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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 29 de setembro de 2024

Liderança global de Lula entrou em declínio - Opinião, Editorial O Globo

 Opinião / Editorial  O Globo, 29/09/2024

Liderança global de Lula entrou em declínio

Passagem por Nova York mostra que passou o tempo em que o presidente encantava as plateias

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez o possível na semana passada para se projetar como liderança global em Nova York. Discursou na abertura da Assembleia Geral da ONU, participou de reunião do G20, disparou críticas contra seus desafetos Benjamin Netanyahu e Volodymyr Zelensky, manteve encontros bilaterais com Pedro Sánchez, Cyril Ramaphosa e Gustavo Petro, defendeu reformas na governança global e foi conversar até com representantes de agências de risco, na tentativa de melhorar a nota do Brasil. 

Não dá para negar seus esforços. Mas Lula está longe de alcançar os resultados que gostaria. A verdade é que, em seu terceiro mandato, ele é conhecido no exterior, mas não é mais o líder popular que já foi um dia. Um termômetro disso é uma pesquisa recente do Pew Research Center, com dados recolhidos entre janeiro e abril em cinco países da América Latina: Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru. Os resultados mostram que é baixa a confiança latino-americana em Lula fazer o que é certo em termos de política externa. Nem no próprio continente ele consegue atrair a simpatia da maioria. 

Os que mais confiam em Lula são os argentinos (das respostas, 40% foram positivas e 49% negativas). Os mais críticos são os chilenos (62% de respostas negativas), seguidos de mexicanos (60%), peruanos (55%) e colombianos (53%). As respostas são coerentes com a inclinação recente à direita na América do Sul, marcada pela ascensão do argentino Javier Milei à Casa Rosada. Em relação ao Brasil, em contraste, a percepção é positiva. Os argentinos têm a visão mais favorável do país (59% de respostas positivas), seguidos de peruanos (58%) e colombianos (55%) A pesquisa também foi feita nos Estados Unidos. Os americanos são mais reticentes com relação ao Brasil que os latino-americanos: 47% têm imagem favorável e 46% desfavorável. 

Sobre as pretensões de liderança global brasileira, os americanos são céticos: a maioria dos entrevistados (64%) acha que a influência do país no mundo se manteve a mesma nos últimos anos, e 16% acham que ela enfraqueceu. O Brasil está mais fraco no cenário internacional para 33% dos chilenos, 20% dos argentinos, 25% dos colombianos e 23% dos peruanos. 

É provável que haja nas respostas um reflexo dos quatro anos do governo Jair Bolsonaro, cuja política externa transformou o Brasil em “pária internacional”. Mas são evidentes também os efeitos das trapalhadas diplomáticas de Lula na reação às guerras na Ucrânia e no Oriente Médio. O sonho de ser um líder global, mais uma vez manifestado na ONU, leva Lula a se lançar em missões impossíveis diante da projeção do Brasil no mundo, com evidentes limitações na sua influência externa. 

Tampouco na América Latina Lula tem obtido resultados dignos de nota. Sua deferência inexplicável à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela fez fracassar a tentativa de mediar uma saída para a crise desencadeada pela fraude nas eleições de julho. Até a Argentina de Milei, importante parceiro comercial do Brasil e segunda economia do Mercosul, ele tem procurado manter à distância, apesar da integração entre as duas economias. A passagem de Lula por Nova York deixou evidente aquilo que a pesquisa já mostrava: passou o tempo em que Barack Obama chamava Lula de “o cara” e ele despertava a simpatia de todos como liderança global.


quinta-feira, 5 de setembro de 2024

A covardia do Brasil na Venezuela: a diplomacia petista em ação e inação - Opinião Estadão

 Opinião do Estadão, 3/09/2024

A covardia do Brasil na Venezuela

Mesmo ante ordem de prisão do líder da oposição venezuelana, Lula segue incapaz de condenar a ditadura do companheiro Maduro, ofendendo os que bravamente lutam pela democracia

A repressão na Venezuela recrudesce a níveis pavorosos mesmo para os padrões de truculência do chavismo. O regime está em vias de aprovar uma “Lei contra o Fascismo” que na prática lhe dará carta branca para prender quem bem entender. Desde as eleições presidenciais, cujos resultados foram escandalosamente fraudados para dar a vitória ao ditador Nicolás Maduro, quase 30 manifestantes foram mortos e cerca de 2 mil foram detidos, entre eles dezenas de menores de idade. As milícias informais conhecidas como “Coletivos”, a Gestapo chavista, intimidam famílias em suas casas e jornalistas nas redações. O advogado da oposição foi sequestrado.

Agora, o regime ordenou a prisão do candidato da oposição, Edmundo González. Como se sabe, o único “crime” da oposição foi divulgar, graças à insubordinação cívica de funcionários dos colégios eleitorais, fotogramas das atas eleitorais que confirmam, segundo a apuração de vários observadores independentes, sua vitória nas urnas com dois terços dos votos.

Chancelarias de diversos países latino-americanos emitiram notas veementes de repúdio. Já o governo brasileiro continua a fazer cara de paisagem. Em tom prazenteiro, o chanceler paralelo do presidente Lula da Silva, Celso Amorim, disse que “eu sou do tempo da bossa nova – a gente nunca sobe o tom”. Nunca, desde que se trate de tiranos companheiros.

Se o governo, sob a retórica malandra do “pragmatismo”, se desfaz de suas obrigações de denunciar a fraude contra a vontade do povo venezuelano e as violações de seus direitos fundamentais, não é por falta de saliva. Mesmo em questões em que tem pouca influência, como a guerra na Ucrânia ou em Gaza, Lula fala e fala muito, com frequência superlativamente, como quando equiparou as operações militares de Israel ao Holocausto. O Brasil, por sinal, segue sem um embaixador em Israel.

Em 2012, quando o Parlamento do Paraguai destituiu o presidente esquerdista Fernando Lugo, a então presidente Dilma Rousseff vociferou contra uma suposta “ruptura da ordem democrática”, engendrando com os governos esquerdistas da Argentina e do Uruguai o afastamento do Paraguai do Mercosul. Pouco importa que missões internacionais tenham constatado a higidez constitucional do impeachment de Lugo: como se tratava de um companheiro progressista, Dilma deixou de lado a diplomacia “bossa-nova” de Amorim. Para confirmar que a manobra era puramente ideológica, o consórcio esquerdista do Mercosul, sem o inconveniente voto contrário do Paraguai, aprovou a entrada no bloco da – ora vejam – Venezuela chavista.

