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domingo, 29 de maio de 2016

Itamaraty e politica externa: entrevista com Rubens Ricupero sobre a gestao Serra

Ideias

Rubens Ricupero: “O Itamaraty precisava de um ministro politicamente forte”

Conselheiro e amigo do novo ministro das Relações Exteriores, o diplomata fala de suas contribuições à nova gestão da pasta e reflete sobre os caminhos da política externa brasileira

TERESA PEROSA
27/05/2016 - 21h26 - Atualizado 28/05/2016 12h35
Revista Época
O ex ministro da fazenda Rubens Ricupero (Foto: Alan Marques/Folhapress)
Depois do discurso de posse do novo ministro das Relações Exteriores, o senador José Serra (PSDB), analistas apontaram para influência indelével do ex-ministro Rubens Ricupero nas entrelinhas das novas diretrizes da política externa anunciada na ocasião. Ele minimiza seu impacto nas mudanças no Itamaraty. “Não como se eu estivesse em Brasília ao lado do Serra”, diz. Ainda assim, dois homens fortes da gestão, Sérgio Danese, o novo embaixador em Buenos Aires, e Marcos Galvão, recém-nomeado Secretário-geral do ministério, são indicação pessoal sua. Ricupero foi ministro da Fazenda durante a gestão de Itamar Franco e secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e hoje é professor da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) em São Paulo. Em entrevista à ÉPOCA, Ricupero fala sobre os primeiros dez dias de Serra a frente do Itamaraty e sobre a necessidade de cautela na reavaliação do Mercosul.
>> Como fica o Itamaraty com José Serra ministro das Relações Exteriores?
ÉPOCA – O senhor é apontado como uma das inspirações e grandes conselheiros do ministro José Serra. O senhor foi consultado por ele?
Rubens Ricupero –
Sou amigo dele há muitos anos. Eu conheço Serra há 30 anos, embora eu seja mais velho do que ele. Nós somos mais ou menos da mesma origem: eu nasci no Brás, ele nasceu na Mooca. Tenho uma ligação com ele que não tenho com nenhum outro político. Quando ele começou a ser convidado para esse cargo, conversou comigo, conversou com (o diplomata e ex-ministro) Sérgio Amaral, e com muita gente, Fernando Henrique também, porque ele ainda estava em dúvida. Tanto Sérgio Amaral como eu procuramos encorajá-lo. Para nós, o Itamaraty precisava muito de um ministro politicamente forte. O ministério vem de um período terrível, com três ministros que eram diplomatas, de boa qualidade. Conheço e aprecio todos eles, mas eles não tinham força política. Nem com a presidente (Dilma Rousseff), nem com o Ministério do Planejamento. O Itamaraty ficou muito enfraquecido com isso. O problema não é ser ou não diplomata. Por exemplo, o (ex-chanceler) Celso Amorim era diplomata e foi um ministro forte muito ligado ao (presidente Luiz Inácio) Lula (da Silva). Lula parecia gostar do assunto, foi um período positivo. Com Dilma, o Itamaraty não só saiu daquele centro de decisões, como perdeu muita coisa, perdeu recursos, ficou em uma situação aflitiva. Nós achávamos que seria muito bom para o ministério ter um ministro como ele, embora eu esteja fora do Itamaraty há 20 anos. Ajudei sugerindo nomes, falei para ele com muita ênfase a necessidade de manter tanto quanto possível a cúpula, a começar pelo Sérgio Danese, que foi meu assistente. Tanto Danese quanto Marcos Galvão são quase como dois irmãos mais jovens para mim, foram meus assistentes inclusive quando ensinei história das relações diplomáticas do Brasil no Rio Branco. O primeiro livro que eu fiz "Brasil no Mundo" foi todo organizado pelo Sérgio Danese. Sérgio e Marcos são quase como se fossem da minha família. Serra conhecia ambos. Evidentemente, a minha recomendação, que foi apoiada pelo Sérgio Amaral, ajudou ele a se orientar. Também procurei ajudar em matéria de conversar com ele sobre as linhas gerais da política que ele ia seguir. Ele tem ideias muito claras. O arcabouço do discurso (de posse) que Serra fez ele me mandou já pronto. Ele me mandou o esqueleto básico: a estrutura do discurso já estava pronta. Sugeri uma ou outra coisa, em temas como meio ambiente, América Latina, México, Argentina e direitos humanos. Mas foram pontos de redação que sugeri. Ele deve ter ouvido várias pessoas para montar o discurso. Mas o discurso basicamente foi ele que escreveu, já me mandou o discurso praticamente pronto. Um tema, por exemplo, como esse do Mercosul, que tem sido levantado. Eu disse a ele desde o início - e acho que ele já estava mais ou menos evoluindo para essa posição - que antes de cogitar transformar a natureza do Mercosul, que é um tipo de acordo comercial muito raro, uma união aduaneira.. A união aduaneira é muito mais que um acordo de livre comércio. O acordo de livre comércio é um acordo cujo objetivo é simplesmente abolir as barreiras ao comércio entre os membros, mas cada um dos membros conserva em relação a terceiros a sua própria barreira. Não há uma coordenação dessas barreiras em relação aos que não são membros do acordo. Já no caso de uma união aduaneira, ela além de ter tudo o que tem no acordo de livre comércio, ela tem isso e mais um plus: o fato de que ela tem uma barreira comum em relação a terceiros. Em tese, todos os membros de uma união aduaneira têm que ter as mesmas tarifas em relação a aqueles que não são membros. Então, evoluir de união aduaneira para umacordo de livre comércio, é, de certa forma, uma redução de status. É como se você fosse algo maior e decidisse ser menos, porque é difícil ser mais.  Eu disse a ele: é preciso avaliar bem, porque muitos setores do Brasil e da Argentina dependem muito da união aduaneira.  Um dos setores é o automobilístico. Essas coisas requerem uma avaliação cuidadosa: conversar com os setores e depois tomar uma decisão. Ele mais ou menos já estava nessa linha e creio que agora deve ter conversado na Argentina sobre isso. Mas quero esclarecer que meu papel é de um amigo dele que ele ouve de vez em quando. Saí do Brasil antes do voto do Senado. Cheguei na quarta-feira (dia 25) de volta da Europa. Não é propriamente como as pessoas muitas vezes pensam, como se eu estivesse em Brasília ao lado do Serra. Não é o caso, estou longe.
>> Oliver Stuenkel: "O Itamaraty pode voltar a ter o status de um ministério-chave"

ÉPOCA – Qual sua avaliação das decisões e declarações dadas pelo ministro até agora?
Ricupero –
Gostei muito da forma final do discurso. Achei que ficou mais rico porque ele acrescentou muita coisa em relação ao que eu tinha visto. Acrescentou um parágrafo inteiro sobre o fato de que a chave do êxito no comércio não são os acordos de livre comércio, mas sim a competitividade. Esse é um tema que defendo há anos, mas posso te garantir que não tive nada a ver com isso. Quando eu dei os palpites, não tinha me ocorrido isso. Vi que ele incluiu, não sei se alguém sugeriu ou ele mesmo pensou. O discurso me pareceu muito redondo, muito forte. Pelo que eu posso ver, noto que a repercussão tem sido muito positiva. Ele se destaca muito, porque, nas outras áreas, parece ter havido problemas, como no caso do Ministério da Cultura. O Itamaraty, pelo que eu vejo, está indo muito bem.
>> José Serra quer um novo Mercosul

ÉPOCA – O que a indicação de Marcos Galvão traz para a Secretaria-geral do Itamaraty?
Ricupero –
Marcos é excelente. Desses diplomatas novos, é uma das maiores vocações que o Itamaraty tem. Ele,durante muito tempo,  trabalhou comigo, inclusive no Ministério da Fazenda. Ele estava ao meu lado, como Sérgio Danese também estava comigo na Fazenda na época do Real. Depois, ele teve sua carreira própria. No Brasil, o último posto que ele teve e em que ele se saiu brilhantemente, o Marcos era o subsecretário de Assuntos Internacionais da Fazenda, com o Guido Mantega. Ele era aquilo que na linguagem internacional chamam de "sherpa brasileiro". Seu papel era organizar reuniões do G20. Teve um papel muito forte, desde o início. O Marcos teve um desempenho brilhante na criação do G20, onde ele trabalhou muito com o Mantega, se destacou. O Marcos vem de um posto extremamente interessante porque ele era o nosso embaixador na Organização Mundial do Comércio (OMC) em Genebra. E lá ele teve um desempenho muito bom. Como a ênfase agora vai ser comércio, ninguém melhor do que ele porque a OMC é digamos a Roma, é a cidade santa do comércio. Quem passa pela OMC conhece muito o comércio, tanto as negociações na própria OMC como de acordos bilaterais e regionais, porque todos esses acordos fazem referência ao Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), que é a constituição da OMC. O Marcos conhece isso muito bem. Então, nada melhor do que uma pessoa como ele para poder ser o segundo no ministério nessa hora.

