [2018], quando tive de escrever para a Happer Collins, que eu fiquei três meses sem publicar", conta.
Hoje, Diniz publica pelo selo Harlequin da editora, com quem tem contrato até 2020, mas diz que vive bem desde 2015 apenas com os rendimentos da autopublicação. “Peguei todas as fases do preconceitos. De autora independente, em relação à literatura erótica e ao livro digital”, lembra a autora, que começou sua carreira literária pagando para imprimir seus livros. "Era inviável. Não tinha lucros, só gastos. E eu ainda comecei com uma trilogia. Tinha de manter um estoque dos dois primeiros e ainda pagar pela impressão do terceiro", conta. Ela estava quase desistindo de se tornar escritora quando surgiu a possibilidade de publicar em meio digital.
Hoje, Janice Diniz conta com o auxílio de três amigas para administrar os cerca de 100 grupos de Facebook utilizados para divulgar sua obra, que, para ela, está acomodada confortavelmente na plataforma de publicação da Amazon. A escritora diz que até tentou utilizar outra opção, a Kobo Writing Life, mas o fato de os valores das vendas serem repassados aos autores apenas duas vezes por ano a afastou — já o KDP repassa os valores mensalmente e ainda remunera os autores por página lida, a partir de um fundo global que hoje gira em torno de 88 milhões de reais. A eficiência da Amazon, cujo serviço de venda direta chegou ao Brasil neste ano, contrasta com a crise do mercado editorial brasileiro.

Mercado editorial

No ano passado, Saraiva e Livraria Cultura, duas da maiores redes de varejo de livros do país pediram recuperação judicial — a Cultura, aliás, é a representante da plataforma Kobo no Brasil. O mesmo ocorreu com a distribuidora BookPartners. Além disso, a rede de livrarias Laselva, que tinha pedido recuperação judicial em 2013, enfim decretou falência em 2018. A crise obviamente reverbera nas editoras, que não recebem os pagamentos devidos. Quando pediu recuperação judicial, a Saraiva informou à Justiça ter uma dívida de 675 milhões de reais.
Foi nesse contexto que a editora Cosac Naify fechou as portas melancolicamente em 2015. Um ano depois, em mais uma demonstração de força, a Amazon comprou parte do passivo, de 230.000 livros, e poupou a falida editora do fardo de estocá-los, mas não do desconforto de lidar com as notícias de que a outra parte do acervo teria de ser destruída e transformada em aparas.
Ao lamentar em seu blog os "dias mais difíceis" para os livros no Brasil, o presidente do Grupo Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, escreveu em novembro do ano passado que "as editoras ficaram sem 40% ou mais dos seus recebimentos" por conta da crise nas redes de livrarias. "Passei por um dos piores momentos da minha vida pessoal e profissional quando, pela primeira vez em 32 anos, tive que demitir seis funcionários que faziam parte da Companhia há tempos", escreveu o editor, acrescentando linhas depois: "Numa reunião para prestar esclarecimentos sobre aquele triste e inédito acontecimento, uma funcionária me perguntou se as demissões se limitariam àquelas seis. Com sinceridade e a voz embargada, disse que não tinha como garantir".
Numa situação dessas, não é de se espantar que um autor estreante como J. L. Amaral tenha buscado refúgio na autopublicação. Após trabalhar 20 anos como bancário, esse publicitário por formação resolveu parar tudo para tentar uma carreira literária. Em janeiro de 2017, enviou seu Entre pontos para cinco editoras. Em setembro daquele ano, como não tinha recebido nenhuma resposta, resolveu publicar o livro por conta própria, no KDP. Três meses depois, estava entre os finalistas do Prêmio Kindle daquele ano. “Enquanto o mercado não se estabilizar, vai ser difícil ter um espaço à sombra”, constata o autor, que publicou Borboletas azuis pela mesma plataforma no ano passado e, enquanto escreve o terceiro livro, tenta aprimorar sua formação como escritor e roteirista.
Em contraste com as redes físicas de livros, os ambientes virtuais têm celebrado crescimento. A Amazon não revela seus números, mas só no prêmio promovido neste ano foram 1.500 livros inscritos. O Clube de Autores, que permite publicar livros digitais e físicos, diz lançar 40 obras por dia em sua plataforma e celebrou no ano passado um crescimento de 30%, como registra o portal Publishnews. A Bibliomundi, outra plataforma digital, publicou 931 livros no ano passado e diz que dobrou seus registros de autores independentes. São poucos, contudo, os que conseguem andar com as próprias pernas no mundo da literatura. Eliana Cardoso, que ganhou o último Prêmio Kindle, confessa expectativa quando à relação que pode vir a desenvolver com a Nova Fronteira após a publicação de Dama de paus, mas seu próximo projeto literário, um livro infantil, já tem destino certo: o Kindle Direct Publishing. “A Nova Fronteira não está trabalhando nesta área, e o KDP oferece um aplicativo só para livros infantis”.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Mercosul-UE: tratado nao vigora antes de dois anos - Ferran Bono (El Pais)