Em outras palavras, em nome da “defesa da democracia”, o lulopetismo e seus sócios sul-americanos patrocinaram um atentado às instituições do Mercosul, alijando um país em condições de normalidade democrática para favorecer um regime cujo autoritarismo é a principal marca.

A oposição venezuelana tem dado ao mundo um exemplo de heroísmo. Em outras ocasiões ela se fracionou e oscilou entre modos diversos de resistência, de boicote às eleições a tentativas de rebelião armada. Agora, mesmo diante de uma ditadura militar que mantém na coleira o Legislativo, o Judiciário e a mídia, optou pelo enfrentamento nas urnas – e venceu. Mas o governo brasileiro continua a promover a farsa da “neutralidade”, cobrando as atas eleitorais que o chavismo trancou a sete chaves e a oposição mostrou ao mundo.

Já ficou claro que o Brasil tem pouca capacidade de influência num regime manietado por China, Rússia e Cuba. Mas longe de isentá-lo, essa seria mais uma razão para que o seu chefe de Estado denunciasse com todas as letras o atentado contra a democracia e os direitos humanos em curso. Não é só um dever moral, mas constitucional. A Carta Magna brasileira preconiza que as relações exteriores do Brasil se regem, entre outros princípios, pela prevalência dos direitos humanos e o repúdio ao terrorismo.

Ditaduras dependem de duas coisas para subsistir: o apoio das Forças Armadas e da população. Maduro, aparentemente, mantém o primeiro, mas o rechaço do povo venezuelano é inequívoco. Democracias genuínas deveriam celebrar e apoiar a resistência desse povo. O Brasil, em nome das amizades de seu presidente, prefere ofendê-lo.

terça-feira, 9 de julho de 2024

Uma política externa para o mundo atual- Rubens Barbosa (Estadão)

 Opinião:

 Uma política externa para o mundo atual

A visão de que estava havendo a restauração de uma política externa ativa e altiva minimizou ou ignorou as mudanças pelas quais o Brasil, a América do Sul e o mundo estão atravessando

Por Rubens Barbosa 

O Estado de S. Paulo, 09/07/2024 | 03h00

O Brasil voltou. O presidente Lula da Silva, no início de seu governo, repetiu essa afirmação como o recomeço da política externa depois de um período, no governo anterior, em que as atitudes e posições brasileiras isolaram o País e o então Brasil foi visto como um pária no cenário internacional. A visão de que estava havendo a restauração de uma política externa ativa e altiva, como caracterizada nos dois primeiros mandatos, minimizou ou ignorou as mudanças e transformações pelas quais o Brasil, a região sul-americana e o mundo estão atravessando. Sem falar nos desafios e nos riscos para perseguir as novas oportunidades que estão se abrindo ao País.

No Brasil de 20 anos depois da primeira eleição de Lula, o País está dividido e polarizado, sem lideranças em todos os setores da sociedade, sem partidos políticos com programas definidos, com o Congresso e o Judiciário com poderes e com voz amplificadas e o Banco Central independente. As prioridades políticas, econômicas, sociais e de defesa mudaram.

No âmbito regional, a América do Sul, com crescente criminalidade, pesada burocracia e grave déficit educacional está mais desintegrada, mais empobrecida e mais marginalizada. As crises na Argentina e na Venezuela têm impacto sobre o Brasil. Tornaram-se flagrantes a ausência de liderança do Brasil e o aumento da presença de potências extrarregionais, como a China.

No contexto global, além da crescente rivalidade entre a China e os EUA, as guerras na Europa, entre a Rússia e a Ucrânia, e no Oriente Médio, entre Israel e o Hamas, com o risco de escalada, colocam riscos para o Brasil. Potências regionais, como Índia, Turquia, Indonésia e os países do Golfo, defendem seus próprios interesses e escolhem suas parcerias dependendo do que está em jogo. Mesmo em questões de grande visibilidade e envolvimento dos EUA, como o apoio à Ucrânia em sua luta contra a Rússia, a percepção é de que se trata de problema ocidental, sem interesse para o não Ocidente. Na medida em que uma nova ordem começa a se configurar, surge a competição sobre o que vai substituí-la.

Finalmente, a ordem internacional baseada em regras negociadas em instituições internacionais criadas depois de 1945, como as Nações Unidas, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt) e agora a Organização Mundial de Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, perderam força. As regras baseadas nessa ordem internacional continuam a existir, mas as instituições estão paralisadas por ações individuais ou por desacordos entre seus membros. Discute-se uma nova governança global. Em comércio e política industrial, até os EUA estão implementando políticas antiglobalização, condenadas no passado e que penalizaram países, como o Brasil.

Depois de um ano e meio de governo, apesar da correta definição das principais prioridades na área externa (presença do Brasil no cenário internacional, meio ambiente e mudança de clima e América Latina), poucos avanços concretos – que estariam beneficiando o Brasil – podem ser identificados.

Nesse cenário, os principais elementos de uma política externa, adequada para o mundo de hoje, deveriam incluir, entre outras, as seguintes linhas de atuação:

  - Voltar a ser uma política de Estado, com visão de médio e longo prazo, sem influências ideológicas ou partidárias.

- Manter equidistância e independência na defesa do interesse nacional, sem tomar partido ou lado nos conflitos e confrontações que ocorrem hoje no cenário global.

- A voz do Brasil, como potência média global, deve ser ouvida nos vários tabuleiros e fóruns internacionais, sem alinhamento automáticos, reconhecendo, porém, suas limitações, pela ausência de excedente de poder, para influir em temas cujos resultados dependem de outros interesses.

- As prioridades definidas pelo atual governo na área externa deveriam ser implementadas com políticas que efetivamente representem interesses do País: na América do Sul, assumir a liderança com propostas concretas (melhorar infraestrutura como estratégia de abertura para a Ásia; criação de cadeias produtivas globais para atração de investimentos, defesa da democracia e as relações com a Argentina e Venezuela); no comércio exterior, visando à redução das vulnerabilidades, com a diversificação de mercados e de produtos e a negociação de novos acordo de livre comércio, a finalização dos acordos com a União Europeia e a área de livre comércio na Europa e a abertura de conversação dos diferentes grupos econômicos e comerciais com a Ásia.