ÉPOCA – Uma das relutâncias de Serra em assumir a pasta teria sido o fato de não estar certo que Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) e Câmera de Comércio Exterior (Camex) viriam para o Itamaraty. Ele chegou a manifestar isso para o senhor?
Ricupero –
Não, porque desde o primeiro momento em que ele falou comigo, essa ideia já estava equacionada, isso nunca me foi apresentado como dúvida. Pelo menos, desde o momento de quando eu me reuni pela primeira vez com ele na casa do Sérgio Amaral, nós discutimos que pessoas poderiam trabalhar na Apex e etc. Já havia a ideia unânime do Roberto Jaguaribe. Há muito tempo que há esse problema porque a Apex tem recurso, mas não tem aquela rede que o Itamaraty tem dos setores de promoção comercial que existem no mundo inteiro. E o Itamaraty tem a rede, mas não tem o recurso. Então, o lógico é juntar as duas coisas.

ÉPOCA – O agora ministro Serra já se posicionou em outras ocasiões como um crítico do Mercosul. Como o senhor mencionou, a revisão da união aduaneira implicaria em um passo para trás. O senhor acredita que haverá uma mudança nesse sentido?
Ricupero –
Qual era o argumento básico que se dizia para abandonar a união aduaneira? É porque segundo se alega, nenhum dos países membros pode negociar acordos bilaterais ou regionais sem que os outros todos participem. Isso nunca foi testado na prática. E isso não faz parte da natureza da união aduaneira. Isso é apenas uma resolução de ministros do Mercosul. Há uma resolução que, assim como foi adotada, pode ser revogada. É uma decisão que pode ser mudada a qualquer momento sem abandonar a união aduaneira. Mas esse problema era alegado, porque de fato durante muito tempo, como se sabe, a Argentina estava em uma situação difícil. Ela não queria negociar com a União Europeia. Mas esse problema desapareceu hoje em dia porque a Argentina está na mesma linha. Outro país que poderia criar problema eventualmente seria a Venezuela. Mas a Venezuela nunca aderiu inteiramente ao Mercosul, ela entrou mais politicamente. As negociações sobre as tarifas e as concessões que a Venezuela teria que fazer no Mercosul nunca foram concluídas.  A Venezuela é um país que teoricamente está dentro, mas não está e já tinha declarado,  ainda na época recente da Dilmam que não seria obstáculo. A Venezuela não participaria da negociação com a União Europeia, mas  também não seria um obstáculo. Paraguai e Uruguai são mais desejosos do que o Brasil. Então é como querer encontrar pelo em casca de ovo: qual é o problema da união aduaneira? Em que ela está atrapalhando o Brasil? Eu nunca encontrei alguém que me dissesse. A não ser esse problema da Argentina, mas isso agora acabou. O problema não é nosso, é mais pela Europa agora. A França tem medo por causa da questão das carnes. Eles antes se escudavam atrás da coisa da Argentina. Agora, isso não existe mais. (O Serra era crítico) mais por isso porque não tínhamos flexibilidade, não podíamos negociar, mas agora isso acabou.

ÉPOCA – Em seu discurso de posse no Itamaraty, Serra declarou que a política a ser capitaneada por ele seria livre de “partidarização” e ideologia. Uma das críticas que ele sofre agora seria que há uma “ideologização” pelo outro lado, já que a aproximação prioritária é com governos mais alinhados ao discurso liberal, como Macri na Argentina e Enrique Peña Nieto, no México.
Ricupero –
Essa crítica não tem nenhuma procedência.  Vi isso no artigo do Celso Amorim. Acho que Matias Spektor também disse isso, mas em ambos os casos eles estão errados. Uma coisa é você privilegiar o relacionamento com países como Cuba ou Nicarágua, que são distantes do Brasil, com os quais nós nunca tivemos tantos vínculos nem comerciais nem econômicos, nem de nenhuma natureza. A nossa relação com Cuba e Nicarágua sempre foi uma relação muito distante. Portanto, no momento em que se começa a dizer que Cuba, Nicarágua são parceiros preferenciais porque são bolivarianos, ai sim a única justificativa é a ideologia, porque não há outra. Você só pode se sentir próximo de Cuba e Nicarágua porque eles são bolivarianos e o PT tinha alguma afinidade com eles. No caso da Argentina e do México, é diferente. O caso da Argentina e do México é que eles são os dois maiores países latino-americanos e os únicos que têm um peso específico comparável ao Brasil pelo tamanho do território, pelo tamanho da economia, da população. É claro que são menores do que nós, mas são países muito expressivos. O México tem uma economia muito pujante que não está muito distante da brasileira. Esses dois países formam com o Brasil os três maiores países da América Latina. Então, que esses três países tenham uma relação estreita é imposição da própria realidade. Na Europa, todo mundo sabe que o parceiro privilegiado da França é a Alemanha e que o parceiro privilegiado da Alemanha é a França, porque são as duas grandes potências que são o centro de gravidade da União Europeia. Isso entre os próprios governos. Por exemplo, o (Nicolas) Sarkozy era muito próximo da (Angela) Merkel. Quando ele foi substituído pelo (François) Hollande, não houve nenhuma diferença. Mudou de um partido de direita para um partido socialista, mas a relação franco-alemã é a mesma. E será sempre a mesma, porque sem esses dois, não há o centro de equilíbrio. Tanto para a França como para a Alemanha o país mais importante, em seguida, é a Inglaterra, o que é óbvio. Isso são considerações que nascem do próprio realismo. Do realismo e da situação e não tem nada a ver com o fato de ser o Macri. Se fosse ainda a Christina Kirchner, a Argentina seria a mesma coisa, mas seria mais difícil, porque provavelmente com ela essa questão do Mercosul ia ser uma dificuldade, porque ela não queria negociar com a União Europeia. É óbvio que, enquanto nesses países, além da importância em si, ainda haja governos como se diz em inglês likeminded, que tenham a mesma abordagem, isso facilita. Mas isso não é ideologia. Por exemplo, o Brasil quer  um acordo comercial com o México, se o México também que é ótimo. Seja lá qual for a ideologia, se os dois lados quiserem, haverá o acordo. Acho uma crítica totalmente improcedente. Seria verdade se você fosse dizer: o Brasil agora vai resolver ter uma política privilegiada com um país qualquer de direita que fica na América Central e no Caribe. Mas não é o caso, são países de peso.
>> Marco Aurélio Garcia: "Querem desacreditar a política externa brasileira"

ÉPOCA – O ministro também foi criticado pelo tom das notas diplomáticas para países que emitiram notas qualificando o processo de impeachment como golpe de Estado. Na terça-feira (24), o Itamaraty distribuiu uma circular em que pedia para que os embaixadores pelo mundo se engajassem de forma mais ativa em relação à narrativa do golpe. Qual sua avaliação sobre esses posicionamentos?
Ricupero –
Disseram que as notas de resposta do Brasil aos bolivarianos e outros tinham sido muito duras. Eu achei o contrário. Duras têm sido as notas de intromissão em assuntos internos brasileiros. Por exemplo, a nota da Venezuela é uma nota prolixa. Deve ser sete ou oito vezes maior do que a resposta brasileira e se mete em assuntos nossos - e nós não podemos tolerar nenhum tipo de interferência. Eu achei a nossa resposta firme. Pessoalmente, se eu fosse ministro, eu seria até mais duro, porque eu lembraria que é até irônico que países como Venezuela, Cuba, Nicarágua queiram dar lições de democracia, liberdade, de direitos humanos a qualquer outro país, porque obviamente não são qualificados para isso. Mas o Brasil não fez isso. O Brasil apenas se limitou na resposta a lembrar quais são os dispositivos constitucionais aqui e o papel que foi desempenhado inclusive pelo Supremo Tribunal Federal. Então me dizer isso me parece correto. Trata-se simplesmente de elucidar as pessoas no exterior que o que se passa no Brasil obedece ao que é previsto na Constituição e  vem sendo objeto de um controle frequente, quase que até repetitivo do Supremo Tribuna Federal. Para considerar que apesar disso, o que está ocorrendo não está de acordo, então tem que condenar todas as instituições brasileiras, inclusive o Supremo Tribunal Federal.
>> Aníbal Pérez-Liñan: “A crise no Brasil não se encerrará logo”

ÉPOCA – Considerando que Serra terá um tempo limitado, caso se confirme o impeachment da presidente Dilma Rousseff, serão pouco mais de dois anos, o quanto ele vai conseguir realizar na prática nesse período?
Ricupero –
Ele é uma pessoa que se caracteriza por ser um grande trabalhador. No Senado, em pouco tempo, ele aprovou cinco ou seis projetos e projetos importantes, inclusive aquele flexibilizando a operação da Petrobras. É preciso lembrar que o Serra é um trabalhador infatigável. E eu tenho certeza que ele se lançará a isso com muita disposição. Acredito que as perspectivas são boas porque, desde que haja interesse da outra parte, não precisa muito tempo para negociar um acordo. Um acordo é uma questão de alguns meses. Você pode negociar e ai apenas fazer com que ele entre em vigor. Vai depender um pouco do tipo de receptividade que se encontre do outro lado.

sábado, 21 de maio de 2016

Rubens Ricupero: entrevista sobre a nova política externa -- BBC

'Não adianta ter embaixada sem água e telefone', diz Ricupero

Por BBC |

Ex-ministro e amigo de Serra defende fechamento de representações diplomáticas brasileiras e diz que legitimidade do governo lá fora dependerá de êxito no combate a crise

BBC
Amigo de longa data de José Serra, o ex-secretário geral da Unctad (o órgão da ONU para comércio e desenvolvimento) Rubens Ricupero diz que "conversou bastante" com o novo chanceler quando este foi convidado a assumir o Ministério de Relações Exteriores pelo presidente interino Michel Temer.
"Procuramos - eu e (o ex-ministro do Desenvolvimento) Sergio Amaral - dar a ele (Serra) um pouco de nossa percepção da situação (das relações exteriores brasileiras)", diz o diplomata aposentado.
Rubens Ricupero
BBC Brasil
Rubens Ricupero
Ricupero, que também foi ministro da Fazenda do governo Itamar Franco e embaixador em Washington, nega que haja contradição no fato de Serra prometer uma "desideologização" da diplomacia brasileira e, ao mesmo tempo, enfatizar as relações com países de governos mais liberais, como a Argentina de Mauricio Macri.
Para ele, fechar representações em outros países em um contexto de escassez de recursos é uma questão de "bom senso". "De que adianta ter um número enorme de embaixadas e não ter dinheiro para pagar aluguel, água ou telefone?"
 