El tratado de la UE con Mercosur no entrará en vigor antes de dos años
El presidente valenciano, Ximo Puig, se reúne en Bruselas con la comisaria de Comercio, Cecilia Malmström, por el temor del sector citrícola a los productos argentinos y brasileños
Ferran Bono
El País, Madri – 12.7.2019

Bruselas - El tratado entre la Unión Europea (UE) y los países de Mercosur (Argentina, Brasil, Uruguay y Paraguay), anunciado el pasado 29 de junio, no entrará en vigor antes de dos años, según los cálculos que ha transmitido jueves la comisaria de Comercio, la sueca Cecilia Malmström, a la delegación valenciana, encabezada por el presidente de la Generalitat, Ximo Puig. "El tratado se aprobará dentro de un año por la comisión y posteriormente por el parlamento europeo. De modo que la aprobación definitiva no será antes de dos años como mínimo", ha manifestado Puig tras la reunión mantenida en la sede de la Comisión Europea en Bruselas. El presidente valenciano había solicitado la reunión para transmitir a la comisaria el temor del sector citrícola por los perjuicios para el mercado español que pueda ocasionar la llegada sin aranceles a Europa de los productos de Brasil y Argentina. 
El mayor acuerdo comercial logrado jamás por los Veintiocho, que dará acceso a un mercado de 260 millones de consumidores, entrará en vigor una vez lo apruebe tanto el parlamento europeo, previsiblemente en 2021, como el parlamento de Mercosur. Pero solo la parte comercial, la principal del acuerdo, porque la asociación política y la cooperación, que integran también el tratado, también debe ser refrendada por los parlamentos nacionales, por lo que su puesta en marcha aún se postergará más. El tratado llevaba 20 años negociándose entre las partes.
El proceso es lento y garantista, como en todos los acuerdos de este tipo. La próxima semana se dará a conocer el contenido del tratado de 1.500 páginas en su versión en inglés. Entonces verán la luz las medidas concretas, se bajará a los detalles como la reducción de los aranceles, a qué productos afectan o el calendario. Luego, el acuerdo debe pasar una revisión jurídica del texto. Después debe ser traducido a las 24 lenguas de la Unión Europea y la comisión debe aprobarlo y autorizar su remisión al parlamento. Una vez en al cámara, debe ser estudiada en la Comisión de Comercio Internacional y también en la de Asuntos Exteriores. También debe emitir un informe la Comisión de Medio Ambiente y finalmente, el texto llegará al pleno del parlamento para su aprobación y entrará en vigor. Posteriormente, se remitirá a los parlamentos nacionales para que den el visto bueno al acuerdo de asociación política y de cooperación.    
En este intervalo de dos años, el presidente valenciano ha solicitado organizar una conferencia sectorial en el seno de la Comisión Europea, con todos los departamentos afectados, para tratar el problema de los cítricos y de la agricultura en Europa. "Es un problema que no afecta solo a la Comunidad Valenciana y hay que encontrar soluciones integrales. Porque no solo está Mercosur, también el veto ruso, la naranja sudafricana y sobre todo Egipto. Pedimos una acción directa porque puede hacer mucha competencia desleal. Hemos mostrado nuestra preocupación porque en el puerto de Rotterdam no hay suficiente vigilancia. Y debemos asegurar para el ciudadano europeo las mismas garantías fitosanitarias". Ahora bien, Puig ha pedido también al sector que sea proactivo y promueva campañas, entre otras medidas modernizadoras. 