- O Itamaraty deveria recuperar sua competência de coordenação interna em relação às ações externas em áreas como meio ambiente, mudança de clima, negociações comerciais e temas globais (em especial, democracia, direitos humanos, mudança de clima, defesa e segurança).

Do ponto de vista do Brasil (não de um partido político), a política externa deve visar a maior e mais consistente presença do Brasil no mundo e a benefícios concretos para o comércio exterior e aos investimentos que ajudem o crescimento da economia, com o fortalecimento da indústria, a diversificação do mercado externo para produtos agrícolas, o aumento da renda interna, a redução das desigualdades regionais e individuais, a segurança e a defesa.

PRESIDENTE DO IRICE, FOI EMBAIXADOR EM WASHINGTON E LONDRES https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/uma-politica-externa-para-o-mundo-atual/ 

quinta-feira, 30 de maio de 2024

Venezuela: Eleições de araque - Opinião da Folha de S. Paulo

Venezuela: Eleições de araque

Folha de S. Paulo | Opinião o Folha de S. Paulo
30 de maio de 2024

Ao desconvidar observadores da UE para o pleito, Maduro reitera que comanda uma ditadura

A Venezuela é uma ditadura que infringe direitos humanos e destruiu a economia do país a ponto de instalar uma crise humanitária que gerou cerca de 7,7 milhões de refugiados. Mas o déspota Nicolás Maduro finge que está numa democracia e ainda tem a petulância de pretender que a comunidade internacional acredite nessa farsa.

Na terça-feira (28), seu Conselho Nacional Eleitoral informou que o convite para que observadores da União Europeia (UE) monitorem a eleição presidencial, marcada para o dia 28 de julho, foi cancelado.

O órgão justificou-se com discurso rançoso sobre um fantasioso imperialismo: "Seria imoral permitir sua participação, conhecendo suas práticas neocolonialistas e intervencionistas contra a Venezuela".

De fato, a UE mantém sanções contra a nação sul-americana, do mesmo modo que os EUA, mas como mecanismo de pressão contra atrocidades notórias cometidas pelo regime, notadamente a partir da onda de protestos de 2017.

Investigação conduzida pelo Tribunal Penal Internacional em curso desde 2021 já levantou 1.746 denúncias de abusos contra os os direitos humanos. Em 2022, gabinete da ONU instalado na Venezuela divulgou um relatório com 122 casos de tortura e de violência sexual. Desde 2017, ao menos 125 pessoas foram mortas.

Em fevereiro deste ano, Maduro expulsou do país os funcionários da repartição das Nações Unidas.

A proibição de observadores da UE no pleito é mais uma infração ao Acordo de Barbados, pelo qual a Venezuela se comprometia a realizar eleições justas, livres e abertas ao escrutínio externo.

O Judiciário cooptado pela ditadura já havia interditado as candidaturas dos principais oponentes do caudilho. Esse movimento gerou a primeira crítica do Itamaraty ao regime ?não de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que em suas falas ainda coloca panos quentes sobre a barbárie venezuelana.

Em 28 de julho, a população do país irá às urnas numa pantomima. Sem oposição política, liberdade de expressão e direitos humanos, não se pode considerar que tal evento seja a expressão de um regime democrático.

editoriais@grupofolha.com.br

segunda-feira, 11 de março de 2024

O Brasil errou o caminho de volta - Roberto Brant (Correio Braziliense)

O Brasil errou o caminho de volta


Roberto Brant - Correio Braziliense | Política

11 de março de 2024 

"NÃO HA COMO DUViDAR DE QUE, SE AS AUTOCRACiAS SE ASSEGURAREM A HEGEMONiA NO MUNDO, NOSSO MODO DE ViDA, NOSSA CULTURA E NOSSA LiBERDADE CERTAMENTE ESTARÃO PERDiDAS. NÃO SE TRATA AQUI DAS FIGURAS EFÊMERAS DE LULA E BOLSONARO. TRATA-SE DE NOSSA PRÓPRIA EXISTÊNCIA QUE ESTARÁ EM JOGO."

Nestes primeiros dias de março, foi divulgada uma pesquisa da consultoria Quest sobre a avaliação do governo Lula. Os números mostram que 35% da população o avalia positivamente, enquanto 34% o avalia negativamente. Passado pouco mais de um ano de mandato, apenas um terço da população apoia sem reservas a ação do governo. O país está polarizado.

A polarização política, antes de ser uma enfermidade social, é uma prova de que vivemos em uma sociedade democrática. Nas autocracias, as divisões são eliminadas pela força, ostensiva ou disfarçada por artifícios institucionais. As diferenças de opinião política são a própria essência da vida democrática.

Havendo uma divisão tão clara na sociedade, é justo questionar se o governo tem legitimidade para impor a toda a nação políticas e posições francamente parciais e partidárias, especialmente quando elas têm manifestamente consequências de longo prazo.

O desprezo de nossa política externa pela democracia manifestase também na admiração e no apoio sem reservas à ditadura cubana e às manobras de Nicolas Maduro para perpetuar-se no poder. A defesa dessas ditaduras é um acinte e responde exclusivamente às posições ideológicas do partido do presidente, sem levar em conta o que pensa a maioria da sociedade brasileira.

Corremos o sério risco de nos isolarmos em nosso próprio continente e no mundo ocidental. E todos no mundo esperavam "o Brasil de volta", como prometera nosso presidente. Acontece que erramos o caminho.

O governo Lula, em algumas áreas, tem se atribuído um mandato muito mais amplo do que o que recebeu das urnas. Sua vitória, por margem muito estreita, foi o resultado de uma coalizão informal que reuniu parcelas da sociedade com uma visão do mundo e do país muito diversa das posições tradicionais dele e de seu partido. Se na gestão da economia até agora as políticas do governo são coerentes com a natureza daquela coalizão, na política externa o presidente tem extrapolado todos os limites, com alinhamentos geopolíticos e ideológicos que estão muito distantes do sentimento médio do país.