E o atual governo não precisa se preocupar com sua legitimidade no exterior. "No fundo, a reputação que este governo vai ter fora e dentro do Brasil dependerá de como ele enfrentar os problemas da economia e outras áreas. Ou seja, se vai acertar ou não", diz.
"É um pouco aquilo que se diz em inglês, 'Nothing succeeds like success' (Nada tem mais sucesso do que o sucesso). Se o governo tiver êxito vai ser aplaudido. Se não tiver, vai ser muito criticado."
Confira a entrevista que Ricupero concedeu à BBC Brasil, por telefone, da casa de uma de suas filhas, na França.

BBC Brasil: Serra prometeu "desideologizar" as relações exteriores, mas em seu primeiro discurso também falou na aproximação em países politicamente mais alinhados ao atual governo brasileiro, como Argentina e México. Isso não é uma contradição?
Rubens Ricupero: Não há contradição porque uma coisa é você apoiar uma ideologia clara, como era o bolivarianismo, com a qual o PT tem certa identidade. Outra muito diferente é reconhecer realisticamente que o Brasil precisa manter uma relação mais estreita com os dois grandes países latino-americanos que são comparáveis a nós em tamanho, economia e influência - o México, no norte, e a Argentina, no sul.

Isso não significa que haja menosprezo pelos outros. Os países (da Aliança) do Pacífico e mesmo Venezuela, Bolívia e Equador, todos são parceiros. Mas (ter como foco a Argentina) é uma atitude realista, da mesma forma que para a Franca a relação especial é com a Alemanha. Ninguém aqui imaginaria que essa é uma opção ideológica - é uma imposição da realidade.
Ideologia é postular uma relação especial com países distantes, com os quais temos pouco em comum até na vida econômica, como Cuba e Nicarágua, apenas porque eles fazem parte da aliança bolivariana.
BBC Brasil: Mas se a Argentina tivesse um governo kirchnerista a aposta não seria a mesma, seria?
Ricupero: Seria, porque, como disse, isso é uma imposição da própria vizinhança, da realidade. Agora, não há dúvida que facilita (a relação), como o ministro disse no discurso, o fato de Argentina e Brasil estarem sintonizados, passando por momentos semelhantes, com problemas graves de natureza econômica e com o mesmo tipo de transição. Também com novos governos que têm uma visão parecida sobre a necessidade de uma inserção internacional mais aberta. Isso facilita enormemente para que se comece a mudar o panorama do Mercosul.
Uma coisa é um Mercosul em que o Brasil quer negociar com outros países acordos de comércio e a Argentina faz corpo mole, como até poucos meses atrás. Outra é ter um parceiro que quer tanto quanto nós negociar ativamente com a União Europeia e outros países. Há uma atitude diferente.
México, Colômbia, Peru, Chile. Todos esses países querem se integrar no mundo, abrir-se ao comércio e ao investimento - mesma linha que o Brasil segue agora. Então é natural que você tenha mais afinidade com esses países.

BBC Brasil: A diplomacia de Lula foi marcada por uma expansão do ativismo do Brasil lá fora e um aumento do número de embaixadas e consulados. Serra pediu que fosse calculado quanto custaria fechar algumas dessas representações. Fará uma diplomacia mais contida?
Ricupero: A diplomacia de Lula e do chanceler Celso Amorim refletiu um grande momento positivo vivido pelo Brasil, inclusive na economia. Havia um contexto mundial favorável, com crescimento acelerado da China e alto preço das commododities. Agora, a situação mudou muito. Essa redução do ativismo já foi perceptível no governo Dilma.
Todo país em fase de dificuldades orçamentárias costuma reavaliar sua rede de representações para tirar melhor proveito dos recursos. Os ingleses recentemente, com os conservadores no poder, fecharam alguns postos diplomáticos e remodelaram outros. A França também fez isso. É apenas um reflexo das dificuldades.
De que adianta ter um número enorme de embaixadas e não ter dinheiro para pagar aluguel, água ou telefone? Tenho colegas aqui no exterior que não conseguem pagar conta da internet, telefone. Eu mesmo quando fui embaixador em Washington durante o governo (Fernando) Collor tive de pagar as contas da embaixada do meu bolso pra evitar um corte.
É melhor que, nesses casos, haja uma atitude de bom senso de fazer com que os gastos correspondam aos meios. É isso que eu acho que vai ser feito, mas isso não significa diminuir o nível de atividade. Você pode conseguir a mesma coisa utilizando melhor os recursos.
BBC Brasil: A expansão de embaixadas foi um erro?
Ricupero: Talvez menos que erro. Foi um entusiasmo precipitado. Julgou-se que aquele período de bonança duraria para sempre. E não só na política externa. Havia essa atitude com relação a todos os gastos do governo. Por isso eles se expandiram tanto.
BBC Brasil: O tom das notas emitidas em resposta a governos como Cuba, Nicarágua e Venezuela (que condenaram o impeachment da presidente Dilma Rousseff) causou polêmica e dividiu o Itamaraty. Para alguns, elas seriam muito incisivas, políticas. 
Ricupero: Não concordo. A surpresa seria se não houvesse reação. Porque as notas dos outros é que foram de uma agressividade inacreditável na convivência diplomática. A nota da Venezuela, por exemplo, é umas sete vezes mais longa que a nota de resposta. A do Brasil é enérgica, mas está dentro do formato diplomático tradicional. Não há nenhum juízo sobre o que está acontecendo na Venezuela ou Cuba, sobre como são as eleições nesses países. Nada que atente contra o princípio de não intervenção. Quem interveio no Brasil foram eles. Apenas respondemos a uma agressão.
BBC Brasil: O que esperar da diplomacia de Serra?
Ricupero: Uma diplomacia realista, pragmática e sóbria, comprometida com a ampliação de nossas exportações e atração de investimentos para ajudar o país a sair da crise. No momento o comércio exterior, o setor externo é um dos poucos setores da economia que está começando a apresentar bons resultados. É verdade que por razões negativas - as importações caíram muito. Mas há a expectativa de se ampliar as exportações, e, com isso, criar empregos no Brasil.
BBC Brasil: O atual governo não pode ter dificuldades para garantir sua legitimidade lá fora?
Ricupero: Não se pode dar muita importância a essas coisas. No começo, sempre há esse tipo de estranheza, porque obviamente aconteceu uma coisa (processo de impeachment) que não é trivial e é preciso explicar (isso lá fora). Mas o que tenho visto na imprensa internacional é uma descrição se não positiva, ao menos bem informada (do que está ocorrendo no Brasil). Os artigos que vi no New York Times, Financial Times, Economist, Le Monde refletem a complexidade do que está se passando.
No fundo, a reputação que este governo vai ter fora e dentro do Brasil dependerá de como ele vai enfrentar os problemas da economia e outras áreas. Ou seja, se vai acertar ou não. É um pouco aquilo que se diz em inglês "Nothing succeeds like success" (Nada tem mais sucesso do que o sucesso). Se o governo tiver êxito vai ser aplaudido. Se não tiver, vai ser muito criticado. Protesto na Venezuela: para alguns analistas, país estaria à beira de um colapso.
Temos no debate no exterior a mesma divisão que no Brasil. Há quem seja favorável e quem seja contra (o impeachment). Afinal, vivemos (com o impeachment) um dilema no sentido estrito, do dicionário: uma situação em que uma pessoa é obrigada a escolher entre duas alternativas ruins - tanto a continuação como a mudança (eram ruins). E aí foi preciso ver marginalmente qual oferecia uma esperança de melhora.
BBC Brasil: A crise política e econômica da Venezuela se aprofundou. Alguns analistas dizem que o país está à beira de um colapso. Como o Brasil deve se posicionar?
Ricupero: Quando era diplomata cuidei de Venezuela por muitos anos. Não sei qual a opinião do ministro (Serra) sobre isso, mas acredito que a gente deve se manter dentro do princípio de não intervenção. Sei que a situação está muito tensa e se agrava dia a dia, mas não vejo outra possibilidade. Os países têm de encontrar seus caminhos por seus próprios meios e os outros podem ajudar se forem solicitados. Os resultados que vimos no mundo de ações que violam esse principio de não ingerência - por exemplo, a invasão do Iraque, a derrubada do regime da Líbia - foram todos desastrosos, ainda que tenham vindo embrulhados nas melhores intenções.
BBC Brasil: Serra deu indicações de que deve apostar nas negociações de acordos bilaterais. As dificuldades econômicas não podem ser um empecilho para atrair o interesse de outros países? Quais os acordos mais prováveis?
Ricupero: Esses acordos já estão em andamento. Eu soube que (um acordo) com o Peru está praticamente concluído. Imagino que vai ser mais fácil com esses países que se mostram mais abertos, Peru, Chile, México, espero que a Colômbia também.No caso dos EUA, é possível que se encontre uma maneira de continuar o esforço que o (ex-)ministro Armando Monteiro estava fazendo para examinar todas as barreiras não-tarifárias. Com a União Europeia eu diria que vai ser prioridade máxima, porque em conjunto a UE é de longe o maior parceiro comercial do Brasil e a maior fonte de investimentos para o país. A China também deve receber atenção especial.
BBC Brasil: O Mercosul pode deixar de ser uma união aduaneira para virar área de livre comércio?
Ricupero: Não acho que isso seja uma decisão (do ministro), não está no discurso dele. Essa ideia de deixar a união aduaneira é complexa, precisaria ser analisada em todas as suas implicações. Há setores importantíssimos tanto no Brasil quanto na Argentina que teriam dificuldade se não houvesse a união aduaneira, como o automobilístico.