La industria, beneficiada

El sector de la naranja valenciana, que mueve en torno a 2.200 millones de euros al año, ha sido el más crítico, junto al ganadero francés, con las posibles repercusiones negativas del acuerdo con Mercosur. El sector industrial, por el contrario, es el que sale más beneficiado con la reducción de los aranceles, especialmente, el automóvil, el textil, el cerámico o el calzado. Por ejemplo, en la actualidad, los aranceles para el calzado español en los países de Mercosur se elevan al 43%, los de la industria cerámica al 35% y los del textil, al 37%. Con la entrada en funcionamiento del acuerdo, la tasa se reducirá hasta su desmentelamiento en algún caso, y en otros se reducirán notablemente, tras un periodo transitorio. Faltan por concretar los plazos y los detalles negociados para cada sector y para cada producto.     
Puig ha descatado el carácter dialogante de la comisaria, que ha sido pieza clave en la negociación de un acuerdo que llevaba buscándose desde 1995. Su mandado concluye el próximo mes de noviembre. 
Una de las posibles medidas para controlar y compensar la entrada de las mercancías de dos de los principales productores de naranjas del mundo, Argentina (en fruta fresca) y Brasil (en zumo) es articular una cláusula de salvaguarda que entré en funcionamiento ante la amenaza y no posteriormente, cuando el producto ya ha invadido los mercados. Además, hay previsto un fondo de compensación de unos 1.000 millones de euros.

segunda-feira, 18 de março de 2019

Militares mantem o chanceler atual sob tutela - entrevista PR Almeida a El Pais

“É inaceitável para os militares essa subserviência aos Estados Unidos”

Demitido por Ernesto Araújo de um instituto do Itamaraty, o diplomata Paulo Roberto de Almeida diz que chanceler de Bolsonaro é tutelado


Paulo Roberto de Almeida, no Senado, em abril de 2017.
Paulo Roberto de Almeida, no Senado, em abril de 2017. 

O diplomata e doutor em ciências sociais Paulo Roberto de Almeida se envolveu em mais uma das dezenas de polêmicas do Governo Jair Bolsonaro (PSL). Após publicar um artigo em seu blog pessoal com críticas à política externa brasileira, ele foi exonerado pelo ministro Ernesto Araújo do cargo de presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), um dos braços do Ministério das Relações Exteriores brasileiro. Sem o cargo que ocupava desde 2016, Almeida deverá trabalhar em receber. Ou seja, ocupará o fictício “departamento de escadas e corredores” do Itamaraty.
Um dos mais antigos diplomatas em atividade no país, está desde 1977 no Governo, e autor de 14 livros, Almeida critica na entrevista a seguir a ausência de diretrizes de Araújo – a quem atribuiu ideias paranoicas –, ressalta que o ministro tem sido tutelado desde que assumiu a função e que, politicamente, a visita de Jair Bolsonaro a Donald Trump, nesta semana, será a glória para o presidente brasileiro.
Pergunta. Por que o senhor foi demitido do IPRI?
Resposta. A razão aparente parece estar ligada ao fato de eu publicar em meu blog pessoal (Diplomatizzando) análises críticas sobre a política externa conduzida pelo atual chanceler. A razão real parece ter sido minhas fortes críticas ao suposto mentor intelectual desse chanceler, seu patrono na escolha para o Itamaraty, Olavo de Carvalho, a quem eu chamei de “sofista da Virgínia” e de “Rasputin de subúrbio”, o que de certa forma deixou-o desconfortável, pois costuma referir-se respeitosamente a esse bizarro personagem, a quem chama de professor. As posturas antiglobalistas defendidas por ambos constituem uma agenda impossível para qualquer serviço diplomático, na medida em que alimentam paranoias reacionárias que não encontram qualquer fundamento nas negociações internacionais nas quais se engajam os diplomatas.