O mundo vive, hoje, uma nova realidade geopolítica, em que se confrontam de um lado as democracias e de outro, as autocracias. O desfecho desse confronto irá moldar toda a vida humana no futuro. Diante dele, todos as demais confrontações perdem significado, em especial a que deseja separar o Ocidente e o Sul Global, principalmente porque, neste universo do Sul Global, é evidente o domínio das autocracias, como se pode ver na composição do Brics.

O interesse nacional do Brasil recomenda que o país deve se manter numa distância prudente desses grandes confrontos, sem perder de vista que qualquer política externa trata de interesses, mas também de ideias. Não há como duvidar de que, se as autocracias se assegurarem à hegemonia no mundo, nosso modo de vida, nossa cultura e nossa liberdade certamente estarão perdidas. Não se trata aqui das figuras efêmeras de Lula e Bolsonaro. Trata-se de nossa própria existência que estará em jogo.

A atual orientação da política externa do Brasil procura ignorar a natureza desse confronto e se aproxima perigosamente das grandes autocracias, afastando-se dos países ocidentais democráticos. E, para tornar tudo ainda mais incompreensível, defende internamente a democracia ao mesmo tempo em que se alinha com todas as ditaduras do nosso continente.

Os exemplos estão aí. A invasão da Ucrânia pela Rússia é o mais audacioso ataque de uma autocracia contra um país democrático, tentando demolir a ordem internacional baseada em leis e em regras. O presidente Lula, na contramão de todos os países democráticos, negou-se a afirmar a responsabilidade russa no conflito e, no mais simbólico gesto 
de simpatia com a tirania de Putin, negou-se a condenar o assassinato do líder da oposição Alexei Navalny, apesar de todas as evidências. Na luta entre as democracias e as autocracias, nosso presidente já tomou partido, e numa direção completamente estranha ao sentimento da nossa população.

sábado, 13 de janeiro de 2024

Viés na diplomacia: Brasil erra ao deixar equidistância na guerra - Opinião da Folha de S. Paulo

 Viés na diplomacia Brasil erra ao deixar equidistância na guerra; saída de Netanyahu seria melhor Relatório recente da Human Rights Watch aponta a oscilação de líderes mundiais quando se trata de condenar violações dos direitos humanos


Eles tendem a fazer vista grossa quando os perpetradores são governos aliados e a carregar nas tintas contra adversários. Um dos criticados pela organização global, o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acaba de oferecer novo subsídio para a tese. Lula apoiou a denúncia da África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça da ONU por alegado genocídio. O documento em que o endosso foi anunciado não explica por que o Brasil considera estar havendo crime com essa caracterização na Faixa de Gaza. Genocídio é a ação deliberada para exterminar um grupo. Genocidas foram os nazistas contra judeus e outras minorias na 2ª Guerra Mundial, o Império Otomano contra armênios em 1915 e 1916 e hutus contra tutsis em Ruanda em 1994. A reação de Israel ao massacre, estupro e sequestro de civis cometido por terroristas do Hamas merece críticas, mas não justifica o abandono da equidistância tradicionalmente abraçada pelo Brasil. Guerrilheiros escondem-se por trás de alvos urbanos e nos tentaculares túneis do território. 

O exercício do direito de defesa por Israel nesse cenário causaria necessariamente danos a não combatentes. Uma avaliação isenta da contraofensiva israelense deveria dar-se à luz das leis de guerra e do objetivo da operação de derrotar o Hamas. Israel bloqueou a chegada de ajuda humanitária nos primeiros dias do contra-ataque. Agora, três meses depois, o grau e a extensão da destruição provocada pelos bombardeios e pela invasão israelense indicam que é hora de cessar fogo. Não é à toa que a opinião pública internacional, de início solidária à reação israelense, vai se tornando cada vez mais refratária à continuidade da operação militar. O premiê Binyamin Netanyahu talvez prefira adiar a decisão porque sabe que terá de prestar contas à sociedade israelense uma vez concluída a campanha militar. Além de ser o pivô da radicalização religiosa da política em seu país, ele chefia o gabinete humilhado pela penetração desimpedida de milhares de terroristas em Israel. 

 A condução da fase da política, que inevitavelmente sucederá a da guerra, será melhor sem Netanyahu no governo. Da mesma forma, os árabes terão de produzir uma alternativa de governança ao Hamas se quiserem construir uma saída promissora para a estabilização. A comunidade internacional e o Brasil ajudarão nessa transição se deixarem de lado a parcialidade e os termos e instrumentos impróprios para lidar com o problema. 


Opinião de um diplomata aposentado: 

Flavio Perri
Trata-se da falta de conhecimento do Presidente impondo posições sem fundamento seja no Direito Internacional seja em nossa história diplomática, em especial no Oriente Médio. Uma simples informação sobre a natureza jurídica da CIJ indicaria a Sua Excelência que os países NÃO são chamados a manifestar suas posições em causas a serem julgadas com base no Direito Internacional por 17 juízes independentes, eleitos para um mandato de 9 anos. O Presidente atirou sem conhecer o alvo, no vazio de sua influência, apenas para no final (ou desde logo) desgastar-se e desgastar o prestígio internacional do país que pretende governar.

sábado, 17 de abril de 2021

Pandemia, verdade e justiça - Marcos Rolim

 Marcos Rolim escreveu TUDO o que é preciso saber para processar o capitão por “CRIMES CONTRA A HUMANIDADE” (mas creio que será difícil chegar ao TPI, na Haia), ou colocá-lo no foco de uma futura Comissão da Verdade e Justiça, no próprio Brasil.

Paulo Roberto de Almeida


Pandemia, verdade e justiça 

Bolsonaro se colocou ao lado dos interesses privados, procurando se desvincular politicamente dos efeitos da inevitável recessão econômica, com o único objetivo de preservar suas chances de reeleição
Por Marcos Rolim / Extra Classe, 16 de abril de 2021 
 
 
 
 


"Bolsonaro não apenas desprezou a doença. Ele ignorou a dor das famílias enlutadas e fez piadas homofóbicas com a covid. Em uma live, ele chegou a simular uma crise respiratória de alguém acometido pela doença, isso depois que muitas pessoas haviam morrido asfixiadas em Manaus graças à incúria de seu governo"

“Bolsonaro não apenas desprezou a doença. Ele ignorou a dor das famílias enlutadas e fez piadas homofóbicas com a covid. Em uma live, ele chegou a simular uma crise respiratória de alguém acometido pela doença, isso depois que muitas pessoas haviam morrido asfixiadas em Manaus graças à incúria de seu governo”

Ilustração: Detalhe de “Memória”, óleo sobre tela de Rene Magritte, Bélgica, 1948

A tragédia em curso no Brasil não tem, ainda, um nome preciso, mas penso que estamos diante de “Crime contra a humanidade”, a figura jurídica com a qual referimos o sacrifício em massa de um grupo determinado como consequência da atuação do Estado.