E o atual governo não precisa se preocupar com sua legitimidade no exterior. "No fundo, a reputação que este governo vai ter fora e dentro do Brasil dependerá de como ele enfrentar os problemas da economia e outras áreas. Ou seja, se vai acertar ou não", diz.
"É um pouco aquilo que se diz em inglês, 'Nothing succeeds like success' (Nada tem mais sucesso do que o sucesso). Se o governo tiver êxito vai ser aplaudido. Se não tiver, vai ser muito criticado."
Confira a entrevista que Ricupero concedeu à BBC Brasil, por telefone, da casa de uma de suas filhas, na França.
BBC Brasil: Serra prometeu "desideologizar" as relações exteriores, mas em seu primeiro discurso também falou na aproximação em países politicamente mais alinhados ao atual governo brasileiro, como Argentina e México. Isso não é uma contradição?
Rubens Ricupero: Não há contradição porque uma coisa é você apoiar uma ideologia clara, como era o bolivarianismo, com a qual o PT tem certa identidade. Outra muito diferente é reconhecer realisticamente que o Brasil precisa manter uma relação mais estreita com os dois grandes países latino-americanos que são comparáveis a nós em tamanho, economia e influência - o México, no norte, e a Argentina, no sul.

Isso não significa que haja menosprezo pelos outros. Os países (da Aliança) do Pacífico e mesmo Venezuela, Bolívia e Equador, todos são parceiros. Mas (ter como foco a Argentina) é uma atitude realista, da mesma forma que para a Franca a relação especial é com a Alemanha. Ninguém aqui imaginaria que essa é uma opção ideológica - é uma imposição da realidade.
Ideologia é postular uma relação especial com países distantes, com os quais temos pouco em comum até na vida econômica, como Cuba e Nicarágua, apenas porque eles fazem parte da aliança bolivariana.
BBC Brasil: Mas se a Argentina tivesse um governo kirchnerista a aposta não seria a mesma, seria?
Ricupero: Seria, porque, como disse, isso é uma imposição da própria vizinhança, da realidade. Agora, não há dúvida que facilita (a relação), como o ministro disse no discurso, o fato de Argentina e Brasil estarem sintonizados, passando por momentos semelhantes, com problemas graves de natureza econômica e com o mesmo tipo de transição. Também com novos governos que têm uma visão parecida sobre a necessidade de uma inserção internacional mais aberta. Isso facilita enormemente para que se comece a mudar o panorama do Mercosul.
Uma coisa é um Mercosul em que o Brasil quer negociar com outros países acordos de comércio e a Argentina faz corpo mole, como até poucos meses atrás. Outra é ter um parceiro que quer tanto quanto nós negociar ativamente com a União Europeia e outros países. Há uma atitude diferente.
México, Colômbia, Peru, Chile. Todos esses países querem se integrar no mundo, abrir-se ao comércio e ao investimento - mesma linha que o Brasil segue agora. Então é natural que você tenha mais afinidade com esses países.
Leia também: Maioria de brasileiros aprova entrada de refugiados no país, mas não na própria cidade ou casa, diz pesquisa
BBC Brasil: A diplomacia de Lula foi marcada por uma expansão do ativismo do Brasil lá fora e um aumento do número de embaixadas e consulados. Serra pediu que fosse calculado quanto custaria fechar algumas dessas representações. Fará uma diplomacia mais contida?
Ricupero: A diplomacia de Lula e do chanceler Celso Amorim refletiu um grande momento positivo vivido pelo Brasil, inclusive na economia. Havia um contexto mundial favorável, com crescimento acelerado da China e alto preço das commododities. Agora, a situação mudou muito. Essa redução do ativismo já foi perceptível no governo Dilma.
Todo país em fase de dificuldades orçamentárias costuma reavaliar sua rede de representações para tirar melhor proveito dos recursos. Os ingleses recentemente, com os conservadores no poder, fecharam alguns postos diplomáticos e remodelaram outros. A França também fez isso. É apenas um reflexo das dificuldades.
De que adianta ter um número enorme de embaixadas e não ter dinheiro para pagar aluguel, água ou telefone? Tenho colegas aqui no exterior que não conseguem pagar conta da internet, telefone. Eu mesmo quando fui embaixador em Washington durante o governo (Fernando) Collor tive de pagar as contas da embaixada do meu bolso pra evitar um corte.
É melhor que, nesses casos, haja uma atitude de bom senso de fazer com que os gastos correspondam aos meios. É isso que eu acho que vai ser feito, mas isso não significa diminuir o nível de atividade. Você pode conseguir a mesma coisa utilizando melhor os recursos.
BBC Brasil: A expansão de embaixadas foi um erro?
Ricupero: Talvez menos que erro. Foi um entusiasmo precipitado. Julgou-se que aquele período de bonança duraria para sempre. E não só na política externa. Havia essa atitude com relação a todos os gastos do governo. Por isso eles se expandiram tanto.
BBC Brasil: O tom das notas emitidas em resposta a governos como Cuba, Nicarágua e Venezuela (que condenaram o impeachment da presidente Dilma Rousseff) causou polêmica e dividiu o Itamaraty. Para alguns, elas seriam muito incisivas, políticas.
Ricupero: Não concordo. A surpresa seria se não houvesse reação. Porque as notas dos outros é que foram de uma agressividade inacreditável na convivência diplomática. A nota da Venezuela, por exemplo, é umas sete vezes mais longa que a nota de resposta. A do Brasil é enérgica, mas está dentro do formato diplomático tradicional. Não há nenhum juízo sobre o que está acontecendo na Venezuela ou Cuba, sobre como são as eleições nesses países. Nada que atente contra o princípio de não intervenção. Quem interveio no Brasil foram eles. Apenas respondemos a uma agressão.
BBC Brasil: O que esperar da diplomacia de Serra?
Ricupero: Uma diplomacia realista, pragmática e sóbria, comprometida com a ampliação de nossas exportações e atração de investimentos para ajudar o país a sair da crise. No momento o comércio exterior, o setor externo é um dos poucos setores da economia que está começando a apresentar bons resultados. É verdade que por razões negativas - as importações caíram muito. Mas há a expectativa de se ampliar as exportações, e, com isso, criar empregos no Brasil.
BBC Brasil: O atual governo não pode ter dificuldades para garantir sua legitimidade lá fora?
Ricupero: Não se pode dar muita importância a essas coisas. No começo, sempre há esse tipo de estranheza, porque obviamente aconteceu uma coisa (processo de impeachment) que não é trivial e é preciso explicar (isso lá fora). Mas o que tenho visto na imprensa internacional é uma descrição se não positiva, ao menos bem informada (do que está ocorrendo no Brasil). Os artigos que vi no New York Times, Financial Times, Economist, Le Monde refletem a complexidade do que está se passando.
No fundo, a reputação que este governo vai ter fora e dentro do Brasil dependerá de como ele vai enfrentar os problemas da economia e outras áreas. Ou seja, se vai acertar ou não. É um pouco aquilo que se diz em inglês "Nothing succeeds like success" (Nada tem mais sucesso do que o sucesso). Se o governo tiver êxito vai ser aplaudido. Se não tiver, vai ser muito criticado. Protesto na Venezuela: para alguns analistas, país estaria à beira de um colapso.
Temos no debate no exterior a mesma divisão que no Brasil. Há quem seja favorável e quem seja contra (o impeachment). Afinal, vivemos (com o impeachment) um dilema no sentido estrito, do dicionário: uma situação em que uma pessoa é obrigada a escolher entre duas alternativas ruins - tanto a continuação como a mudança (eram ruins). E aí foi preciso ver marginalmente qual oferecia uma esperança de melhora.
BBC Brasil: A crise política e econômica da Venezuela se aprofundou. Alguns analistas dizem que o país está à beira de um colapso. Como o Brasil deve se posicionar?
Ricupero: Quando era diplomata cuidei de Venezuela por muitos anos. Não sei qual a opinião do ministro (Serra) sobre isso, mas acredito que a gente deve se manter dentro do princípio de não intervenção. Sei que a situação está muito tensa e se agrava dia a dia, mas não vejo outra possibilidade. Os países têm de encontrar seus caminhos por seus próprios meios e os outros podem ajudar se forem solicitados. Os resultados que vimos no mundo de ações que violam esse principio de não ingerência - por exemplo, a invasão do Iraque, a derrubada do regime da Líbia - foram todos desastrosos, ainda que tenham vindo embrulhados nas melhores intenções.
BBC Brasil: Serra deu indicações de que deve apostar nas negociações de acordos bilaterais. As dificuldades econômicas não podem ser um empecilho para atrair o interesse de outros países? Quais os acordos mais prováveis?
Ricupero: Esses acordos já estão em andamento. Eu soube que (um acordo) com o Peru está praticamente concluído. Imagino que vai ser mais fácil com esses países que se mostram mais abertos, Peru, Chile, México, espero que a Colômbia também.No caso dos EUA, é possível que se encontre uma maneira de continuar o esforço que o (ex-)ministro Armando Monteiro estava fazendo para examinar todas as barreiras não-tarifárias. Com a União Europeia eu diria que vai ser prioridade máxima, porque em conjunto a UE é de longe o maior parceiro comercial do Brasil e a maior fonte de investimentos para o país. A China também deve receber atenção especial.
BBC Brasil: O Mercosul pode deixar de ser uma união aduaneira para virar área de livre comércio?
Ricupero: Não acho que isso seja uma decisão (do ministro), não está no discurso dele. Essa ideia de deixar a união aduaneira é complexa, precisaria ser analisada em todas as suas implicações. Há setores importantíssimos tanto no Brasil quanto na Argentina que teriam dificuldade se não houvesse a união aduaneira, como o automobilístico.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Ricupero defende preservacao de politicas sociais num novo governo, post-PT - Entrevista

O problema com esse tipo de preocupação, aparentemente necessária do ponto de vista social, é que o Brasil está consolidando um exército de assistidos e expectativas crescentes nas supostas bondades estatais que condenam o país ao baixo crescimento, e a população a uma postura típica de tutelados pelo Estado.
Não creio que existem neoliberais no Brasil, e mesmo que existissem, nenhum neoliberal conseguiria aplicar uma política neoliberal verdadeira no país. Não teria condições de sequer ser concebida, pois a patrulha ideológica, o Congresso mentalmente retartado e outras forças políticas se encarregariam de inviabilizar qualquer política nesse sentido.
Em qualquer hipótese, considero este alerta do ex-ministro uma restrição ideológica, pois parte de um slogan falso, "neoliberal", para condenar eventuais políticas de corte liberal.
Paulo Roberto de Almeida

Eventual governo Temer não pode ter neoliberal na Fazenda, diz ex-ministro
MARIANA CARNEIRO
FOLHA DE SÃO PAULO, 29/03/2016

Em 3 de setembro de 1994, uma conversa informal do então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, vazou aos telespectadores que tinham parabólicas. À espera de entrar no ar num telejornal, Ricupero soltou a frase: "O ruim a gente esconde, o bom a gente fatura".

Era início do Plano Real, que entrara em vigor em julho daquele ano. Cada palavra poderia pôr em risco o ambicioso programa, e Ricupero perdeu o cargo.

Hoje, 21 anos após o episódio, Ricupero diz que falou "bobagens", mas incomparáveis às conversas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vieram a público com a divulgação das escutas telefônicas da Lava Jato.

O ex-ministro afirma ainda que só a garantia dos direitos sociais à camada mais pobre da população será capaz de dar a um eventual governo de Michel Temer a calma necessária para uma retomada da economia.



Folha - O sr. foi afastado do cargo devido à revelação de uma conversa em que dizia "o ruim a gente esconde".

Rubens Ricupero - Meu caso é até parecido, porque eu não estava dando uma entrevista, eu estava conversando de maneira distendida, não sabia que a câmera estava ligada. E eu disse muitas bobagens pelas quais eu assumi a responsabilidade e me desculpei. Foi um erro grande e imediatamente telefonei ao Itamar [Franco] e pedi que fosse exonerado. Mas, comparado a isso, parece coisa de jardim de infância.
O que se revela nas conversas [de Lula] são ações ilegais, de obstrução da Justiça e, em alguns casos, crimes capitulados no Código Penal. Em um país mais "normal", a esta altura, o governo já teria caído.
As pessoas que foram capturadas nessas gravações são os que foram mais duros e cruéis comigo e com minha família naquele momento.

Na sua opinião, qual deverá ser o desfecho?

Vejo dois aspectos, um de curto prazo e outro mais estrutural, de longo prazo. O de curto é o que acontecerá com Dilma, Lula e o atual governo. Isso provavelmente vai se resolver entre agora e fins de maio, seja pelo impeachment, seja pela investigação no tribunal eleitoral.

Porém, mesmo que haja o impeachment e um novo governo se instale, há um segundo tempo. Não se resolverá o problema real, que é o sistema político brasileiro, o conjunto de regras que organizam os partidos, as eleições e o sistema de campanhas e votação. Por esse sistema, o poder se conquista e se mantém por eleições cada vez mais caras.

Qualquer pessoa que se sentar na cadeira de Dilma vai ter que lidar com dezenas de partidos no Congresso e criar uma base aliada. Com esse sistema fragmentado, nenhum partido é inocente. Há apenas gradações de inocência. Alguns são mais corrompidos do que outros.

Isso vale para o PSDB também?

Vale para todos, a não ser que haja um partido que se financie sem recursos do governo, da economia privada ou de lobistas. Mas isso não quer dizer que sejam todos sejam igualmente culpados.

Eu fui ministro duas vezes do presidente Itamar Franco (PMDB) e ele jamais fez esse tipo de política com o Congresso. É claro, ele era político e era capaz de distribuir cargos de acordo com a necessidade de constituir uma base. Mas ele não usava o poder público para obter recursos financeiros.

Para curar isso, seria necessária uma reforma do sistema eleitoral e de partidos, reduzindo o número de partidos e proibindo a reeleição.

O impeachment pode cessar a crise política e econômica?

Está cada vez mais claro que o impeachment é inevitável, embora não seja a solução que eu prefira. Eu preferiria uma solução que nascesse de eleições diretas. Mas, se de fato a decisão de [rompimento] do PMDB for tomada, é difícil imaginar que seja possível deter a marcha.

Ainda que ocorresse a manutenção deste governo, a situação econômica seria cada vez mais insuportável. A frustração com o impeachment levaria a um agravamento rápido das variáveis financeiras, o dólar subiria.
Mas o impeachment não elimina as incertezas. Suprime uma variável, que é ligada à permanência ou não de Dilma no poder. Mas as outras incertezas, relacionadas à investigação, não desaparecem.

E as incertezas econômicas?

Mesmo que ocorra um impeachment, que não é a solução desejável, pode haver condições para o início de uma recuperação econômica. O grande problema hoje é de credibilidade e se Michel Temer assume com algumas precondições básicas... O governo tem que deixar claro, desde o primeiro momento, que os pobres e vulneráveis, os mais dependentes de ajuda, não serão prejudicados.

Não se pode, por exemplo, escolher um ministro da Fazenda que seja totalmente insensível em matéria social e política. Não pode ter o perfil neoliberal clássico; tem que ser alguém que diga que as conquistas [sociais] serão preservadas. Neste momento, a variante social é muito importante e acredito que um político como o Temer deve compreender isso.

Há semelhanças entre agora e quando Itamar assumiu?

Quando Collor caiu, havia unanimidade contra ele. As manifestações em favor de Dilma e de Lula foram impressionantes, notáveis. Por isso, insisto nesses valores, que de fato têm consistência, que são os valores da inclusão social. Não se deve permitir que a mudança que se processa sacrifique esses valores. Não atentar contra os direitos dos mais vulneráveis é fator fundamental para criar situação de calma e de recuperação econômica.