Uma outra razão que pode ter motivado minha exoneração do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty foi o fato de me ter referido a “fundamentalistas trompistas”, que o atual chanceler considerou como um ataque pessoal a ele, quando eu estava na verdade visando pessoas mais influentes do que ele, entre elas um dos filhos do atual presidente, Eduardo Bolsonaro, e o atual assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins. O primeiro é considerado uma espécie de “chanceler paralelo”, e passeou pelos Estados Unidos exibindo um boné da campanha de “Trump 2020”, o que representa um grau de aderência totalmente inadequada em termos de política externa responsável. Ademais, teve a arrogância de declarar que o “povo brasileiro” apoiava a construção do muro pretendido pelo presidente americano na fronteira com o México, o que é uma usurpação de mandato. O segundo é um verdadeiro crente, um true believer em Olavo de Carvalho, mais conhecido como “Robespirralho”, autor do discurso julgado extremamente fraco feito pelo presidente em sua visita ao Fórum Mundial de Davos.
P. Qual a influência de Olavo de Carvalho em sua demissão?
R. Não mais que indireta. A despeito de eu me ter chocado com o “sofista da Virgínia” a propósito dessa construção metafísica chamada antiglobalismo – como se tivesse de provar a inexistência de unicórnios, o que ele pretende –, ele não teve nenhuma responsabilidade direta na exoneração, tendo esta sido decidida pelo próprio chanceler, provavelmente em conluio com Eduardo Bolsonaro e Filipe Martins. Ficaram agastados com minhas críticas a essas ideias bizarras dentro da agenda diplomática.
P. Qual a sua avaliação sobre a política externa de Ernesto Araújo?
R. Difícil fazer uma avaliação sobre o que não existe. Não dispomos, até o momento presente, de nenhuma exposição clara, completa, racional, sobre qual seria essa política externa, até aqui marcada apenas por slogans: luta contra o globalismo, contra o marxismo cultural, contra o multilateralismo, contra o climatismo, o comercialismo, coisas totalmente bizarras, com efeito. Depois, essa introdução inócua de temas religiosos na agenda diplomática, que tampouco se coaduna com a postura de um Estado secular, como parece ser o Brasil. Em terceiro, e mais importante lugar, posturas contrárias a um tratamento verdadeiramente diplomático do mais importante tema da diplomacia brasileira no momento atual, a crise terminal do governo chavista na Venezuela. Foram os militares que tiveram de reafirmar ao atual chanceler o respeito a princípios constitucionais e de Direito Internacional relativos à não intervenção nos assuntos internos de outros países, quando o chanceler estava disposto a apoiar a aventura americana de forçar uma confrontação com o governo chavista. Na última reunião do Grupo de Lima coube ao vice-presidente Hamilton Mourão liderar a delegação brasileira, e de certa forma a posição dos demais países da região, contrária a qualquer intervenção militar na Venezuela.
P. Já ouvi diferentes relatos sobre a condução da política externa desse Governo. Dizem que ela é conduzida pelo Eduardo Bolsonaro ou pelo Filipe Martins. Ou ainda que os militares tutelam o ministro Araújo por meio do vice-presidente. Concorda com alguma dessas versões ou teria uma quarta corrente?
R. No plano puramente ideológico, ou principista, todos os três personagens, o chanceler e os dois primeiros, demonstram adesão às ideias estapafúrdias de Olavo de Carvalho sobre as relações internacionais, que são manifestamente inadequadas, e prejudiciais, a uma condução racional da diplomacia brasileira. No plano prático, o chanceler teve sua escolha apoiada e decidida pelos dois olavistas brasileiros, daí sua total dependência em termos de sua legitimação no governo atual. Em consequência do desconforto do núcleo militar com tais posturas inadequadas – como a ideia inaceitável para os militares de uma base americana no Brasil, ou a subserviência às posições do presidente americano – estabeleceu-se uma espécie de cordão sanitário em torno do chanceler e do próprio Itamaraty, inclusive porque o chanceler subverteu a hierarquia de comando no ministério, algo que os militares consideram como inaceitável. Seria, como eles dizem, ter coronéis mandando em generais. Eles também estão conscientes de que o Itamaraty foi submetido a uma reforma orgânica imposta sem qualquer consulta à casa, o que também causou desconforto geral. No conjunto, existe um comitê de tutela informal exercido pelos militares sobre a política externa.

"Estabeleceu-se uma espécie de cordão sanitário em torno do chanceler e do próprio Itamaraty"