O artigo 7º do Tribunal Penal Internacional (TPI) elenca as condutas dessa natureza (tortura, escravidão, apartheid, privação arbitrária da liberdade, desaparecimento forçado, etc), inserindo, em seu rol de atrocidades, a seguinte formulação: “Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental”. Assim, ataque generalizado ou sistemático à população civil com efeitos dessa gravidade, não necessariamente de origem militar, preenche as características do tipo penal.

Descrever um processo que poderá conduzir o Brasil a meio milhão de mortes, talvez mais, já seria algo muito difícil, mas quando analisamos suas circunstâncias, percebemos que esse massacre foi acompanhado por um discurso e por uma política específicos, ambos identificáveis e fartamente documentados.

Desde o início, temos a postura negacionista do presidente da República, que sempre desprezou a gravidade da pandemia, que duvidou dela, que a tratou como “gripezinha” e “fantasia da imprensa”. Na base dessa visão, estava uma estratégia definida à margem do debate público e das orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS): permitir a mais ampla circulação do vírus de modo a estimular o contágio e a presumida consequência da imunização coletiva (a chamada “imunidade de rebanho”).

Estudo recente do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Conectas, o qual analisou 3.049 normas editadas pelo governo federal ao longo da pandemia, identificou essa racionalidade de forma incontroversa.

Por conta da sua estratégia, o governo federal, que deveria centralizar as ações de enfrentamento à pandemia e aglutinar todos os agentes públicos em torno de um único desafio, conter a disseminação do vírus e salvar vidas, atuou em sentido contrário, abrindo guerra contra governadores e prefeitos que procuravam assegurar medidas de distanciamento social. Agindo dessa forma, Bolsonaro se colocou ao lado dos interesses privados, procurando se desvincular politicamente dos efeitos da inevitável recessão econômica, com o único objetivo de preservar suas chances de reeleição.

Bolsonaro não apenas desprezou a doença. Ele ignorou a dor das famílias enlutadas e fez piadas homofóbicas com a covid. Em uma live, ele chegou a simular uma crise respiratória de alguém acometido pela doença, isso depois que muitas pessoas haviam morrido asfixiadas em Manaus graças à incúria de seu governo. Ele se divertiu diante da notícia de um suicídio de alguém em isolamento; chamou de “maricas” os que procuraram se proteger e de “frescura e mimimi” a ideia de ficar em casa; ele criticou o uso de máscaras, vetou a obrigatoriedade delas e promoveu aglomerações consecutivas. Bolsonaro atacou várias vezes a Coronavac e estimulou a desconfiança pública nas vacinas, chegando ao cúmulo de cogitar que a vacina poderia provocar alterações genéticas e transformar as pessoas em um jacaré.

Gestão catastrófica da pandemia

Mais: Bolsonaro recusou, em agosto do ano passado, a oferta da Pfizer de 70 milhões de doses, afirmando, em dezembro de 2020, que não havia qualquer necessidade de pressa para a vacina. Enquanto desprezava as vacinas, Bolsonaro passou a propagandear a terapia com Hidroxicloroquina e, logo depois, o chamado “tratamento precoce”, iniciativas sabidamente ineficazes no tratamento da covid, mas que produziram, além de efeitos iatrogênicos, como alterações cardíacas e hepatites medicamentosas, uma redução dos cuidados preventivos e nova subestimação da gravidade da doença. Nunca uma conduta geral de um governo restou tão claramente demonstrada.

É impossível saber quando poderemos superar a pandemia. O surgimento de novas cepas do vírus no Brasil poderá fazer com que a covid-19 se torne endêmica no país. Nessa hipótese, levaríamos muitos anos para superar a crise sanitária a um custo humano, econômico e social inimaginável. Independentemente desse desdobramento, a gestão da pandemia no Brasil tem sido de tal forma catastrófica que se tornará imperativo, em futuro próximo, que se forme uma Comissão de Justiça e Verdade a respeito do tema. Uma comissão não apenas para produzir um relato histórico dos crimes eventualmente cometidos, mas capaz também de indiciar os responsáveis por eles, um a um. É preciso, desde já, registrar o que for possível, colher depoimentos, guardar minuciosamente.

O dilaceramento, o desespero, a dor disseminada, o abandono dos mais pobres, as filas de espera em UTIs, a asfixia, a fome, as sequelas, o luto impossível, nada disso é fenômeno natural, desígnio divino ou misterioso destino. O espetáculo de horror que estamos vivendo sempre teve direção, roteiristas, sonoplastas e iluminadores, além de uma plateia adoecida disposta a aplaudir e a repetir slogans nazistas. A conduta de todos esses demônios há de ser lembrada e punida.

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Sobre os grandes problemas do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Sobre os grandes problemas do Brasil: uma visão realista (que tende ao pessimismo)

  

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivosintetizar os desafios sistêmicosfinalidadeexpressar opinião] 

 

O Brasil possui problemas conjunturais e problemas estruturais. Entre os primeiros podem ser situados as disfuncionalidades políticas, que são a fragmentação partidária e a desproporcionalidade na representação, que poderiam ser resolvidas por reformas eleitoral e política: sistema parlamentar e voto distrital misto. Mais graves são os de natureza econômica, o baixo crescimento e os ainda mais baixos ganhos de produtividade, que poderiam ser solucionados com abertura econômica e liberalização comercial, além de um foco primordial nas medidas tendentes à melhoria do ambiente de negócios, todas devidamente identificadas nos relatórios anuais de Doing Business do Banco Mundial.

A não solução desses problemas conjunturais ameaça transformá-los em problemas sistêmicos ou estruturais. 

Entre estes, dois — deixo de lado a má qualidade da governança, pois ela é geral e atinge os três poderes, pois deriva da persistência do patrimonialismo, problema “genético” e histórico do Brasil — me parecem especialmente graves, e eles são a corrupção política e a má qualidade da educação.