Se isso for feito, ele [Temer] terá condições razoáveis de, em dois anos, reconstruir as coisas até que um novo presidente seja eleito.

sábado, 19 de dezembro de 2015

Rubens Ricupero: um depoimento para a Historia - Monica Gugliano (Valor)



Valor Econômico, 18 dezembro 2015
A agonia da crise final
Por Monica Gugliano | Para o Valor, de São Paulo

Amanhã clara e ensolarada dera lugar a um início de tarde cinzento. Pesadas nuvens carregavam o céu em Higienópolis, bairro de classe média alta em São Paulo. A rua do prédio de Rubens Ricupero, 78 anos, é razoavelmente tranquila, muito arborizada. No sexto andar, ele que aguarda em frente da porta aberta do apartamento abre um sorriso e estende a mão para cumprimentar a repórter.
O almoço foi marcado no apartamento do ex-ministro da Fazenda depois de ele apresentar dois argumentos praticamente irrefutáveis: em restaurante algum de São Paulo se come tão bem quanto ali e a conversa não será atrapalhada por pessoas acima do tom em outras mesas. "Morei muitos anos, quase dez, em Genebra. Lá era tudo tão tranquilo, as pessoas tão silenciosas que, quando voltei para o Brasil, achei que não me acostumaria a morar em São Paulo e teria que arrumar um lugar no interior", diz.
Os tempos na Europa não são mais tão silenciosos como quando Ricupero vivia lá. Depois que 137 pessoas foram mortas e mais de 350 feridas por integrantes do Estado Islâmico (Isis), no mês passado, a França está em guerra contra o terror. E o diplomata está bastante apreensivo - também por questões pessoais. Três filhas suas moram no exterior. Uma em Genebra e duas na França, uma delas em Paris, palco dos atentados. "No documento do Isis, estava prevista mais uma ação no XVIIIe. 'arrondissement', onde fica Montmartre. Minha filha mora ali, bem próximo ao local onde foi deixado um dos carros dos terroristas. Fiquei muito impressionado com isso. É um cenário de horror que me toca muito de perto." Seu filho caçula vive na capital paulista e é professor de ciência política na Universidade de São Paulo (USP).
O terrorismo que atinge de perto a família Ricupero, entre outras consequências, comprometeu o acordo de Schengen, um dos pilares da União Europeia que permitiram a abertura das fronteiras e a livre circulação de pessoas entre os países signatários. Cercas de arame farpado são erguidas, impedindo a entrada dos imigrantes que fogem dos absurdos da guerra na Síria, no Líbano e no Iraque. Os postos fronteiriços são vigiados com rigor. Controles de entrada e saída se tornaram implacáveis com todos os cidadãos, sem distinção. "Esse problema não tem nenhuma saída à vista, nenhuma solução fácil. E começa a afetar a globalização."
Ricupero observa que a força básica que impulsiona a globalização, seguindo o conceito de que ela significa a unificação do planeta para todos os tipos de intercâmbio, é a revolução tecnológica. Um paradoxo. Afinal, é também a internet que amplifica o poder dos terroristas, permite o recrutamento de novos seguidores mundo afora e divulga as bárbaras execuções que eles cometem em nome da religião. "É um fenômeno curioso. A globalização significava eliminar fronteiras, inclusive com o poder da internet. As fronteiras da União Europeia estavam acabando, os muros caíram. Agora, eles voltam. É um retrocesso para a civilização que terá um profundo impacto no comércio e na economia mundiais", afirma.
 Ricupero: "As fronteiras da União Europeia estavam acabando, os muros caíram. Agora, eles voltam"

Os países na América Latina ainda não estão na mira do terror, mas os reflexos chegam ao continente, que contava com novos investimentos, incremento nas relações comerciais que pudessem atrair investimentos e financiamentos. "Aí é que o que acontece no mundo hoje é uma ameaça para nós. A reunião do G-20, antes desse ataque, ia ser basicamente dedicada à discussão de como enfrentar essa tendência dos países emergentes que não estão crescendo, como reativar a economia mundial. Esse tema sumiu do mapa", afirma o ex-embaixador, com a autoridade de quem conhece em profundidade o comércio internacional. De 1995 a 2004, Ricupero cumpriu dois mandatos de secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
A entrevista é interrompida por alguns minutos, quando chega Marisa, a mulher do diplomata. No apartamento de amplas varandas, a sala é dividida em três ambientes, com móveis confortáveis e decorada com objetos de arte e recordações trazidas de outros países. Ele e Marisa moraram em Buenos Aires, Quito, Viena, Roma, Washington e Genebra. É ela quem prepara o almoço e, enquanto não fica pronto, oferece suco de tomate, água, castanhas e palitinhos de cenoura. Logo depois, se acomoda em um dos sofás e conta que os dois se conheceram muito jovens. Estavam noivos em 1960, quando Brasília foi inaugurada e chegavam os primeiros moradores. O Itamaraty, como quase todos os órgãos federais, ainda funcionava no Rio, então capital federal.
Convencer os servidores públicos federais a deixar a vida de luz, sol e mar para embrenhar-se naquela terra vermelha e árida, em meio aos redemoinhos de vento e poeira, era bastante difícil. Os pioneiros voluntários que concordavam em encarar aquele lugar inóspito eram recompensados. "Recebíamos a dobradinha", recorda-se Marisa, explicando que esse era o nome dado ao pagamento do salário em dobro, além de uma gratificação.
Outro atrativo eram as moradias. Os apartamentos, vendidos quase a preço de banana e em prestações a perder de vista, tinham três quartos grandes, sala espaçosa. Eram muito diferentes das habitações apertadas e caras no Rio. E ainda havia um ponto que faria toda a diferença na carreira de um jovem diplomata. "O grupo do Itamaraty era muito pequeno. Eu tinha acesso a pessoas com as quais jamais falaria se estivesse no Rio. Cheguei a despachar com Jango [o presidente João Goulart] e com Tancredo Neves [primeiro-ministro no curto período parlamentarista brasileiro]. É claro que gostei. Sentia que estava acompanhando a história de perto", diz o ex-embaixador. Marisa vai até a cozinha e volta com o convite: "Já está tudo pronto. Querem almoçar?"
[O terrorismo religioso] é um retrocesso para a civilização que terá um profundo impacto no comércio e na economia mundiais
Ricupero está no meio de uma boa história e segue a narrativa. "Você sabe que conheci o Che Guevara quando ele veio ao Brasil para ser condecorado pelo presidente Jânio Quadros, em 1961? Fui designado para acompanhá-lo e conversamos muito. Fiquei surpreso. Imaginava ele uma figura feroz, um homem belicoso. Afinal, era um líder guerrilheiro. Natural que, em gestos e palavras, mostrasse estar habituado ao combate. Nada disso. Che era muito suave. Era um homem que tinha gravidade. Mas muito afável. Vai ver que, por isso, dizia aquela frase: 'Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás'."
O diplomata cita a frase mais famosa do argentino Ernesto Guevara, o Che, revolucionário que, ao lado de Fidel Castro, derrubou o regime de Fulgencio Batista, em Cuba, e pavimentou o caminho para a efetivação do longevo regime comunista.
"Vamos almoçar?", repete Marisa, dessa vez já encaminhando todos à mesa. Ela pergunta onde cada um gostaria de sentar-se. "Marisa é a chefe do cerimonial", brinca o ex-embaixador. "No Itamaraty, normalmente, marido e mulher nunca ficam um ao lado do outro. Supõe-se que eles já se falam muito todos os dias. Nas ocasiões sociais é preciso variar." O cerimonial fica para outra ocasião e nos sentamos da forma mais prática. Entrevistado e repórter frente à frente.
O cardápio, a elaboração dos pratos e a escolha do vinho - um branco chileno Tarapacá - ficaram por conta de Marisa. Ela serve a bebida e a entrada: "vichyssoise", clássica sopa fria francesa, à base de alho-poró, batatas, creme de leite e manteiga. "A minha é uma versão light. Pouca manteiga, pouco creme", esclarece, tranquilizando jornalista e fotógrafa.
Diretor do curso de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Ricupero toma a sopa e retoma o assunto do terrorismo, uma de suas grandes preocupações atuais. Em 2009, há seis anos, escreveu um artigo - quase profético - com o título "A islamização da agenda internacional". Ele chamava de "arco de crises" a curva de violência e conflitos que passava pelo Líbano, a Faixa de Gaza, Israel e Síria, chegando ao centro e norte da África. Ressalvadas as especificidades próprias de cada um desses conflitos, ele mostrava no texto que todos tinham em comum o fato de opor ocidentais (os americanos e seus aliados na Otan) a uma variedade de movimentos e facções muçulmanas. "Os americanos têm uma responsabilidade grande nisso. Eles militarizaram o conflito. O Iraque tinha todos os problemas, menos o terror. A guerra no Afeganistão não terminou até hoje", observa.
Com a ajuda da empregada, Marisa retira as delicadas tigelas de sopa, de porcelana comprada em Praga. Alguns minutos depois, serve o prato principal: atum com alho assado, cebolas caramelizadas e brócolis. "Falei que o restaurante da Marisa é bem sofisticado, mereceria uma estrela", elogia Ricupero. "Eu e você vamos dividir um pedaço do atum", afirma ela, servindo o prato do marido. Ele concorda.
"Marisa é mais requintada", observa o ex-ministro, educado em uma casa de mãe napolitana. "Estou acostumado com a comida do sul da Itália. Muito molho de tomate, berinjela. Ela é do Norte, está acostumada às combinações mais sofisticadas."
A família de Marisa é da região de Trento, que só passou definitivamente para o domínio italiano depois da Primeira Guerra. A culinária local é fortemente influenciada pela França, Áustria e Hungria, e as receitas mais refinadas, se comparadas às do sul do país, usam creme de leite, bastante manteiga e bastante condimento. Da região de origem da família Ricupero vêm os italianos mais expansivos e comunicativos e os pratos têm influência mediterrânea.
O papo atravessa o oceano e chega ao Brasil. Ricupero comandou a economia do país em um dos momentos mais delicados da história recente. No início da década de 90, então embaixador em Washington, ele era o nome do presidente Itamar Franco (1930-2011) para conduzir a economia. O mineiro Itamar, que sucedeu Fernando Collor, afastado da Presidência por um processo de impeachment, gostava das ideias de Ricupero. Comungava da preocupação que o diplomata manifestava sobre a inclusão social e o crescimento econômico. Ricupero agradeceu, mas preferiu ficar no exterior.
Em 1994, Fernando Henrique Cardoso - que era o ministro da Fazenda - saiu do governo para disputar a sucessão presidencial. Ricupero não rejeitou o segundo convite. Itamar o chamava de "sacerdote". Não apenas pela dedicação sacerdotal que Ricupero dedicou ao Plano Real. O diplomata é - assim como era Itamar - devoto de Santa Terezinha e um homem de profundas convicções religiosas.
A grande ameaça ao ser humano não é o fundamentalismo islâmico, mas o aquecimento global. As pessoas não percebem
No Ministério da Fazenda, conheceu a glória do êxito do Plano Real, mas, também, o amargor de um deslize que o obrigou a deixar o cargo. Em uma conversa, antes de começar uma entrevista para a Rede Globo, comentou: "O que é bom a gente mostra. O que não, a gente esconde". O áudio, como se diz no jargão da TV, "vazou" na transmissão pela antena parabólica e a frase virou arma da campanha do petista Luiz Inácio Lula da Silva - àquela altura em desvantagem nas pesquisas de intenção de voto - contra Fernando Henrique. Poucas horas depois da transmissão, Ricupero disse a Itamar que não teria mais condições de ficar no posto.
A contragosto, o presidente aceitou. "Eu estava cansado, dava muitas entrevistas. Fiz um comentário. Não sei se foi um momento de vaidade. Penitencio-me até hoje", justifica o ex-ministro.
Os pratos já estão limpos. Que melhor elogio pode ser dado a um chef? Marisa também serve a sobremesa: creme de abacate e frutas. E Ricupero volta a falar sobre a crise brasileira. Em sua opinião, a presidente Dilma Rousseff deveria renunciar. Pouparia, assim, o desgaste e os prejuízos econômicos e institucionais que se abatem sobre o país. E critica, também, aqueles que veem o país submergir, mas elogiam o bom funcionamento das instituições.
"É até contraditório dizer que o Brasil está mergulhado em uma profunda crise política, moral e de corrupção e que tem instituições fortes. Se o Brasil tivesse instituições fortes, elas teriam impedido que isso ocorresse. As crises ocorrem nas instituições."
Quase três horas depois de começar este "À Mesa com o Valor", desabafa: "Os grandes ciclos econômicos, políticos e sociais da história do Brasil têm um desdobramento parecido. São ciclos longos. O segundo mandato de Dilma, para mim, é a agonia da crise final. Só não creio que o desenlace seja militar. Vamos ter a agonia final desse sistema. Vai acontecer aquela definição que [Antonio] Gramsci [1891-1937] dava à crise: o velho não acaba de morrer e o novo não consegue nascer. Nesse interregno, todo tipo de sintoma mórbido sobe à superfície."
Marisa avisa que serviu o café na sala de estar. Voltamos ao sofá. Ricupero não está nada otimista em relação ao futuro. A crise no Brasil, pondera, terá um tempo curto e um tempo longo. A curto prazo será preciso esperar para saber o que vai ocorrer com a presidente Dilma. "Temos que ver se ela conseguirá deter essa deterioração da economia. No momento parece difícil, pouco provável que esse governo tenha condições de recuperar uma ação mais efetiva. A situação é mais complexa e difícil do que se diz. Falam que é sobretudo falta de confiança. Recuperada a confiança, os investimentos retornariam. Se fosse só confiança, seria uma questão política e econômica, apenas."
No entanto, em sua opinião, muitos dos problemas do Brasil estão inseridos na economia mundial. "A análise e a discussão econômica no Brasil são muito monótonas, dominadas pelos problemas locais e superficiais", critica. A discussão ignorada no país diz respeito aos rumos da globalização. Teria esse processo atingindo seu pico e entraria em declínio? "Muitos pensam que o pico da globalização econômica foi atingido antes da crise. Para alguns é uma tendência passageira por causa da crise, para outros não."
Nos Estados Unidos, esse debate conta com vozes como a do ex-secretário do Tesouro do governo de Bill Clinton e economista Lawrence Summers, que, no ano passado, relançou o tema da "estagnação secular" - expressão que designa longos períodos de baixo crescimento mundial.
 "Muitos comparam a crise financeira de 2008 à de 1929. A do século passado foi muito pior", diz

As opiniões estão divididas entre analistas que dão ênfase à perda de influência relativa da economia americana no contexto global e os que encontram semelhança no momento atual com as crises de emergentes nos anos 90. Os historiadores econômicos, por exemplo, já assinalam que essas taxas de crescimento de 3, 4, 5% per capita nos países ricos são fenômenos raríssimos na história da economia. O normal, diz o ex-embaixador, não é crescer muito, mas crescer pouco. No passado, porque a própria demografia não aumentava, controlada pelas epidemias, fomes, recursos limitados. Hoje, a estagnação secular se aplica ao fato de que os três grandes motores da economia capitalista avançada, Estados Unidos, a Europa em conjunto e o Japão, estão com muita dificuldade para voltar a crescer.
"Muitos comparam a crise financeira de 2008 à de 1929. A do século passado foi muito pior. Naquela época, o erro foi fechar o crédito. Agora foi o contrário. O ser humano aprende algumas lições. O que não quer dizer que não haja novos problemas. O homem é um ser problemático por natureza", observa.
A Revolução Industrial resolveu o problema da escassez de bens, mas, na opinião de Ricupero, criou um novo problema: o aquecimento global. "Considero que a grande ameaça ao ser humano não é o fundamentalismo islâmico, mas o aquecimento global", avalia. "As pessoas não percebem. A grande diferença com a ameaça da destruição dos terroristas é que a deles é já, é imediata, está aí à nossa frente. A do aquecimento vai se concretizar só dentro de 30 anos. Parece tanto tempo que muitos acreditam que até lá vamos inventar alguma coisa."
Nem tudo é desesperança sobre o amanhã. Ricupero vê com entusiasmo o acordo global para frear as emissões de gases do efeito estufa e para lidar com os impactos da mudança climática assinado na conferência do clima da ONU (a CoP-21), encerrada no sábado, em Paris. "Foi muito acima do que eu imaginava. Pela primeira vez Estados Unidos e China fizeram um movimento expressivo no sentido de combater as mudanças climáticas", avalia o ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, entre 1993 e 1994. Ele comemora também a positiva sinalização sobre o fim dos combustíveis fósseis. "Isso põe um grande ponto de interrogação no pré-sal e deixa claro que se perdeu tempo com a euforia. É provável que esse petróleo nunca venha a sair do fundo do mar. Não digo que não terá nenhuma importância. Mas a corrupção na Petrobras, o preço do petróleo cada vez menor e a mudança de postura nas questões climáticas vão empalidecer o que se esperava do pré sal."
O ex-embaixador está escrevendo um livro em que trata do papel que a diplomacia teve não só em explicar a formação do Brasil e como se tornou independente, mas, também, como ajudou a plasmar os valores brasileiros e a ideia que o povo faz de si mesmo.
A conversa poderia prosseguir o resto da tarde - e já dura mais de três horas. Mas quando fala da globalização por meio da tecnologia, Ricupero não usa figura de retórica. A campainha toca: é o professor que o ensina os segredos dos computadores. A aula tem de começar.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Ricupero: o governo parece repetir-se, e nada mudou no Titanic (FSP)

Artigo do Embaixador Rubens Ricupero, nesta segunda-feira, 10/11/2014, na Folha de São Paulo:      

Um conselho a Tancredo
Rubens Ricupero
Folha de S.Paulo, 10/11/2014

Dilma parece não ver a importância de uma boa gestão econômica e deve repetir erros do passado

"Escolha um bom ministro da Economia e 80% de seus problemas estarão resolvidos."

Foi com esse conselho que o então primeiro-ministro Felipe González respondeu à pergunta de Tancredo Neves sobre o segredo do êxito do governo espanhol. Na viagem de janeiro de 1985, antes da posse que nunca haveria, o presidente eleito fizera uma escala não prevista em Madri. Aécio Neves estava com ele e deve ter ouvido o conselho.

Se a presidente Dilma recebeu conselho igual, não parece ter pressa de segui-lo. Ou pensa que não tem a menor importância.