P. Pelo que o senhor acompanha, como o Araújo chegou ao topo da carreira? Procede que ele conquistou o presidente com o artigo Trump e o Ocidente?
R. Não é que ele conquistou o Bolsonaro. O Bolsonaro não leu nada. Ele [Araújo] levou o artigo para o Olavo de Carvalho. Foi levado pelo Nestor Foster, nosso ministro conselheiro em Washington, que é um olavista. Conheço o Nestor, que é um bom funcionário, e que me deu um livro do Olavo, O Jardim das Aflições. Que é uma aflição ler, porque é uma coisa caótica. O Olavo não tem método, ele tem rompantes, ideias. O Ernesto, então, publicou esse artigo em minha revista sem que eu fizesse qualquer censura. No artigo ele trata da decadência do Ocidente, que é algo debatido por vários estudiosos, mas ele mete no meio aquela ideia de Cristo, de Deus, que é uma coisa que você não consegue debater. Você consegue debater com teóricos, historiadores, sobre o Ocidente em si, não a interferência de Deus. No blog dele, o Metapolítica, ele disse que houve uma intervenção divina para unir o Olavo e o Bolsonaro. Hoje, o que ele faz comigo é me denegar um direito que ele teve no passado e ainda tem, o de debater suas ideias pessoais em um blog. Na verdade, quem o colocou lá foram o Filipe Martins e o Eduardo Bolsonaro. Sem nominá-los, em meu artigo, eu os chamei de fundamentalistas trompistas. O ministro achou que eu falava dele, mas não. Eu o considero um personagem menor nesse jogo de poder. Ele construiu um perfil que não é o dele para se elevar ao cargo de chanceler, mas é totalmente inseguro e não conseguiu construir uma política externa até hoje.
P. Pelo fato de o senhor considerá-lo menor, acredita que o ministro é manipulável?
R. Certamente que ele não vai desatender sugestões do Eduardo Bolsonaro e do Filipe Martins, que são seus promotores, nem do Olavo de Carvalho. Agora, o Olavo acaba de se desacreditar por si só com essa ordem de que todos os seus alunos abandonem o Governo. Por um lado, ele tem essa influência bolsonarista e olavista. De outro, ele está totalmente tutelado pelos militares desde 1º de janeiro. Ele tratou da base americana no Brasil, o que foi rebatido pelo Ministério da Defesa; ele defendeu o rompimento de relações militares com o governo Maduro, o que deixou os militares brasileiros irritados; e depois, com a Venezuela, em que ele aparentemente comprou a ideia da agenda americana, de imposição de uma ajuda humanitária para tentar desequilibrar o Governo chavista, o que não conseguiu. Nosso chanceler comprou essa ideia e teve de ser controlado pelos militares, quando o general Mourão foi o chefe de delegação na última reunião do Grupo de Lima e liderou a América Latina na defesa da não intervenção militar na Venezuela. É uma coisa que caberia a um diplomata. Está em nossa Constituição, nos princípios do direito internacional. Ver um diplomata atuando antidiplomaticamente é uma coisa inédita no Itamaraty.
P. Há uma submissão aos Estados Unidos?
R. É algo alucinante pensar que o chanceler não acate nossa Constituição, e isso os militares fizeram o favor de lembrar, e tome atitudes voluntaristas e de apoio à postura americana que não se coadunam com uma política externa sensata e razoável que o Brasil sempre teve. Depois, as ideias bizarras expressas pelo chanceler são algo inédita em diplomacia. Assista a aula magna que ele deu no Instituto Rio Branco. É uma coisa constrangedora. Não faz nem o sentido lexical, de frases completas.
P. Mas essa crítica, de que não se consegue completar as ideias, é algo recorrente sobre os discursos do presidente também.
R. O presidente está lá porque foi eleito, tem a sua legitimidade. O chanceler, teoricamente, deveria conduzir a política externa. Os diplomatas não têm a menor ideia do que esperar da política externa brasileira. Só vejo arroubos. Nessa palestra no Rio Branco, ele falou de comercialismo, de globalismo, contra o multilateralismo, a perda da fé e de que não vamos apenas exportar café e minério, mas também crenças. É algo inacreditável até no plano puramente operacional, primário, elementar.
P. Sem essa definição de uma política externa, o que se pode esperar das relações comerciais do Brasil? Por exemplo, a China abandona parte do mercado brasileiro para comprar dos americanos.

"É inaceitável para os militares essa subserviência aos Estados Unidos, assim como para qualquer pessoa de bom senso"

R. Exato. A gente tem as ideias aventadas pelo Paulo Guedes, de abertura econômica e liberalização comercial que agora ficaram um pouco de escanteio por causa da reforma da Previdência. Mas não vejo como será feita essa abertura econômica. Não se sabe com quem vai se debater. O Brasil não conseguiu nem resolver como fará com o Mercosul, se ele continua como está, se vai avançar para consolidar sua união aduaneira ou se vai recuar para um simples projeto de zona de livre comércio. Todas essas alternativas têm seus prós e contras na política comercial brasileira. Na nova estrutura do Governo, publicada em janeiro, diz que o Ministério da Economia tem competência para as negociações econômicas internacionais. E nas competências do Itamaraty, diz que o Itamaraty participa das negociações econômicas internacionais. Ou seja, fomos relegados a uma posição secundária, o que nunca ocorreu antes. O Ministério das Relações Exteriores sempre teve preeminência nas negociações comerciais do Brasil, ainda que a política comercial seja estabelecida pela Fazenda. Tem um lado nebuloso nessas definições de políticas setoriais que até hoje não foi resolvida. Não vi nenhuma declaração clara nem do chanceler nem do ministro da Economia de como será conduzida a política comercial.
P. O que essa viagem do Bolsonaro aos Estados Unidos pode trazer para o Brasil?
R. Aparentemente vai trazer o acordo de salvaguardas tecnológicas, que está atrasado há 20 anos. É um acordo para a utilização da base de Alcântara (no Maranhão). A boa relação dos presidentes Bill Clinton e Fernando Henrique Cardosotrouxe esse acordo que acabou sendo sabotada pelo PT, pelo próprio Bolsonaro e pelos partidos de esquerda. Houve um relatório na Câmara do então deputado Waldir Pires, que havia recusado esse acordo. Os deputados queriam ter transferência de tecnologia, mas os Estados Unidos queriam preservar essas informações, que que é absolutamente normal num mercado assimilado a construção de mísseis e balísticas. Agora, parece que esse acordo vai sair. Na aula magna deste ano para a turma do Itamaraty, o chanceler não conseguiu nem explicar o que seria feito nas visitas aos Estados Unidos, Israel e Chile. Só disse coisas banais de que se trata de relações importantes. Ele também criticou a China, várias vezes, sem dizer o nome dela. É algo alucinante o que está acontecendo.
P. E sobre os Estados Unidos, nada além do acordo de salvaguarda?
R. Algo que pode ser discutido é a dispensa de vistos de americanos que visitam o Brasil, algo que pode ser atacado pelos da esquerda, pelos nacionalistas e pelo pessoal que defende reciprocidade estrita, o que é uma imbecilidade. Não tem reciprocidade estrita nas relações internacionais, tudo é assimétrico. Nenhum país é igual ao outro. Você não imagina que você tenha milhares de americanos que queiram vir ao Brasil e se estabelecer ilegalmente. Uma família americana típica, um casal e dois filhos, se pensa em viajar ao Brasil já tem de gastar de 600 a 700 dólares só de visto. Com esse dinheiro eles já passam uma semana no Caribe. Então, o visto talvez saia para os turistas e para a facilitação dos empresários nos Estados Unidos. Não sei mais o que pode sair, de fato.
P. Politicamente para o Bolsonaro, o que representa essa visita?
R. É a glória porque ele é uma espécie de Trump brasileiro. Ele tuita, ele fala e aprova as posições do Trump. Falou que, assim como os Estados Unidos ia trocar a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, falou que a China compra o Brasil. Fico pensando o que a gente fez para merecer uma coisa dessa, uma indefinição completa dos interesses do Brasil. Tanto que os militares se encarregaram, mais uma vez, de cercear, de limitar, de controlar, de proibir essa transferência da embaixada – que constrangeu os exportadores de carne halal, a ministra da Agricultura teve de intervir – atacar a China é outra bobagem monumental e a questão da relação muito próxima com os Estados Unidos é uma subserviência, que nosso chanceler demonstra. É inaceitável para os militares essa subserviência aos Estados Unidos, assim como para qualquer pessoa de bom senso.
P. O senhor está sem função nenhuma no Itamaraty. Está indo só “bater o ponto”, sem trabalho algum?

"As ideias bizarras expressas pelo chanceler são algo inédita em diplomacia"

R. Vou para a biblioteca, que é o que eu fiz durante anos no lulopetismo. Aliás, tenho de agradecer ao Celso Amorim [ex-chanceler] e ao Samuel Pinheiro Guimarães [ex-secretário-geral] por terem me dado a oportunidade de escrever dois ou três livros no período em que fiquei sem função alguma. De 2006 a 2010 eu só frequentava a biblioteca. Depois tirei uma licença, fui dar aula em Paris e ocupei um cargo secundário em um consulado nos Estados Unidos. Só voltei a ter algum cargo após o impeachment da Dilma Rousseff. Agora, voltarei ao "departamento de escada e corredores".
P. Mas o senhor fará pesquisas, sem produzir diretamente para o Itamaraty ou para qualquer outro órgão do Governo, que paga o seu salário. É isso?
R. É uma irregularidade administrativa que precisa ser resolvida pelo Itamaraty. Acredito que o Tribunal de Contas da União não admite que você receba sem trabalhar. Então cabe ao Itamaraty me dar uma função. Em toda a gestão lulopetista eu sempre fui ao chefe de administração e dizer que estava disposto a trabalhar. E, apesar de promessas, não me davam nada.