A corrupção política não existe apenas pelas fraudes e malversações criminosas que políticos individuais possam cometer, dentro do modo “artesanal” de produção de corrupção, que atinge um pouco todos eles, pertencentes à classe aberta dos profissionais da Política, na verdade, uma casta de sanguessugas que vive às custas de trabalhadores e empresários do setor privado, os únicos geradores de riqueza. A corrupção política pode também existir no “modo industrial” de produção da corrupção, como amplamente demonstrado pelo sistema mafioso de extração de recursos públicos e privados organizado pelo PT em seus três mandatos e meio. O Centrão também opera nessa faixa, mas de modo descentralizado, estando entre o modo “artesanal” e o “industrial” de produção de corrupção, pelo fato da extrema fragmentação partidária, que por sua vez alimenta o exército de sanguessugas, ainda e sempre em estado de proliferação.

A despeito de reversões tópicas e momentâneas — como a Operação Lava Jato, ela mesmo revertida e praticamente anulada pelos profissionais da política—, o câncer da corrupção política deve persistir no Brasil durante bastante tempo, uma vez que ele perpassa o funcionamento e está no âmago das próprias instituições republicanas, que até podem ser funcionalmente apropriadas no papel, mas que se dobram e se submetem ao governo de indivíduos, não das leis, cujo respeito é muito relativo no país. Para todos os efeitos, o Brasil NÃO É um Estado de Direito, e sim uma ação oligárquica na qual os donos do poder político e os donos do dinheiro se alimentam mutuamente. Esse tipo de situação é velho, tradicional e muito conhecido histórica e geograficamente, mas atingiu proporções “homéricas” no Brasil. Vai demorar, portanto.

Quanto à má qualidade da educação no país, ela também é histórica e tradicional, com alguns surtos episódicos de reformas modernizadoras, que não se sustentaram em virtude de dois fenômenos inevitáveis: a ampliação do acesso democratizante, ao cobrir faixas e camadas da população antes excluídas, o que coloca em stress o sistema de ensino público, e o reforço dos esquemas corporativos e sindicais, que paralisam as reformas necessárias e atuam como forças reacionárias e contrárias a quaisquer reformas de gestão. A melhoria da educação é uma hipótese ainda mais remota, difícil e delongada do que as reformas política e econômica, uma vez que não existe sequer um consenso, ou um simples entendimento, sobre a natureza do diagnóstico, o que torna ainda mais complicado o estabelecimento de uma correta ação prescritiva, que deveria dirigir-se primordialmente aos dois primeiros ciclos de ensino, com foco na formação dos professores.

 

Estes são os grandes problemas do Brasil, quase insolúveis na inexistência de líderes à altura dos desafios (e nem se está pedindo a aparição de estadistas, uma vez que persiste a mediocridade das elites existentes, de todas elas). Para grande azar da presente geração, tivemos grandes desastres derivados da inacreditável incompetência e corrupção das últimas “equipes” dirigentes: a mega corrupção e inépcia petista, que nos legou a Grande Destruição Econômica de 2015-16 (que foi montada nos dez anos anteriores) e que produziu a mega catástrofe do fenômeno bolsonarista, que representa, por assim dizer, a síntese exacerbada de todos os vícios e deformações políticas, morais e culturais de décadas, ou séculos, de acumulação de disfuncionalidades na construção da nação. 

 

Na verdade, somos ainda uma nação em construção, pois que tardamos séculos em cuidar da educação, demoramos mais do que o razoável em abolir o tráfico negreiro e eliminar e o regime escravocrata — de certa forma ainda preservado, assim como o racismo latente — e nunca nos livramos do patrimonialismo — que pode ter atingido um formato gangsterista nas últimas décadas — e continuamos insistindo em preservar a corrupção política (até em aumentá-la) e em manter a baixa qualidade da educação, o que é especialmente terrível para os mais pobres.

 

Não vou me desculpar pelo tom pessimista destas notas, uma vez que ele corresponde à necessidade de ser minimamente realista quanto a uma possível solução às duas ordens de problemas: os conjunturais — que poderiam ser resolvidos em poucos anos, caso houvesse consenso quanto ao diagnóstico e prescrições — e os sistêmicos ou estruturais, que são de difícil solução no futuro previsível, uma vez que não estão dadas as condições para a sua superação. 

O Brasil parece ser um eterno “país do futuro”, em construção permanente, mas isso não deve ser considerado algo excepcional na História: afinal de contas, os países que lograram certo nível de bem-estar sustentado e sustentável são muito poucos, numericamente, em relação à maioria da Humanidade, que é formada por países e nações que ainda se mantêm no subdesenvolvimento econômico e na corrupção política, sem muita perspectiva de superá-los em prazo razoável. 

O Brasil até que não foi um fracasso completo, tendo construído um sistema industrial relativamente bem sucedido — até retroceder precocemente no período recente — e estruturas de educação superior também relativamente bem sucedidas, com disfuncionalidades persistentes e até agravadas no mesmo período. Tudo pode ser reformado e melhorado, mas tanto as elites, quanto o povo em geral, parecem ter sido afetados por aquela cegueira coletiva de que falava um famoso escritor, que torna mais aleatório e incerto o estabelecimento de um consenso esclarecido em torno das melhores soluções. 

Elas virão, no devido tempo, que não deve ser nesta geração — ou seja, os próximos 20 a 25 anos — e talvez nem na seguinte, pois que insistimos em confirmar o triste vaticínio de Mario de Andrade feito um século atrás: o progresso chega, pois ele também é uma fatalidade.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3847, 26 de janeiro de 2021

 

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

A Grande Mentira na Alemanha de 1918 e nos EUA de 2020 - Jochen Bittner

Minhas considerações iniciais a um artigo importante. 

Trump — que é um idiota completo e não tem a menor ideia de que está construindo uma estratégia política, pois só quer manter seu eleitorado para tentar novamente em 2024 —, pode estar repetindo, sem ter consciência disso, o famoso mito dos alemães de direita e conservadores em 1918: a mentira da traição pelas costas, por parte de socialistas e do grande capital judeu. Isso alimentou o caminho da vitória dos nazistas em 1932. Trump quer manter o mito e a mentira de que as eleições foram fraudadas em seu desfavor em 2020: 88% dos seus eleitores acreditam que foram roubados. O Grande Mentecapto continua destruindo a democracia americana.