Afinal, seja qual for o nome escolhido, é provável que o verdadeiro ministro continue a se chamar Dilma Rousseff. Quem leu as longas entrevistas publicadas na sexta (7) só pode tirar uma conclusão: são entrevistas de ministro da Fazenda.

O que sobra para o ansiado ministro, rearranjar os móveis no tombadilho do Titanic? Não há nada nas declarações à imprensa nem nas vivas reações sarcásticas às interpelações críticas dos jornalistas que indique mudança de temperamento, atitude ou orientação.

Engana-se ou ilude-se quem quiser ou enquanto puder.

Com efeito, a única surpresa nas entrevistas fica por conta da indefinição quanto aos cortes de gastos: "Vamos [...] ver o que dá para reduzir". Ou sobre a meta de superavit primário: "Ainda estamos fazendo estudos (para saber) o que vai ser".

Seria de imaginar que quatro anos no governo é tempo mais que suficiente para saber onde cortar ou qual é o superavit possível.

O resto dá a impressão de que a campanha não terminou. Nada há de errado com a economia, não existe queda de confiança dos empresários, a criação de emprego não está caindo, reduzir o número de ministérios é "lorota", da mesma forma que mudar a meta de inflação.

Nossos problemas vêm ou da deflação lá fora ou da seca aqui dentro. Não há tarifas represadas nem dificuldades no setor elétrico. Tampouco é verdade que alguns países latino-americanos crescem mais que nós.

Trata-se de demonstração de obstinada negação da realidade. É perfeita a continuidade com o que temos visto ao longo dos quatro anos ou na propaganda de campanha. Nesse sentido, as entrevistas são de uma coerência admirável. Ou talvez se devesse dizer assustadora.

O que não se consegue vislumbrar é onde está a mudança.

Cada vez parece mais claro que o governo não venceu, apenas repetiu de ano. Ou melhor, passou com nota raspando. Passou com um cacho interminável de dependências. Sua nota não deu para passar em inúmeras disciplinas: crescimento, inflação, superávit primário do Orçamento, dívida pública e líquida, saldo comercial, deficit em conta corrente, crise da indústria, taxa de investimento, taxa de poupança etc.

Na eleição de Lula em 2002 houve pânico pelo desconhecido. Seria o caso hoje de passar a ter medo do demasiado conhecido?

Ou existe alguma razão escondida para crer que o governo-aluno repetente, que não fez a lição de casa, que colou na prova de superavit primário com truques contábeis, agora que os professores são mais severos e as matérias mais difíceis, vai se tornar o primeiro da classe?

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Politica Externa Companheira: a destruicao do Itamaraty - Rubens Ricupero

Destruição sem retorno
Rubens Ricupero
Folha de S. Paulo, 13/10/2014

É terra arrasada: degradação atinge Petrobras, Correios, Ipea, IBGE, Embrapa... Fora o Itamaraty, que definha

A degradação da Petrobras, da Eletrobras e do BNDES nada tem em comum com a "destruição criativa" de Schumpeter. É pura terra arrasada, demolição sem criação. Custa a crer que um governo com pretensão de herdeiro de Getúlio se encarregue de dilapidar os três mais importantes legados institucionais do segundo governo Vargas.
A sanha exterminadora está longe de se deter nos três. Sofrem do mesmo efeito desagregador instituições como o Ipea, o Tesouro, até o IBGE, fundado no primeiro governo Vargas, afetado por escassez de recursos e divisões internas. Problemas similares comprometem a Embrapa e a vigilância sanitária do Ministério da Agricultura, setores vitais para manter a vantagem comparativa brasileira na exportação.
A lista poderia ser ampliada com os Correios, entre outros, mas esses exemplos bastam para mostrar que o fenômeno é generalizado. As causas é que não são as mesmas. Onde existe muito dinheiro, na Petrobras ou no Ministério do Transporte, a fartura de queijo é que atrai os ratos.
Às vezes, o problema se origina no aparelhamento partidário, na incompetência de indicados políticos e na intromissão excessiva como nas agências reguladoras, que nem chegaram a se consolidar.
O Itamaraty é caso à parte. Sem projetos e obras tentadoras, sem verba para pagar luz e água de embaixadas prematuramente criadas, o velho ministério definha na austera, apagada e vil tristeza da desmoralização programada pelo governo.
Três flagelos o devastaram ao mesmo tempo. O primeiro foi a expansão megalomaníaca de embaixadas sem meios de utilizá-las de modo produtivo. Criamos anos seguidos cem vagas de diplomata como se as vacas gordas fossem durar para sempre. Não surpreende agora que mais de trezentos jovens diplomatas se revoltem frustrados ao descobrir a falta de perspectivas que os aguarda.
O segundo golpe desmoralizador provém de presidente sem apreço pela diplomacia e pelos diplomatas, aos quais não perde ocasião de demonstrar seu desdém. Nem na fase caótica da proclamação da República tivemos chefe de Estado que deixasse mais de 20 embaixadores estrangeiros esperando para apresentar credenciais como se fossem rebanho de gado.
Cerca de 230 acordos internacionais dormem na Casa Civil aguardando a providência burocrática de decreto de promulgação ou mensagem de envio ao Congresso. Foi preciso a grita dos empresários para promulgar os acordos comerciais com o Chile e a Bolívia.
O erro original coube aos diplomatas da cúpula que decidiram pôr de lado o conselho de Rio Branco e promoveram a subordinação ao partido no poder de política externa que deveria estar a serviço da sociedade brasileira como um todo.
O Barão se recusou envolver nas paixões partidárias por saber que "seria discutido, atacado, diminuído [...] e não teria a força [...] que hoje tenho como ministro para dirigir as relações exteriores".
Ao desprezar a lição, os dirigentes do Itamaraty perderam "o concurso das animações de todos meus concidadãos". Perderam mais: a proteção e o respeito da sociedade, que os abandonou à sanha do partido que pretenderam servir.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Dialogo com terroristas? Disparate e irresponsabilidade - Rubens Ricupero


Dialogando com o carrasco 
Rubens Ricupero
Folha de S.Paulo, 29/09/2014
  
Se não sabemos ou podemos neutralizar os terroristas, deveríamos ter a decência de ficar calados

Misturar diplomacia com demagogia nunca dá certo. Pior é quando presidente em busca de reeleição submete a Assembleia Geral da ONU ao espetáculo da propaganda de baixo nível do nosso horário eleitoral obrigatório. Os diplomatas estrangeiros não podem fazer como o espectador no Brasil, que simplesmente desliga a TV ou passa a outro programa. Foram obrigados a aguentar impávidos os disparates que lhes impingiu o discurso brasileiro de inauguração da assembleia.
Disparate, diz o dicionário, é expressão destituída de razão e senso, algo de despropositado e fora da realidade. A definição se ajusta como luva à declaração de que o Brasil condena os bombardeios americanos aos degoladores do Estado Islâmico porque favorecemos o diálogo e os meios pacíficos.
Alguém deveria ter explicado à presidente que diálogo é excelente maneira de resolver conflitos desde que o outro lado concorde em ouvir e responder. Quando a resposta é a faca na carótida, não existe diálogo possível. Alguém imagina que as vítimas de Auschwitz poderiam ter dialogado com a Gestapo e os SS? Ou que os cambojanos e ruandeses massacrados deveriam ter mantido conversação polida com genocidas?
Por que será diferente com fanáticos e psicopatas que trucidam prisioneiros inermes e torturam todos os que não aderem ao Califado? Duas semanas atrás, a ofensiva do EI estava às portas de Bagdá e da capital do Curdistão. Se não tivessem sido detidos pelos ataques aéreos americanos, milhares de refugiados teriam tombado nas mãos dos piores assassinos que o mundo conheceu desde o Khmer Vermelho.
O que o Brasil propôs de prático e efetivo para evitar tal desenlace, além de banalidades piedosas e ineficazes como aconselhar o diálogo com degoladores? Se não sabemos ou podemos tomar iniciativa para neutralizar os terroristas, deveríamos ter ao menos a decência de ficar calados. Condenar os bombardeios, único recurso existente naquela hora para afastar a ameaça, equivale a condenar ao massacre civis desprotegidos.
Há um nome para esse tipo de atitude confortável e hipócrita: irresponsabilidade. Nada mais fácil do que o principismo de invocar o diálogo em situação na qual esse método obviamente se encontra fora da realidade. É o mesmo que lavar as mãos em relação à consequência trágica mais que provável de um conselho despropositado. A diplomacia não deve buscar o aplauso fácil. Tem de responder pelos resultados previsíveis do que propõe.
Isso na melhor das hipóteses, se o conselho foi dado com sinceridade e boa fé, embora desprovidas de discernimento. Se, ao contrário, a motivação é o antiamericanismo barato com o objetivo de angariar votos, é muito mais grave. Nesse caso, combina-se a irresponsabilidade com a provocação gratuita, sem contribuir em nada para minorar o sofrimento das vítimas ou fazer avançar a pacificação do conflito.
Em qualquer das situações, não é a receita para tornar o Brasil candidato irrecusável a membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, posição que se alcança apenas por meio de diplomacia responsável, a serviço da moderação e do equilíbrio.