Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
O Brasil ficou fora do principal canal de diálogo entre China e América Latina. A terceira reunião ministerial do Foro Celac-China, realizada virtualmente na última sexta-feira (03), teve a participação de todos os países latino-americanos, menos do Brasil. Em janeiro do ano passado, o governo brasileiro decidiu suspender a participação do país na Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), por incompatibilidade ideológica. Tendo em vista que as relações do Brasil com seu principal parceiro comercial não vivem seu melhor momento, a interação no formato multilateral poderia contribuir para uma aproximação e acelerar a solução de problemas bilaterais como o embargo da China à carne bovina brasileira, que já dura mais de três meses. Cabe ao Itamaraty explicar quais os benefícios de rejeitar o convite para a reunião. A reportagem é do jornal O Globo.
O que o Brasil ganha ao ficar fora do diálogo China-América Latina?
Por Marcelo Ninio 06/12/2021 • 14:27
O Brasil ficou fora do principal canal de diálogo entre China e América Latina, em mais um sinal de encolhimento da diplomacia do país em instâncias multilaterais. A terceira reunião ministerial do Foro Celac-China, realizada virtualmente na última sexta-feira, teve a participação de todos os países latino-americanos, com exceção do Brasil. Em janeiro do ano passado, o governo brasileiro anunciou a decisão de suspender a participação do país na Celac, por incompatibilidade ideológica. O então chanceler, Ernesto Araújo, alegou que a organização "dava palco a regimes não democráticos como Venezuela, Cuba e Nicarágua".
A Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) foi criada em 2010 durante o governo Lula num momento de ascensão de governos de esquerda na América Latina, com uma agenda de integração regional e desenvolvimento. Foi a primeira vez que um órgão de articulação política reuniu todos os 33 países da região, sem a presença dos Estados Unidos e do Canadá. Quatro anos depois, por iniciativa de Pequim, foi criado o Foro Celac-China. A virada para a direita na região enfraqueceu a Celac, mas o Brasil foi o único país que formalizou sua saída do grupo.
Além da renúncia ao papel de líder regional com a saída de uma das principais entidades políticas latino-americanas, a decisão teve um efeito colateral para Brasília. O país ficou sem voz no diálogo da China com a América Latina, que ocorre por intermédio da Celac. Mesmo fora da organização, o Brasil foi chamado a participar da reunião ministerial da última sexta, mas recusou o convite. Em resposta, o governo brasileiro afirmou que está disposto a explorar outros formatos de diálogo.
Para Pequim, no entanto, o formato existente parece satisfatório: o governo chinês deixou clara a importância que dá à Celac. Houve várias sinalizações nesse sentido. A mídia chinesa deu destaque à reunião ministerial, com várias menções nos jornais e nos noticiários da TV estatal. A participação chinesa foi aberta com um pronunciamento do presidente Xi Jinping, que classificou a Celac como a plataforma mais importante de cooperação da China com a América Latina.
Em um balanço da reunião de ministros, o representante especial da China para a região, Qiu Xiaoqi, disse que o encontro mostra que seu país demonstrou ser "um bom amigo da América Latina". Ele lembrou que a América Latina é o segundo destino de investimentos chineses, só atrás da Ásia. Durante a reunião de chanceleres, o ministro do Exterior chinês, Wang Yi, anunciou o estabelecimento de dois fundos no total de US$ 2 bilhões (R$ 11,38 bilhões) para a cooperação com a região, com ênfase na economia digital.
Questionado sobre a ausência do Brasil, Qiu foi diplomático, deixando a porta aberta para o retorno do país à Celac. Ex-embaixador em Brasília, português fluente, ele afirmou que "a China respeita a decisão do Brasil" e "espera sinceramente trabalhar com o país para ampliar a novas áreas a cooperação conjunta da China com a América Latina".
Para Maurício Santoro, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e um estudioso das relações entre Brasil e China, não é por acaso que Pequim tem olhado com atenção para a Celac e que considera a organização sua principal interlocutora no diálogo com a América Latina.
— É o único processo de integração da região que inclui todos os países latino-americanos e deixa de fora os Estados Unidos, em contraste, por exemplo, com a Organização de Estados Americanos (OEA), ou com processos sub-regionais como o Mercosul. Essa combinação torna a Celac muito atraente para os objetivos da China na região, seja levar adiante a Iniciativa do Cinturão e Rota (a chamada "nova rota da seda"), discutir cooperação em vacinas e outros temas, ou disputar o reconhecimento diplomático dos países da América Central. Ao que parece, Honduras será o próximo a romper com Taiwan.
Num momento em que as relações do Brasil com seu principal parceiro comercial não vivem o seu melhor momento, a interação no formato multilateral poderia contribuir para uma aproximação e acelerar a solução de problemas bilaterais como o embargo da China à carne bovina brasileira, que já dura mais de três meses. Enquanto há um prejuízo claro em ficar fora do diálogo regional com Pequim, cabe ao Itamaraty explicar quais os benefícios de rejeitar o convite para a reunião.
Além disso, o multilateralismo é um dos mantras da diplomacia chinesa, reforçado ainda mais como contraste à Presidência de Donald Trump nos EUA, quando o governo americano se retirou de vários tratados e organizações internacionais. Apesar do discurso apaziguador de Qiu em relação à ausência do Brasil na reunião Celac-China, o encolhimento da diplomacia brasileira nos últimos anos causa estranheza em Pequim.
Um exemplo é a recente conferência do clima em Glasgow, a COP 26, onde especialistas habituados a ver o Brasil como um dos países mais preparados e atuantes no assunto se surpreenderam com o papel secundário do país:
— O Brasil parecia invisível — disse Li Shuo, da organização Greenpeace em Pequim, um veterano de conferências climáticas.
Entrevistado com frequência por veículos de imprensa chineses, Maurício Santoro sentiu uma diferença de tom ao falar recentemente com a agência oficial Xinhua:
— Havia perguntas explicitamente críticas ao governo brasileiro, sobretudo pela não participação no fórum da Celac e pela pouca importância que Bolsonaro tem dado às organizações multilaterais. Essa perspectiva crítica por parte da Xinhua é algo raro. Em geral, as entrevistas que dei para a agência foram centradas em oportunidades de cooperação entre Brasil-China. Me pergunto se esse novo enfoque foi algo ocasional ou se sinaliza uma mudança da cobertura da mídia chinesa sobre o Brasil, depois de tantas tensões com Bolsonaro pela pandemia.
Em 2015, quando a China sediou a primeira reunião do Foro Celac-China, o presidente Xi Jinping recebeu os ministros latino-americanos para um banquete em grande estilo, entre eles o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, que havia tomado posse dias antes. Quem representou o Brasil na segunda reunião ministerial do grupo, realizada no Chile em 2018, foi o então secretário-geral do Itamaraty, Marcos Galvão, ainda sob o governo Temer. Ouvido na ocasião pela agência Reuters, ele disse que a Celac era "mais um caminho para o Brasil trabalhar com a China". Galvão agora terá a missão de desbloquear caminhos e abrir novos nas relações com a China. Já aprovado pelo Senado, ele assume em breve o posto de embaixador do Brasil em Pequim.
Conselheiro e amigo do novo ministro das
Relações Exteriores, o diplomata fala de suas contribuições à nova
gestão da pasta e reflete sobre os caminhos da política externa
brasileira
TERESA PEROSA
27/05/2016 - 21h26 - Atualizado 28/05/2016 12h35
Revista Época
Depois do discurso de posse do novo ministro das Relações Exteriores, o senadorJosé Serra (PSDB), analistas apontaram para influência indelével do ex-ministro Rubens Ricupero nas entrelinhas das novas diretrizes da política externa anunciada na ocasião. Ele minimiza seu impacto nas mudanças no Itamaraty. “Não como se eu estivesse em Brasília ao lado do Serra”, diz. Ainda assim, dois homens fortes da gestão, Sérgio Danese, o novo embaixador em Buenos Aires, e Marcos Galvão,
recém-nomeado Secretário-geral do ministério, são indicação pessoal
sua. Ricupero foi ministro da Fazenda durante a gestão de Itamar Franco e
secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (Unctad) e hoje é professor da Fundação Armando Álvares
Penteado (FAAP) em São Paulo. Em entrevista à ÉPOCA, Ricupero fala sobre
os primeiros dez dias de Serra a frente do Itamaraty e sobre a
necessidade de cautela na reavaliação do Mercosul. >> Como fica o Itamaraty com José Serra ministro das Relações Exteriores? ÉPOCA – O senhor é apontado como uma das inspirações e grandes
conselheiros do ministro José Serra. O senhor foi consultado por ele?
Rubens Ricupero – Sou amigo dele há muitos anos. Eu conheço
Serra há 30 anos, embora eu seja mais velho do que ele. Nós somos mais
ou menos da mesma origem: eu nasci no Brás, ele nasceu na Mooca. Tenho
uma ligação com ele que não tenho com nenhum outro político. Quando ele
começou a ser convidado para esse cargo, conversou comigo, conversou com
(o diplomata e ex-ministro) Sérgio Amaral, e com muita gente, Fernando
Henrique também, porque ele ainda estava em dúvida. Tanto Sérgio Amaral
como eu procuramos encorajá-lo. Para nós, o Itamaraty precisava muito de
um ministro politicamente forte. O ministério vem de um período
terrível, com três ministros que eram diplomatas, de boa qualidade.
Conheço e aprecio todos eles, mas eles não tinham força política. Nem
com a presidente (Dilma Rousseff), nem com o Ministério do Planejamento.
O Itamaraty ficou muito enfraquecido com isso. O problema não é ser ou
não diplomata. Por exemplo, o (ex-chanceler) Celso Amorim era diplomata e
foi um ministro forte muito ligado ao (presidente Luiz Inácio) Lula (da
Silva). Lula parecia gostar do assunto, foi um período positivo. Com
Dilma, o Itamaraty não só saiu daquele centro de decisões, como perdeu
muita coisa, perdeu recursos, ficou em uma situação aflitiva. Nós
achávamos que seria muito bom para o ministério ter um ministro como
ele, embora eu esteja fora do Itamaraty há 20 anos. Ajudei sugerindo
nomes, falei para ele com muita ênfase a necessidade de manter tanto
quanto possível a cúpula, a começar pelo Sérgio Danese, que foi meu
assistente. Tanto Danese quanto Marcos Galvão são quase como dois irmãos
mais jovens para mim, foram meus assistentes inclusive quando ensinei
história das relações diplomáticas do Brasil no Rio Branco. O primeiro
livro que eu fiz "Brasil no Mundo" foi todo organizado pelo Sérgio
Danese. Sérgio e Marcos são quase como se fossem da minha família. Serra
conhecia ambos. Evidentemente, a minha recomendação, que foi apoiada
pelo Sérgio Amaral, ajudou ele a se orientar. Também procurei ajudar em
matéria de conversar com ele sobre as linhas gerais da política que ele
ia seguir. Ele tem ideias muito claras. O arcabouço do discurso (de
posse) que Serra fez ele me mandou já pronto. Ele me mandou o esqueleto
básico: a estrutura do discurso já estava pronta. Sugeri uma ou outra
coisa, em temas como meio ambiente, América Latina, México, Argentina e
direitos humanos. Mas foram pontos de redação que sugeri. Ele deve ter
ouvido várias pessoas para montar o discurso. Mas o discurso basicamente
foi ele que escreveu, já me mandou o discurso praticamente pronto. Um
tema, por exemplo, como esse do Mercosul, que tem sido levantado. Eu
disse a ele desde o início - e acho que ele já estava mais ou menos
evoluindo para essa posição - que antes de cogitar transformar a
natureza do Mercosul, que é um tipo de acordo comercial muito raro, uma
união aduaneira.. A união aduaneira é muito mais que um acordo de livre
comércio. O acordo de livre comércio é um acordo cujo objetivo é
simplesmente abolir as barreiras ao comércio entre os membros, mas cada
um dos membros conserva em relação a terceiros a sua própria barreira.
Não há uma coordenação dessas barreiras em relação aos que não são
membros do acordo. Já no caso de uma união aduaneira, ela além de ter
tudo o que tem no acordo de livre comércio, ela tem isso e mais um plus:
o fato de que ela tem uma barreira comum em relação a terceiros. Em
tese, todos os membros de uma união aduaneira têm que ter as mesmas
tarifas em relação a aqueles que não são membros. Então, evoluir de
união aduaneira para umacordo de livre comércio, é, de certa forma, uma
redução de status. É como se você fosse algo maior e decidisse ser
menos, porque é difícil ser mais. Eu disse a ele: é preciso avaliar
bem, porque muitos setores do Brasil e da Argentina dependem muito da
união aduaneira. Um dos setores é o automobilístico. Essas coisas
requerem uma avaliação cuidadosa: conversar com os setores e depois
tomar uma decisão. Ele mais ou menos já estava nessa linha e creio que
agora deve ter conversado na Argentina sobre isso. Mas quero esclarecer
que meu papel é de um amigo dele que ele ouve de vez em quando. Saí do
Brasil antes do voto do Senado. Cheguei na quarta-feira (dia 25) de
volta da Europa. Não é propriamente como as pessoas muitas vezes pensam,
como se eu estivesse em Brasília ao lado do Serra. Não é o caso, estou
longe. >> Oliver Stuenkel: "O Itamaraty pode voltar a ter o status de um ministério-chave"
ÉPOCA – Qual sua avaliação das decisões e declarações dadas pelo ministro até agora?
Ricupero – Gostei muito da forma final do discurso. Achei que
ficou mais rico porque ele acrescentou muita coisa em relação ao que eu
tinha visto. Acrescentou um parágrafo inteiro sobre o fato de que a
chave do êxito no comércio não são os acordos de livre comércio, mas sim
a competitividade. Esse é um tema que defendo há anos, mas posso te
garantir que não tive nada a ver com isso. Quando eu dei os palpites,
não tinha me ocorrido isso. Vi que ele incluiu, não sei se alguém
sugeriu ou ele mesmo pensou. O discurso me pareceu muito redondo, muito
forte. Pelo que eu posso ver, noto que a repercussão tem sido muito
positiva. Ele se destaca muito, porque, nas outras áreas, parece ter
havido problemas, como no caso do Ministério da Cultura. O Itamaraty,
pelo que eu vejo, está indo muito bem. >> José Serra quer um novo Mercosul
ÉPOCA – O que a indicação de Marcos Galvão traz para a Secretaria-geral do Itamaraty?
Ricupero – Marcos é excelente. Desses diplomatas novos, é uma
das maiores vocações que o Itamaraty tem. Ele,durante muito tempo,
trabalhou comigo, inclusive no Ministério da Fazenda. Ele estava ao meu
lado, como Sérgio Danese também estava comigo na Fazenda na época do
Real. Depois, ele teve sua carreira própria. No Brasil, o último posto
que ele teve e em que ele se saiu brilhantemente, o Marcos era o
subsecretário de Assuntos Internacionais da Fazenda, com o Guido
Mantega. Ele era aquilo que na linguagem internacional chamam de "sherpa
brasileiro". Seu papel era organizar reuniões do G20. Teve um papel
muito forte, desde o início. O Marcos teve um desempenho brilhante na
criação do G20, onde ele trabalhou muito com o Mantega, se destacou. O
Marcos vem de um posto extremamente interessante porque ele era o nosso
embaixador na Organização Mundial do Comércio (OMC) em Genebra. E lá ele
teve um desempenho muito bom. Como a ênfase agora vai ser comércio,
ninguém melhor do que ele porque a OMC é digamos a Roma, é a cidade
santa do comércio. Quem passa pela OMC conhece muito o comércio, tanto
as negociações na própria OMC como de acordos bilaterais e regionais,
porque todos esses acordos fazem referência ao Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio (GATT), que é a constituição da OMC. O Marcos conhece
isso muito bem. Então, nada melhor do que uma pessoa como ele para
poder ser o segundo no ministério nessa hora.
ÉPOCA – Uma
das relutâncias de Serra em assumir a pasta teria sido o fato de não
estar certo que Agência Brasileira de Promoção de Exportações e
Investimentos (Apex) e Câmera de Comércio Exterior (Camex) viriam para o
Itamaraty. Ele chegou a manifestar isso para o senhor?
Ricupero – Não, porque desde o primeiro momento em que ele
falou comigo, essa ideia já estava equacionada, isso nunca me foi
apresentado como dúvida. Pelo menos, desde o momento de quando eu me
reuni pela primeira vez com ele na casa do Sérgio Amaral, nós discutimos
que pessoas poderiam trabalhar na Apex e etc. Já havia a ideia unânime
do Roberto Jaguaribe. Há muito tempo que há esse problema porque a Apex
tem recurso, mas não tem aquela rede que o Itamaraty tem dos setores de
promoção comercial que existem no mundo inteiro. E o Itamaraty tem a
rede, mas não tem o recurso. Então, o lógico é juntar as duas coisas.
ÉPOCA
– O agora ministro Serra já se posicionou em outras ocasiões como um
crítico do Mercosul. Como o senhor mencionou, a revisão da união
aduaneira implicaria em um passo para trás. O senhor acredita que haverá
uma mudança nesse sentido?
Ricupero – Qual era o argumento básico que se dizia para
abandonar a união aduaneira? É porque segundo se alega, nenhum dos
países membros pode negociar acordos bilaterais ou regionais sem que os
outros todos participem. Isso nunca foi testado na prática. E isso não
faz parte da natureza da união aduaneira. Isso é apenas uma resolução de
ministros do Mercosul. Há uma resolução que, assim como foi adotada,
pode ser revogada. É uma decisão que pode ser mudada a qualquer momento
sem abandonar a união aduaneira. Mas esse problema era alegado, porque
de fato durante muito tempo, como se sabe, a Argentina estava em uma
situação difícil. Ela não queria negociar com a União Europeia. Mas esse
problema desapareceu hoje em dia porque a Argentina está na mesma
linha. Outro país que poderia criar problema eventualmente seria a
Venezuela. Mas a Venezuela nunca aderiu inteiramente ao Mercosul, ela
entrou mais politicamente. As negociações sobre as tarifas e as
concessões que a Venezuela teria que fazer no Mercosul nunca foram
concluídas. A Venezuela é um país que teoricamente está dentro, mas não
está e já tinha declarado, ainda na época recente da Dilmam que não
seria obstáculo. A Venezuela não participaria da negociação com a União
Europeia, mas também não seria um obstáculo. Paraguai e Uruguai são
mais desejosos do que o Brasil. Então é como querer encontrar pelo em
casca de ovo: qual é o problema da união aduaneira? Em que ela está
atrapalhando o Brasil? Eu nunca encontrei alguém que me dissesse. A não
ser esse problema da Argentina, mas isso agora acabou. O problema não é
nosso, é mais pela Europa agora. A França tem medo por causa da questão
das carnes. Eles antes se escudavam atrás da coisa da Argentina. Agora,
isso não existe mais. (O Serra era crítico) mais por isso porque não
tínhamos flexibilidade, não podíamos negociar, mas agora isso acabou.
ÉPOCA
– Em seu discurso de posse no Itamaraty, Serra declarou que a política a
ser capitaneada por ele seria livre de “partidarização” e ideologia.
Uma das críticas que ele sofre agora seria que há uma “ideologização”
pelo outro lado, já que a aproximação prioritária é com governos mais
alinhados ao discurso liberal, como Macri na Argentina e Enrique Peña
Nieto, no México.
Ricupero – Essa crítica não tem nenhuma procedência. Vi isso
no artigo do Celso Amorim. Acho que Matias Spektor também disse isso,
mas em ambos os casos eles estão errados. Uma coisa é você privilegiar o
relacionamento com países como Cuba ou Nicarágua, que são distantes do
Brasil, com os quais nós nunca tivemos tantos vínculos nem comerciais
nem econômicos, nem de nenhuma natureza. A nossa relação com Cuba e
Nicarágua sempre foi uma relação muito distante. Portanto, no momento em
que se começa a dizer que Cuba, Nicarágua são parceiros preferenciais
porque são bolivarianos, ai sim a única justificativa é a ideologia,
porque não há outra. Você só pode se sentir próximo de Cuba e Nicarágua
porque eles são bolivarianos e o PT tinha alguma afinidade com eles. No
caso da Argentina e do México, é diferente. O caso da Argentina e do
México é que eles são os dois maiores países latino-americanos e os
únicos que têm um peso específico comparável ao Brasil pelo tamanho do
território, pelo tamanho da economia, da população. É claro que são
menores do que nós, mas são países muito expressivos. O México tem uma
economia muito pujante que não está muito distante da brasileira. Esses
dois países formam com o Brasil os três maiores países da América
Latina. Então, que esses três países tenham uma relação estreita é
imposição da própria realidade. Na Europa, todo mundo sabe que o
parceiro privilegiado da França é a Alemanha e que o parceiro
privilegiado da Alemanha é a França, porque são as duas grandes
potências que são o centro de gravidade da União Europeia. Isso entre os
próprios governos. Por exemplo, o (Nicolas) Sarkozy era muito próximo
da (Angela) Merkel. Quando ele foi substituído pelo (François) Hollande,
não houve nenhuma diferença. Mudou de um partido de direita para um
partido socialista, mas a relação franco-alemã é a mesma. E será sempre a
mesma, porque sem esses dois, não há o centro de equilíbrio. Tanto para
a França como para a Alemanha o país mais importante, em seguida, é a
Inglaterra, o que é óbvio. Isso são considerações que nascem do próprio
realismo. Do realismo e da situação e não tem nada a ver com o fato de
ser o Macri. Se fosse ainda a Christina Kirchner, a Argentina seria a
mesma coisa, mas seria mais difícil, porque provavelmente com ela essa
questão do Mercosul ia ser uma dificuldade, porque ela não queria
negociar com a União Europeia. É óbvio que, enquanto nesses países, além
da importância em si, ainda haja governos como se diz em inglês
likeminded, que tenham a mesma abordagem, isso facilita. Mas isso não é
ideologia. Por exemplo, o Brasil quer um acordo comercial com o México,
se o México também que é ótimo. Seja lá qual for a ideologia, se os
dois lados quiserem, haverá o acordo. Acho uma crítica totalmente
improcedente. Seria verdade se você fosse dizer: o Brasil agora vai
resolver ter uma política privilegiada com um país qualquer de direita
que fica na América Central e no Caribe. Mas não é o caso, são países de
peso. >> Marco Aurélio Garcia: "Querem desacreditar a política externa brasileira"
ÉPOCA
– O ministro também foi criticado pelo tom das notas diplomáticas para
países que emitiram notas qualificando o processo de impeachment como
golpe de Estado. Na terça-feira (24), o Itamaraty distribuiu uma
circular em que pedia para que os embaixadores pelo mundo se engajassem
de forma mais ativa em relação à narrativa do golpe. Qual sua avaliação
sobre esses posicionamentos?
Ricupero – Disseram que as notas de resposta do Brasil aos
bolivarianos e outros tinham sido muito duras. Eu achei o contrário.
Duras têm sido as notas de intromissão em assuntos internos brasileiros.
Por exemplo, a nota da Venezuela é uma nota prolixa. Deve ser sete ou
oito vezes maior do que a resposta brasileira e se mete em assuntos
nossos - e nós não podemos tolerar nenhum tipo de interferência. Eu
achei a nossa resposta firme. Pessoalmente, se eu fosse ministro, eu
seria até mais duro, porque eu lembraria que é até irônico que países
como Venezuela, Cuba, Nicarágua queiram dar lições de democracia,
liberdade, de direitos humanos a qualquer outro país, porque obviamente
não são qualificados para isso. Mas o Brasil não fez isso. O Brasil
apenas se limitou na resposta a lembrar quais são os dispositivos
constitucionais aqui e o papel que foi desempenhado inclusive pelo
Supremo Tribunal Federal. Então me dizer isso me parece correto.
Trata-se simplesmente de elucidar as pessoas no exterior que o que se
passa no Brasil obedece ao que é previsto na Constituição e vem sendo
objeto de um controle frequente, quase que até repetitivo do Supremo
Tribuna Federal. Para considerar que apesar disso, o que está ocorrendo
não está de acordo, então tem que condenar todas as instituições
brasileiras, inclusive o Supremo Tribunal Federal. >> Aníbal Pérez-Liñan: “A crise no Brasil não se encerrará logo”
ÉPOCA
– Considerando que Serra terá um tempo limitado, caso se confirme o
impeachment da presidente Dilma Rousseff, serão pouco mais de dois anos,
o quanto ele vai conseguir realizar na prática nesse período?
Ricupero – Ele é uma pessoa que se caracteriza por ser um
grande trabalhador. No Senado, em pouco tempo, ele aprovou cinco ou seis
projetos e projetos importantes, inclusive aquele flexibilizando a
operação da Petrobras. É preciso lembrar que o Serra é um trabalhador
infatigável. E eu tenho certeza que ele se lançará a isso com muita
disposição. Acredito que as perspectivas são boas porque, desde que haja
interesse da outra parte, não precisa muito tempo para negociar um
acordo. Um acordo é uma questão de alguns meses. Você pode negociar e ai
apenas fazer com que ele entre em vigor. Vai depender um pouco do tipo
de receptividade que se encontre do outro lado.