No Brasil, temos um outro Grande Mentecapto que continua repetindo que as eleições foram fraudadas em 2018, as mesmas urnas que deram vitória a FHC, a Lula, a Dilma e a ele. Idiota IRRESPONSÁVEL!

Paulo Roberto de Almeida

 

Opinion

1918 Germany Has a Warning for America

Donald Trump’s “Stop the Steal” campaign recalls one of the most disastrous political lies of the 20th century.

By Jochen Bittner

Contributing Opinion Writer

The New York Times, November 29 2020

 


HAMBURG, Germany — It may well be that Germans have a special inclination to panic at specters from the past, and I admit that this alarmism annoys me at times. Yet watching President Trump’s “Stop the Steal” campaign since Election Day, I can’t help but see a parallel to one of the most dreadful episodes from Germany’s history.

 

One hundred years ago, amid the implosions of Imperial Germany, powerful conservatives who led the country into war refused to accept that they had lost. Their denial gave birth to arguably the most potent and disastrous political lie of the 20th century — the Dolchstosslegende, or stab-in-the-back myth.

 

Its core claim was that Imperial Germany never lost World War I. Defeat, its proponents said, was declared but not warranted. It was a conspiracy, a con, a capitulation — a grave betrayal that forever stained the nation. That the claim was palpably false didn’t matter. Among a sizable number of Germans, it stirred resentment, humiliation and anger. And the one figure who knew best how to exploit their frustration was Adolf Hitler.

 

Don’t get me wrong: This is not about comparing Mr. Trump to Hitler, which would be absurd. But the Dolchstosslegende provides a warning. It’s tempting to dismiss Mr. Trump’s irrational claim that the election was “rigged” as a laughable last convulsion of his reign or a cynical bid to heighten the market value for the TV personality he might once again intend to become, especially as he appears to be giving up on his effort to overturn the election result.

  

  But that would be a grave error. Instead, the campaign should be seen as what it is: an attempt to elevate “They stole it” to the level of legend, perhaps seeding for the future social polarization and division on a scale America has never seen.

 

In 1918, Germany was staring at defeat. The entry of the United States into the war the year before, and a sequence of successful counterattacks by British and French forces, left German forces demoralized. Navy sailors went on strike. They had no appetite to be butchered in the hopeless yet supposedly holy mission of Kaiser Wilhelm II and the loyal aristocrats who made up the Supreme Army Command.

 

  A starving population joined the strikes and demands for a republic grew. On Nov. 9, 1918, Wilhelm abdicated, and two days later the army leaders signed the armistice. It was too much to bear for many: Military officers, monarchists and right-wingers spread the myth that if it had not been for political sabotage by Social Democrats and Jews back home, the army would never have had to give in.

 

The deceit found willing supporters. “Im Felde unbesiegt” — “undefeated on the battlefield” — was the slogan with which returning soldiers were greeted. Newspapers and postcards depicted German soldiers being stabbed in the back by either evil figures carrying the red flag of socialism or grossly caricatured Jews.

 

By the time of the Treaty of Versailles the following year, the myth was already well established. The harsh conditions imposed by the Allies, including painful reparation payments, burnished the sense of betrayal. It was especially incomprehensible that Germany, in just a couple of years, had gone from one of the world’s most respected nations to its biggest loser.

 

  The startling aspect about the Dolchstosslegende is this: It did not grow weaker after 1918 but stronger. In the face of humiliation and unable or unwilling to cope with the truth, many Germans embarked on a disastrous self-delusion: The nation had been betrayed, but its honor and greatness could never be lost. And those without a sense of national duty and righteousness — the left and even the elected government of the new republic — could never be legitimate custodians of the country.

 

In this way, the myth was not just the sharp wedge that drove the Weimar Republic apart. It was also at the heart of Nazi propaganda, and instrumental in justifying violence against opponents. The key to Hitler’s success was that, by 1933, a considerable part of the German electorate had put the ideas embodied in the myth — honor, greatness, national pride — above democracy.

 

The Germans were so worn down by the lost war, unemployment and international humiliation that they fell prey to the promises of a “Führer” who cracked down hard on anyone perceived as “traitors,” leftists and Jews above all. The stab-in-the-back myth was central to it all. When Hitler became chancellor on Jan. 30, 1933, the Nazi newspaper Völkischer Beobachter wrote that “irrepressible pride goes through the millions” who fought so long to “undo the shame of 9 November 1918.”

 

Germany’s first democracy fell. Without a basic consensus built on a shared reality, society split into groups of ardent, uncompromising partisans. And in an atmosphere of mistrust and paranoia, the notion that dissenters were threats to the nation steadily took hold.

 

Alarmingly, that seems to be exactly what is happening in the United States today. According to the Pew Research Center, 89 percent of Trump supporters believe that a Joe Biden presidency would do “lasting harm to the U.S.,” while 90 percent of Biden supporters think the reverse. And while the question of which news media to trust has long split America, now even the largely unmoderated Twitter is regarded as partisan. Since the election, millions of Trump supporters have installed the alternative social media app Parler. Filter bubbles are turning into filter networks.

 

In such a landscape of social fragmentation, Mr. Trump’s baseless accusations about electoral fraud could do serious harm. A staggering 88 percent of Trump voters believe that the election result is illegitimate, according to a YouGov poll. A myth of betrayal and injustice is well underway.

 

It took another war and decades of reappraisal for the Dolchstosslegende to be exposed as a disastrous, fatal fallacy. If it has any worth today, it is in the lessons it can teach other nations. First among them: Beware the beginnings.


 

Jochen Bittner (@JochenBittner) is a co-head of the debate section for the weekly newspaper Die Zeit and a contributing opinion writer.

 

The Times is committed to publishing a diversity of letters to the editor. We’d like to hear what you think about this or any of our articles. Here are some tips. And here’s our email: letters@nytimes.com.

