Opinião
William Waack
Uma avaliação dos nossos riscos
A direita brasileira identificada com Trump vai sofrer graves danos eleitorais
Do ponto de vista exclusivamente comercial e geopolítico o tratamento que o presidente dos EUA dá ao Brasil é simplesmente burrice
O Estado de S. Paulo, 09/07/2025
Atualização: 10/07/2025 | 10h01
O ataque do presidente americano ao Brasil não tem paralelos históricos. Trata-se sobretudo de uma agressão política, cujos termos são por definição inegociáveis. Trump age com a prepotência de quem, de fato, escolheu dividir o mundo em esferas onde os fortões fazem o que querem, e os fracos — como o Brasil — que se virem.
A última vez em que um presidente americano agiu contra o Brasil por questões políticas ocorreu sob Jimmy Carter a meados da década de setenta. As semelhanças são remotas dada a brutalidade — e a irracionalidade ideológica — exibida por Trump neste momento.
Naquela época dois fatores haviam se combinado: a pressão contra a ditadura militar brasileira por conta de violações de direitos humanos e o acordo nuclear que o Brasil assinara com a Alemanha, que incluía a transferência de tecnologia sensitiva. O presidente era o general Ernesto Geisel, que reagiu cancelando um acordo de cooperação militar com os EUA. O Brasil acabou fazendo um programa nuclear paralelo e a democratização liquidou a questão dos direitos humanos.
Do ponto de vista exclusivamente comercial e geopolítico o tratamento que Trump dá ao Brasil é simplesmente burrice. Mas é um extraordinário nível de mediocridade estratégica, ignorância histórica e posturas prejudiciais aos próprios interesses da super potência que Trump vem exibindo desde que assumiu. Em nome de um eleitorado que aplaude o populista que está diminuindo em vez de aumentar a liderança e capacidade de ação americana.
Os danos comerciais ao Brasil são consideráveis mas em situações semelhantes de imposição de tarifas Trump demonstrou a falta de consistência habitual — é algo que pode ser eventualmente “negociado”. O problema muito mais grave é político e terá impacto também no contexto eleitoral doméstico brasileiro.
Como aconteceu em países como Canadá, Austrália, México e, até certo ponto Alemanha, a interferência política de Trump nos assuntos de cada um produziu os resultados contrários. Ou seja, Trump desmoralizou, enfraqueceu e tirou potencial eleitoral das forças políticas que quis “proteger”. No caso brasileiro, o clã Bolsonaro e todo agente político que aderiu ao fã clube de Trump.
É claro que esse é um problema do capitão e sua ilusão infantiloide de que um prepotente como Trump possa livrá-lo da cadeia — onde provavelmente mais e não menos gente vai querer vê-lo agora. Bem mais complicada é a situação do governo brasileiro que, ao contrário do exemplo da esquerdista que preside o México, não soube criar qualquer canal direto com a Casa Branca.
O Brasil é uma potência menor, com escassa capacidade de retaliação que não nos torne ainda mais vulneráveis, sobretudo em relação a insumos. É grande a tentação de pular para um lado no confronto geopolítico, mas um pouco de inteligência estratégica indica que os Trumps acabam indo embora, e a profundidade dos laços entre Brasil e Estados Unidos permanecem.
Mas o mais provável é que ninguém vai enxergar esse horizonte nos próximos dias.
Opinião por William Waack
Jornalista e apresentador do programa WW, da CNN
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