 

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quarta-feira, 3 de junho de 2020

Artigo do general Mourão: mentiras e falcatruas

Este artigo do general Mourão, vice-presidente, é MENTIROSO, desde a primeira linha.
As manifestações contra o governo demencial do presidente não foram feitas por delinquentes, mas por pessoas normais, cidadãos preocupados com os ATAQUES que o autoritário presidente tem feito contra a democracia. 
Se delinquentes se infiltraram e depredaram patrimônio ISSO NÃO TEM NADA A VER com os propósitos dos manifestantes.Onde eles estão "sempre perdidos de armas na mão"? 
Delirante essa acusação.
Continua mentindo quando os acusa de baderneiros. 
Não são. Baderneiros são os apoiadores fascistas do presidente, e ele próprio, ao desafiar recomendações do ministério MILITAR da saúde.
Acho que ele não leu Thomas Jefferson, ou se o leu pretende dourar sua pílula amarga que é a de condenar manifestantes democráticos e pacíficos, confundindo-os com os baderneiros que se infiltraram no movimento.
Ataca o decano do STF, por isto: "associação, praticada até por um ministro do STF no exercício do cargo, além de irresponsável, é intelectualmente desonesta."
A associação é absolutamente pertinente, pois o presidente pensa igual, só não pode por em prática sua vontade de dominar a sociedade.
Ou o vice presidente esquece o que disse o presidente na reunião do dia 22/04, quando disse que queria armar o povo para "impedir uma ditadura"? Isso é uma atitude FASCISTA.
Acho que o vice-presidente deveria ficar quieto, pois está se desqualificando para exercer eventualmente a presidência no lugar do presidente genocida.
Paulo Roberto de Almeida 


 Opinião e princípios
A legítima defesa da democracia está fundada na prática da tolerância e do diálogo
Hamilton Mourão
O Estado de S. Paulo, 3/06/2020
A apresentação das últimas manifestações contrárias ao governo como democráticas constitui um abuso, por ferirem, literalmente, pessoas e o patrimônio público e privado, todos protegidos pela democracia. Imagens mostram o que delinquentes fizeram em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. Registros da internet deixam claro quão umbilicalmente ligados estão ao extremismo internacional.
É um abuso esquecer quem são eles, bem como apresentá-los como contraparte dos apoiadores do governo na tentativa de transformá-los em manifestantes legítimos. Baderneiros são caso de polícia, não de política.
Portanto, não me dirijo a eles, sempre perdidos de armas na mão, os que em verdade devem ser conduzidos debaixo de vara às barras da lei. Dirijo-me aos que os usam, querendo fazê-los de arma política; aos que, por suas posições na sociedade, detêm responsabilidades institucionais.
Aonde querem chegar? A incendiar as ruas do País, como em 2013? A ensanguentá-las, como aconteceu em outros países? Isso pode servir para muita coisa, jamais para defender a democracia. E o País já aprendeu quanto custa esse erro.
A legítima defesa da democracia está fundada na prática existencial da tolerância e do diálogo. Nesse sentido, Thomas Jefferson, o defensor das liberdades que, como presidente eleito, rejuvenesceu a nascente democracia norte-americana em momento de aparente perda de seu elã igualitário, deixou-nos preciosa citação: “Toda diferença de opinião não é uma diferença de princípios”.
Uma sociedade que se organiza politicamente em Estado só pode tê-lo verdadeiramente a seu serviço se observar os princípios que regem sua vida pública. Cabe perguntar se é isso que estamos fazendo no Brasil.
É lícito usar crimes para defender a democracia? Qual ameaça às instituições no Brasil autoriza a ruptura da ordem legal e social? Por acaso se supõe que assim será feito algum tipo de justiça?
As cenas de violência, depredação e desrespeito que tomaram as manchetes e telas nestes dias não podem ser entendidas como manifestações em defesa da democracia, nem confundidas com outras legítimas, enquanto expressões de pensamento e dissenso, essenciais para o debate que a ela dá vida. Desde quando, vigendo normalmente, ela precisa ser defendida por faces mascaradas, roupas negras, palavras de ordem, barras de ferro e armas brancas?
Não é admissível que, a título de se contrapor a exageros retóricos impensadamente lançados contra as instituições do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, assistamos a ações criminosas serem apoiadas por lideranças políticas e incensadas pela imprensa. A prosseguir a insensatez, poderá haver quem pense estar ocorrendo uma extrapolação das declarações do presidente da República ou de seus apoiadores para justificar ataques à institucionalidade do País.
Cabe ainda perguntar qual o sentido de trazer para o nosso país problemas e conflitos de outros povos e culturas. A formação da nossa sociedade, embora eivada de problemas contra os quais lutamos até hoje, marcadamente a desigualdade social e regional, não nos legou o ódio racial nem o gosto pela autocracia. Todo grande país tem seus problemas, proporcionais a seu tamanho, população, diversidade e complexidade. O Brasil também os tem, não precisa importá-los.
É forçar demais a mão associar mais um episódio de violência e racismo nos Estados Unidos à realidade brasileira. Como também tomar por modelo de protesto político a atuação de uma organização nascida do extremismo que dominou a Alemanha no pós-1.ª Guerra Mundial e a fez arrastar o mundo a outra guerra. Tal tipo de associação, praticada até por um ministro do STF no exercício do cargo, além de irresponsável, é intelectualmente desonesta.
Finalmente, é razoável comparar o regime político que se encerrou há mais de 35 anos com o momento que vivemos no País? Lendo as colunas de opinião, os comentários e até despachos de egrégias autoridades, tem-se a impressão de que sessentões e setentões nas redações e em gabinetes da República resolveram voltar aos seus anos dourados de agitação estudantil, marcados por passeatas de que eventualmente participaram e pelas barricadas em que sonharam estar.
Não há legislação de exceção em vigor no País, nem política, econômica ou social, nenhuma. As Forças Armadas, por mais malabarismo retórico que se tente, estão desvinculadas da política partidária, cumprindo rigorosamente seu papel constitucional. Militares da reserva, como cidadãos comuns, trabalham até para o governo, enquanto os da ativa se restringem a suas atividades profissionais, a serviço do Estado.
Se o País já enfrentava uma catástrofe fiscal herdada de administrações tomadas por ideologia, ineficiência e corrupção, agora, diante da social que se impôs com a pandemia, a necessidade de convergência em torno de uma agenda mínima de reformas e respostas é incomensuravelmente maior. Mas para isso é preciso refletir sobre o que está acontecendo no Brasil.
Quando a opinião se impõe aos princípios, todos perdem a razão. Em todos os sentidos.
VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA